segunda-feira, 28 de novembro de 2016

VISITA DO EX-PRESIDENTE LULA NA IZIDORA: release e informe sobre a visita de Lula às Ocupações da Izidora, dia 29/11/2016, terça-feira.

VISITA DO EX-PRESIDENTE LULA NA IZIDORA: release e informe sobre a visita de Lula às Ocupações da Izidora, dia 29/11/2016, terça-feira.

Amanhã pela manhã, terça-feira, dia 29/11/2016, receberemos nas ocupações da Izidora, em Belo Horizonte e Santa Luzia, MG, a visita do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Será feita às 09:00h uma reunião do Lula com movimentos sociais (Brigadas Populares, CPT e MLB) e coordenações das três Ocupações da Izidora, na comunidade Rosa Leão. Em seguida, Lula fará visita a uma casa com algumas famílias na Ocupação-comunidade Esperança e participará de um Ato Público na Praça da Ocupação-comunidade Vitória, na Izidora, às 11:00h.
Lembramos que Lula é o pai do programa Minha Casa, Minha Vida que construiu mais de 1,5 milhões de moradias em todo o Brasil. Em Belo Horizonte, a gestão do prefeito Márcio Lacerda usou o projeto Minha Casa Minha Vida (MCMV) para pressionar pela realização dos despejos das três comunidades da Izidora (Rosa Leão, Esperança e Vitória), que já são três bairros irmãos em franco processo de consolidação, e ameaçar as 8.000 famílias nos últimos 3,5 anos. A visita de Lula é bem vinda na medida em que ele se comprometa a pressionar o Governador Fernando Pimentel para não realizar os despejos das 3 ocupações. Lembrando que no último dia 28/09/2016, os despejos foram autorizados injustamente pelo TJMG. As 8.000 famílias das Ocupações-comunidades da Izidora não aceitam despejo e nem a destruição das casas construídas nas Ocupações Vitória e Esperança. Estamos sempre abertos a negociação, mas que passe pelo reconhecimento da legitimidade da lutas das ocupações da Izidora. Despejo forçado causará um grande massacre, caos etc.
Assinam esse informe:
Coordenações das três ocupações-comunidades da Izidora (Rosa Leão, Esperança e Vitória);
Brigadas Populares, MLB e CPT.
Contatos para maiores informações:
Telefones para contato:
Com Poliana (cel. 31 99323 4483), ou Leonardo (cel.: 31 99133 0983), com Isabela, cel. 31 99383 2733; ou com Charlene (cel.: 31 985755745); ou com Edna (cel.: 31 9946 2317); ou com Elielma (cel.: 31 9343 9696), ou Eliene, cel. (31 98636 5712) ou frei Gilvander, cel. 31 99473 9000.
Maiores informações também nos blogs das Ocupações, abaixo:


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

OCUPAÇÕES DA IZIDORA NO III ENCONTRO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS POPULARES COM O PAPA FRANCISCO, EM ROMA.

OCUPAÇÕES DA IZIDORA NO III ENCONTRO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS POPULARES COM O PAPA FRANCISCO, EM ROMA.
Por Makota Celinha Kidevolu Gonçalves, coordenadora Nacional do CENARAB/CONEN.


A Coordenação Nacional das Entidades Negras – CONEN -, entidade a qual o Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro Brasileiro – CENARAB - é filiado, indicou meu nome para representar esse campo no III Encontro Mundial dos Movimentos Populares que aconteceu em Roma entre os dias 02 e 06 de Novembro de 2016. Fui na condição de Mulher Negra de Matriz Africana. Antes de ir busquei me interar de assuntos/temas que nos é muito caro em nosso país, na conjuntura atual. Estive nas Ocupações da Izidora (comunidades Rosa Leão, Esperança e Vitória), 7º maior conflito urbano no mundo, ocupações que se encontram ameaçadas de desocupação, já que a Justiça de Minas autorizou a reintegração de posse da mesma dia 28 de setembro de 2016. As 30 mil pessoas que residem nas Ocupações da Izidora são compostas em sua maioria por mulheres e homens negros, vítimas da ausência de políticas públicas para moradia, trabalho, saúde e educação. Reflexo da história de nosso país no tocante a população negra. Ali, nas ocupações da Izidora recebi a honra de ser a porta voz dessas mulheres e homens, que fazem de sua trajetória de resistência um exemplo a ser seguido. Ouvi depoimentos, vi sorrisos ainda que temerosos do futuro, ah!! O futuro. Vi crianças, e elas são muitas, vi as suas casas simples, construídas de alvenaria, que já não lembram o período da lona preta. Ouvi muitas histórias de como chegaram os primeiros fios elétricos, o material de construção. As dificuldades para abrir as ruas, enfim ouvi tantos casos e histórias, que me remeti a minha própria história e à de milhões de negras e negros, na busca por moradia digna, por cidadania. Que assumi ali, o honroso compromisso de defender as Ocupações da Izidora e seus três bairros: Rosa Leão, Esperança e Vitória. E mais encantada ainda fiquei, com a história de Izidora, a negra forra que lavava roupa no ribeirão da região e que conquistou lá três hectares de terra. A nossa história de resistência, de fato se compõe em pedaços, tal qual uma colcha de retalhos tão comuns em nosso meio, pedaços de panos aleatórios, com sua autonomia de cor, de textura, de tecido, mas que quando juntados na costura, compõem a coisa mais linda de se ver, que aquece nossos corpos cansados nas noites frias e nos garantem a segurança e o amor de mãos criativas e carinhosas.
A Izidora e sua gente negra entraram e entranharam em meu ser. Não consigo entender como um grupo de “autoridades”, que compõe o que se chama de justiça, pode simplesmente decidir que a terra, o direito à moradia, o trabalho, a saúde e a educação - princípios básicos da cidadania e da dignidade -, devem ser regidos e definidos, por quem nunca desses precisou conquistar. Sim, nossos juízes, desembargadores em sua maioria já nasceram nos berços esplêndidos de quem colonizou nosso país. São herdeiros diretos de uma elite, que há séculos está aí a viver de privilégios históricos. E a esses cabem o poder de decidir se estas 30 mil pessoas podem ou não continuarem em suas casas construídas a partir de muito sofrimento, investimento, empréstimos e solidariedade. Confesso que não entendo, como a terra que estava ali, sem uso e nem fuso, pode de uma hora pra outra, ser decretada como propriedade particular de um dono, uma terra que abriga 30 mil pessoas e seus sonhos mais íntimos, seus desejos, esperanças. Pessoas que estão ali, há três anos e meio, construindo um projeto de moradia popular coletiva.
Aceitei a tarefa de levar comigo o grito contido no peito dos injustiçados, dos homens e mulheres que lutam e resistem bravamente pela cidadania e dignidade e o sagrado direito a moradia digna. Todas e todos sabem que estaria ali, numa tarefa delegada pela CONEN, que não sou católica, mas que aposto no diálogo, na solidariedade e na justiça divina.  Levei comigo os sonhos de uma gente brava, lutadora e me senti honrada com a tarefa. Sabia e informei a todos que estava indo para um Encontro onde as dificuldades são inúmeras, muitas cabeças, muitas propostas e sonhos diversos, mas que faria o possível para levar o pedido de que todos os bons juntos, não devem se omitir, até porque em situações de extrema injustiça, a omissão nos leva para o lado do opressor. Acho que conseguimos cumprir a tarefa. Defendemos o direito a moradia, a terra e ao trabalho como bênçãos divinas, que não podem nem deve servir ao capital em detrimento da vida. A solidariedade da delegação brasileira foi fundamental para que no documento final tivéssemos pontuado a questão Izidora e o direito de na terra habitar os que nela vivem.
Foi distribuído o texto produzido para o momento, nas versões em inglês e espanhol. E entreguei aos responsáveis pelos documentos e cartas a serem entregues ao Papa, um DVD e o texto, além de uma carta da Rose de Freitas, moradora da comunidade Esperança, na Izidora. Fui a representante do Brasil, no Encontro final com Papa Francisco, mas fomos avisados que não podíamos entregar nada pessoalmente ao mesmo.
Sou uma Makota, uma mulher de muita fé e acredito em um ditado africano que nos diz que “se sozinho, se vai rápido, juntos podemos ir longe.” Por isso, acredito que a mobilização internacional, em torno do RESISTE IZIDORA, é fundamental para assegurar a estabilidade da ocupação, a garantia do direito sagrado a terra, a moradia e ao trabalho. Não podemos permitir que o sonho da moradia, da dignidade e cidadania, manche de sangue nossa Belo Horizonte. As Ocupações-comunidades da Izidora são compostas em sua grande maioria por trabalhadoras e trabalhadores que devem ter seus direitos cidadãos assegurados.
A solidariedade, a unidade, a compreensão do outro enquanto sujeito de sua própria história são fundamentais nos momentos em que a arbitrariedade teima em nos roubar a dignidade, a soberania e nossos direitos.
#RESISTE IZIDORA#
Belo Horizonte, MG, Brasil, 22 de novembro de 2016.



segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Papa Francisco, um homem de muita coragem! por João Pedro Stedile.

Papa Francisco, um homem de muita coragem!
Por João Pedro Stedile, da coordenação do MST e da Via Campesina.
Jornal Brasil de fato, 14 de novembro de 2016.

Estive recentemente no III Encontro mundial de movimentos populares em diálogo com o Papa Francisco, realizado no Vaticano de 2 a 5 de novembro de 2016. Participaram mais de 200 delegados de 60 países, representando movimentos inseridos nas lutas sociais de três áreas: Trabalho, terra e Teto. Do Brasil estávamos em oito delegados  escolhidos pelos movimentos dessas áreas.
O encontro se insere num processo permanente de debate que iniciamos em  2013, do qual resultou o  primeiro encontro no Vaticano em outubro de 2014, depois  um segundo mais massivo e latinoamericano, quando  reunimos  mais de 5 mil militantes populares em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia.  E agora o  terceiro encontro,  de novo no Vaticano.
Esse processo de debates e diálogos entre o Papa Francisco e os movimentos populares, partiu de uma vontade política do Papa, de dialogar e dar protagonismo aos movimentos populares em todo mundo,  como estimulo  à organização dos trabalhadores e dos mais pobres, como esperança e necessidade  para as mudanças necessárias  no sistema capitalista.
Por isso, os delegados são escolhidos entre os dirigentes de movimentos populares, de todos os continentes, com a maior pluralidade possível e existente de: etnias, religiões, idade, culturas e com equidade de gênero. Ele pediu que se evitasse levar agentes de pastorais da igreja católica, pois teriam outros espaços. Mas sempre participam também desse processo de dialogo, representantes do Vaticano, em especial da Pontifícia Comissão de Justiça e Paz, e alguns bispos e cardeais, que tenham vínculos reais com os movimentos populares em suas regiões.
No primeiro encontro, a base do dialogo foi o debate sobre a realidade e a causa dos problemas que vivem os trabalhadores nas três esferas da luta social. Foi apresentado um amplo diagnóstico e   reflexões sobre as soluções necessárias.  Usando sempre o método ver-julgar-agir. O Papa Francisco construiu um documento, que na essência se resumiu na defesa de um programa de que não deveríamos ter mais: “Nenhum camponês sem terra; Nenhum trabalhador sem direitos e nenhuma família sem moradia digna!”
Entre o primeiro e o segundo encontro seguiu-se um diálogo em torno dos problemas ambientais, dos agrotóxicos, das sementes transgênicas, em que o Papa consultou muitos especialistas, teólogos, bispos e movimentos que atuam nessa área.   E o resultado foi uma esplêndida  Encíclica, “Louvado seja!”  aonde  o Papa sistematiza reflexões, analisa as causas dos problemas ambientais e propõem soluções.    O Texto é a mais profunda e rica contribuição teórica e programática sobre o tema  produzida  em todos os tempos.    Uma contribuição que nem mesmo a tradição teórica de esquerda havia produzido.
Depois no segundo encontro na Bolívia, com presença marcante de  afro-descendentes, povos indígenas e povos com conflitos em seus territórios, como o povo Curdo, avançou-se para o direito ao território.    O Papa inseriu em suas reflexões o conceito de que todo o povo tem o direito a soberania popular sobre o seu território. E avançou-se também na concepção de que os bens da natureza que existem nesses territórios devem ser aproveitados em  benefício de todo povo, ou seja trata-se de um bem comum e não apenas um recurso a ser transformado em mercadoria e  renda extraordinária, como querem as empresas capitalistas que exploram  os bens da natureza, como os minérios, petróleo, água e biodiversidade.
Agora, no terceiro encontro estava na pauta dos debates, novos temas relacionados com os graves dilemas  que  a  sociedade moderna está enfrentando em todo mundo.  O primeiro tema foi a questão do estado e da democracia.   Tivemos aqui a participação também do ex- Presidente Pepe Mujica, do Uruguai, e de outros dirigentes políticos  progressistas que enviaram reflexões. Há uma crítica generalizada em todo mundo, que a forma de funcionar do estado burguês não representa mais as bases republicanas dos interesses da maioria. Porque a democracia representativa, formal, burguesa, não consegue mais expressar apenas pelo voto, o direito e a vontade da maioria da população.  O capital sequestrou a democracia pela forma de organizar as eleições.
E sobre esse tema o Papa reagiu e foi contundente que assombrou a todos, quando definiu de que na realidade existe um estado mais que excludente, um estado terrorista, que usa do dinheiro e do medo, para manipular a vontade das maiorias.  O dinheiro expresssa a força do capital que sobrepassa as instituições democráticas, e o medo, imposto à população pela manipulação midiática  permanente.
Entre todos participantes ficou a certeza de que precisamos aprofundar o debate em nossos países, para construir novas formas de participação política do povo, que de fato, garanta o direito do povo participar do poder político em todos os espaços da vida social. E ninguém tem uma receita, uma fórmula, depende da construção real na luta de classes de cada pais. A realidade é que esses processos eleitorais atuais não são democráticos e nem permitem a realização da vontade do povo.
Outro tema debatido, que representou avanços em relação aos encontros anteriores, foi o tema dos migrantes econômicos e dos refugiados políticos. A Europa vive uma verdadeira tragédia com os refugiados do Oriente médio e da África.   Milhões, repito milhões de pessoas estão migrando todos os dias, de todas as formas, de barco, caminhando quilômetros e quilômetros para fugir da morte  rumo a Europa, e lá encontram mais exclusão e xenofobia, sendo que apenas estão lá, porque as empresas europeias são as principais fornecedoras de armas para a Arábia Saudita  e governos repressores da região.
Nesse sentido a reflexão dos movimentos seguiu na linha do direito a um território e da luta contra a xenofobia. Do direito a autodeterminação dos povos e contra as guerras. As guerras não resolvem nenhum conflito social e apenas criam mais problemas sociais, além de ceifar a vida de milhares de pessoas, em geral os mais pobres e trabalhadores.  Todos os seres humanos são iguais, na sua natureza e nos seus direitos.   Aqui emergiu a ideia de que devemos incorporar em todos nossos programas a proposta da  igualdade.  A igualdade de oportunidades, de direitos e deveres, é a unica base de uma sociedade realmente democrática.
E nesse tema o Papa Francisco revelou toda sua coragem, ao denunciar de que quando um banco vai a falência, logo surgem bilhões de euros para salvar seus acionistas. Porém quando um povo está em dificuldade e migra, nunca há recursos públicos para ajudá-los e encontra-se todo tipo de desculpas possíveis. O Papa denunciou o sistema capitalista como autor dessa tragédia humana, contemporânea que estamos vivendo, de exclusão, de superexploração dos migrantes e dos refugiados, não só na Europa, mas em diversas regiões mundo, aonde os países ditos ricos, se protegem dos pobres e migrantes, praticando ainda mais exclusão.  Nunca se ergueram tantos muros de exclusão, em tantos países, como agora!
Como veem os debates foram muito interessantes.  E devem seguir, por muito tempo ainda, graças a abertura e generosidade do Papa Francisco.  Todos os documentos na íntegra e os discursos do Papa  vocês poderão encontrar na página http://movimientospopulares.org/
De nossa parte, da delegação brasileira,  levamos uma faixa de FORA TEMER, em plena praça da Basílica de São Pedro, denunciando o golpe por aqui e  saímos convencidos de que além de São Francisco de Assis, agora temos mais um Francisco, revolucionário na igreja.


sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Discurso do Papa Francisco no III Encontro Mundial dos Movimentos Populares em Roma, de 2 a 5/11/2016. “Terra, casa e trabalho para todos!” (Papa Francisco).

Discurso do Papa Francisco no III Encontro Mundial dos Movimentos Populares em Roma, de 2 a 5/11/2016.
“Terra, casa e trabalho para todos!” (Papa Francisco).
Vaticano, Roma, Itália, 05/11/2016


O Terceiro Encontro Mundial dos Movimentos Populares aconteceu de 2 a 5 de novembro de 2016, na cidade de Roma, na Itália. O Papa Francisco participou da conclusão do encontro, sábado à tarde, acontecimento que reuniu cerca de 3.000 pessoas, na Sala Paulo VI. Antes da chegada do Papa, os presentes viveram um momento de entretenimento, intercalado com canções e testemunhos. À sua chegada, o Papa foi recebido pelo cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson, presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz, que lhe dirigiu uma breve saudação. Seguiu-se um vídeo que apresentou uma síntese dos trabalhos realizados ao longo do III Encontro e a leitura do documento das conclusões programáticas dos movimentos populares. O III Encontro Mundial dos Movimentos Populares terminou com um discurso do Papa, a seguir. 

DISCURSO DO PAPA FRANCISCO NO 3º ENCONTRO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS POPULARES: terra, casa e trabalho para todos!

Sábado, 5 de novembro de 2016

"Irmãs e irmãs, boa tarde!
Neste nosso terceiro encontro expressamos a mesma sede, a sede de justiça, o mesmo grito: terra, casa e trabalho para todos. Agradeço os/as delegados/as que vieram das periferias urbanas, rurais e industriais dos cinco continentes, mais de 60 países, que vieram para discutir mais uma vez sobre como defender estes direitos que nos convocam. Obrigado aos Bispos que vieram para vos acompanhar. Obrigado aos milhares de italianos e europeus que se uniram hoje ao final deste encontro. Obrigado aos observadores e aos jovens comprometidos na vida pública que vieram com humildade escutar e aprender. Quanta esperança tenho nos jovens! Agradeço também ao Senhor Cardeal Turkson, pelo trabalho que fez no Dicastério; e gostaria também de recordar a contribuição do ex-Presidente José Mujica, que está presente.
 No último encontro, na Bolívia, com maioria de latino-americanos, falamos da necessidade de uma mudança para que a vida seja digna, uma mudança de estruturas; além disto, de como vocês, os movimentos populares, são semeadores desta mudança, promotores de um processo em que convergem milhares de pequenas e grandes ações concatenadas em modo criativo, como em uma poesia; por isto quis vos chamar “poetas sociais”; e temos também elencado algumas tarefas imprescindíveis para caminhar em direção a uma alternativa humana diante da globalização da indiferença: 1. Colocar a economia à serviço dos povos; 2. Construir a paz e a justiça; 3. Defender a Mãe Terra.
Aquele dia, com a voz de uma “papeleira” e de um agricultor, foram leitos, na conclusão, os dez pontos de Santa Cruz de la Sierra, onde a palavra ‘mudança’ era repleta de grande conteúdo, era ligada às coisas fundamentais que vocês reivindicam: trabalho digno para aqueles que são excluídos do mercado de trabalho; terra para os agricultores e as populações indígenas; moradia para as famílias sem-teto; integração humana para os bairros populares; eliminação da discriminação, da violência contra as mulheres e das novas formas de escravidão; o fim de todas as guerras, do crime organizado e da repressão; liberdade de expressão e de comunicação democrática; ciência e tecnologia a serviço dos povos. Ouvimos também como vocês se comprometeram em abraçar um projeto de vida que rejeite o consumismo e recupere a solidariedade, o amor entre nós e o respeito pela natureza como valores essenciais. É a felicidade de “viver bem” aquilo que vocês reclamam, a “vida boa”, e não aquele ideal egoísta que enganosamente inverte as palavras e propõe a “bela vida”.
Nós que hoje estamos aqui, de origens, crenças e ideias diferentes, poderíamos não estar de acordo com tudo, seguramente pensamos diversamente sobre muitas coisas, porém certamente estamos de acordo sobre estes pontos.
Soube também de encontros e laboratórios realizados em diversos países, onde se multiplicaram os debates à luz da realidade de cada comunidade. Isto é muito importante porque as soluções reais para as problemáticas atuais não sairão de uma, três ou mil conferências: devem ser fruto de um discernimento coletivo que amadureça nos territórios junto com os irmãos, um discernimento que se torne ação transformadora “segundo os lugares, os tempos e as pessoas”, como dizia Santo Inácio. Caso contrário, corremos o risco das abstrações, de “certos nominalismos declaracionistas que são belas frases, mas que não conseguem sustentar a vida de nossas comunidades” (Carta ao Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, 19 de março de 2016). São slogans. O colonialismo ideológico globalizante procura impor receitas supraculturais que não respeitam a identidade dos povos. Vocês seguem por um caminho que é, ao mesmo tempo, local e universal. Um caminho que me recorda como Jesus pediu para organizar a multidão em grupos de cinquenta para distribuir o pão (cf. Homilia na Solenidade de Corpus Christi, Buenos Aires, 12 de junho de 2004).
Há pouco pudemos ver o vídeo que vocês apresentaram como conclusão deste terceiro encontro. Vimos os vossos rostos nas discussões sobre como enfrentar “a desigualdade que gera violência”. Tantas propostas, tanta criatividade, tanta esperança na vossa voz que talvez teria mais motivos para lamentar-se, permanecer paralisada nos conflitos, cair na tentação do negativo. Mesmo assim vocês olham em frente, pensam, discutem, propõe e agem. Congratulo-me convosco, vos acompanho, vos peço para continuar a abrir caminhos e a lutar. Isto me dá força, nos dá força. Acredito que este nosso diálogo, que se soma aos esforços de tantos milhões de pessoas que trabalham diariamente pela justiça em todo o mundo, está lançando raízes. Eu queria tocar em alguns temas mais específicos, que são os que recebi de vocês, que me fizeram refletir e os devolvo neste momento.

  1. O terror e os muros.
Todavia, esta germinação, que é lenta, que tem os seus tempos como todas as gestações, é ameaçada pela velocidade de um mecanismo destrutivo que age em sentido contrário. Existem forças poderosas que podem neutralizar este processo de amadurecimento de uma mudança que seja capaz de deslocar o primado do dinheiro e colocar novamente no centro o ser humano, ao homem, a mulher. Aquele “fio invisível” do qual havíamos falado na Bolívia, aquela estrutura injusta que liga todas as exclusões que vocês sofrem, pode consolidar-se e transformar-se em um chicote, um chicote existencial que, no Antigo Testamento, torna escravos, rouba a liberdade, fere sem misericórdia alguns e ameaça constantemente os outros, para abater todos como gado até onde quer o dinheiro divinizado. Quem governa então? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da desigualdade, da violência econômica, social, cultural e militar que gera sempre mais violência em uma espiral descendente que parece não acabar nunca. Quanta dor, quanto medo!
Existe – disse recentemente – existe um terrorismo de base que deriva do controle global do dinheiro sobre a terra e ameaça toda a humanidade. Deste terrorismo de base se alimentam os terroristas derivados como o narcoterrorismo, o terrorismo de Estado e aquele que alguns erroneamente chamam terrorismo étnico ou religiosos. Nenhum povo, nenhuma religião é terrorista. É verdade, existem pequenos grupos fundamentalistas de todas as partes. Mas o terrorismo inicia quando “é expulsa a maravilha da criação, o homem e a mulher, e colocado ali o dinheiro (Coletiva de imprensa no vôo de retorno da Viagem Apostólica à Polônia, 31 de julho de 2016). Tal sistema é terrorista.
Há quase cem anos, Pio XI previa o firmar-se de uma ditadura econômica global que chamou “imperialismo internacional do dinheiro” (Carta Encíclica Quadrasegimo anno, 15 de maio de 1931, 109). Estou falando do ano de 1931!. A sala na qual agora nos encontramos se chama “Paulo VI”, e foi Paulo VI que denunciou há quase cinquenta anos, a “nova forma abusiva de domínio econômico no plano social, cultural e também político” (Carta Encíclica Octogesima adveniens, 14 de maio 1971, 44). São palavras duras mas justas de meus predecessores que perscrutaram o futuro. A Igreja e os profetas dizem, há milênios, aquilo que tanto escandaliza que repete o Papa neste tempo, em que tudo isto atinge expressões inéditas. Toda a doutrina Igreja e o magistério de meus predecessores se rebela contra o ídolo do dinheiro que reina ao invés de servir, tiraniza e aterroriza a humanidade.
Nenhuma tirania se sustenta sem explorar os nossos medos. Isso é chave. Disto o fato de que toda a tirania seja terrorista. E quando este terror, que foi semeado nas periferias é com massacres, saques, opressão e injustiça, explode nos centros com diversas formas de violência, até mesmo com atentados odiosos e covardes, os cidadãos que ainda conservam alguns direitos são tentados pela falsa segurança dos muros físicos ou sociais. Muros que fecham alguns e exilam outros. Cidadãos murados, aterrorizados, de um lado; excluídos, exilados, ainda mais aterrorizados de outro. É esta a vida que Deus nosso Pai quer para os seus filhos?
O medo é alimentado, manipulado... Porque o medo, além de ser um bom negócio para os mercadores das armas e da morte, nos enfraquece, nos desestabiliza, destrói as nossas defesas psicológicas e espirituais, nos anestesia diante do sofrimento dos outros e no final nos torna cruéis. Quando ouvimos que se festeja a morte de um jovem que talvez tenha errado o caminho, quando vemos que se prefere a guerra à paz, quando vemos que se difunde a xenofobia, quando constatamos que ganham terreno as propostas intolerantes; por trás desta crueldade que parece massificar-se existe o frio sopro do medo. Peço-vos para rezarem por todos aqueles que têm medo, rezemos para que Deus dê a eles coragem e que neste ano da misericórdia possa amolecer os nossos corações. A misericórdia não é fácil, não é fácil... exige coragem. Por isto Jesus nos diz: ‘Não tenhais medo” (Mateus 14,27), porque a misericórdia é o melhor antídoto contra o medo. É muito melhor do que os antidepressivos e dos ansiolíticos. Muito mais eficaz do que os muros, das grades, dos alarmes e das armas. E é grátis: é um dom de Deus.
Queridos irmãos e irmãs, todos os muros caem. Todos. Não deixemo-nos enganar. Como vocês disseram: “Continuamos a trabalhar para construir pontes entre os povos, pontes que nos permitem abater os muros da exclusão e da exploração”. (Documento conclusivo do II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, 11 de julho de 2015, Santa cruz de la Sierra, Bolívia). Enfrentemos o terror com o amor.

  1. O amor e as pontes
Um dia como este, um sábado, Jesus fez duas coisas que, nos diz o Evangelho, apressaram o complô para matá-lo. Passava com os seus discípulos por um campo de sementes. Os discípulos tinham fome e comeram as espigas. Nada se diz sobre o “dono” daquele campo... subjacente é a destinação universal dos bens. O que é certo é que, diante da fome, Jesus deu prioridade à dignidade dos filhos de Deus antes que a uma interpretação formalística, obsequiosa e interessada da norma. Quando os doutores da lei lamentaram com indignação hipócrita, Jesus recordou a eles que Deus quer o amor e não sacrifícios, e explicou que o sábado é feito para o homem e não o homem para o sábado (cf. Mateus 2,27). Enfrentou o pensamento hipócrita e presunçoso com a inteligência humilde do coração (cf. Homilia, I Congresso de Evangelização da Cultura, Buenos Aires, 3 de novembro de 2006), que dá sempre a prioridade ao homem e não aceita que determinadas lógicas impeçam a sua liberdade de viver, amar e servir o próximo.
E depois, neste mesmo dia, Jesus fez algo de “pior”, algo que irritou ainda mais os hipócritas e os soberbos que o estavam observando porque procuravam uma desculpa para capturá-lo. Curou a mão atrofiada de um homem. A mão, este sinal tão forte do trabalhar, do trabalho. Jesus restituiu àquele homem a capacidade de trabalhar e com isso lhe restituiu a dignidade. Quantas mãos atrofiadas, quantas pessoas privadas da dignidade do trabalho! Porque os hipócritas, para defender sistemas injustos, se opõem a que sejam curados. Às vezes penso que quando vocês, os pobres organizados, inventam os vossos trabalhos, criando uma cooperativa, recuperando uma fábrica falida, reciclando os descartes da sociedade de consumo, enfrentando a inclemência do tempo para vender em uma praça, reivindicando um pedaço de terra para cultivar para alimentar quem tem fome, quando vocês fazem isto estão imitando Jesus, porque buscam curar, mesmo que somente um pouquinho, mesmo se precariamente, esta atrofia do sistema socioeconômico reinante, que é o desemprego. Não me surpreende que também vocês às vezes sejam vigiados ou perseguidos, nem me surpreende que aos soberbos não interessa aquilo que vocês dizem.
Jesus, que naquele sábado arriscou a vida, porque depois que curou aquela mão, fariseus e herodianos (cf Mc 3,6), dois partidos opostos entre eles, que temiam o povo e também o império, fizeram os seus cálculos e armaram um complô para matá-lo. Sei que muitos de vocês arriscam a vida. Sei – o quero recordar, a quero recordar - que alguns não estão aqui hoje porque arriscaram a vida... Mas não existe amor maior que dar a vida. Isto nos ensina Jesus.
Os 3 T, o vosso grito que faço meu, tem algo daquela inteligência humilde mas ao mesmo tempo forte e curador. Um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro. Um projeto que visa o desenvolvimento humano integral. Alguns sabem que o nosso amigo Cardeal Turkson preside o Dicastério que leva este nome: Desenvolvimento Humano integral. O contrário do desenvolvimento, se poderia dizer, é a atrofia, a paralisia. Devemos ajudar a curar o mundo da sua atrofia moral. Este sistema atrofiado é capaz de fornecer algumas “próteses” cosméticas que não são verdadeiro desenvolvimento: crescimento econômico, progressos tecnológicos, maior “eficiência” para produzir coisas que se compram, são usadas e jogadas fora, nos envolvendo a todos em uma vertiginosa dinâmica do descarte... Mas não consente o desenvolvimento do ser humano na sua integralidade, o desenvolvimento que não se reduz ao consumo, que não se reduz ao bem-estar de poucos, que inclui todos os povos e as pessoas na plenitude da sua dignidade, usufruindo fraternalmente a maravilha da criação. Este é o desenvolvimento do qual temos necessidade: humano, integral, respeitoso pela criação, desta casa comum.

  1. A Bancarrota e o resgate
Queridos irmãos, quero compartilhar com vocês algumas reflexões sobre outros dois temas que, junto aos “3-T” e à ecologia integral, estiveram ao centro de vossos debates dos últimos dias e foram focalizados neste período histórico. Sei que vocês dedicaram um dia ao drama dos migrantes, dos refugiados e dos deslocados. O que fazer diante desta tragédia? No Dicastério cujo responsável é o Cardeal Turkson existe um setor que se ocupa destas situações. Decidi que, ao menos por um certo tempo, este setor vai ficar submetido diretamente ao Pontífice, porque esta é uma situação infame, que posso somente descrever com uma palavra que me veio em mente espontaneamente em Lampedusa: vergonha. Lá, como em Lesbos, pude ouvir de perto o sofrimento de tantas famílias expulsas de sua terra por motivos econômicos ou violências de todos os tipos, multidões exiladas – disse isto diante das autoridades de todo o mundo – por causa de um sistema socioeconômico injusto e de guerras que não buscaram, que não criaram aqueles que hoje sofrem o doloroso desenraizamento da sua pátria, mas antes muitos daqueles que se recusam em recebê-los. Faço minhas as palavras de meu irmão o Arcebispo Hieronymos da Grécia: “Quem vê os olhos das crianças que encontramos nos campos de refugiados é capaz de reconhecer imediatamente, na sua totalidade, a “bancarrota” da humanidade”. (Discurso no Campo de Refugiados de Moria, em Lesbos, 16 de abril de 2016). O que acontece no mundo de hoje que, quando ocorre a bancarrota de um banco, imediatamente aparecem somas escandalosas para salvá-lo, mas quando acontece esta bancarrota da humanidade não existe sequer uma milésima parte para salvar estes irmãos que sofrem tanto? E assim o Mediterrâneo transformou-se em um cemitério e não somente o Mediterrâneo... muitos cemitérios próximos aos muros, muros manchados de sangue inocente. Durante os dias deste encontro, o mostravam no vídeo. Quantos morreram no mediterrâneo?
O medo endurece o coração e se transforma em crueldade cega que se recusa em ver o sangue, a dor, o rosto do outro. O disse o meu irmão o Patriarca Bartolomeu: “Quem tem medo de vocês não vos olhou nos olhos. Quem tem medo de vocês não viu os vossos rostos. Quem tem medo de vocês não vê os vossos filhos. Esquece que a dignidade e a liberdade transcendem o medo e transcende a divisão. Esquece que a migração não é um problema do Oriente Médio e da África do norte, da Europa e da Grécia. É um problema do mundo”. (Discurso no campo de Refugiados de Moria, Lesbos, 16 de abril de 2016).
É realmente um problema do mundo. Ninguém deveria ver-se obrigado a fugir da própria pátria. Mas o mal é duplo quando, diante daquelas terríveis circunstâncias, o migrante se vê lançados nas garras dos traficantes de pessoas para atravessar as fronteiras, e é triplo se chegam à terra em que se pensava encontrar um futuro melhor e são desprezados, explorados e até mesmo escravizados. Isto se pode ver em qualquer canto de centenas de cidades. Ou simplesmente não o deixa entrar. Peço a vocês para fazerem todo o possível e não esquecerem nunca que também Jesus, Maria e José experimentaram a condição dramática dos refugiados. Peço-vos para exercerem aquela solidariedade tão especial que existe entre aqueles que sofreram. Vocês sabem recuperar fábricas das falências, reciclar aquilo que outros jogam fora, criar postos de trabalho, cultivar a terra, construir moradias, integrar bairros segregados e reclamar sem se deter como a viúva do Evangelho que pede justiça insistentemente (cf. Lc 18,1-8). Talvez com o vosso exemplo e a vossa insistência, alguns Estados e Organizações internacionais abrirão os olhos e adotarão as medidas adequadas para acolher e integrar plenamente todos aqueles que, por um motivo ou por outro, buscam refúgio longe de casa. E também para enfrentar as causas profundas pelas quais milhares de homens, mulheres e crianças são expulsos a cada dia de sua terra natal. Dar exemplo e reclamar é um modo de fazer política, e isto me leva ao segundo tema que vocês debateram em vosso encontro: a relação entre povo e democracia. Uma relação que deveria ser natural e fluída, mas que corre o perigo de ofuscar-se até se tornar irreconhecível. A lacuna entre os povos e as nossas atuais formas de democracia se alarga sempre mais como consequência do enorme poder dos grupos econômicos e midiáticos que parecem dominá-las. Os movimentos populares, o sei, não são partidos políticos e deixem que eu vos diga que, em grande parte, aqui está a vossa riqueza, porque vocês expressam uma forma diversa, dinâmica, e vital de participação social na vida pública. Mas não tenham medo de entrar nas grandes discussões, na Política com maiúscula, e cito de novo Paulo VI: “A política é uma maneira exigente – mas não é a única – de viver o compromisso cristão a serviço dos outros”. (Carta Ap. Octosegima adveniens, 14 de maio de 1971, 46). Ou esta frase que repito tantas vezes, que sempre me confundo, não sei se é de Paulo VI ou de Pio XII: “A política é uma das formas mais elevadas da caridade, do amor”. Gostaria de sublinhar dois riscos que giram ao redor da relação entre os movimentos populares e política: o risco de deixar-se “formatar” (– no sentido de limitar os movimentos. O Papa usou a palavra “encorsetar”), e o risco de deixar-se corromper.
Primeiro, não se deixar “formatar” porque alguns dizem: a cooperativa, o refeitório, o horto agroecológico, as microempresas, o projeto dos planos assistenciais... até aqui tudo bem. Enquanto vocês se mantiverem limitados às “políticas sociais”, enquanto vocês não colocarem em discussão a política econômica ou a política com a maiúscula, vocês são tolerados. A ideia das políticas sociais concebidas como uma política em direção aos pobres, mas nunca “com” os pobres, nunca “dos” pobres e tanto menos inserida em um projeto que reúna os povos, me parece às vezes uma espécie de mascarado por conter os descartes do sistema. Quando vocês, do vosso arraigamento ao território, da vossa realidade cotidiana, do bairro, do local, da organização de trabalho comunitário, das relações de pessoa a pessoa, ousem colocar em discussão as “macro-relações”, quando gritam, quando indicarem ao poder um planejamento mais integral, então não se tolera vocês mais tanto. Não se tolera tanto, porque estão saindo do “formato”, estão se colocando no terreno das grandes decisões que alguns pretendem monopolizar em pequenas castas. Assim a democracia se atrofia, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai desencarnando-se porque deixa fora o povo na sua luta cotidiana pela dignidade, na construção de seu destino.
Vocês, organizações dos excluídos e tantas organizações de outros setores da sociedade, são chamados a revitalizar, a refundar as democracias que estão passando por uma verdadeira crise. Não caiam na tentação da limitação que vos reduz a atores secundários, ou pior, a meros administradores da miséria existente. Nestes tempos de paralisias, desorientação e propostas destrutivas, a participação como protagonistas dos povos que buscam o bem comum pode vencer, com a ajuda de Deus, os falsos profetas que exploram o medo e o desespero, que vendem fórmulas mágicas de ódio e crueldade ou de um bem-estar egoístico e uma segurança ilusória. Sabemos que “enquanto não se resolverem radicalmente os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da iniquidade, não se resolverão os problemas do mundo e definitivamente, nenhum problema. A iniquidade é a raiz dos males sociais”. (Exort. Apost. Evangelii gaudium, 202). Por isto, o disse e o repito, “o futuro da humanidade não está somente nas mãos dos grandes líderes, das grandes potências e das elites. Está sobretudo nas mãos dos povos; na sua capacidade de organizar-se e também nas mãos que irrigam, com humildade e convicção, este processo de mudanças”. (Discurso ao II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, Santa Cruz de la Sierra, 9 de julho de 2015). Também a Igreja pode e deve, sem pretender ter o monopólio da verdade, pronunciar-se e agir especialmente diante das “situações em que se tocam as chagas e os sofrimentos dramáticos, e nos quais estão envolvidos os valores, a ética, as ciências sociais e a fé” (Pronunciamento no encontro de Juízes e Magistrados contra o tráfico de pessoas e o crime organizado, Vaticano, 3 de junho 2016). Este era o primeiro risco: o risco da limitação e o convite de entrarem na grande política.
O segundo risco, dizia para vocês, é deixar-se corromper. Como a política não é uma questão dos “políticos”, a corrupção não é um vício exclusivo da política. Existe corrupção na política, existe corrupção nas empresas, existe corrupção nos meios de comunicação, existe corrupção nas Igrejas e existe corrupção também nas organizações sociais e nos movimentos populares. É justo dizer que existe uma corrupção radicada em alguns âmbitos da vida econômica, em particular na atividade financeira, e que é menos notícia do que a corrupção diretamente e ligada ao âmbito político e social. É justo dizer que muito vezes se utilizam os casos de corrupção com más intenções. Mas é também justo esclarecer que aqueles que escolheram uma vida de serviço, têm uma obrigação ulterior que se soma à honestidade com que qualquer pessoa deve agir na vida. A medida é muito alta: é necessário viver a vocação de servir com um forte sentido de austeridade e a humildade. Isto vale para os políticos, mas vale também para os dirigentes sociais e para nós pastores. Disse “austeridade”. Gostaria de esclarecer a que me refiro com a palavra austeridade. Pode ser uma palavra equivocada. Austeridade moral, austeridade no modo de viver, austeridade em como levo em frente a minha vida, minha família. Austeridade moral e humana. Porque no campo mais científico, científico-econômico se quiserem, ou das ciências do mercado, austeridade é sinônimo de ajuste. E não é a isto que me refiro. Não estou falando disso.
A qualquer pessoa que sejam muito apegada às coisas materiais ou ao espelho, a quem ama o dinheiro, os banquetes exuberantes, as casas suntuosas, as roupas refinadas, o carro de luxo, aconselharia de entender o que está acontecendo em seu coração e de rezar a Deus para libertá-lo destes apegos. Mas, parafraseando o ex-Presidente latino-americano que se encontra aqui, aquele que está afeiçoado a todas estas coisas, por favor, que não entre na política, que não entre em uma organização social ou em um movimento popular, porque causaria muito dano a si mesmo e ao próximo e mancharia a nobre causa que assumiu. Tampouco que entre no seminário.
Diante da tentação da corrupção, não existe melhor remédio do que a austeridade, esta austeridade moral e pessoal. E praticar a austeridade é, também, pregar com o exemplo. Peço-vos de não subestimarem o valor do exemplo, porque tem mais força do que mil palavras, de mil panfletos, de mil “curtidas”, de mil retweets, de mil vídeos no youtube. O exemplo de uma vida austera a serviço do próximo é o melhor modo para promover o bem comum e o projeto-ponte dos “3-T”. Peço a vocês, dirigentes, para não cansarem-se de praticar esta austeridade moral, pessoal e peço a todos para exigir dos dirigentes esta austeridade, que – de resto – os fará muito felizes.
Queridas irmãs e irmãos, a corrupção, a soberba e o exibicionismo dos dirigentes aumenta o descrédito coletivo, a sensação de abandono e alimenta o mecanismo do medo que sustenta este sistema iníquo.
Gostaria, para concluir, pedir a vocês para continuar a combater o medo com uma vida de serviço, solidariedade e humildade em favor dos povos e especialmente daqueles que sofrem. Vocês poderiam errar muitas vezes, todos erramos, mas se perseveramos neste caminho, cedo ou tarde, veremos os frutos. E insisto: contra o terror, o melhor remédio é o amor. O amor cura tudo. Alguns sabem que depois do Sínodo sobre a Família escrevi Amoris laetitia, um documento sobre o amor em cada família, mas também naquela outra família que é o bairro, a comunidade, o povo, a humanidade. Alguém de vocês me pediu para distribuir um fascículo que contém um fragmento do capítulo quatro deste documento. Penso que entreguem a vocês na saída. E portanto com a minha bênção. Lá encontram-se alguns “conselhos úteis” para praticar o mais importante dos mandamentos de Jesus. Na Amoris laetitia, cito um falecido líder afro-americano, Martin Luther King, que sabia sempre escolher o amor fraterno até mesmo em meio às piores perseguições e humilhações. Quero recordá-lo com vocês: “Quando te elevas ao nível do amor, da sua grande beleza e poder, a única coisa que busca derrotar são os sistemas malignos. As pessoas que estão presas por aquele sistema, as ame, porém procure derrotar aquele sistema (...) Ódio por ódio intensifica somente a existência do ódio e do mal no universo. Se eu te firo e tu me fere, e te retribui o golpe e tu me retribuiu o golpe, e assim por diante, é evidente que se continua até o infinito. Simplesmente não acaba nunca. Uma das partes deve ter um pouco de bom senso, e aquela é a pessoa forte. A pessoa forte é a pessoa que é capaz de quebrar a cadeia de ódio, a cadeia do mal”. (n. 118; Sermão na Igreja Batista de Dexter Avenue, Montgomery, Alabama, 17 de novembro de 1957).
Agradeço-vos novamente pela vossa presença. Agradeço-vos pelo vosso trabalho. Desejo pedir a Deus nosso Pai que vos acompanhe e vos abençoe, que vos cumule de seu amor e vos defenda no caminho, dando-vos em abundância a força que nos mantém em pé e nos dá a coragem para romper a cadeia do ódio: a força é a esperança. Peço-vos, por favor, de rezarem por mim, e aqueles que não podem rezar, saibam, pensem bem de mim e me enviem uma boa onda. Obrigado”.
Tradução livre do Programa Brasileiro (From Vatican Radio).


Povo das ocupações da Izidora trabalha construindo a cidade. Por que não...

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Ocupações da Izidora, em Belo Horizonte, MG: "Não queremos uma polícia violenta com quem luta por direitos humanos fundamentais." Paz, sim; violência, não!

Ocupações da Izidora, em Belo Horizonte, MG: "Não queremos uma polícia violenta com quem luta por direitos humanos fundamentais." Paz, sim; violência, não!
Frei Gilvander Moreira.


Em diferentes ocasiões, a Polícia Militar de Minas Gerais tem agido com violência contra os moradores das comunidades da Izidora, de Belo Horizonte e Santa Luzia, MG, o que demonstra a falta de preparo para lidar com a situação de um despejo de tamanha proporção como o determinado pelo Órgão Especial do TJMG dia 28/09/2016: o despejo das 8.000 famílias (30.000 pessoas) das três Ocupações-comunidades da Izidora (Rosa Leão, Esperança e Vitória), comunidades em franco processo de consolidação já com mais de 5.000 casas de alvenaria construídas, em 3,5 anos de luta.
Por exemplo, em 24 de julho de 2014, na ocasião de uma manifestação pacífica pela permanência das ocupações, um policial militar da cavalaria desferiu um golpe de espada contra o morador Dinei Delfino Pereira (foto abaixo), que sofreu ferimento em sua face e esteve por alguns momentos desacordado. Quando a cavalaria passou por cima do povo que bloqueava a pista lateral da MG 010 (Linha Verde), diante da Cidade Administrativa, um policial da cavalaria desferiu uma espadada que retalhou o rosto de Dinei. Por um trisco, Dinei não foi assassinado por um dos policiais da cavalaria. Há vídeos na internet mostrando que a cavalaria passou por cima do povo e voltou em disparada passando novamente por cima do povo. Os cavalos tiveram a destreza de não pisar no Dinei caído e desacordado, após sofrer uma espadada no rosto. Confira, por exemplo, o vídeo disponibilizado no link https://www.youtube.com/watch?v=voc_MrfxV6k Conforme relato da Promotora de Justiça Dra. Nivia Mônica Silva, do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Direitos Humanos de Minas Gerais, em resposta à Corte Interamericana de Direitos Humanos (fls.1112/1117-TJ): “foram noticiados ao MPMG casos diversos de violência policial contra moradores das referidas comunidades, em relação aos quais foram instaurados Procedimentos de Investigação Criminal - PICs - no âmbito da 18ª Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos e Controle Externo da Atividade Policial em Belo Horizonte. Como exemplo, cumpre destacar o episódio ocorrido em 24 de julho de 2014. Durante a realização de reunião entre lideranças e o poder público em que se demandava a elaboração de proposta alternativa à remoção das famílias da área ocupada, membros das ocupações realizavam manifestação pacífica próximo à sede do poder público estadual, conhecida como Cidade Administrativa, no intuito de sensibilizar os representantes do Governo de Minas para a resolução justa e pacífica do conflito fundiário e social da Izidora, que se tornou o maior conflito de luta pela terra da América Latina e um dos sete maiores do mundo. Na ocasião, quando se manifestava pacificamente, Dinei Delfino Pereira, recebeu golpe de armamento legal (identificado pela vítima e testemunhas como “espada”) em sua face por parte de soldado da cavalaria da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, sofrendo grave ferimento na cabeça.”

Alertamos: Se a PM de MG for despejar as 8.000 famílias (30.000 pessoas) das três Ocupações-comunidades da Izidora, em BH e Santa Luzia, MG, poderá causar um grande massacre. Queremos paz com justiça social. Lutamos em defesa da dignidade humana e por isso lutamos por moradia digna, própria e adequada. Conflito social se resolve de forma justa e pacífica é com Política e não com polícia.

domingo, 6 de novembro de 2016

A criança Alice, das Ocupações da Izidora, entre policiais e um padre: do risco de morte para a celebração da vida em Cristo.

A criança Alice, das Ocupações da Izidora, entre policiais e um padre: do risco de morte para a celebração da vida em Cristo.
Por frei Gilvander Moreira.


Dia 19/06/2015, Alice, com apenas 8 meses, quase foi assassinada pela PM de MG, mas hoje, 06/11/2016, Alice foi batizada em uma igreja católica trazendo alegria para todos nós. Hoje, dia 06/11/2016, enquanto eu celebrava missa e o batismo de três irmãs – Paula, Mirele e Marcela – na igreja da Ocupação-comunidade Dandara, no Céu azul, em Belo Horizonte, MG, era celebrado o batismo de outra criança – ALICE - em uma Igreja do bairro Serra Verde, em Belo Horizonte, MG. Dia 19 de junho de 2015, Alice, com apenas 8 meses de idade, quase foi assassinada pela polícia militar de Minas, no momento em que mais de 2.500 pessoas das Ocupações-comunidades da Izidora foram reprimidas e bombardeadas pela tropa de choque da PM de MG na Linha Verde, próximo à Cidade Administrativa do Governo de Minas, em BH, enquanto o povo marchava pacificamente lutando por moradia e repudiando a iminência de despejos anunciados. No meio da chuva de tiros de bala de borracha houve também uma chuva de bomba de gás lacrimogêneo jogadas por policiais militares. Uma bomba de gás lacrimogêneo jogada do helicóptero da PM caiu no colo de Alice, criança de 8 meses que estava no carrinho de bebê. A mãe Cleiciane, instintivamente retirou a Alice do carrinho e, assim, a bomba caiu no chão e estourou. A mãe saiu correndo com a criança deixando para trás o carrinho de bebê, enquanto tentava salvar sua filha Alice, de 8 meses, sufocada pelo gás de pimenta. Chegou inclusive a correr o boato que a polícia teria matado uma criança, mas, graças a Deus, não era verdade. A mãe ainda guarda a manta queimada pela bomba, manta que envolvia o corpinho de Alice. Resultado dessa repressão: mais de 90 feridos e mais de 40 presos, sem contar os traumas contraídos pelas crianças e idosos sob risco de sofrer infarto. Se a PM de MG agiu assim, imagine se o povo sentir que as 5.000 casas serão derrubadas? Toda ação leva a uma reação. Mas hoje, dia 06 de novembro de 2016, para nossa imensa alegria, Alice foi batizada por um padre e por toda a comunidade para a alegria de sua família e de todas as 8.000 famílias das Ocupações da Izidora. Rose de Freitas, da coordenação da Ocupação-comunidade Esperança, foi madrinha, como atesta as duas fotos, abaixo. Relato esse fato aqui para que nunca mais a PM de MG jogue bomba de gás lacrimogêneo em população civil e muito menos em crianças. Recordo que o Brasil, em 1999, assinou um Tratado Internacional se comprometendo em não usar arma química contra população civil e gás lacrimogêneo é arma química. Que beleza que Alice, com dois anos, está viva, batizada e vivendo com dignidade no seio de sua família na Ocupação-comunidade Esperança, na Izidora. As Ocupações-comunidades da Izidora (Rosa Leão, Esperança e Vitória) são constituídas de 8.000 famílias (30.000 pessoas), que, há 3,5 anos já construíram mais de 5.000 casas de alvenaria e estão sob iminência de despejo com decisão injusta e inconstitucional do TJMG. Trata-se do 7º maior conflito de luta pela terra do mundo e o maior conflito da América Latina. O que se houve no meio do povo é: "Preferimos morrer na luta que aceitar despejo e voltar para a cruz do aluguel.” O batismo de Alice, sobrevivente da repressão da PM dia 19/06/2016, é uma prova cristalina de que a PM de MG não tem condições de fazer os despejos das três ocupações da Izidora sem causar um grande massacre. Tem razão o desembargador Alberto Vilas Boas que, ao votar contra o despejo das Ocupações da Izidora, alertou para o risco de massacre no seu voto dia 28/09/2016 em sessão do Órgão Especial do TJMG que por 18 a 1 decidiu pelo despejo das Ocupações da Izidora. Essa decisão do TJMG entrará para a história como uma de suas decisões injustas e inconstitucionais.  É “líquido e certo” que se houver despejo forçado na Izidora haverá, sim, grande massacre. Isso está previsto no Plano da PM e da Prefeitura de BH de despejo das Ocupações da Izidora, pois dizem inclusive que “haverá ambulâncias para socorrer os feridos”. Em nome de Alice, criança que quase foi assassinada pela PM de MG dia 19/06/2016 e dos milhares de crianças que moram na Izidora, clamamos por negociação justa e ética.  Resistiremos sempre! “Eu fico com a pureza da resposta das crianças, é a vida...”, conforme canta Gonzaguinha.
Eis, nos links, abaixo, relato denúncia da repressão perpetrada pela PM de MG dia 19/06/2015 na Linha Verde contra o povo das Ocupações da Izidora.
1)   Relato denúncia da mãe Cleiciane e de sua filha: https://www.youtube.com/watch?v=VYUPMom2c1U
2)   Relato denúncia de Eliene e outro ferido na repressão da PM: https://www.youtube.com/watch?v=NdpD6tSFWf0
3)   Registro feito por Ricardo de Freitas, o Kadu, enquanto salvava uma criança do bombardeio da PM de MG, dia 19/06/2016:
4)   Pai e ma~e de seis filhos feridos pela PM na repressão do povo das Ocupações da Izidora, dia 19/06/2015:




quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Alvimar Ribeiro, da CPT: camponês missionário na luta pela terra. 20/07/...

Pode haver intervenção da União caso o Governo de um estado não cumpra decisão judicial que prescreve reintegração de posse?

Pode haver intervenção da União caso o Governo de um estado não cumpra decisão judicial que prescreve reintegração de posse?
Por frei Gilvander Moreira, da CPT.

Para  compreendermos a luta pela terra e por moradia digna, própria e adequada, como um legítimo e constitucional direito social, devemos analisar a fundo a questão da propriedade privada capitalista da terra. Joaquim Modesto Pinto Júnior e Valdez Adriani Farias (2005), no artigo Função Social da Propriedade: dimensões ambiental e trabalhista, afirmam que: “a propriedade não é mais direito absoluto. Com efeito, embora parte da doutrina e jurisprudência, de forma totalmente contrária ao sistema posto, relute em negar proteção absoluta ao direito de propriedade, o fato é que o ordenamento constitucional e infraconstitucional veem que pesa sobre a propriedade uma hipoteca social” (JÚNIOR; FARIAS, 2005: 13).
A esse propósito nos referimos à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI nº 2213, que diz: “o direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII)”, a propriedade deixa de existir.
Há jurisprudências no sistema judiciário brasileiro em que pedidos de intervenções judiciais da União em estados da federação foram negados. Por exemplo, na primeira semana de agosto de 2014, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou acórdão em que negou, por unanimidade, pedido de intervenção federal no estado do Paraná para compelir o governo do Paraná a realizar reintegração de posse com uso da força ao proprietário da Fazenda São Paulo, no município de Barbosa Ferraz, que tinha escritura e registro, mas não cumpria a função social. Essa decisão do STJ na prática definiu que a propriedade não é um direito absoluto e que, por isso, mesmo que o proprietário tenha conseguido na justiça estadual a reintegração de posse, a execução da determinação judicial causaria muitos danos sociais às 240 famílias de camponeses Sem Terra do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (​MST)​ que tinham ocupado a fazenda por dois motivos principais: por necessidade, isto, porque vários princípios constitucionais, tais​ como, respeito à dignidade humana, função social da propriedade e direito a terra, não estavam sendo oferecidos pelo Estado e, porque a fazenda estava abandonada sem cumprir função social. Logo, para ser coerente com os princípios constitucionais e também com o objetivo da Constituição de 1988 que busca construir uma sociedade que supere as desigualdades e a miséria, a Corte Especial do STJ tomou uma decisão sensata e justa. Essa decisão foi saudada pelo MST, Comissão Pastoral da Terra (​CPT)​ e pela ONG Terra de Direitos, mas foi duramente criticada pela mídia e por advogados e professores de Direito que ainda absolutizam o direito à propriedade.
Conforme o exposto, acima, o justo e constitucional é não haver intervenção da União no Estado de Minas Gerais,​ caso o Governador Fernando Pimentel não autorize a Polícia Militar a realizar a reintegração de posse nos territórios ocupados pelas 8.000 famílias (cerca de 30.000 pessoas) das ocupações-comunidades da Izidora (Rosa Leão, Esperança e Vitória), em Belo Horizonte e Santa Luzia, MG: comunidades em franco processo de consolidação com 3,5 anos de luta e mais de 5.000 casas de alvenaria construídas seguindo Plano Urbanístico feito por professores arquitetos da Associação dos Arquitetos Sem Fronteira (ASF-Brasil).
Embora exista uma decisão judicial que em tese permite a reintegração de posse, tal decisão não pode se colocar acima da dignidade da pessoa humana que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e que deveria ser considerada pelo judiciário. Também é um absurdo uma Ação Civil Pública (ACP) do Ministério Público de Minas em defesa das comunidades da Izidora não ter sido julgada, embora esteja “tramitando” no TJMG há 3,5 anos. No caso da Ocupação Dandara, no Céu Azul, em Belo Horizonte, uma Ação Civil Pública foi julgada e acolhida e derrubou decisão de reintegração de posse de uma vara cível. Por que isso não acontece no caso das comunidades da Izidora?
Despejar as três comunidades da Izidora, três bairros-irmãos, seria desrespeitar vários princípios da Constituição Federal de 1988, negligenciar o princípio bíblico segundo o qual “a terra pertence a Deus” e cair na temeridade de um massacre de proporções inimagináveis. O povo das comunidades da Izidora segue alertando as autoridades que tentativa de despejo forçado pode causar um banho de sangue na capital mineira. Isso seria crime hediondo. Por respeito à dignidade humana e por moradia digna seguimos lutando. Negociação justa,sim; despejo, jamais!
Referências.
PINTO JÚNIOR, Joaquim Modesto; FARIAS, Valdez Adriani. Função social da propriedade: dimensões ambiental e trabalhista. Brasília: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2005.
Reportagem “Quando ocupar é um direito: decisão do STJ repercute na mídia” e quatro artigos que discutem a decisão do STJ, no link a seguir: http://terradedireitos.org.br/2014/08/27/quando-ocupar-e-um-direito-decisao-do-stj-repercute-na-midia/ , acesso dia 02/11/2016 às 18:04h.

Belo Horizonte, MG, Brasil, 03/11/2016.
Face: Gilvander Moreira


quarta-feira, 2 de novembro de 2016

"Despejo na Izidora será uma carnificina", denunciam Edna e Eliene em Br...

O filme NA MISSÃO COM KADU está sendo apresentado em cinemas de várias capitais do Brasil: denúncia veemente à truculência da PM de MG.

O filme NA MISSÃO COM KADU está sendo apresentado em cinemas de várias capitais do Brasil: denúncia veemente à truculência da PM de MG.

Por Alexandre Figueirôa. 1 de novembro de 2016.
O terceiro dia do Janela, por Vitor Jucá/Divulgação.

O segundo programa da mostra competitiva de curtas do 9º Janela Internacional de Cinema do Recife acendeu, mais uma vez, no público presente no cinema São Luiz, na tarde desta segunda-feira, 31/10/2016, o espírito de indignação e revolta contra os desmandos das forças políticas conservadoras brasileiras e dos seus braços armados, no caso, a Polícia Militar de Minas Gerais. O filme Na missão, com Kadu, sobre a repressão ao movimento de uma ocupação na cidade de Belo Horizonte, causou uma inesperada catarse na plateia que externou sua reação com choro copioso de alguns presentes e palavras de ordem ao final da sessão.
Na Missão com Kadu é um filme-documentário realizado pelo pernambucano Pedro Maia de Brito e o mineiro Aiano Benfica que junta imagens de depoimentos colhidas pelos cineastas com imagens feitas por um celular pelo líder comunitário Ricardo de Freitas Miranda, o Kadu, durante uma passeata realizada pelos moradores da Ocupação Vitória, na Izidora, região periférica de Belo Horizonte. Os manifestantes se dirigiam ao Centro Administrativo do governo mineiro em junho de 2015 e foram reprimidos de forma brutal, o que resultou na prisão de cerca de cem pessoas e ferimentos em várias delas por balas de borracha, incluindo crianças, atingidas por bombas de gás lacrimogênio e spray de pimenta.
O filme NA MISSÃO COM KADU é uma denúncia contundente contra a ação da Polícia Militar e tem sido usado pelos ocupantes para tentar sensibilizar a Justiça mineira dos arbítrios cometidos para definir o direito de uso da área invadida. Existem sérias dúvidas quanto à legalidade de posse da mesma pelos que dizem ser seus proprietários e questiona-se também o uso da violência contra uma reivindicação legítima. O caso torna-se ainda mais dramático quando no final do filme tomamos conhecimento que o líder comunitário Kadu foi assassinado numa emboscada quatro meses depois da manifestação.
O filme NA MISSÃO COM KADU já foi apresentado em cinemas de várias capitais do Brasil e seguirá sendo apresentado em cinemas de outras capitais. Essas apresentações integram a Rede de Apoio RESISTE IZIDORA que não aceita despejo forçado de 8.000 famílias (cerca de 30.000 pessoas) das Ocupações da Izidora (Rosa Leão, Esperança e Vitória), em Belo Horizonte e Santa Luzia, MG: comunidades em franco processo de consolidação com 3,5 anos de luta e mais de 5.000 casas de alvenaria construídas seguindo Plano Urbanístico feito por professores arquitetos da Associação dos Arquitetos Sem Fronteira-Brasil. Negociação justa, aceitamos; despejos, jamais! O povo segue alertando as autoridades que tentativa de despejo forçado pode causar um massacre de proporções inimagináveis.

Obs.: A íntegra da reportagem está no link, abaixo: