sexta-feira, 27 de maio de 2016

Educação: cuidar da mãe Terra e de seus filhos/as, responsabilidade de todos.por frei Gilvander. 23/05/2016.

Educação: cuidar da mãe Terra e de seus filhos/as, responsabilidade de todos.
Por frei Gilvander Moreira[1]

Dia 23 de maio de 2016, fiz palestra no Teatro Municipal Vera Cruz, de Uberaba, MG. Mais de mil estudantes e professores, dentre outras pessoas, participaram. Eis, abaixo, o que orientou nossa reflexão e partilha de experiências sobre o tema: Educação: cuidar da mãe Terra e de seus filhos/as, responsabilidade de todos/as. Obrigado pelo convite. Que beleza a realização do II Seminário da Pastoral da Educação da Arquidiocese de Uberaba, MG. Parabéns a todos/as que organizaram e a todos/as que estão aqui participando. Mesmo estando com minha agenda muito cheia, aceitei o convite e vim de longe para tentar contribuir, porque esse assunto é muito sério. Vim para partilhar e socializar algumas reflexões com vocês e partilhar várias experiências.
Como deve ser uma Escola e nossa Educação para que de fato nos ensine a cuidar da mãe Terra e de seus filhos/as?
Não pode ser uma Escola do decoreba e só aprender conteúdos para ser aprovado no ENEN e ingressar em um curso universitário. Não pode ser uma escola que apenas nos prepare tecnicamente para sermos escravizados no mercado de trabalho. Não pode ser uma educação bancária (Paulo Freire), nem uma escola que reproduz as desigualdades sociais (Bordieu). Não pode ser uma Educação apenas escolar, mas também e principalmente extraclasse.
Que seja uma educação que proporcione aos estudantes vivenciar experiência de convivência com a natureza, com os povos indígenas, com os camponeses, com o povo da periferia, das ocupações. Que seja uma educação/escola onde os estudantes sejam protagonistas, sujeitos ativos e não passivos. Que seja uma escola do diálogo entre educadores e educandos, envolvendo toda a comunidade, mas que seja diálogo a partir da realidade dos educandos e dos desafios que nos envolvem.
O QUE FAZER E COMO FAZER?
Um pequeno camponês cearense, ao refutar a transposição da águas do rio São Francisco dizia: “Não precisamos de projetos faraônicos, mas de milhares de pequenos projetos feitos pelo povo a partir do povo. Projetos gigantescos só beneficiam os tubarões.”
Muitas crises estão afetando as pessoas e todos os demais seres que habitam nossa Casa Comum. A CRISE ECOLÓGICA já acendeu o sinal vermelho há muito tempo. A temperatura do planeta está aumentando. As calotas polares estão derretendo. “O mundo está em chamas”, já dizia, ainda no século XVI, Teresa de Jesus, espanhola e freira carmelita, uma das três mulheres consideradas doutoras pela Igreja. O que acontece, todavia, é que do século XVI para cá, o modo de produção industrial, os estilos de vida impostos pelo modelo capitalista e tecnocrático somente agravaram os problemas ambientais no Planeta. “Não brinque com fogo”, dizia a mamãe Leontina. Urgente se tornou interrompermos a espiral de autodestruição da humanidade e de todo o planeta.
Pela quarta vez ecumênica, a Campanha da Fraternidade (CF) aborda um assunto sobre a crise ecológica. A CF de 2016 tem como
Tema: “Casa comum, nossa responsabilidade”,
como Lema: “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca (Amós 5,24)
e como Objetivo Geral: “assegurar o direito ao SANEAMENTO BÁSICO para todas as pessoas.
Quatro Campanhas da Fraternidade Ecológicas, de 1979 a 2016: em 37 anos:
1ª) CF/1979: sobre Ecologia, com o lema “Preserve o que é de todos.”
2ª) CF/2004: sobre A água, com o lema “Água, fonte de vida.” (25 anos depois).
3ª) CF/2011: Vida no Planeta, com o lema “A criação geme em dores de parto”, refletiu sobre a crise ecológica mundial. (7 anos depois).
4ª) CF/2016: Casa comum, nossa responsabilidade. (apenas 5 anos depois).

Ao perguntar “Quem aqui nasceu na roça, no campo?” e “Quem nasceu na cidade e vive na cidade?”, observei que das mais de mil pessoas presentes no auditório do teatro apenas 5% tinham nascido no campo/roça e que 95/% tinham nascido na cidade. Sugeri a importância de todos/as fazerem experiência de vida com os camponeses, com os quilombolas, com os Sem Terra, com os povos indígenas.  
Ver, Julgar e Agir: eis o método da Ação Católica, das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), das Pastorais sociais, dos movimentos sociais populares e da Teologia da Libertação.
Como era nosso mundo? (olhar para o passado a partir dos oprimidos). Como está? (analisar o presente para partir dos injustiçados). E como deve se tornar o nosso mundo? (projetar o futuro, utopia, a partir dos últimos).
Como era no passado nossa Casa Comum, o planeta Terra?
Gênesis 1,2: “O Espírito de Deus está nas águas.”: Tudo é sagrado. A Terra é sagrada e assim deve ser considerada. A Terra é Templo sagrado. Não podemos mais continuar profanando nossa única Casa Comum: o planeta Terra.
Gênesis 2,4-15: O ser humano, em um paraíso, é convidado a ser jardineiro, cuidador do ambiente e de todos os seres vivos.
É hora de resgatarmos a mística e a espiritualidade de São Francisco de Assis: a fraternidade universal. “Irmão sol”, “irmã água”, irmã árvore, irmão oxigênio, irmã borboleta, irmão peixe, irmão sapo, irmão morcego etc.
Levítico 25: ano sabático: de 7 em 7 anos, deixar a terra repousar e de 50 em 50 anos – Jubileu -, reorganização geral da vida social. As terras compradas devem ser devolvidas aos seus antigos donos/administradores. Os endividados devem ter suas dívidas perdoadas. Isso prescreve o jubileu bíblico.
Somos natureza, somos corpo, somos ambiente.
Como está no presente nossa única Casa Comum, o planeta Terra?
Vivemos tempo de aquecimento global e de escurecimento global.
Quando vejo uma criança, tenho dois sentimentos. Por um lado, sinto a ternura de Deus, o encanto, a graciosidade, a transparência, a vida ressurgindo, a esperança está nas crianças. Por outro lado, me pergunto: que futuro terá essa criança diante da maior devastação socioambiental da história?
Temos que ter responsabilidade geracional, além de responsabilidade social. No futuro nossos filhos e netos, vão nos perguntar: Onde estavam vocês e o que vocês fizeram para nos herdar esse mundo devastado?
99% das pessoas têm boas intenções, mas de boas intenções a estrada para o inferno do capital está pavimentada.
A Terra é um grande ser vivo: Gaia, segundo o cientista James Lovelock, no livro A vingança de Gaia. “Deus sempre perdoa, o ser humano, às vezes, mas a natureza nunca perdoa”, diz a sabedoria popular.
Leonardo Boff e frei Betto escreveram vários livros sobre o tema Cuidar da Terra, nossa única casa comum. (Sugiro a leitura dos livros Saber cuidar. Ética do humano – compaixão pela Terra. Petrópolis, Vozes, 1999 e O cuidado necessário. Petrópolis, Vozes, 2012. Frei Betto, A obra do Artista – uma visão holística do Universo. Rio, José Olympio, 2011.)
Como ser vivo, a Terra, Gaia, está adoecida, já quase na UTI. Está sofrendo queimaduras de 1º, 2º e 3º graus.  Nós seres humanos somos a espécie animal que mais depende de todos os outros seres vivos.  Segundo, estudos das Universidades Federais do Ceará, do Mato Grosso, UNB e Fio Cruz, mais de 34% da alimentação que chega na mesa do povo brasileiro está envenenada, porque foi produzido com o excesso de agrotóxico. Assistam aos 2 filmes do cineasta Sílvio Tender: O VENENO ESTÁ NA MESA I e II (estão no youtube).
Comida de verdade é a comida da vovó. Quando eu era criança no final de década de 1960, uma das alegrias ao chegar à casa da vovó Laurinda, no município de Rio Paranaíba, era degustar a comida: 30 panelinhas com todo tipo de verdura, tudo natural, sem uma gota de agrotóxico. É de dar água na boca!
Sedentarismo está sendo uma das maiores causas de morte da atualidade. Os avanços tecnológicos estão tornando as pessoas cada vez mais sedentárias.
1 - Ecologia ambiental. Mais de 16 bilhões por ano na indústria de Pet shop, planos de saúde para animais.
2 - Ecologia social. O ser humano é o animal que não pode ser esquecido.
3 - Ecologia integral. Todos os seres vivos devem ser respeitados, pois fazem parte da grande comunidade de vida. Por exemplo, o sapo é um grande ecologista e o morcego, um grande semeador.
4 - Ecologia política. Não basta dizer que a culpa é de todas as pessoas e que cada um/a deve fazer a sua parte. Isso só tranquiliza consciência, mas não resolve nada. É preciso perceber a trama de poder que envolve todas as relações sociais. O grande inimigo não são as pessoas, mas o sistema capitalista – sistema do capital – que prima por lucrar, acumular e gerar mais-valia e, por isso, vai devastando tudo em nome do capital.
Como o pecado entrou no mundo? Alguém cercou um pedaço de terra e disse: “isso é meu.” E os outros aceitaram resignadamente.
Quem faz greve de fome, se estiver com a saúde boa, pode aguentar uns 40 dias. Se fizer greve de água, aguenta no máximo uns 10 dias. Se fizer greve de oxigênio, aguenta no máximo uns 3 minutos. Dependemos todos os segundos da nossa vida do irmão oxigênio, que é fruto do encontro dos raios solares com o verde das plantas.
Os elementos químicos da tabela periódica estão em nós, na terra e em todos os seres vivos. O papa Francisco enfatiza na Encíclica Louvado Sejas: “O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos” (n. 2).
Viver é uma experiência eucarística de comunhão permanente. As plantas e o sol nos oferecem oxigênio e nós, pela expiração, oferecemos gás carbônico para as plantas. Mas com a devastação ambiental o desequilíbrio natural é rompido. Diz o papa Francisco na encíclica Louvado Sejas que não podemos “considerar a natureza como algo separado de nós ou uma mera moldura de nossa vida” (n. 139).
O papa Francisco nos alerta: não basta constatar as consequências das estruturas da sociedade em que vivemos, como a desigualdade social e a degradação ambiental. É preciso conhecer as causas. Pois “a deterioração do meio ambiente e da sociedade afetam de modo especial os mais frágeis do planeta. (...) os efeitos mais graves de todas as agressões ambientais recaem sobre as pessoas mais pobres” (n. 48). Aqui a dimensão holística adquire um caráter social: “Tudo está inter-relacionado e o cuidado autêntico da nossa própria vida e das nossas relações com a natureza é inseparável da fraternidade, da justiça e da fidelidade aos outros” (n. 70).
Minha experiência pessoal com o meio ambiente.
Seis meses antes do golpe de 1964, eu nasci na roça no município de Rio Paranaíba, MG. Nasci na roça e cresci roçando capoeira e cortando mata para fazer lavoura de milho, feijão e arroz, em Unaí e Arinos, no Noroeste de Minas Gerais. Cortei muitas árvores, mas hoje não tenho coragem de cortar mais nem uma árvore. Carreguei muita lata d´água na cabeça para a mamãe fazer almoço, janta e para tomarmos banho na bacia em dois ou no máximo três litros de água. Senti na pele a escassez de água no Noroeste de Minas. Por isso não desperdiço água. Quando eu era criança, ouvi muitos fazendeiros dizerem: “temos que formar a fazenda.” Descobri depois que “formar” significava desmatar tudo. Passar o trator com correntão e derrubar todo cerrado, deixando a terra pelada sem nenhuma árvore e plantar capim brachiara em todo o terreno. Isso era despelar a terra. Após estudar e experimentar as agruras da devastação ambiental, percebo que o que os fazendeiros entendiam como “formar a fazenda” era deformar a fazenda, matar a riquíssima biodiversidade existente.
Trabalhando como meeiro, ao lado do papai, descobri que a sociedade é organizada de forma injusta e desigual. Não é justo e Deus não quer que uma minoria se aproprie das riquezas – meios de produção – (terra, indústrias, fábricas, capital financeiro etc) e condene a maioria do povo sendo (super)explorado.
Com uma professora de História aprendi que devemos ler a história a partir dos oprimidos e injustiçados. Com o livro História da riqueza do homem, de Leo Huberman, comecei a curar a cegueira que a ideologia dominante impõe a toda a população.
Descobri como funciona a sociedade: exploração do capital.

Descobri que no início tudo era muito bom: paraíso terrestre. Na Bíblia, nas Américas antes de 1492, nas comunidades africanas, o povo negro era livre. As comunidades camponesas eram solidárias.
Temos uma origem muito bonita, uma responsabilidade grande para construirmos um mundo justo e solidário.
Saneamento, uma necessidade humana: Em 2013, segundo o Ministério da Saúde (DATASUS), foram notificadas mais de 340 mil internações por infecções gastrointestinais no país. Se 100% da população tivesse acesso à coleta de esgotos sanitários, haveria uma redução em termos absolutos de 74,6 mil internações.
Sem Saneamento para todos os 204 milhões de brasileiros não há como superar as epidemias de dengue, zika e chikungunha. Não basta fazer o que o Dr. Osvaldo Cruz, no início do século XX, descobriu como remédio para deter a malária: evitar a retenção de água, o que viabiliza a multiplicação das larvas do mosquito.

A LIÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS
Uma reflexão de Leonardo Boff sobre as lições que podemos receber dos povos indígenas: indígenas sentem e veem a natureza como parte de sua sociedade e cultura, como prolongamento de seu corpo pessoal e social. Para eles a natureza é um sujeito vivo e carregado de intencionalidades. Não é como para nós modernos, um objeto mudo e sem espírito. A natureza fala e o indígena entende sua voz e mensagem. Por isso ele está sempre auscultando a natureza e se adequando a ela num jogo complexo de inter-relações. Há sábias lições que precisamos aprender deles face às atuais ameaças ambientais. Importa entender a Terra, não como algo inerte, com recursos ilimitados, disponíveis ao nosso bel prazer. Mas como algo vivo, a Mãe do índio a ser respeitada em sua integridade. Se uma árvore é derrubada, faz-se um rito de desculpa para resgatar a aliança de amizade. Precisamos de uma relação sinfônica com a comunidade de vida, pois como foi comprovado, Gaia (terra) já ultrapassou seu limite de suportabilidade. Se deixarmos as coisas correrem e não fizermos nada as ameaças se tornarão devastadora realidade. (Leonardo Boff, O desafio Amazônico, 19/02/2007).
Em 1852, o governo dos Estados Unidos propôs comprar as terras dos índios. O cacique Seattle estranhou a proposta e expôs a sua preocupação numa carta ao Presidente. Segue aqui um trecho da carta: “O presidente em Washington informa que deseja comprar nossa terra. Mas como é possível comprar ou vender o céu ou a terra? A ideia nos é estranha. Se nós não possuímos o frescor do ar e a vivacidade da água, como vocês poderão comprá-los? Cada parte desta terra é sagrada para meu povo. ... Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs. O urso e a águia são nossos irmãos. O topo das montanhas, o húmus das campinas, o calor do corpo do cavalo, o ser humano, pertencem todos à mesma família. A água brilhante que se move nos rios e riachos não é apenas água, mas é o sangue de nossos ancestrais. Se lhes vendermos nossa terra, lembrem-se de que o ar é precioso para nós, o ar partilha seu espírito com toda a vida que ampara. Uma coisa sabemos: nosso Deus é também o seu deus. A terra é preciosa para ele. Esta terra é preciosa para nós, também é preciosa para vocês. Uma coisa sabemos: existe apenas um Deus. Nenhum ser humano, vermelho ou branco, pode viver à parte. Afinal, somos irmãos!" (Joseph Campbell, O Poder do Mito, 14ª edição, São Paulo: Editora Palas Atenas, 1996, pp.34 e 36)
São duas maneiras diferentes de relacionar-se com a terra. Para Seattle, o chefe indígena, a terra é dom de Deus e fonte de identidade. Para o Presidente dos Estados Unidos a terra é apenas uma mercadoria, um objeto de troca. Para Arru, o índio do Xingu, a terra, o chão, o passado, o céu, tudo faz parte de uma sabedoria universal que nos envolve e da qual nós somos apenas uma parte. Não somos os donos do mundo; tomamos conta, e temos que prestar conta. Dizia um descendente dos índios lá do Ceará: “Eu não sou pessoa. Sou pedaço de pessoa. A pessoa é a comunidade. Vivendo em comunidade me torno pessoa”. São duas mentalidades distintas: a dos índios e a nossa. Temos muito a aprender deles. Nos últimos três ou quatro séculos, uma ciência utilitarista que só busca seu próprio proveito, privou-nos desse contato com a natureza e, por conseguinte, da sabedoria que nasce do contato com a mãe terra, Pachamama.

A mensagem do povo negro e do povo camponês para nós.

Visões e práticas opressoras:
1     - O Antropocentrismo é uma estupidez. Uma convicção profunda permeia toda a Encíclica Laudato Si’: a convicção que o papa Francisco, carinhosamente, propõe a todas as pessoas de boa vontade: “Visto que todas as criaturas estão interligadas, deve ser reconhecido com carinho e admiração o valor de cada uma, e todos nós, seres criados, precisamos uns dos outros (n. 42).” Isso mesmo: Nós, seres humanos, somos os seres vivos que mais dependem de todos os outros seres vivos. Logo, é estupidez o antropocentrismo que exalta o ser humano individualmente abrindo, espaço para o sistema pisar, violentar e assassinar tantos seres vivos.
2     “Crescei e dominai a terra, submetei-a!” (Gênesis 1,28). Esse versículo bíblico interpretado de forma fundamentalista e literalmente tem justificado a devastação do meio ambiente.
3     Mentiras que correm soltas na Mídia: Quem mais gasta água? 16,8%, as famílias; 70% o agronegócio com hidronegócio e as indústrias eletrointensivas. As grandes empresas são consumidoras livres, pois podem comprar energia da empresa que lhe fizer o melhor preço, sendo o sistema elétrico brasileiro todo interligado. Mas as famílias são consumidores cativos, pois são obrigadas a comprar energia da empresa que fornece no local. A superação dessa opressão passa por energia solar em todas as residências.
4     A mídia polui o nosso espírito, fura os olhos do povo. Roberto Marinho disse: “o mais importante não é o que a TV Globo mostra, mas o que ela esconde.” Toda “notícia” no jornal Nacional é propaganda disfarçada, pois tem o objetivo de conduzir a população para consumir tal produto ou defender propostas que no fundo são de interesse da classe dominante. Pauta da mídia: a tríade economicismo, violência e entretenimento. Por que so isso? Por que não noticiar o que de bom e emancipatório acontece? Noticiar o que de bom acontece na sociedade também é cuidar do ambiente.
5     Pacto satânico entre o agronegócio e a indústria farmacêutica. Quanto mais se envenena a produção agrícola, mais os donos do agronegócio lucram, mais a população fica adoecida e cai no colo da indústria farmacêutica que, assim, lucra/furta de forma absurda.
6     Transporte individual, não. Transporte público de qualidade, sim. A automovelatria causa concentração de riqueza e poluição imensa.
7     Progresso para quem? Nem todo progresso é bom. Bom, sim, é desenvolvimento social. Progresso só para acumulação de capital para umas poucas grandes empresas e seus acionistas significa miséria e devastação socioambiental.
Visões e práticas libertadoras:
1)   Deus, nas ondas da evolução, criou tudo muito bonito e colocou o ser humano para ser jardineiro, para cuidar.
2)   Tudo o que acontece em qualquer ponto do planeta terra atinge a todos.
3)   Dois sistemas de água na cidade de São Paulo: água na torneira e captação de água da chuva. Isso diminui as enchentes, reduz o preço da conta d’água no final do mês.
4)   Agroecologia, sim; agronegócio, não. O MST tem o maior banco de sementes crioulas do mundo. Cursos de agroecologia em níveis técnico, universitário, mestrado e doutorado.
5)   Música de qualidade, sim; lixo musical, não. Música de raiz, música que nos fazem pensar, sentir e amar. Música romântica, sim, mas sem discriminação contra a mulher e sem racismo. Violeiros, por exemplo. Pena Branca e Xavantinho. Que beleza!
6)   Coleta seletiva, mas não basta separar em casa. É preciso cobrar da prefeitura o cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) que exige a inclusão dos catadores na política municipal assegurando apoio econômico e contratação das cooperativas de catadores. A utopia é Reduzir o consumo, Reutilizar as coisas, Reciclar os resíduos e Repensar o estilo de vida e nosso sistema político e econômico. Colocar em prática um estilo de vida simples e austero.
7)   A luta coletiva educa. Só educação escolar não basta.
Não basta cada um/a fazer sua parte. É preciso atuação comunitária e coletiva a partir dos injustiçados.
Dentro do sistema capitalista não há solução. Capitalismo é uma máquina de moer vidas. Quanto mais se desenvolve, mais devastação socioambiental causa.
Experimente fazer a experiência de ficar sem respirar: greve de oxigênio.
Com o auxílio dos omissos, dos cúmplices e dos coniventes, o capitalismo causou – e continua aprofundando – a maior crise ecológica de todos os tempos dos humanos sobre a face da terra.  As mineradoras com suas máquinas pesadas, cada vez mais potentes, como dragões cuspindo fogo, dizimam milhões de nascentes d’água pelo mundo afora. Ao formar crateras, deixam a mãe Terra dilacerada. Grandes empresas do agronegócio ampliam as monoculturas de eucalipto, de soja, de café, de cana etc e, assim, deixam um rastro de destruição nunca antes visto. O esgotamento dos solos férteis é um risco para a segurança e soberania alimentar da humanidade. Megaempresas do hidronegócio transformaram a água em mercadoria. Um litro de água em alguns lugares, como aeroportos, custa um absurdo.
É grande o nosso desafio. Por isso faz bem recordar que o pequeno Davi venceu Golias e que segundo o profeta Daniel, da Bíblia, uma pedrinha que crolou da montanha, ao bater nos pés de barro do gigante, acabou por despedaçá-lo. O pequeno Davi venceu Golias, porque se conhecia muito bem, buscou conhecer bem o inimigo e escolheu a melhor estratégia e tática. Sozinhos somos frágeis, mas agindo em conjunto, coletivamente, podemos muito mais do que pensamos que podemos.

Frei Gilvander Luís Moreira
Facebook: Gilvander Moreira.
Uberaba, 23 de maio de 2016.















[1] Padre carmelita, graduado em Filosofia e Teologia, mestre em Ciências Bíblicas e doutorando em Educação pela FAE/UFMG; www.freigilvander.blogspot.com.brwww.gilvander.org.brgilvanderufmg@gmail.com Face: Gilvander Moreira. 

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terça-feira, 24 de maio de 2016

MANIFESTO DOS MORADORES ACORRENTADOS PELA PRESERVAÇÃO 100% DA MATA DO PLANALTO. Nota Pública.

MANIFESTO DOS MORADORES ACORRENTADOS PELA PRESERVAÇÃO 100% DA MATA DO PLANALTO.
Nota Pública.
Hoje, terça-feira, dia 24 de maio de 2016, desde cedo, por tempo INDETERMINADO, nós, povo do bairro Planalto e das Ocupações da Izidora, estamos protestando diante da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), à Av. Afonso Pena, Belo Horizonte, MG. Acorrentados, denunciamos à população de Belo Horizonte, de Minas e do Brasil o descaso das autoridades da nossa cidade e a intenção política de devastar a última área verde de Mata Atlântica de Belo Horizonte: a MATA DO PLANALTO, no bairro Planalto, região norte de BH. Somos lideranças, moradores da região e da cidade, que há sete anos lutamos, para que a área de quase 200 mil m2 (200 hectares = 200 campos de futebol), com aproximadamente 20 nascentes, que abriga espécies da fauna e da flora em extinção, como ipê amarelo, tucanos, répteis, mico estrela, entre outras, seja 100% preservada.
Pagamos nossos impostos, somos cidadãos belorizontinos. Temos o direito de escolher a cidade que queremos morar. Mas nos ignoram a Câmara Municipal, o prefeito Márcio Lacerda (PSB) e seu Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM). As empresas Petiolare e Construtora Direcional, que só visam lucro, são responsáveis por um projeto que pretende devastar a Mata do Planalto, destruir suas nascentes e exterminar sua biodiversidade e toda vida, que há mais de 50 anos habita aquela mata.
À revelia  das irregularidades constatadas no processo, como relatórios defasados de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), que datam de 2010; da comprovação pelo Ministério Público Estadual (MPE/MG) da área tratar-se de Mata Atlântica; de entrevista dada pelo secretário municipal interino de meio ambiente e presidente do COMAM, Vasco Araújo, à TV MINAS, onde afirma que “está lutando para dar o licenciamento”; já são provas cabais de um processo que nasceu com vícios de origem e por isso deve ser impedida a sua tramitação, que avilta a população da nossa cidade.
Acorrentados, denunciamos que estratégias têm sido utilizadas pelo COMAM para conceder o licenciamento ambiental de um projeto satânico. Denunciamos o conluio do prefeito de BH com a construtora Direcional e a conivência do COMAM em aprovar um licenciamento de processo que se arrasta há anos, apesar dos protestos da população em audiências públicas, em passeatas, em carreatas, e dos processos na justiça.  O bairro planalto não comporta a construção de um condomínio de 760 apartamentos de alto luxo, com 16 andares, 16 prédios, 1300 vagas de garagem, porque se encontra adensado e não possui infraestrutura necessária para atender a demanda de novas famílias, como escolas, postos de saúde, transporte público etc.
Acorrentados, queremos que a cidade escute nosso grito por socorro. Temos direito a qualidade de vida, com a manutenção da MATA DO PLANALTO que ameniza o clima, absorve a água da chuva, oferece água que jorra de suas nascentes, que formam o córrego bacuraus e deságuam no Rio das Velhas. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a região não atende o índice recomendado de área verde por habitante.
Acorrentados, denunciamos que a Construtora Direcional em seu site com a campanha “viva a mata” está mentindo e tramando devastar a MATA DO PLANALTO. O relatório técnico do MPE/MG garante que a MATA DO PLANALTO É BIOMA DE MATA ATLÂNTICA.  A Direcional mente ao dizer que a Mata do Planalto só possui duas nascentes. Mentira! Que vai criar um Parque Municipal (a população não quer, pois será parque privado: só para os granfinos que puderem comprar os aptos luxuosos. Já temos o Parque Municipal do Planalto, abandonado pelo poder público). Ludibriar a população é crime.
Ao pretender acabar com uma área de mata exuberante, qual herança os poderosos querem deixar para nossos filhos, netos, para as futuras gerações? Belo Horizonte ostentava o título de cidade jardim, cantada em verso e prosa, e está se tornando inóspita, com poucas áreas verdes, muito concreto, trânsito caótico. E vem aí a anunciada operação urbana, que de uma vez por todas vai sepultar Belo Horizonte num emaranhado de arranha céus. Nossa cidade está perdendo sua identidade e o povo está perdendo sua alegria no trânsito, no concreto, na poluição, nos parques abandonados, e vai por aí afora.
Acorrentados, queremos libertar nossa cidade do entreguismo do executivo municipal e seus órgãos à ambição desmedida das construtoras. A Serra do Curral foi retalhada. As mineradoras Samarco/VALE/BHP e os governos mataram o Rio doce, agora querem devastar a MATA DO PLANALTO. Inadmissível! Acorrentados, clamamos por justiça de Deus e dos homens. Duas Ações Civis Públicas (ACPs), uma do MPE/MG e outra da Defensoria Pública de MG, e uma Ação Popular, originadas de reivindicações do povo tramitam no TJMG. Que a balança do TJMG penda para o povo e para a MATA DO PLANALTO. A cidade que queremos não privilegia uma parcela da sociedade, mas ouve as/os cidadão/ãs. SALVE A MATA DO PLANALTO!

Belo horizonte, 24 de maio de 2016.

Assinam esse Manifesto,
Movimento salve a MATA DO PLANALTO
Associação Comunitária do Planalto e Adjacências
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte (MAMBH)
Ocupações da Izidora (Rosa Leão, Esperança e Vitória)
Projeto Manuelzão
Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela
Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM)
Apolo Heringer (idealizador do Projeto Manuelzão, escritor e médico)
Vicariato Episcopal para Ação Social e Política da Arquidiocese de Belo Horizonte
Ana Flávia Quintão (Bióloga, Sinfrajupe – Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia)
Fórum Nacional da Sociedade Civil na Gestão de Bacias Hidrográficas (Fonasc)
Movimento Parque Jardim América
Brigadas Populares
Mídia Ninja

Contato para maiores informações: Magali 31 99671 6409, Margareth 31 99279 0159, Dr. Wilson 31 999965 5030; Charlene 31 98534 4911, Ana Cristina Drumond 31 991057721.

facebook: Salve a Mata do Planalto


segunda-feira, 16 de maio de 2016

UMA CORRENTE E UMA TORNOZELEIRA PARA UMA PRESIDENTA

ALEM DA NOTICIA: PRONUNCIAMENTO DE JOSE PEPE MUJICA

Além da Notícia | impeachment - 20 / 04 / 2016

JUÍZA DE BH PROÍBE ASSEMBLEIA DE ESTUDANTES DE DIREITO - DITADURA DO JUD...

ALÉM DA NOTÍCIA 16 DE MAIO - O SUPREMO SE ACOVARDOU?

Aviso prévio para o Programa Minha Casa Minha Vida: aumento de 237,5% significa R$380.000.000,00 para o caixa da União à custa da retirada do pão e do leite das crianças.

Aviso prévio para o Programa Minha Casa Minha Vida: aumento de 237,5% significa R$380.000.000,00 para o caixa da União à custa da retirada do pão e do leite das crianças.
Por frei Gilvander Moreira[1]

Notícia grave do dia 13/05/2016 do vice-presidente Temer no exercício interino da Presidência: “Prestações do ‘Minha casa, Minha vida’ subirão até 237% em julho”, no link, abaixo:

Diz a notícia, que é parcial – temos que ler nas entrelinhas -, pois é do oligopólio midiático da gLobo: “As prestações das moradias financiadas pelo “Minha casa, minha vida” ficarão até 237,5% mais caras, em julho, para os beneficiários da faixa 1, a mais baixa do programa, para famílias com renda bruta (renda familiar) de até R$ 1.800 por mês. O percentual refere-se ao valor máximo, que passará de R$ 80 para R$ 270 por mês, válidos para quem tem rendimento de R$ 1.200,01 a R$ 1.800. Já o valor mínimo, para famílias com renda até R$ 800, subirá 220%: de R$ 25 para R$ 80.”
Alegou o ilegítimo (des)governo Temer – porque Dilma não cometeu crime de responsabilidade, logo o afastamento dela é golpe - que o reajuste se deve à “atualização dos custos da construção” e que a taxa de inadimplência está em 23%. E prometeu construir 2 milhões de moradias até 2018. Isso é o dito, mas o real é que retirarão todo e qualquer subsídio do Estado para moradia popular. Ou seja, os valores a serem pagos pelas famílias pobres serão os valores de mercado. Na prática, transforma quem eventualmente for contemplado em futuras moradias do MCMV em inquilino que deve pagar o valor de um aluguel: R$270,00 + 130,00 de condomínio = R$400,00. Isso para uma família que tem renda familiar de até R$1.800,00 é impagável. Para pagar terá que retirar o pão e o leite da boca das crianças. Nas cidades do interior, a regra é as domésticas e juventude trabalharem por 200,00 ou 300,00 por mês. Logo, a mensalidade de 270,00 será impagável. E, milhões de famílias da Faixa 1 sobrevivem com bolsa família e cestas básicas doadas pelos vicentinos ou por pessoas solidárias.
Prometem construir 2 milhões de moradia. Se fosse manter o valor de R$80,00 (valor no Governo Dilma), sobre 2 milhões de moradias, o governo receberia R$160.000.000,00. Mas com prestações em valor de aluguel, sobre 2 milhões de moradias, o governo receberá R$540.000.000,00. Portanto, o (des)governo Temer receberá nos cofres da União R$380.000.000 líquidos, a diferença a mais que receberá. Isso é o sistema do capital. É política econômica que crucifica milhões de famílias empobrecidas retirando o pão e o leite da boca das crianças empobrecidas e logicamente jogando-as na marginalização para serem assassinadas ainda enquanto crianças ou adolescentes. E pior, se não forem barrados, arrumarão um jeito de aumentar em 237% os valores das 3,6 milhões de moradias do MCMV já entregues desde 2009.
Se fosse 2 milhões de moradias, com mensalidade de R$25,00, valor para famílias com renda familiar de até R$800,00, o governo receberia R$50.000.000,00. Mas aumentando em 220%, com mensalidade de R$80,00, sobre 2 milhões de moradias, o governo receberá R$160.000.000,00. Ou seja, R$110.000.000,00 no caixa da União. Isso é opção pelo mercado, pelo capital. Opção pelos ricos. É crucificar e assassinar a conta gota diretamente 2 milhões de famílias e, pior, sepultar a esperança de milhões de famílias que sabem que sem apoio do Estado não consegue jamais comprar moradia e se libertar da cruz do aluguel ou da humilhação que é sobreviver de favor ou nas ruas.
Enfim, com as características, acima, o Programa MCMV 3, se for implementado, será um programa de financiamento e não de subsídio. Estão cortando todos os subsídios e tratando a moradia como mercadoria e não como direito, o que significará a exclusão de milhares de famílias. Se antes excluía as famílias sem renda, com Temer excluirá as famílias de baixa renda. O Programa MCMV, com os aumentos acima, engordará os bolsos de empresários, pois está organizado segundo lógica da moradia como mercadoria. Controlar a especulação imobiliária e fazer reformas urbana e agrária continua sendo um desafio necessário a ser enfrentado pelo povo organizado.
Com a falta de reforma urbana e reforma agrária, a partir dos sem-terra e sem-teto, o povo não terá outra opção a não ser ocupar, resistir, produzir e construir.
Belo Horizonte, MG, 16/05/2016.








[1] Assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT); www.freigilvander.blogspot.com.brwww.gilvander.org.br , email: gilvanderufmg@gmail.com , face: Gilvander Moreira.

Ocupação Rosa Leão, em Belo Horizonte, MG: bairro consolidado com 1.500 famílias em casas de alvenaria. Despejo nem pensar! BH, 15/05/2016.

Ocupação Rosa Leão, em Belo Horizonte,  MG: bairro consolidado com 1.500 famílias em casas de alvenaria. Despejo nem pensar! BH, 15/05/2016.


sábado, 14 de maio de 2016

Laudato Si e as lutas dos movimentos socioambientais. Por frei Gilvander Moreira

Laudato Si e as lutas dos movimentos socioambientais
Gilvander Luís Moreira[1]

Iniciando a reflexão[2]
Muitas crises estão afetando as pessoas e todos os demais seres que habitam nossa Casa Comum. A crise ecológica já acendeu o sinal vermelho há muito tempo. Que “o mundo está em chamas”, já dizia, ainda no século XVI, Teresa de Jesus, espanhola e freira carmelita, uma das três mulheres consideradas doutoras pela Igreja. O que acontece, todavia, é que do século XVI para cá, o modo de produção industrial, os estilos de vida impostos pelo modelo capitalista e tecnocrático somente agravaram os problemas ambientais no Planeta. “Não brinque com fogo”, dizia a mamãe Leontina. Urgente se tornou interrompermos a espiral de autodestruição da humanidade e de todo o planeta.
Como assessor da Comissão Pastoral da Terra, de Comunidades Eclesiais de Base e como militante de Movimentos Sociais do campo e da cidade, li com alegria a carta Encíclica “Laudato Si’”. E dessas janelas tomo a liberdade de dialogar com os ensinamentos do papa Francisco, ressaltando alguns posicionamentos dele e arriscando a assinalar algumas ausências e lacunas. É uma oportunidade para refletir acerca de outros pontos de vista e posturas a partir da práxis de Movimentos Sociais Populares.
Com o auxílio dos omissos, dos cúmplices e dos coniventes, o capitalismo causou – e continua aprofundando – a maior crise ecológica de todos os tempos dos humanos sobre a face da terra.  As mineradoras com suas máquinas pesadas, cada vez mais potentes, como dragões cuspindo fogo, dizimam milhões de nascentes d’água pelo mundo afora. Ao formar crateras, deixam a mãe Terra dilacerada. Grandes empresas do agronegócio ampliam as monoculturas de eucalipto, de soja, de café, de cana.. e, assim, deixam um rastro de destruição nunca antes visto. O esgotamento dos solos férteis é um risco para a segurança e soberania alimentar da humanidade. Megaempresas do hidronegócio transformaram a água em mercadoria. Um litro de água em alguns lugares, como aeroportos, custa um absurdo.
Nesse contexto dramático, que interpela a consciência de todas as pessoas de boa vontade, faz-se necessário resgatar a profecia do Concílio Vaticano II e da Opção da Igreja pelos pobres e pelos jovens, opção da Igreja afrolatíndia. Imprescindível ouvirmos os clamores de todos os injustiçados, entre os quais a Terra, as nascentes de águas e toda a biodiversidade. Não podemos tardar mais em levar a sério o testemunho e os ensinamentos do papa Francisco na Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho, no seu Discurso aos Movimentos Sociais na Bolívia e na Carta Encíclica Laudato Si’, sobre o cuidado da casa comum.

1.   A dimensão social da fé em A Alegria do Evangelho
O cap. IV de A Alegria do Evangelho (EG) trata justamente da Dimensão Social e econômica da fé cristã. Prestemos atenção a algumas afirmações do papa Francisco:
Se a dimensão social da evangelização não for devidamente explicitada, corre-se o risco de desfigurar o sentido autêntico e integral da missão evangelizadora (EG 176).“Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos.” (EG 49).
Além de ser pobre e para os pobres, a Igreja desejada por Francisco é corajosa em denunciar o atual sistema econômico, "injusto na sua raiz" (EG 59). Como disse João Paulo II, a Igreja "não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça" (EG 183). "Saiam!" é a essência da mensagem que o papa Francisco envia aos bispos, padres e membros das comunidades cristãs. Saiam das suas cômodas estruturas eclesiais burguesas e do caloroso círculo dos convencidos, anunciem o Evangelho às periferias das cidades, aos marginalizados pela sociedade, aos pobres, aos injustiçados!
Às questões sociais, o papa Francisco dedica dois dos cinco capítulos da Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho, o segundo e o quarto. Critica o "fetichismo do dinheiro" e "a ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano", versão nova e implacável da "adoração do antigo bezerro de ouro". Ele critica o atual sistema econômico: "esta economia que mata" porque prevalece a "lei do mais forte". Este se opõe à cultura do "ser humano descartável" que criou "algo novo" e dramático: "Os excluídos não são 'explorados', mas resíduos, 'sobras'" (EG 53). Enquanto não se resolverem radicalmente os problemas dos pobres, renunciando "à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da desigualdade social – insiste –, não se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum". E indica que as raízes dos males sociais estão na "desigualdade social”.
A Igreja não deve ficar indiferente a tais injustiças. A economia não pode mais recorrer a remédios que são um novo veneno, como quando se pretende aumentar a rentabilidade reduzindo o mercado de trabalho e criando assim novos excluídos (EG 204). O papa Francisco dedica páginas à denúncia da "nova tirania invisível, às vezes virtual" em que vivemos, um "mercado divinizado", onde reinam a "especulação financeira", a "corrupção ramificada", a "evasão fiscal egoísta" (56).

2.   O Papa Francisco de mãos dadas com os Movimentos Sociais
É eloquente o papa Francisco iniciar a Carta Encíclica Laudato Si’ exclamando: “Louvado sejas, meu Senhor”, invocando o Cântico das criaturas, cantado por Francisco de Assis. Por vários motivos: Primeiro, porque “Louvado sejas” dito diante do planeta Terra, com sua biodiversidade, revela admiração e encanto pela natureza que nos envolve e da qual fazemos parte. Segundo, pedagogicamente é mais promissor conclamar para o compromisso com a defesa da nossa única casa comum a partir do encantamento e da beleza e não a partir do medo e da insegurança, que despertam tantas mazelas socioambientais.
Uma convicção profunda permeia toda a Encíclica Laudato Si’, convicção que o papa Francisco, carinhosamente, propõe a todas as pessoas de boa vontade: “Visto que todas as criaturas estão interligadas, deve ser reconhecido com carinho e admiração o valor de cada uma, e todos nós, seres criados, precisamos uns dos outros (42).” Isso mesmo: Nós, humanos, somos os que mais dependem de todos os outros seres. Logo, é estupidez o antropocentrismo que exalta individualmente o ser humano, abrindo espaço para o sistema pisar, violentar e assassinar tantos seres vivos.
O papa Francisco adverte já no segundo parágrafo: “Entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que “geme e sofre as dores do parto” (Rm 8,22). Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra (cf. Gn 2,7) (2).” Ninguém deve ficar indiferente. “À vista da deterioração global do ambiente, quero dirigir-me a cada pessoa que habita neste planeta (..) Nesta encíclica, pretendo especialmente entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa comum (3)”.
Que nada nos seja indiferente! Que beleza ver o papa Francisco olhando para além dos muros da Igreja Católica e conclamando ao diálogo todas as pessoas crentes ou não, todas as igrejas, todas as religiões. E certo diálogo com todos os seres vivos da Terra, acrescentamos.
Ao longo da Encíclica Laudato Si’, o papa Francisco inúmeras vezes se refere a “ser humano”, “nosso comportamento irresponsável”, “os seres humanos que destroem a biodiversidade” (8), “a humanidade”, “atividade humana” e a termos similares, para de alguma forma responsabilizar a todos pela gravidade da crise ecológica. Aqui, da perspectiva dos Movimentos Sociais e das ciências sociais críticas ao capitalismo, é imprescindível ponderar a existência de grupos sociais com interesses antagônicos e contraditórios. Os principais responsáveis pela devastação socioambiental são a classe dominante, os que detêm o poder econômico e político na sociedade. As classes populares não estão isentas de responsabilidade socioambiental vigente, mas são muito mais vítimas do que algozes nos crimes socioambientais que ora estão sendo perpetrados. Nesse ponto, o papa Francisco foi mais contundente no Discurso aos Movimentos Sociais na Bolívia em junho de 2015.
Que bom ouvir do Papa: “Francisco é o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade (..) Nele se nota até que ponto são inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o empenho na sociedade e a paz interior (10).” Para o Chico de Assis, qualquer criatura era uma irmã, inclusive a morte.
Além de resgatar os ensinamentos e o testemunho libertador de Francisco de Assis, é indispensável cultivarmos a memória dos/as mártires e lutadores por justiça socioambiental, como Chico Mendes; Zé Maria Tomé da Chapada do Apodi, mártir da luta contra os agrotóxicos; Francisco Anselmo, mártir da luta contra a instalação de Usinas de álcool e açúcar no Pantanal; José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, casal de militantes socioambientalistas do Pará, mortos por madeireiros; Augusto Ruschi e muitos outros/as.
“Francisco pedia que, no convento, se deixasse sempre uma parte do horto por cultivar, para aí crescerem as ervas silvestres (12)”. Ao resgatar essa perspectiva agroecológica do Chico de Assis, o papa nos dá o ensejo de dizer que sem agroecologia não há salvação para a humanidade. O agronegócio, antiecológico, com o uso indiscriminado e criminoso de agrotóxico, está envenenando a comida do povo[3].

3.    Uma luta complexa
O papa Francisco está preocupado em “unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral (13).” Mas, temos que alertar: a categoria “desenvolvimento sustentável”, no início parecia apontar para uma alternativa emancipatória. No entanto, há muito tempo essa categoria foi absorvida pelas empresas e tornou-se uma peça de propaganda enganosa. Strictu sensu, falar em desenvolvimento sustentável é contraditório, pois ‘desenvolvimento’ implica crescer economicamente, progresso, o que necessariamente terá que consumir bens naturais. E ‘sustentável’ é uma categoria da área da ecologia e implica garantir a continuidade dos ciclos de matéria e energia, para as gerações presentes e futuras. Logo, ou se desenvolve e cresce economicamente ou se busca alternativas para garantir a sustentabilidade ecológica. Diante da agudização da crise ecológica, o ético e sensato seria manter a “comunidade de vida” do planeta. Isso também por responsabilidade geracional. O próprio papa Francisco adverte na Encíclica:
Não é suficiente conciliar, a meio-termo, o cuidado da natureza com o ganho financeiro, ou a preservação do meio ambiente com o progresso. Neste campo, os meios-termos são apenas um pequeno adiamento do colapso (..). O discurso do crescimento sustentável torna-se um diversivo (tergiversação) e um meio de justificação que absorve valores do discurso ecologista dentro da lógica da finança e da tecnocracia, e a responsabilidade social e ambiental das empresas reduz-se, na maior parte dos casos, a uma série de ações de publicidade e imagem (194).
Na perspectiva dos Movimentos Sociais transformadores, são inaceitáveis os discursos e as práticas que dizem: “precisamos conciliar desenvolvimento com preservação ambiental”, “urge adequar os projetos mitigando os impactos socioambientais”, “temos que adequar os grandes projetos dentro das normas ambientais”. Busca-se dourar a pílula, criando uma fachada de preocupação socioambiental para viabilizar a continuidade da máquina de moer vidas. As megaempresas são geridas por executivos que, amarrados no mastro no navio, ouvem e se deleitam com o canto da sereia do capital. De outro lado, seguem os trabalhadores amarrados, (em)pregados aos seus postos de trabalho, sem ter outra alternativa de vida, sustentando o sistema a troco de quase nada.
“A contínua aceleração das mudanças na humanidade e no planeta junta-se, hoje, à intensificação dos ritmos de vida e trabalho (18).” O produtivismo, o trabalho por metas, a intensificação do ritmo de trabalho, a produção o mais rápido possível, a terceirização e a precarização das condições de trabalho estão desumanizando milhões de pessoas. Aumenta-se assustadoramente o número de adoecimentos por trabalho extenuante.
A poluição afeta a todos, causada pelo transporte, pela fumaça da indústria, pelas descargas de substâncias que contribuem para a acidificação do solo e da água, pelos fertilizantes, inseticidas, fungicidas, pesticidas e agrotóxicos em geral (...). A tecnologia, ligada à finança, é incapaz de ver o mistério das múltiplas reações que existem entre as coisas e, por isso, às vezes resolve um problema criando outros (20).”
Não é apenas uma questão de incapacidade. A tecnologia não é neutra. Ela está, salvo exceções, subserviente aos interesses dos grandes conglomerados econômicos. Logo, a raiz reside no capital que usa a tecnologia para oprimir. A tecnologia resolve um problema, mas cria outras grades, que prenderão muita gente.
Os defensores da “sociedade de mercado” exaltam o crescimento econômico com constante aumento da produção de mercadorias, como se isso fosse caminho para a felicidade de todos. O que escondem é que “produzem-se anualmente centenas de milhões de toneladas de resíduos altamente tóxicos e radioativos. A Terra, nossa casa única e comum, parece transformar-se cada vez mais em um imenso depósito de lixo (21).” Ora, quanto mais o capitalismo se desenvolve mais concentra riquezas e devasta socioambientalmente o Planeta.
Urge superar a cultura do descartável, construindo uma sociedade sustentável. “Ainda não se conseguiu adotar um modelo circular de produção que assegure recursos para todos e para as gerações futuras e que exige limitar, o mais possível, o uso dos recursos não renováveis (22).Precisamos desacelerar a máquina de moer vidas. É hora de dar mais valor à nossa Casa Comum e aos bens naturais, que não são apenas “recursos naturais”, assim vistos quando reduzidos ao aspecto estritamente econômico.

4.   Mudanças climáticas e outras questões
Estamos perante um preocupante aquecimento do sistema climático (..) devido a alta concentração de gazes com efeito de estufa (anidrido carbônico, metano, óxido de azoto e outros) (23) (..) O aquecimento influi no ciclo do carbono. Cria um ciclo vicioso que agrava ainda mais a situação e que incidirá sobre a disponibilidade de bens  essenciais como a água potável (..) A perda das florestas tropicais piora a situação, pois estas ajudam a mitigar a mudança climática (..)  A subida do nível do mar pode criar situações de extrema gravidade, se se considerar que um quarto da população mundial vive à beira-mar (24).”
 Que bom que o papa Francisco ecoe esses alertas que vem sendo feitos por milhares de cientistas e experimentado por milhões de pessoas no mundo!
Está ocorrendo um aumento assustador dos impactos ambientais. Os atingidos por grandes projetos de mineração, de barragens e de hidroelétricas alertam: eles não são apenas atingidos, mas massacrados. Escondendo-se por detrás da capa de combustível limpo, as grandes empresas da monocultura de cana-de-açúcar submetem milhares de pessoas a trabalho exaustivo, dizimam nascentes e devastam a saúde de milhões de pessoas com as nuvens de fumaça dos canaviais invadindo as cidades. Mais: alguns projetos de energia eólica, considerada como energia limpa, estão causando impactos socioambientais em vários estados do Nordeste brasileiro.
Anima-nos muito na luta ver o papa Francisco se posicionar, denunciando a privatização das águas e a restrição do seu acesso aos empobrecidos:
Enquanto a qualidade da água disponível piora constantemente, em alguns lugares cresce a tendência para se privatizar esse recurso escasso, tornando-se uma mercadoria sujeita às leis do mercado divinizado. Na realidade, o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos. Este mundo tem uma grave dívida social para com os pobres que não têm acesso à água potável, porque isto é negar-lhes o direito à vida, radicado na sua dignidade inalienável (30).
Vários movimentos sociais e ambientais denunciam constantemente a destruição dos nossos biomas, como o Cerrado, a Amazônia, o Pantanal, os Pampas, a Caatinga e a Mata Atlântica, com a consequente perda de biodiversidade. Francisco também assume esta causa com vigor:
A perda de florestas e bosques implica simultaneamente a perda de espécies que poderiam constituir, no futuro, recursos extremamente importantes não só para a alimentação, mas também para a cura de doenças e vários serviços (32). Anualmente, desaparecem milhares de espécies vegetais e animais (33).
Há um problema que está na luta cotidiana dos movimentos sociais, e que o papa abordou com clareza. Os estudos de impactos ambientais dos grandes projetos de interesse do capital, realizados pelas empresas, geralmente são “para inglês ver”. Subestimam drasticamente os impactos sociais, econômicos e ambientais que acontecerão e exaltam os pretensos benefícios “sociais”. As comunidades vistas como indiretamente afetadas normalmente são desconsideradas. Muitos dos afetados diretamente são excluídos e a cantilena mentirosa se repete à exaustão: “geraremos muitos empregos e desenvolvimento para a região”. Dizem, mas não é assim que acontece. Todos nós somos afetados de alguma maneira pelos impactos socioambientais negativos.

Quando se analisa o impacto ambiental de qualquer iniciativa econômica, costuma-se olhar para os seus efeitos no solo, na água e no ar, mas nem sempre se inclui um estudo cuidadoso do impacto na biodiversidade, como se a perda de algumas espécies ou de grupos animais ou vegetais fosse algo de pouca relevância (35).”
Outro problema socioambiental, que atinge uma imensa área do Brasil e é normalmente ignorado, consiste na lenta perda de qualidade dos nossos mares e oceanos. Francisco alerta:
Os oceanos contêm não só a maior parte da água do planeta, mas também a maior parte da vasta variedade dos seres vivos (40). Passando aos mares tropicais, encontramos os recifes de coral, que equivalem às grandes florestas da terra firme, porque abrigam cerca de um milhão de espécies, incluindo peixes, caranguejos, moluscos, esponjas, algas e outras. Hoje, muitos dos recifes de coral no mundo já são estéreis ou encontra-se num estado contínuo de declínio (41).
Quem transformou o maravilhoso mundo marinho em cemitérios subaquáticos despojados de vida e de cor?”(41)”, interpela-nos o papa Francisco, citando Carta Pastoral dos Bispos das Filipinas. Eh! Olhando de longe o mar, só se vê muita água. Mas, se observarmos de perto, descobriremos que os oceanos e mares são grandes berços de vida. Infelizmente vêm sendo irresponsavelmente envenenados pelo lixo de todo tipo.
Uma importante bandeira dos movimentos populares, amplamente defendida no nosso continente latino-americano, diz respeito à segurança e soberania alimentares. Ou seja, os mecanismos para produzir e distribuir alimentos, de forma justa, saudável e ecologicamente sustentável. Também desta questão se ocupa a Laudato Si. Denuncia que “se desperdiça aproximadamente um terço dos alimentos produzidos”, e “a comida que se desperdiça é como se fosse roubada da mesa do pobre (50).” O problema de fundo não é a falta de alimentos, mas a concentração dos alimentos que impede sua socialização. No capitalismo, alimento é considerado como mercadoria, e não um direito humano fundamental. Outro problema: se produz em quantidade cada vez maior, mas com a qualidade cada vez menor. Ou seja, com o uso indiscriminado de agrotóxico, a alimentação está cada vez mais envenenada. Enfim, a comida desperdiçada e envenenada furta dos pobres a saúde e o bem-estar.
O papa assume na Encíclica Laudato Si’ o que disseram os bispos do Paraguai na Carta pastoral El campesino paraguayo y la tierra, de 1983:
Cada camponês tem direito natural de possuir um lote razoável de terra, onde possa gozar de segurança existencial. Este direito deve ser de tal forma garantido que o seu exercício não seja ilusório, mas real. Isto significa que, além do título de propriedade, o camponês deve contar com meios de formação técnica, empréstimos, seguros e acesso ao mercado (94).
O papa Francisco apoia a agricultura familiar e critica o agronegócio como um causador do êxodo rural ao dizer:
Há uma grande variedade de sistemas alimentares rurais de pequena escala que continuam alimentando a maior parte da população mundial, utilizando uma porção reduzida de terreno e água e produzindo menos resíduos, quer em pequenas parcelas agrícolas e hortas, quer na caça e coleta de produtos silvestres, quer na pesca artesanal. As economias de larga escala, especialmente no setor agrícola, acabam forçando os pequenos agricultores a vender as suas terras ou a abandonar as suas culturas tradicionais (129).
Respaldando o documento Uma terra para todos, dos bispos da Argentina, de 2005, o papa Francisco questiona o uso de sementes e produtos transgênicos ao afirmar:
Em muitos lugares, na sequência da introdução das culturas transgênicas, constata-se uma concentração de terras produtivas nas mãos de poucos, devido ao “progressivo desaparecimento de pequenos produtores, que, em consequência da perda das terras cultivadas, se viram obrigados a retirar-se da produção direta (134).”
Francisco denuncia a desigualdade planetária. Citando a Carta pastoral dos Bispos da Bolívia, afirma: “tanto a experiência comum da vida cotidiana como a investigação científica demonstram que os efeitos mais graves de todas as agressões ambientais recaem sobre as pessoas mais pobres (48).”
Em uma sociedade onde os pretensos valores do sistema – individualismo, competição, egocentrismo e acumulação – são trombeteados aos quatro ventos, todo mundo de alguma forma agride o meio ambiente. Mas os principais devastadores socioambientais são os que movimentam “as grandes máquinas do mercado” que como dragões vão cuspindo fogo e deixando um rastro de devastação por onde passam. Nesse sentido, “uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres (49)”.
Ora, a justiça socioambiental implica em justiça agrária, urbana e social. E conquistaremos isso com lutas coletivas por terra, por moradia digna, por direitos fundamentais humanos. Como luz, fermento e sal, os/as militantes dos Movimentos Sociais estão comprometidos de forma abnegada nessas causas.

5.   Ouvindo o grito dos pobres e o grito da terra
Os gemidos da irmã terra se unem aos gemidos dos abandonados do mundo, com um lamento que reclama de nós outro rumo (53).” Gemidos que se tornam, cada vez mais, clamores ensurdecedores. Qual rumo seguir? Com sabedoria, o papa Francisco pondera: “as soluções não podem vir de uma única maneira de interpretar e transformar a realidade. É necessário recorrer também às diversas riquezas culturais dos povos, à arte e à poesia, à vida interior e à espiritualidade (63).” Sim, lutas coletivas são imprescindíveis, mas junto com o cultivo das artes e culturas populares, da música, e o desenvolvimento de uma mística libertadora.
Diz o papa Francisco: A narração do Gênesis, que convida a dominar a terra (cf. Gn 1,28), apresentando uma imagem do ser humano como dominador e devastador, não é uma interpretação correta da Bíblia (..)  É importante ler os textos no seu contexto, com uma justa hermenêutica, e lembrar que eles nos convidam a “cultivar e guardar” o jardim do mundo (cf. Gn 2,15) (67) (..) A Bíblia não dá lugar a um antropocentrismo despótico, que se desinteressa das outras criaturas (68).” Arrisco-me a dizer que a Bíblia não referenda nenhuma forma de antropocentrismo.
Francisco reafirma um princípio inarredável do Ensinamento social da Igreja: o destino comum dos bens.
A tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada. ... Sobre toda a propriedade particular pesa sempre uma hipoteca social, para que os bens sirvam ao destino geral que Deus lhes deu (93).
Com os bispos da Nova Zelândia, o papa pergunta “que significado tem o mandamento “não matarás”, quando “uns vinte por cento da população mundial consomem recursos numa medida tal que roubam às nações pobres, e às gerações futuras, aquilo de que necessitam para sobreviver? (95)” Isso nos leva a recordar o Decálogo bíblico (Ex 20,1-17), que ao longo da história foi reduzido aos “Dez Mandamentos”. O Decálogo não se dirige apenas a pessoas individualizadas, mas a todo o povo, à sociedade inteira. Logo, não são apenas as pessoas que não podem matar, roubar ou adulterar. É a sociedade,  o Estado, as  empresas e as instituições que não podem matar, nem direta e nem indiretamente. Assim, o decálogo constitui princípios da Constituição de um povo em marcha de libertação, à luz da fé.
Os Movimentos Sociais tem claro que é insuficiente alertar para cada um(a) aderir a um estilo de vida simples e austero e fazer “sua parte”. É preciso “derrubar do trono os poderosos e elevar os humildes” (Lc 1,52), o que se fará com lutas coletivas de resistência e ensaios de propostas transformadoras. Urge amar os injustiçados nos colocando ao lado deles, para com eles e a partir deles lutarmos pelos seus direitos sociais negados. É urgente amarmos os opressores fazendo o possível para retirarmos das suas mãos as armas da opressão.
Muitos daqueles que detêm mais recursos e poder econômico ou político parecem concentrar-se sobretudo em mascarar os problemas ou ocultar os seus sintomas, procurando apenas reduzir alguns impactos negativos de mudanças climáticas (..) Tornou-se urgente e imperioso o desenvolvimento de políticas capazes de fazer com que, nos próximos anos, a emissão de anidrido carbônico e outros gases altamente poluentes se reduza drasticamente, por exemplo, substituindo os combustíveis fósseis e desenvolvendo fontes de energia renovável (26).”

6.   A opressão que vem da tecnocracia
O papa Francisco aponta a tecnocracia como raiz humana da crise ecológica; o governo com decisões ancoradas em argumentos “técnicos”, que não são neutros e nem somente científicos. Diz ele: “A humanidade entrou numa nova era, em que o poder da tecnologia nos põe diante de uma encruzilhada. Somos herdeiros de dois séculos de ondas enormes de mudanças” (102). Mas os avanços tecnológicos não têm sido democratizados. Ao contrário, têm fortalecido as desigualdades sociais aumentando o abismo entre enriquecidos e empobrecidos. O papa pergunta: “Poder-se-á negar a beleza de um avião ou de alguns arranha-céus? (103)” São exuberantes, sim, mas não podemos esquecer que grande parte da população continua excluída de acessar os aviões e muitos arranha-céus são catedrais do mercado idolatrado.
Francisco denuncia a falta de democratização do paradigma tecnocrático:
Os produtos da técnica não são neutros, porque criam uma trama que acaba condicionando os estilos de vida e orientam as possibilidades sociais na linha dos interesses de determinados grupos de poder. Certas opções, que parecem puramente instrumentais, na realidade são opções sobre o tipo de vida social que se pretende desenvolver (107).
Sim, a técnica cria consumidores, despertando desejos e necessidades artificiais.
O papa advoga no sentido de “limitar a técnica, orientá-la e colocá-la ao serviço de outro tipo de progresso, mais saudável, mais humano, mais social, mais integral (112). Ora, o rumo emancipatório parece exigir mais do que limitar o desempenho atual e buscar outro tipo de progresso. Sugerimos ainda: acreditar, fomentar e desenvolver técnicas populares, fruto da sabedoria das populações tradicionais, como as alternativas camponesas de convivência com o semiárido. O atual modelo de progresso não é saudável, nem humano, nem social, nem integral. É, sim, doentio, desumano, egocêntrico e desintegrador do tecido social. Não dá para remendar; é preciso uma mudança radical.

7.   Nem antropocentrismo e nem biocentrismo
Ao alertar para o risco de considerar a pessoa humana apenas mais um ser entre outros, o papa Francisco diz que um antropocentrismo desordenado não deve necessariamente ser substituído por um “biocentrismo” (118). Recair em um biocentrismo será certamente um  problema. Mas todo e qualquer tipo de antropocentrismo é problema, pois hierarquiza as relações entre os humanos e outros seres vivos. Essa hierarquização pavimenta o caminho para estruturação de poder-dominação, o que implementa violência sem fim.

O papa não esquece a importância de uma ecologia cultural. Afirma:
O desaparecimento de uma cultura pode ser tanto ou mais grave do que o desaparecimento de uma espécie animal ou vegetal. A imposição de um estilo hegemônico de vida ligado a um modo de produção pode ser tão nocivo como a alteração dos ecossistemas (145).
Para orientar nossa ação conjunta, Francisco reconhece que sobre a crise ecológica todas as pessoas têm responsabilidades, mas diferenciadas. Com os bispos da Bolívia, assevera: “Os países que foram beneficiados por um alto grau de industrialização, à custa de uma enorme emissão de gases com efeito de estufa, têm maior responsabilidade em contribuir para a solução dos problemas que causaram (170).” Tem sim, mas se não forem pressionados pelos cidadãos/ãs e os movimentos sociais, os países que acumularam riquezas e poder jamais irão descer do pedestal voluntariamente, pois o poder político que os governa está em grande parte no comando do grande capital transnacional (cf. 175). Solidariedade todo mundo pode fazer, mas lutar por justiça implica contrariar interesses de quem está no poder. Poucos se atrevem a fazer isso. Por isso é preciso opção pelos pobres, o que implica revelar conflitos e lutar para superá-los de forma justa.
Ao pugnar por diálogo e transparência nos processos decisórios, o papa Francisco propõe: “Em qualquer discussão sobre um empreendimento, dever-se-á por uma série de perguntas, para poder discernir se este levará a um desenvolvimento verdadeiramente integral: Para que fim? Por qual motivo? Onde? Quando? De que maneira? A quem ajuda? Quais são os riscos? A que preço? Quem paga as despesas e como o fará? (185).”Bastante lúcido, o papa pergunta: “Será realista esperar que quem está obcecado com a maximização dos lucros se detenha para considerar os efeitos ambientais que deixará às próximas gerações? (190)” Óbvio que não. Para evitarmos o apocalipse que está sendo engendrado pelo mercado, as mudanças necessárias virão a partir da luta coletiva e permanente dos injustiçados, ou não virá.

Francisco nos motiva a educar para a aliança entre a humanidade e o ambiente com pequenas ações diárias, em um estilo de vida simples, humilde e sóbrio. Diz ele que isso passa por “evitar o uso de plástico e papel, reduzir o consumo de água, separar o lixo, cozinhar apenas aquilo que razoavelmente se poderá comer, tratar com desvelo os outros seres vivos, servir-se dos transportes públicos ou partilhar o mesmo veículo com várias pessoas, plantar árvores, apagar as luzes desnecessárias (211).”
Apontando para a necessidade de encarnarmos um estilo de vida simples, humilde e austero, o papa denuncia a falta de liberdade na sociedade do mercado divinizado: “O mercado tende a criar um mecanismo consumista compulsivo para vender seus produtos, as pessoas acabam sendo arrastadas pelo turbilhão de compras e gastos supérfluos. O consumismo obsessivo é o reflexo subjetivo do paradigma tecnoeconômico (..). O referido paradigma faz crer a todos que são livres, pois conservam uma suposta liberdade de consumir, quando na realidade apenas a minoria que detém o poder econômico e financeiro possui a liberdade (203).” Exatamente. Se não há liberdade real para a maioria, não há Estado Democrático de Direito e nem democracia efetiva.
Como um abnegado humanista e semeador de utopia que nos faz caminhar e lutar, Francisco afirma:
Atrevo-me a propor de novo o desafio considerável da Carta da Terra, de 2000: “Como nunca antes na história, o destino comum obriga-nos a procurar um novo início (...). Que o nosso seja um tempo que se recorde pelo despertar de uma nova reverência diante da vida, pela firme resolução de alcançar a sustentabilidade, pela intensificação da luta em prol da justiça e da paz e pela jubilosa celebração da vida” (207).
8.   Enfim, a luta continua. E o diálogo também.
Há muitas outras afirmações, reflexões e posicionamentos do papa Francisco na Encíclica Laudato Si’ que merecem ser ressaltadas, comentadas e difundidas. Existem também alguns pontos que, lendo na perspectiva dos Movimentos Sociais, exigem ampliação, aprofundamento ou mudança.
Ficamos por aqui, com profundo sentimento de gratidão, admiração, respeito e alegria por termos guiando a Igreja Católica o papa Francisco: uma pessoa mística, profética, fraterna e terna. Para ele, bom pastor e profeta, “tiramos o chapéu”!




[1] Frei e padre da Ordem dos Carmelitas. Bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia, mestre em Exegese Bíblica, doutorando em Educação na FAE/UFMG. Assessor de CEBs, CPT, CEBI e SAB. E-mail: gilvanderufmg@gmail.comwww.freigilvander.blogspot.com.br - www.gilvander.org.br  face: Gilvander Moreira.
[2] Esse texto foi publicado como o capítulo 15 do livro MURAD, Afonso & TAVARES, Sinivaldo Silva (Org.). Cuidar da Casa Comum: chaves de leitura teológicas e pastorais da Laudato si’. São Paulo, Paulinas, 2016, p. 197-217.
[3] Cf. no You Tube os dois Filmes-documentários de Sílvio Tendler O Veneno está na mesa, I e II.