segunda-feira, 1 de abril de 2019


Carta aberta das Pastorais Sociais do Campo na luta por justiça agrária e socioambiental, em Minas Gerais.

Assim fala o Senhor Deus: grita forte, sem cessar... e denuncia os crimes... então invocarás o Senhor e ele te atenderá” (Isaías 58,1.9a)

Logotipos das Pastorais Sociais Cáritas, CPP, CIMI, SPM e CPT.

Com as boas energias das lutas do mês de março, especialmente do Dia Internacional das Mulheres, 08 de março, as Pastorais Sociais do Campo, em Minas Gerais – Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Conselho de Pastoral dos Pescadores e das Pescadoras (CPP), Cáritas Regional MG, Pastoral da Juventude Rural (PJR), Serviço de Pastoral dos Migrantes (SPM) e Pastoral Afro da Arquidiocese de Mariana – vêm a público, irmanadas na luta, denunciar e anunciar o que segue.
Em Minas Gerais, a violência no campo campeia desde 22 de abril de 1.500, no entrelaçamento de propriedade capitalista da terra, renda e poder. O estado de Minas Gerais foi sede da capital brasileira Vila Rica, ainda no século XVIII, em um processo de acúmulo das riquezas forjado desde a invasão pelos portugueses europeus, com o genocídio de nossos parentes ancestrais. Os mais de cem povos indígenas que habitavam o território mineiro hoje estão resumidos a pouco mais de 15 mil indígenas, em 17 territórios, constituindo apenas 14 povos - Xacriabá, Aranã, Maxacali, Xucuru-cariri, Pataxó, Pataxó Hã-hã-hãe, Puris, Pankararu, Krenak, Mukurin, Catu-Awá-Arachá, Kiriri, Kamakã Mongoió, Tuxá e Kaxixó – na luta pelos seus territórios para que sejam resgatados e demarcados de forma integral[1].
Em Minas Gerais, o chamado agronegócio surge com a imposição de uma política agrícola que pregava a modernização da agricultura, modernização colonizadora e violentadora. Este modelo veio permitir que grandes empresas estrangeiras introduzissem insumos químicos no mercado brasileiro, obtendo grandes lucros e tornando-nos dependentes de um ‘pacote’ tecnológico imposto. Assim, nasce a Japan International Cooperation Agency (JICA) com o Programa de Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER) promovendo as atividades do complexo agroindustrial. O ecossistema dos cerrados foi substituído por extensas áreas de monoculturas do café, da cana-de-açúcar, da soja e dos maciços homogêneos do eucalipto.[2]
É gravíssima essa expansão do agronegócio no bioma dos cerrados, o que implica em devastação de ‘uma floresta invertida’. Carlos Walter Porto Gonçalves e outros pesquisadores dizem: “Os Cerrados se caracterizam por ser “uma floresta invertida”, como insistia uma das maiores autoridades em conhecimento dos Cerrados, o agrônomo/geógrafo Carlos Eduardo Mazzetto Silva (o saudoso Mazzan), pois para cada volume de biomassa sobre a superfície, os Cerrados têm até sete vezes mais biomassa abaixo do solo” (PORTO GONÇALVES, 2014, p. 92).
As extensas plantações de soja contaminam com agrotóxicos as nascentes dos córregos e dos rios, além de serem também responsáveis pelo confinamento dos pequenos agricultores nos grotões das encostas dos gerais, “encurralando-os” com as monoculturas da soja ou do eucalipto.
Repudiamos este agronegócio, cuja produção em larga escala, é feita em grandes extensões de terra (latifúndio), com sofisticada tecnologia em quase monopólio de empresas transnacionais, com uso indiscriminado de agrotóxico e, muitas vezes, com mão de obra em condições análogas à escravidão. Após o desmatamento da maior parte dos cerrados, implantada onde existiam os cerrados, a monocultura de eucalipto resseca a terra, seca nascentes, escorraça os pássaros, expulsa os camponeses que são obrigados a vender suas pequenas propriedades por falta d’água.
Grande parte dos conflitos de terra em Minas acontece em terras devolutas. Além das demandas das famílias sem-terra, existem no estado de Minas Gerais mais de 800 áreas de remanescentes de quilombos que estão em processo de autorreconhecimento, reivindicando titulação e demarcação. Apenas entre 2004 e 2007, foram reconhecidas pela Fundação Palmares, em Minas Gerais, 81 comunidades quilombolas.[3] Não há em Minas Gerais nenhuma comunidade quilombola titulada, o que é uma injustiça que clama aos céus. No Maranhão há mais de 80 comunidades quilombolas tituladas e no Pará mais de 50.
Minas Gerais é o único estado que tem Minas no nome, minas de água e de minério, mas as grandes mineradoras, como a VALE, estão causando um colapso nas condições de vida da maior parte dos municípios do estado, pois a mineração devastadora socioambientalmente chegou à exaustão! Somente em rompimentos de barragens (crimes e tragédias anunciadas), já  matou milhares de vidas humanas em uma crueldade sem limites! Em 1717, negros escravizados já eram soterrados nas grutas de mineração em Vila Rica; em meados de 1844, na Mina de Cata Branca, município de Itabirito, à época, alvo da exploração aurífera, por uma empresa britânica chamada Saint John del Rey Mining Company, houve o desabamento da galeria explorada e o soterramento de centenas de operários escravos. Empresários ingleses mandaram inundar a galeria para matar afogados nossos irmãos negros soterrados que gritavam por socorro. Em 21 de novembro de 1867, na Mina de Morro Velho, no município de Nova Lima, um desabamento matou 17 negros escravizados e um trabalhador inglês. Mais recentemente, rompimentos de barragens, nas minas de Fernandinho (1986) e Herculano (2014), em Itabirito; Rio Verde (2001), no distrito de Macacos, em Nova Lima; e da Mineração Rio Pomba (2008), em Miraí, redundaram em dezenas de outras mortes e prejuízos irreversíveis ao meio ambiente de Minas Gerais. Em Bento Rodrigues, Mariana, dia 05/11/2015, o rompimento de barragem matou na hora 19 pessoas e, depois, em três anos, outras 30 pessoas morreram por causa dos traumas e consequências; matou o rio Doce até à sua foz, adoecendo pessoas e exterminando a atividade pesqueira com todo um modo de vida tradicional. Dia 25/01/2019, em Brumadinho, com licença do Estado, a mineradora VALE, criminosa reincidente, com o crime tragédia de rompimentos de outras barragens, matou mais de 310 pessoas, matou o Rio Paraopeba e apunhalou mais ainda o já golpeado Rio São Francisco. Várias pessoas já morreram após o crime iniciado dia 25/01/2019, em Brumadinho, por falta de estrada para chegar ambulância, por ataque cardíaco,  entre outras ocorrências relacionadas às consequências desse crime.
Diante desse cenário, as Pastorais Sociais do Campo, em Minas Gerais, irmanadas na luta ao lado das camponesas e camponeses, experimentam, no estado, a dolorosa política de retrocesso de direitos básicos inerentes à vida, nos níveis de governos federal e estadual. O governo Romeu Zema está alinhado às políticas privatistas do governo Bolsonaro sob interesse do capital, e coloca a terra, a irmã água e os recursos da terra a serviço da tirania dos capitalistas. Enquanto isso, povos e comunidades tradicionais e o povo superexplorado do campo e da cidade seguem na mira da violência contra suas existências.
Por mais que os grandes empresários disseminem agrotóxicos e devastação socioambiental, as Pastorais Sociais do Campo continuam junto com as Comunidades Camponesas que seguem resistindo, testemunhando que o caminho da vida para todos e todas passa, necessariamente, pela construção de uma Sociedade do Bem Viver e Bem Conviver.

Referência.

PORTO GONÇALVES, Carlos Walter; CUIN, Danilo Pereira; LEAL, Leandro Teixeira; NUNES SILVA, Marlon. Dos Cerrados e de suas riquezas. In: Conflitos no Campo Brasil 2014. Goiânia: CPT Nacional, p. 88-95, 2014.

Assinam esta Carta aberta:
Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
Cáritas Brasileira Regional MG
Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG)
Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM)
Pastoral da Juventude Rural (PJR)
Pastoral Afro Brasileira da Arquidiocese de Mariana.

Belo Horizonte, MG, 1º de abril de 2019.


[2] A Lei Federal nº 5106, de 02/9/1966, sancionada pelo general Castelo Branco, concedia incentivos fiscais a empresas e fazendeiros – abatimento de até 50% do Imposto de Renda para pessoas físicas e jurídicas - que implementassem monocultura de eucalipto nos cerrados.
[3] Cf. Sobre história e resistência dos quilombolas em Minas Gerais, cf. CEDEFES (Org.). Comunidades quilombolas de Minas Gerais no século XXI: história e resistência. Belo Horizonte: Autêntica/CEDEFES, 2008.


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