terça-feira, 31 de julho de 2018

Que caminho trilhar em uma pesquisa e como?


Que caminho trilhar em uma pesquisa e como?
Por Gilvander Moreira[1]


Perspectivas geográficas e históricas não podem ser separadas, pois são imprescindíveis para evidenciar as relações históricas que se constituíram no território. Por outro lado, a história resgatada da perspectiva dos oprimidos exige trazer à tona as relações com o território: os conflitos e as violências se dão sempre em cima de um lugar, em um território. “A separação da geografia e da história e o domínio do tempo sobre o espaço têm o efeito de produzir imagens de sociedades separadas de seu ambiente material, como se surgissem do nada” (CORONIL, 1996, p. 23). “Eu não confio na pesquisa solitária, confio na pesquisa solidária”, dizia Jean Piaget. Nas últimas décadas, houve e continua de pé um debate acalorado sobre os pressupostos epistemológicos da pesquisa no qual as/os pesquisadoras/res, profissionais ou aprendizes, nunca foram tão questionados em suas certezas. Perguntas interpeladoras sobre epistemologia[2] – ciência do conhecimento - e metodologia ainda continuam sem respostas consistentes. “Antes do domínio de determinadas técnicas, pesquisar implica capacidade de escutar, um escutar denso, intenso e (im)paciente” (STRECK, 2006, p. 265). Sob o cansaço causado pela repetição da ciência de além-mar - esquemas eurocêntricos, positivistas e funcionalistas - e vendo as desigualdades sociais se reproduzirem em progressão quase geométrica, na América Latina irromperam sujeitos reivindicando uma ciência que fosse “nossa”. José Martí, ainda em 1891, em Nossa América, apresenta sua utopia de universidade: “Os povos se levantam e se cumprimentam. Como somos? Perguntam-se. E uns e outros vão dizendo como são. Quando aparece um problema em Cojimar[3] já não vão buscar a solução em Dantzig[4]” (MARTÍ, 1983, p. 199).
A ciência não é neutra, - também ninguém é neutro e nem apolítico. Entretanto, se construída dentro de parâmetros científicos, a ciência gera conhecimento que pode ajudar a revelar o que é ocultado. “O desvelamento de um aspecto antes velado vale mil vezes mais do que um belo discurso valorativo que mantenha escondido, aos olhos de quem quer se libertar, um elo das correntes que o oprimem” (IASI, 2011, p. 141). Ser objetivo é algo inatingível, pois muitas vezes o pretenso rigor científico que pretende atestar objetividade escamoteia o mais das vezes – mas não sempre – o direcionamento da pesquisa. “As técnicas de pesquisa não somente recolhem os dizeres, mas também forçam a dizer” (LE BOTERF, 1987, p. 76), consideram uns dizeres e desconsideram outros.
Necessário se faz superarmos uma visão dicotômica da relação envolvimento-distanciamento ao investigar, por entendermos que em uma pesquisa científica um devido distanciamento é imprescindível, mas também o é certo nível de envolvimento. Buscar distanciamento, sob certos aspectos, em um processo de vigilância epistemológica, mas também se envolver, ciente de que todo conhecimento exerce um poder imenso nas relações capital versus trabalho, seja para emancipar, seja para legitimar a reprodução do capital com toda sua (super)exploração. Impossível compreensão à distância e de forma asséptica. “Há um engajamento em todo ato de compreensão” (GADAMER, 1997, p. 216).
Antes de ler referências teóricas imprescindíveis para a pesquisa, experienciar que, muitas vezes, a sabedoria – saber com sabor - pode estar mais nos indivíduos – nas suas práticas e conhecimentos - do que nos livros, primeiro ouvir atentamente pessoas que estão militando na causa a ser pesquisada. Buscar ouvir as falas das pessoas envolvidas nas linhas e nas entrelinhas, suas posturas e seus compromissos. O tempo todo, no processo de pesquisa participante, devemos estar antenados, buscando o que é e como acontece, se é que acontece,  a hipótese pesquisada. Em um segundo momento, buscar as luzes de referências teóricas e as adicionar ao processo de análise do objeto-sujeito em questão.
Não podemos apresentar uma análise fossilizada como se quiséssemos engessar e paralisar o objeto-sujeito pesquisado. “Se o real está em movimento, então que nosso pensamento também se ponha em movimento e seja pensamento desse movimento. Se o real é contraditório, então que o pensamento seja pensamento consciente da contradição” (LEFEBVRE, 1979, p. 174). A lógica dialética critica com pertinência a lógica formal: “Tudo aquilo que é pode entrar na fórmula da identidade abstrata: “a árvore é a árvore”, “o círculo é o círculo”, “o homem é o homem”. E, não obstante, esse pensamento tautológico é vazio, precisamente por ser geral. Não diz o que “é” concretamente a árvore, o círculo, o homem. Precisamos por convir a tudo, “o ser” abstrato e geral não convém a nada” (LEFEBVRE, 1979, p. 175).
O pensamento metafísico abre caminho para dualismos abstratos que não encontram concretude no real e, por isso, mais mistificam a realidade do que a compreendem. Não há como, por exemplo, tentar compreender a luta pela terra sem analisar o conflito entre sem-terra em uma grande diversidade camponesa e os que detêm a propriedade capitalista da terra, sejam latifundiários ou empresas, sempre ancorados pelo capital. Em uma pesquisa emancipatória é preciso entabular análise do objeto-sujeito pelo pensamento concreto e dialético, que implica contradição. Mas o que é contradição? ““Contradição” não significa absurdo. “Ser” e “nada” não são misturados, ou infinitamente destruídos um pelo outro. Descobrir um termo contraditório de outro não significa destruir o primeiro, ou esquecê-lo, ou pô-lo de lado. Ao contrário, significa descobrir um complemento de determinação. A relação entre dois termos contraditórios é descoberta como algo preciso: cada um é aquele que nega o outro; e isso faz parte dele mesmo. Essa é sua ação, sua realidade concreta” (LEFEBVRE, 1979, p. 178). Enfim, eis uma proposta de caminho a trilhar e de como pesquisar.

Referências.
CORONIL, Fernando. Beyond Occidentalism: Toward Nonimperial Geohistorical Categories. In: Cultural Anthropology, Vol. 11, n. 1, 1996.
GADAMER, Hans Georg. Verdade e método. Petrópolis: Vozes, 1997.
IASI, Mauro Luis. Ensaios sobre consciência e emancipação. 2ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
LE BOTERF, Guy. Pesquisa participante: propostas e reflexões metodológicas. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Repensando a pesquisa participante. 3ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1987.
LEFEBVRE, Henri. Lógica formal / lógica dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
MARTÍ, José. Nossa América: antologia. São Paulo: HUCITEC, 1983.
STRECK, Danilo R. Pesquisar é pronunciar o mundo. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues; STRECK, Danilo R. (Org.). Pesquisa participante: o saber da partilha. 2ª edição. Aparecida/SP: Ideias & Letras, 2006.

Belo Horizonte, MG, 31/7/2018.

Obs.: Os vídeos, abaixo, ilustram o texto, acima.

1 - Em Buritizeiro/MG, clamor de Cassimira, 7 filhos, despejada de Canabrava pela PM/fazendeiros



2 - Ocupações da Izidora/Paulo Freire/Maria Vitória, ruas de BH, 02/07/15: Wanderley clama por moradia.







[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. 
www.twitter.com/gilvanderluis             Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Episteme, na língua grega, significa conhecimento, e logia, ciência. Epistemologia investiga a natureza do conhecimento, seus fundamentos e critérios que validam tal conhecimento como verdadeiro.
[3] Pequeno vilarejo de pescadores próximo a havana, em Cuba.
[4] Cidade semi-autônoma que existiu entre 1920 e 1939, habitada por alemães e atualmente é Gdanski, na Polônia.

Cristiano, do MTL, Santa Vitória/MG – Ameaçado de morte por lutar pelo d...

Cristiano, do MTL, de Santa Vitória, no Triângulo Mineiro, MG: ameaçado de morte por lutar pelo direito à terra. 24/5/2018.

É preocupante o que vemos no Brasil pós-golpe: retirada de direitos de trabalhadoras e trabalhadores, violência acirrada no campo e na cidade, aumento do número de pessoas em situação de miséria, desemprego crescente, o desrespeito à liberdade individual, intolerância... A violação dos direitos fundamentais que garantem a dignidade humana alcança índices assustadores. É a lógica da opressão do capital tentando se firmar. É preciso fortalecer a resistência e a unidade na luta por justiça social, justiça agrária, justiça ambiental, enfim por direitos. Várias ações nesse sentido foram desenvolvidas no 2º Seminário do Programa de Proteção aos Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos realizados em Belo Horizonte, MG, de 22 a 25 de maio de 2018. O Seminário contou com a participação de integrantes de movimentos sociais, pastorais sociais, de instituições públicas e privadas, pesquisadores, representantes de organizações da sociedade civil, entre outros. Com o tema “Pelo direito de ter direitos”, foram discutidas as ameaças e violências sofridas pelos defensores e defensoras dos direitos humanos; mulheres e homens que, com coragem, lutam contra as injustiças, contra o poder do capital que oprime, explora e destrói vidas. Foram discutidas também estratégias de proteção. Nesse vídeo, frei Gilvander Moreira, da CPT, das CEBs e do CEBI, conversa com Cristiano Aparecido da Silva, do Acampamento Córrego do Tatu, do MTL (Movimento Terra, Trabalho e Liberdade), em Santa Vitória, Triângulo Mineiro, que fala da sua militância e das ameaças sofridas nessa luta pela terra e por direitos fundamentais.
*Reportagem em vídeo de frei Gilvander Moreira. Edição de Nádia Oliveira, da Equipe de Comunicação da CPT-MG. Belo Horizonte/MG, 24/5/2018.
* Inscreva-se no You Tube, no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no link: https://www.youtube.com/user/fgilvander, acione o sininho, receba as notificações de envio de vídeos e assista a outros vídeos de luta por direitos sociais. Se assistir e gostar, compartilhe. Sugerimos.


segunda-feira, 30 de julho de 2018

Daiane, Comunidade Quilombola Baú/MG - Ameaças e violência por lutar pel...

Daiane, quilombola - Ameaças e violência contra a Comunidade Quilombola Baú, em Araçuaí, MG, que luta pelo direito ao território. 24/5/2018.


Nesse tempo de desdobramento do golpe instituído no Brasil em 31/8/2016, em que as forças opressoras do capital tentam se fortalecer com atitudes de retirada de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, violência, perseguições, discriminação, preconceito, entre outras violações de direitos, mais que nunca tornam-se necessárias a mobilização popular e o fortalecimento de ações concretas de defesa aos direitos humanos e, em especial, de proteção aos que lutam contra as diversas formas de injustiça, defensores e defensoras dos direitos humanos. De 22 a 25 de maio de 2018, aconteceu em Belo Horizonte, MG, o 2º Seminário Estadual de Programa de Proteção aos Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos, com a realização de várias atividades. Participaram desse Seminário representantes de diversos segmentos da sociedade, entre eles, integrantes de movimentos sociais, pastorais sociais, de instituições públicas e privadas, pesquisadores, representantes e organizações da sociedade civil. Com o tema “Pelo direito de ter direitos”, foram discutidas as ameaças e violências sofridas pelos defensores e defensoras dos direitos humanos; mulheres e homens que, com coragem, lutam contra as injustiças, contra o poder do capital que oprime, explora e destrói vidas. Foram discutidas também estratégias de proteção. Nesse vídeo, frei Gilvander Moreira, da CPT, das CEBs e do CEBI, conversa com Daiane Santos das Neves, quilombola da Comunidade Quilombola Baú, no município de Araçuaí, região do Médio Jequitinhonha, em Minas Gerais. A região é marcada por constantes ameaças e violências contra os quilombolas que vivem no território há centenas de anos e lutam pelo direito a esse território que lhes foi roubado.

Reportagem em vídeo de frei Gilvander Moreira.
Edição de Nádia Oliveira, da Equipe de Comunicação da CPT-MG.


Belo Horizonte/MG, 24/5/2018.


domingo, 29 de julho de 2018

Marlene, defensora dos Direitos Humanos em MG, ameaçada de morte, mas se...

Marlene, geraizeira do Vale das Cancelas, no Norte de Minas Gerais, defensora dos Direitos Humanos, ameaçada de morte, mas segue na luta. 23/5/2018.


Aconteceu em Belo Horizonte, MG, de 22 a 25 de maio/2018, o 2º Seminário Estadual do Programa de Proteção aos Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos ameaçados de morte simplesmente por estarem lutando pela superação das injustiças sociais e ambientais. O Seminário contou com a participação de um expressivo número de pessoas, entre elas integrantes de movimentos sociais, pastorais sociais, de instituições públicas e privadas, pesquisadores, representantes e organizações da sociedade civil. Com o tema “Pelo direito de ter direitos” foram discutidas as ameaças e violências sofridas pelos defensores e defensoras dos direitos humanos e estratégias de proteção.
Nesse vídeo, reportagem em vídeo de frei Gilvander Moreira, da CPT, das CEBs e do CEBI, que conversa com Marlene Ribeiro de Souza, geraizeira do Território Geraizeiro do Vale das Cancelas, do norte de MG. Edição de Nádia Oliveira, da Equipe de Comunicação da CPT-MG. Belo Horizonte, MG, 23/5/2018.
* Inscreva-se no You Tube, no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no link: https://www.youtube.com/user/fgilvander, acione o sininho, receba as notificações de envio de vídeos e assista a outros vídeos de luta por direitos sociais. Se assistir e gostar, compartilhe. Sugerimos.

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quarta-feira, 25 de julho de 2018

Resistência e História Indígena nas antigas terras de Vila Rica - Minas Gerais



Resistência e História Indígena nas antigas terras de Vila Rica - Minas Gerais                                                                                             
Por Alenice Baeta[1]


Imagem 01: Índios atravessando um riacho (Caçador de Escravos)
1820-1830 de Jean-Baptiste Debret (1972).

O território onde se encontra Ouro Preto, antiga Vila Rica, outrora fazia parte do “Sertão dos Cataguases” ou das “Minas dos Cataguases”, passando a ser denominado como pertencente a “Minas Gerais” a partir de 1710, após a chegada e instalação dos primeiros exploradores do ouro. Segundo Barbosa (1979), o topônimo “Minas Gerais” começa a ser utilizado de forma genérica a partir de 1732, quando passa a ser oficialmente mencionado em cartas régias.
Indígenas Cataguases ou Cataguás, também conhecidos como “Catauá”, eram habitantes de parte do centro, oeste e sul mineiro na época da chegada das primeiras expedições e bandeiras. Segundo O. José foram realmente os Cataguás os que mais sofreram com a ação escravizadora dos bandeirantes “quando esses, em busca das terras de rica formação mineral ou das paragens em que abundariam os diamantes e as pedras coradas, passaram, juntamente com seus aliados, os indígenas paulistas, pelas malocas dos Cataguás”(1965:21). Esses exploradores no final do séc. XVII por entre as gargantas do Embaú, vale do rio Paraíba, adentraram pela Mantiqueira as matas ao sul do Sertão dos Cataguases atingindo as suas zonas mais centrais, onde foi descoberto ouro de aluvião nas proximidades dos rios São Francisco, Doce e Velhas. O Pico do Itacolomi[2], “como um polo magnético” conforme descrição de A. de Lima Jr. (1961:117), logo se tornou importante referência dos primeiros exploradores que se instalaram nos vale do Tripuí e adjacências.
Os indígenas paulistas “aliados” seriam, segundo J. Monteiro (1994), os “Carijós”, designação genérica dos cativos, cujas etnias de seus integrantes possivelmente teriam sido muito variadas. Estes também receberam outras designações, tais como, “negros da terra” ou “cabras da terra”, indicados em alguns documentos da época.
“Ao longo do séc. XVII colonos de São Paulo e de outras vilas circunvizinhas assaltaram centenas de aldeias indígenas em várias regiões, trazendo milhares de índios de diversas sociedades para as suas fazendas e sítios na condição de serviços obrigatórios” (MONTEIRO, 1995:57). 

Monteiro sugere que os Carijós aprisionados no sul e sudoeste de São Paulo estariam associados, sobretudo, a povos de origem Guarani. Havia, a princípio, duas localidades principais onde as incursões dos paulistas destinadas ao apresamento de indígenas se faziam mais contundentes: os Sertões dos Patos e dos Carijós. No entanto, esclarece que a região que abrangia os Sertões dos Patos (atual interior do estado de Santa Catarina) “era habitada por grupos guarani, identificados, entre outras, pelas denominações Carijó, Araxá e Patos” (1995: 61).   
O Sertão de Carijós atingia, por sua vez, os vales dos rios Paranapanema, Guairá, Piquiri e Tibagi. As incursões a essas localidades ocasionavam contato com várias etnias não-Guarani e Guarani. As principais vítimas dessas expedições teriam sido ainda os Tememinó e Tupinaé. Todavia, quando havia queda nos plantéis paulistas de indivíduos guarani[3], os mais ambicionados pelas frentes de apreamento, buscava-se em substituição a esses, capturar Guainá e Guarulho ou Maromins (MONTEIRO, 1995:62/82). Segundo KOK, “no limiar do séc. XVII fervilhavam nos Campos de Piratininga guerras indígenas tanto no sertão como na vila, que significaram resistência à presença dos brancos, defesa de seus territórios e luta contra a escravização a que estavam sujeitos” (2009: 9).  
À medida que os bandeirantes paulistas mais se afastavam de suas paragens, maior era a necessidade do apoio e alianças com índios guerreiros no aprisionamento de outros nativos, visando abastecer as propriedades rurais com a força de trabalho dos “negros da terra”. A rede de captura[4] e escravização eram sustentadas pela exploração de inimizades e disputas tradicionais entre alguns povos indígenas.

“(...), as lideranças indígenas buscavam aliados portugueses para aumentar seu prestígio e seu poder de fogo em guerras contra outros grupos, que envolviam expedições para capturar inimigos e perpetuar a vingança” (MONTEIRO, 2008: 18).

Pouco conhecedores dos sertões alhures e com estrutura paramilitar precária, apesar de aguerridos, fazia-se imprescindível a participação de guias autóctones e línguas[5] nessas “armações”, nome mais utilizado na época para essas expedições. Jovens colonos, visando enriquecimento, financiados por seus pais e sogros (os armadores), ambicionavam capturar “peças do gentio da terra”. Para tanto, carregavam em suas empreitadas, chumbo, pólvora, correntes, sertanistas e índios, que formavam as tropas auxiliares (MONTEIRO, 1995: 86). O bom desempenho das empreitadas dependia em grande parte dos sertanistas, homens acostumados a incursões nas matas, também denominados “cabo da tropa” ou “capitão do arraial”, que possuíam poder sobre os demais participantes da viagem. No caso das grandes expedições, estas ainda contavam com a presença de capelão, escrivão e alferes-mor, sendo que este último seria o responsável pela partilha dos índios capturados. Na condição de escravas, mulheres índias, além das “Temericó” (mestiças) também tinham que acompanhar essas tropas. Os indígenas transportavam parte da carga, sendo ainda responsáveis pela complementação do cardápio alimentar, atuando como pescadores, caçadores de animais, além de coletores de frutas, mel silvestre, pinhão, coquinhos, ovos de jabuti, palmitos e paus de digestão (grelos de samambaia). Os suprimentos mais usuais levados na viagem eram cabaças de sal e pães de “farinha de guerra”, feitos de mandioca ou de milho, insuficientes para a dieta dos viajantes. Para matar a sede, na falta de água corrente, apelava-se para o consumo de umbuzeiro, mandacarus, cipós, taquaraçus e gravatás. Dependendo das condições climáticas e localização das tropas, a fome era companheira certeira. Como prova da supremacia dos bandeirantes e de seus comparsas, roças indígenas de milho, feijão e mandioca ainda eram saqueadas e posteriormente destruídas impiedosamente ao longo dos trajetos realizados (KOK, 2008: 22/24).
Em algumas situações, indígenas e mestiços, também chamados “curibocas” ou “caborés” (PARANHOS, 2005) eram despachados na frente da esquadra principal, visando instalar roças ao longo de caminhos que serviam para o abastecimento de expedições na ida e em seu regresso. Muitos destes ranchos de apoio aos acampamentos e de reserva de suprimentos, inclusive, deram origem a arraiais em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Foi o que aconteceu com a expedição capitaneada por Fernão Dias, que “mandara, com antecedência, plantar roças de milho e reunir animais, de distância em distância, até o Serro do Frio, e expedira, como vanguardeiro da coluna, Matias Cardoso, que foi aguardar em ponto profundo da região, onde deviam estar as ambicionadas esmeraldas” (LIMA JR. 1965: 28).
Alguns Carijós, na circunstância acima apresentada, participaram das principais bandeiras e expedições a procura de ouro e pedras preciosas nas ermas terras onde hoje se constitui o estado de Minas Gerais.
São vários os relatos sobre os inconvenientes que acossavam esses exploradores ao longo das viagens, tais como animais peçonhentos e onças que atacavam integrantes das tropas, além de insetos, formigas, carrapatos e bichos-de-pé. A topografia da região de Vila Rica, em especial, dificultava o acesso de seus desbravadores, pois “a paisagem é rude, com montanhas alcantiladas, vales estreitos e profundos” (BARBOSA, 1971:48). Mas certamente o maior temor desses homens seria o ataque dos “silvícolas”, que por sua vez, se sentiam ameaçados em seus territórios tradicionais, resistindo bravamente às investidas de seus perseguidores.
Anteriormente, houve várias penetrações não oficiais de exploradores que partiam do Campo do Piratininga ou Taubaté rumo a plagas do Guaipacaré (atual Lorena) atingindo o Rio Grande com o intuito de capturar indígenas, atividade lucrativa na primeira fase dos setecentos.

Devem ter sido numerosos os penetradores anônimos que, por esses anos, andaram pelas terras de Minas à caça de índios. Era o melhor negócio dos paulistas nessa época, e as regiões do campo mineiro, de fácil orientação, por suas montanhas continuadas, cheia de picos, davam facilidades desconhecidas aos aventureiros, habituados às ferocíssimas matas do Sul e de Goiás” (LIMA JR.,1965: 26). 


Imagem 01: Índios atravessando um riacho (Caçador de Escravos)
1820-1830 de Jean-Baptiste Debret (1972).

Muitos sertanistas, dessa maneira, já conheciam as terras mineiras quando das primeiras expedições oficiais[6], como a já mencionada bandeira liderada por Fernão Dias Pais “conhecedor velho destes Sertões...” (LIMA JR., 1965: 26)
Segundo Resende (2007), as bandeiras sustentavam-se a partir do tripé: procura de riquezas minerais, anexação de terras e preagem de índios, tendo devassado o território mineiro ao longo de todo o século XVIII. Mas foi a partir de 1760, com a crise que se abateu sobre a atividade mineradora, que o avanço das expedições e das fronteiras colonialistas se deu em áreas de matas parcialmente intocadas, onde ainda vários grupos indígenas viviam com um relativo distanciamento dos principais centros auríferos, arraiais e núcleos de fazendas de gado.
Os vales dos rios das Mortes, Grande, Sapucaí, Pomba e Paraíba do Sul correspondiam a territórios tradicionais de muitos indígenas no período colonial, sendo que os etnônimos mais comuns associados a essas bacias, além dos Catauá, já mencionados, eram Coroados[7], Tapanhunhos, Xopotós, Cropós, Puris e Arrepiados.  Esses povos estariam atribuídos ao tronco linguístico Macro-Jê (ou “Tapuias”), apesar de haver discordâncias sobre a filiação linguística dos Catauá; indicando a hipótese de possuírem ascendência Tupi-Guarani (ABDALA, 1997). Saint-Hilaire também aponta a possibilidade dos Coroados terem algum tipo de parentesco com povos Goitacazes (1975:39). Ainda são mencionados os Osorós, antigos habitantes do Sertão do Macacu, margens do rio Paraíba. “Embora a maioria dos Osorós tivesse fugido, à visão de tantos homens armados, pouco a pouco voltaram para as suas terras, onde circulavam com os Puris e Xopotós” (ANASTASIA, 2005: 97). 
O governador Luís Diogo Lobo da Silva outorgou inúmeras sesmarias, mas em função da resistência de íncolas, por designação da Coroa, determinadas terras deveriam ser “evitadas”, onde tivesse sido antigo aldeamento indígena. Mas, segundo Resende (2011), nem sempre os limites disponibilizados para a manutenção da economia indígena teriam sido suficientes. Ademais, as relações entre colonos e indígenas sempre foram belicosas e muito conflituosas.
Na segunda metade do século XVIII, foi fundado no vale do rio Pomba, por ordem do Governador Conde de Valadares, um aldeamento de índios Cropós, Coroados e Puris. Posteriormente, esses indígenas reclamam ao rei a paz perdida, alegando ter ficado sem terra para exercer suas atividades econômicas e culturais, como caça, pesca, coleta e rituais (RESENDE, 2003).
Nos arredores de Vila Rica há registros da presença de gentios ou índios “Aredez”, “Araraos” e “Taboyaras” na porção alta dos rios das Velhas e Paraopeba, mencionados em importante documento cartográfico e iconográfico setecentista do acervo da Biblioteca Nacional. Há uma frase inscrita neste mapa que merece ser transcrita:

“Aqui nestes sertões se recolheram os restos dos gentios Aredez (Araraos) e Taboyaras que moravam no Rio das Velhas, sobre o Rio Paraopeba. São estes gentios que infestam as fazendas de gado dessa banda do Rio de São Francisco e todos os anos assaltam matando muita gente principalmente depois do descobrimento das minas que os paulistas não sertanejaram, no Rio Paracatu destruíram bastantes fazendas”.


Imagem 02: Mapa “Demonstração do Rio São Francisco, em Minas Gerais”– século XVIII
(Acervo da Biblioteca Nacional).


A citação indica a existência de grupos indígenas que tiveram contato direto com antigos exploradores e colonizadores da região, reagindo e atacando fazendas de gado. O termo “ataque” deve ser interpretado como “resistência e defesa” em seus territórios históricos.
Segundo Resende (2003), incursões paulistas que se dirigiram à região do rio São Francisco, aprisionaram ainda grupos “Tememinó” e “Tobojara”. O último etnônimo mencionado pode ser uma forma diferenciada de mencionar os “Taboyaras” indicados no antigo mapa. Ainda no vale do rio das Velhas, havia índios Goiás, “gente benévola, que entretinha relações mais ou menos frequentes com os povoados antigos da zona do Sumidouro” (VASCONCELOS, 1948: 39). Há ainda indicações de indígenas “Candidés” no vale do rio Itapecerica, alto São Francisco (atualmente Divinópolis), nos arredores da Gruta de Itaberá (LARA, 1987).
O bandeirante Arzão Bartolomeu Bueno de Siqueira e sua comitiva também encontraram com gentios na região de Vila de Pitangui, tendo guerreado com estes (RESENDE, 2003: 46). 

Em Vila do Carmo - atual cidade de Mariana- viveu-se situação semelhante. Nela, a expansão das atividades de mineração esbarrou com grupos indígenas, sendo algumas das freguesias, como as de Guarapiranga, Barra Longa e Furquim, atacadas ou mesmo destruídas” (VENÂNCIO, 1997: 2007).

Chama ainda a atenção na toponímia da região do ouro um arraial denominado ‘Carijós’. Segundo Barbosa (1995), mineradores que lavravam nas adjacências da Serra de Ouro Branco, possivelmente remanescentes da Bandeira de Borba Gato, se uniram a indígenas Carijós, considerados “pacíficos” ou “mansuetos”, visando se defender dos ataques dos indígenas “ferozes” da região.  Os Carijós, relacionados ao tronco linguístico Tupi-Guarani, chegaram ao Planalto da Mantiqueira fugidos dos ataques de brancos no litoral fluminense.

“Estes desbravadores entraram em contato com os índios Carijós, que anos antes fugiram da baixada do Rio de Janeiro e penetram no interior subindo pelo vale do Paraibuna e estabelecendo-se em Borda do Campo, em uma região verdadeiramente estratégica: nos altos de um contraforte da Mantiqueira, de onde, com facilidade poderiam espraiar-se pelo vale do rio Doce, ou descer para o Paraopeba, ou mesmo tomar a direção do Rio Grande” (FERREIRA, 1958).

Estes Carijós formaram um aldeamento que originou o primitivo arraial “Senhora da Conceição do Campo Alegre de Carijós” ou “Arraial dos Carijós”, cujo território é abrangido atualmente pelo município Conselheiro Lafaiete, anteriormente, Queluz. A construção da sólida Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, bem como, de alguns edifícios desse arraial tem sido atribuída aos serviços braçais dos Carijós.
Muitos indivíduos indígenas foram utilizados nos centros auríferos como mão de obra nas lavras, como apontado na Instrução de Regimento de D. Rodrigo de Castelo Branco. Nesse documento são mencionados Carijós como trabalhadores regulares nessa atividade. “Aliás, alguns testemunhos revelam, bem antes da ocupação sistemática de Minas Gerais, a habilidade do gentio da terra na lide aurífera” (VENÂNCIO, 1997: 168).
Eram utilizados no transporte de mercadorias, víveres e ouro (substituindo os animais de carga) entre as lavras e os núcleos urbanos por íngremes caminhos, aberturas de estradas e implantação de fazendas. Indígenas, especialmente mulheres e crianças, também participavam de atividades de caça, pesca e coleta, incluindo a agricultura.

Os inventários registram a existência de lavoura de milho, produto essencial na antiga culinária paulista, consumindo em forma de farinha, canjica, cuscuz, biscoito, e utilizado como alimento de pequenos animais” (VENÂNCIO, 1997: 169).

Fiéis ou aliados em algumas situações aos próprios senhores, Carijós lutaram em grande número na Guerra dos Emboabas, nos anos 1707 e 1709, respondendo ainda por um percentual de parte da escravaria e dos inventários de famílias, tendo tido uma importante participação na vida social e econômica na freguesia de Mariana.

Em 1716, Antônia Leme herdou do marido importantes lavras e junto a elas 23 cativos, sendo 12 deles carijós. O mesmo ocorreu com Ana Maria Borba que, apesar de ser filha de uma das mais ricas e influentes famílias locais, manteve até a morte quatro carijós em seu plantel de 15 escravos. Mesmo os senhores mais famosos de Mariana, aqueles que podiam recorrer ao mercado internacional, não deixavam de dispor de alguns índios remanescentes da primeira fase do povoamento” (VENÂNCIO, 1997: 168).  

Em 1710, os cativos carijós representavam 16 a 23% da força de trabalho de Vila do Carmo, segundo raros inventários que resistiram à umidade e parasitas levantados e identificados por Venâncio (1997: 168-169).
Em uma meticulosa análise de documentos sobre a ocorrência de escravos índios na Vila do Carmo (Mariana), focalizando as freguesias de Guarapiranga (atualmente, Piranga), Barra do Calhau, Inficionado, Brumado, Sumidouro, Bento Roiz e Gama, Venâncio (1997), constata o decréscimo de indivíduos indígenas em 1725, quando comparados ao ano de 1718.

“A partir de 1718, quem percorresse as lavras marianenses perceberia ano após ano o desaparecimento do gentio da terra. Na década de vinte, a escravidão indígena marianense entrara em franco declínio. Os carijós, de idade avançada e doentes, pouca serventia tinha, atingindo preços irrisórios que não se equiparam aos dos pequenos animais, ou representavam uma fração mínima do valor referente aos negros africanos” (VENÂNCIO,1997: 172).

Analisando o índice de óbitos na freguesia de Guarapiranga, por exemplo, Venâncio ainda verificou o registro de falecimento de alguns carijós, sendo que parte desses óbitos teria ocorrido sem sacramento, possivelmente, devido morte repentina. Baseando-se na obra “Erário Mineral”, de Luís Gomes Ferreira, são indicadas as incidências de várias doenças que grassaram a região de Mariana, ocasionando mortes súbitas, tais como, varíola ou bexiga, malária e impaludismo ainda denominados no documento supracitado como “fistulas, chagas, hidropsias e sezoens” (FERREIRA, APUD VENÂNCIO, 1997: 176). “Os índios faleciam em uma proporção três vezes mais elevada do que negros africanos e crioulos” (VENÂNCIO, 1997: 176).

A alimentação ruim, a fome e as péssimas condições de trabalho[8] deveriam ter comprometido sensivelmente a saúde dos Carijós. No começo, o cativo fazia exclusivamente o transporte do cascalho, desde o rio ou dos montes, até o local de lavagem. Mais tarde foram introduzidos os animais de carga (ROMEIRO, 2006).  

A mineração exigia que os escravos permanecessem da cintura para baixo imersos nos gélidos rios mineiros. Se lembrarmos que, além disso, na primeira fase do povoamento de Mariana, a fome foi uma realidade constante, não fica difícil imaginar quanto a pneumonia e a tuberculose causaram sangrias nos contingentes populacionais indígenas” (VENÂNCIO, 1997: 177).  

Quando surgidas oportunidades, muitos indígenas partiam em fuga para as matas do leste e sudeste de Minas Gerais, outros adoeciam ou envelheceram nos centros auríferos e fazendas, dando lugar a escravos africanos e seus descendentes. Alguns cativos ainda foram libertos, tornando-se “carijós forros”, ou partiram para quilombos, se unindo a escravos africanos e outros foragidos, tornando-se “homem fora da lei ou imerso no universo da pobreza” (VENÂNCIO, 1997: 178). Diogo de Vasconcelos em sua célebre obra “História Média de Minas Gerais” aponta a presença de homens brancos “facínoras” ou foragidos da justiça que, adaptando-se bem ao meio “selvagino”, afugentavam-se em aldeias estabelecendo alianças com tribos. Organizavam, em algumas situações, verdadeiros bandos que “passaram a inquietar povoados, as fazendas e arraiais” (1948: 15).
Mas como bem colocado por Venâncio, para os grupos não “domesticados”, o arraial de Guarapiranga encerrava na fase do ouro o limite aceitável da expansão colonial, representados pelos rios Piranga, Calambau, Turvo e Bacalhau, onde “as incursões para além daquele limite eram ferozmente rechaçadas (...)” (1997: 173/174).
No entanto, apesar da existência de milhares de indígenas em Minas Gerais mesmo com a instauração de uma política de extermínio e de apresamento, alguns documentos coloniais insistiam em atestar o aniquilamento total dos indígenas, já no início dos setecentos.
O governador de São Paulo admite, em 1718, que todos os habitantes índios da região das Minas haviam sido exterminados pelos paulistas, sem que a história ao menos registrasse seus nomes” (RIBEIRO, 1997: 61). 

Por outro lado, também foram produzidas escritas que divulgavam que as “zonas proibidas[9]” estariam infestadas de índios “canibais” e “bestiais”, o que poderia dificultar a transposição de contrabandistas, salteadores, fugitivos, bandoleiros, desertores, “homens de falcatruas” e outros tipos de criminosos. O marquês de Pombal visando cessar de vez estes “abomináveis caminhos[10] mandava a junta redobrar a vigilância nessas plagas. Indígenas expostos à própria sorte combatiam ainda parte desses grupos, ou, em algumas situações, negociavam com seus mandantes.
O abandono do distrito da Mantiqueira pelas autoridades que o supunham, ou fingiam supor, povoado apenas pelas ferozes nações indígenas Xopotós, Puris e Osorós, favoreceu a ação daqueles que eram e dos que foram considerados pelas autoridades os facinorosos das estradas” (ANASTASIA, 2005: 90). As terras da Cachoeira do Macacu, nos confins da Mantiqueira, foram apossadas na segunda metade do século XVIII por garimpos clandestinos e contrabandistas, liderados, como exemplo, por “Mão de Luva” (OLIVEIRA, 2002). A quadrilha de “Mão de Luva” possuía, no entanto, “boas relações com comerciantes, soldados e índios” (ANASTASIA, 2005: 90). Segundo Anastasia, em algumas localidades da Capitania de Minas Gerais, ocorreram de forma mais amiúde violências e transgressões[11], constituindo-se em “territórios de mando” onde se disseminou o “mandonismo bandoleiro” (2005: 22) argumentação baseada no conceito de violência social, desenvolvido por S. Abranges (1994). 
Resende utiliza o termo “índios coloniais” compreendidos “como os índios ou seus descendentes, que destribalizados por diversas razões, de várias origens étnicas e ou procedências geográficas, muitos nascidos dentro da sociedade colonial, foram incorporados à vida sociocultural nas vilas e lugarejos” (RESENDE, 2003: 222).
Os “índios coloniais” constituíam os indivíduos comprados, raptados, barganhados, destribalizados, fugitivos de aldeamentos, desalojados ou expulsos de suas terras que passaram a viver nas vilas e arraiais sob a tutela dos seus “administrados” (RESENDE, 2003: 227).
Vários subterfúgios foram utilizados para burlar a proibição de se escravizar indígenas.  A primeira delas seria ocultar a origem indígena dos escravos, sob o estigma de “mestiços”, “pardos”, “cabocoulas” ou ainda outras denominações, como “cabras”, conforme já citado. Em 1755, foi proclamada a lei de liberdade aos índios, reeditada em 1760 pelo governador de Minas, Luiz Diogo Lobo da Silva, aprofundando ainda mais os impasses no que diz respeito aos direitos e emancipação indígena. Algumas ações de liberdade ocorreram quando fora negada por indígenas a “pecha de mestiços”. Quando não havia registros de batismos o procedimento usual era a descrição física do requerente ou a sua “inspeção ocular” por parte de um juiz, visando confirmar a sua condição indígena. No entanto, para os filhos de pais carijós e mães escravas negras, “a escravidão era certa” (RESENDE, 2007: 231/234).
Se não bastasse a resistência dos colonos de se desfazer dos préstimos dos seus administrados, a justiça ainda andava a passos vagarosos. As ameaças seguidas de prisões arbitrárias serviam de intimidação para aqueles que arvorassem para si o direito à liberdade” (RESENDE, 2007: 233).  No entanto, muitos “índios coloniais” sob a égide de “forros”, “afilhados”, “bastardos” ou mesmo “livres”, continuavam muitas das vezes, realizando obrigações ou serviços compulsórios. 
O próprio governador da Capitania, em 1793, Luiz Antônio Furtado de Mendonça, o visconde de Barbacena, promove festa de batismo de sua “afilhada” na capela do palácio. Tratava-se de Josefa, uma “bastarda” capturada nas matas do Cuieté (leste mineiro, vale do rio Doce); índia “Amburé” (ou Aimoré) também conhecida como “boticuda” (ou botocuda) (RESENDE, 2003).
Há ainda documentos relativos aos “párocos da freguesia” no acervo do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana que indicam ordenação de índio croato, o Padre Pedro da Mota, que teria estudado no Seminário de Mariana, tendo sido ordenado em 1790 (BÔAS, 1995: 49).
Além de escapar do cativeiro e abusos, alguns indígenas, sobretudo os que habitavam vilas e arraiais relacionados aos principais centros auríferos tiveram de enfrentar as visitas diocesanas e pastorais, verdadeiras devassas inquisitoriais onde muitas pessoas foram severamente punidas ou “escorraçadas”. Foram 767 denúncias indígenas ao longo dos setecentos, revelando a sua significativa presença por paragens da região. Segundo Resende (2007), os principais motivos indicados nas denúncias ou delações contra índios teriam sido motivadas por bebedeira, alcouce, trato ilícito, meretrício, curandeirismo ou feitiçaria, incesto e concubinato. Outras formas de perseguições e animosidades contra os indígenas se instauravam no chamado século do ouro mineiro. 
No entanto, nos arredores dos principais centros auríferos muitos grupos indígenas se postavam em guerra contra os colonizadores, barrando as frentes de expansão e instalação de novas propriedades. Em algumas situações, posicionavam-se refratários ao contato com não-índios, sendo considerados “arredios”. Eram várias as reclamações dos colonos contra os gentios que habitavam as matas e brenhas das cercanias. “(...) em 1746, os moradores de Guarapiranga, lamentando a ‘opressão’ por causa dos ataques dos ‘infiéis’, solicitavam a concessão da licença para poderem entrar naqueles sertões com bandeiras e conquistar aquele gentio”. Anos antes, Domingos Dias Ribeiro, solicitou ao governador a permissão para armar uma expedição em Vila Rica rumo às cabeceiras da Guarapiranga e “conquistar o gentio que achar bravo” (RESENDE, 2007: 225).
Há muitas referências a grupos de “Botocudos”, em localidades da região central das Minas Gerais. No entanto, trata-se de designação genérica dada pelos colonizadores a partir do sécuco XVIII em função dos adereços auriculares e labiais, os “imato”, utilizados por alguns grupos indígenas.
Boa parte dos naturalistas e pesquisadores estrangeiros que viajaram pelas terras mineiras nos séculos XVIII e XIX teve, inclusive, em sua comitiva indivíduos Botocudos que lhe serviram como intérpretes, guias e informantes. Saint-Hilaire, teve o apoio do índio Firmiano em sua excursão no vale do rio das Mortes (1975: 70). Mas, certamente a parceria mais famosa ocorreu entre Maximiliano Wied-Neuwied (1940) e Joaquim Quack, que acabou sendo levado para a Europa por seu tutor ao final da expedição.   
Provavelmente, os Botocudos, são os mesmos “Aimorés” ou “Aimurés” indicados em época anterior como habitantes das densas matas da Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo. Dessa maneira, a associação da índia afilhada “Boticuda”, moradora de Ouro Preto, a grupos indígenas “Amburé”, teria sentido.  


Imagem 03: Família de Botocudos em Marcha - 1834, de Jean-Baptiste Debret (1972).


As bacias do rio Doce, Jequitinhonha e Mucuri, leste mineiro, eram habitadas na ocasião dos primeiros contatos com os colonizadores e expedições, por grupos e subgrupos com etnônimos variados, pertencentes ao tronco linguístico Macro-Jê. Os mais conhecidos, além dos Aimorés, já mencionados, são os: Etwet, Gutkrak, Takrukkrak, Giporacs, Malalis, Camacans, Batatas, Gutkraks, Makuni e Monoxós (WIED-NEUWIED, 1989; SAINT- HILAIRE, 1975; NIMUENDAJU, 1987). Grens ou Guerens (BAÊTA, 1925) são outras referências a grupos da região, além de “Patutus, Napurus, Craempe, Pijouriis, Coconhum, Brue-Brue” (LEITE, 1949). Franco (1989) indica a presença durante o século XVII de “Papudos” no Vale do Jequitinhonha. G. Ferreira (1934: 24) menciona que, “os Machalis, os Nacnenucs, os Jiporocs, os Macunés, os Aranás, os Urucus, os Pojichás, os Crisciumas, os Ta-monhecs, os Potés, os Patachós, etc., se fixaram na faixa de terra que se encontra situada no vale do rio Mucuri, estendendo-se ao NE e N até alcançar o Jequitinhonha, até o Doce e Suaçuí Grande.”
Considerados também “Botocudos”, Aranãs seriam originários do vale do Urupuca, que abarca atualmente os arredores dos municípios de Santa Maria do Suaçuí e Capelinha, tendo sido aldeados no século XIX em Itambacuri. Trata-se de um grupo indígena cujos descendentes vivem atualmente em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, além de outras localidades do estado de Minas Gerais, incluindo a Região Metropolitana de Belo Horizonte (CEDEFES, 2009).
Os Maxacalis, por sua vez, também são antigos habitantes da região do Suaçuí Grande, tendo sido aldeados em uma paragem denominada “Catequese” no período imperial, atualmente pertencente ao município de Água Boa. Alguns Maxacali ainda serviram como canoeiros no Vale do Jequitinhonha, transportando mercadorias até o litoral. Refugiados e sobreviventes de aldeias no Jequitinhonha partiram para as cabeceiras dos rios Umburanas, no Vale do Mucuri. Este povo se autodenomina “Tikmu-um” e, segundo levantamentos etno-históricos e antropológicos, teriam sido inimigos de grupos Botocudos (ÁLVARES, 1992). Essa inimizade teria sido bem utilizada pelos colonizadores no processo de escravização e aliciamento desses povos.
Segundo S. Leite (1949), povos de origem Tupi-Guarani, os Paranaubis, ainda denominados “Mares Verdes”, foram anteriormente levados do alto e médio rio Doce no século XVII, por expedições jesuítas, para o aldeamento Reis Magos, no Espírito Santo.

Os padres João Martins e Antonio Bellavia, escoltados por índios, realizaram uma expedição partindo da aldeia dos Reis Magos a cinco de junho de 1624, retornando a quatorze de setembro do mesmo ano ao ponto de partida, juntamente com quatrocentos e cinquenta índios Paranaubis. Esses índios, também chamados de Mares Verdes, seriam possivelmente o último registro histórico na região (LEITE, 1949 APUD PILÓ, BAETA, LIMA, 2009: 29).     

Os Caiapós ou Kaiapós, também denominados “Bilreiros”, durante muitos anos impuseram resistência à nova ordem social colonialista, nas porções oeste e norte[12] de Minas Gerais (BAETA, 2000). Estes eram temidos pelos bandeirantes, que juntamente com os Botocudos tinham fama de terem “hábitos cruéis” e até mesmo “antropofágicos”.

“A guerra contra os Caiapós foi, pode-se afirmar, a mais terrível e a mais prolongada luta travada contra indígenas em toda a América. Os documentos nos falam da ferocidade dos ataques destes bilreiros, o que motivou a guerra referida. Não se esqueça, porém, que os Caiapós se tornaram terrivelmente cruéis, depois dos sucessivos ataques que sofreram dos brancos e mamelucos” (BARBOSA, 1971: 128).

Em 1736, o Conde de Sarzedas baixou uma portaria “após muitas queixas de viandantes dos caminhos das minas dos Goiases e à representação que lhe haviam feito os roceiros, das hostilidades e estragos do gentio Caiapó, tanto das roças como a algumas tropas”, dando permissão aos peticionários para que castigassem os autores de tais insultos; quando foi concedida licença franca para “guerrear e aprisionar o gentio”, contanto que fosse levada a cabo “os direitos da coroa, a qual caberia um quinto dos índios aprisionados” (BARBOSA, 1971: 131).  Meia pataca por cabeça era oferecida pelo extermínio de Kayapó (VENÂNCIO, 2007). Fazendeiros ficavam enfurecidos “com a ação predatória dos nativos sobre o gado solto em seus antigos terrenos de caça” (DEAN, 2000: 172).
Segundo Paraíso (1990), o combate aos Botocudos durante o século XVII e primeira metade do século XVIII no leste mineiro parece ter tido um caráter cíclico devido os grupos se subdividirem em pequenos bandos que atingiam as zonas vizinhas de forma intermitente. Quando os indígenas eram atacados por abastecedores de escravos os indivíduos que escapavam costumavam buscar outros lugares para se afugentar.

A provisoriedade dos locais de habitação indica uma intensa vida nômade por parte dos índios, caracterizando uma estratégia de sobrevivência baseada no ocultamento no interior da floresta. Isso fez com que aparentasse constituir um número muito maior do que se confirmou depois. Cada uma das tribos se identificava por um nome próprio e tendia a se subdividir em razão de conflitos internos. A quantidade pequena de membros acabava ajudando a se manterem ocultos nas matas” (ESPÍNDOLA, 2005: 137). 

Uma prática infame e comum era o tráfico de “Kurucas” ou “Curucas” por parte dos colonos; crianças indígenas eram raptadas para venda e exploração em fazendas e arraiais. Acirravam-se assim “os conflitos e as oposições entre vários grupos indígenas, tornando-os irreconciliáveis e inviabilizando qualquer forma de aliança” (PARAÍSO, 2005). Outro “escandaloso abuso” era “pilhar as mulheres índias, praticando com elas as maiores depravações” (DEAN, 2000: 169).

A partir da segunda metade do século XVIII, com a queda da explotação do ouro nos centros auríferos, há uma mudança significativa na economia mineira indicando a necessidade de reordenação da defesa, reafirmando a necessidade de expansão das fronteiras por parte da Coroa. As matas do leste, outrora denominadas “Zona Proibida”, conforme apontado, deveriam ser desbravadas em sua totalidade. Foi assim implantado um sistema de quartéis, destacamentos militares e presídios ao longo dos principais rios sendo que os métodos usados junto à população indígena eram de extrema violência, conhecidos pela expressão “matar aldeia”. T. Ottoni definiu este modo de combate por emboscadas ou dizimação estratégica de tribos indígenas como uma verdadeira “Hecatombe de Selvagens”, também denominada “Capivara” (SILVA, 2011).
A Carta Régia de 1808 criou a “Junta de Civilização e Conquista dos Índios e Navegação do Rio Doce” ordenando guerra ofensiva aos indígenas, instaurando o modelo do “conservadorismo imperial”, segundo Treece (2008).

“(...) Deveis considerar como principiada contra estes Índios e Antropophagos, huma guerra ofenciva que continuareis sempre em todos os annos nas estações secas e que não terá fim, senão quando tivereis a felicidade de vos senhorear de suas Habitaçoens, e de os capacitar da superioridade da Minhas Reais Armas, de maneira tal, que movidos do justo terror das mesmas pessão a Paz (...)” (APM SC 335, 1808: 2v).

A Junta do Rio Doce foi dividida, por sua vez, em seis distritos com seus respectivos comandantes, que deveria ainda explorar e mapear o rio Doce. Outra instrução era a de que deveria ser dada isenção para os terrenos cultivados, além de moratória para os devedores que para lá se dirigissem.
Saint-Hilaire descreve dentro da atuação da 5ª Divisão Militar do Rio Doce, na região de Peçanha, um ataque a um aldeamento indígena, onde “cercava-se por todos os lados o acampamentos dos selvagens; deixavam-nos passar a noite em completa segurança; e ao raiar do dia, viam-se cercados” (2000: 184).
Com o intuito de garantir o cumprimento das ordens e funcionamentos das Divisões Militares do Rio Doce, inspeções regulares eram feitas por militares da tropa de linha da Capitania de Minas Gerais. Em 02 de dezembro de 1808, outra Carta Régia ainda prevê a escolha de padres para atuarem na catequese, aldeamentos de índios e aproveitamento do seu trabalho, como contrapartida pelo “ensino e educação” recebidos (SILVA e MOREIRA, 2006). Em 1814, já haviam sido instaladas 61 bases militares, sendo parte delas posteriormente comandadas pelo liberal francês Guido Thomaz Marlière[13].
Os grupos indígenas que escolhessem o aldeamento ao invés do enfrentamento militar deveriam ser administrados a partir daí por método de “brandura”, que permitisse a “pronta civilização”. Visando estimular a transformação do prisioneiro em mão de obra barata, o governo compensava particulares que estivessem dispostos a sustentar, vestir e “educar” índios sob sua administração (PARAÍSO, 2005).
Freis Capuchinos por meio de missões religiosas participam da fundação e administração de aldeamentos no rio Doce entre um período que se inicia em 1870 até a implantação do Serviço de Proteção dos Índios (SPI), em 1911.         
Durante o período colonial e imperial, “índios eram, portanto, inimigos permanentes: quando mansos traíam, desertavam, voltavam-se contra os brancos se a aliança com eles não mais interessasse. Se bravios, comiam gente, ameaçavam os aldeamentos, pelos quais o mundo civilizado procurava domar os sertões. Na documentação oficial são os culpados de tudo (...)” (SOUZA, 1999: 33).

Na esteira da tese da “aculturação”, desenvolvida pela antropologia clássica, ficou preconizado que os sobreviventes ou remanescentes indígenas nos séculos seguintes estariam irreversivelmente fadados ao fim, onde as culturas e línguas indígenas seriam fatalmente dissipadas quando do contato contínuo com a “sociedade nacional” ou quando “integrados à comunhão nacional” (ARRUDA, 1994: 78). 

As populações indígenas que sobreviveram ao longo do processo de genocídio iniciado com a invasão europeia na América, e mesmo os povos de contato mais recente, que superaram os choques dos primeiros anos de envolvimento com o mundo dos brancos têm apresentado nas últimas décadas uma taxa de crescimento maior do que as da população brasileira” (ARRUDA, 1994: 78).

Habitantes da antiga Vila de Pitangui, no vale do rio Pará, os indígenas sob o etnônimo Kaxixó, segundo relato do cacique Djalma, “eram proibidos de dizer que eram índios”, mas como dito por eles, “sempre estivemos por aqui”... Talvez o fato de não se revelarem oficialmente enquanto índios para a sociedade nacional até final do século XX tenha sido uma forma de controle social interno Kaxixó, dirimindo a pressão já sofrida relacionada a conflitos fundiários e sociais na região (CEDEFES, 1992).
O foco do debate e das discussões teóricas[14] abordam a situação da “etnogênese” (SIDER, 1976) dos povos indígenas em oposição ao fenômeno de “etnocídio” quando são aplicados ainda os conceitos de “emergência étnica” ou “ressurgência étnica”. A cultura indígena se (re)inventa, encontrando-se em constante transformação, onde são produzidos novos significados identitários e formas variadas de representação social e territorialização. “Encarado dessa maneira, o acontecimento, ou seja, uma novidade exterior que venha incidir sobre uma estrutura, uma tradição, não faz necessariamente que ela seja destruída: a lógica que orquestra o conhecimento tradicional dos índios é capaz de interpretar o novo, ajustando-o, adaptando-o, dando-lhe sentido, tornando-o inteligível nos termos da lógica nativa (MISSAGIA DE MATTOS, 2000: 7).
Assim, contestando a ideia de “perda”, “desaparecimento” ou “fase terminal” dos indígenas e de sua cultura, que vigorou na literatura e historiografia até alguns decênios atrás, antropólogos e historiadores, mas, sobretudo os próprios índios apresentam outra noção acerca da história, visibilidade e resistência política destes povos em Minas Gerais, como no restante do país.

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Arquivo Público Mineiro-APM

Carta do Marquês de Pombal à Junta de Administração da Real Fazenda da Capitania de Minas Gerais de 10 de novembro de 1773. APM.SC.SG códice 192 fls.248/249.
Carta Régia do Príncipe D. João ao Governador da Capitania de Minas Gerais Pedro Maria Xavier de Athaíde e Melo, Visconde de Condeixa de 13 de maio  de 1808. APM-SC Códice 335 fls. 2-4.
Carta Régia do Príncipe D. João ao Governador da Capitania de Minas Gerais Pedro Maria Xavier de Athaíde e Melo, Visconde de Condeixa de 04 de agosto de 1808. APM -SC Códice 335 fls. 4-5.
Carta Régia do Príncipe D. João ao Governador da Capitania de Minas Gerais Pedro Maria Xavier de Athaíde e Melo, Visconde de Condeixa de 02 de dezembro de 1808. APM-SC Códice 335 fls. 5-7.

Biblioteca Nacional
Mapa de Demonstração do Rio São Francisco em Minas Gerais-séc. XVIII

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[1] Doutora em Arqueologia pelo MAE/USP; Pós-Doutorado Arqueologia/Antropologia-FAFICH/UFMG; Mestre em Educação pela FAE/UFMG; Historiadora e Membro do CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva) - e-mail: alenicebaeta@yahoo.com.br   Este artigo foi publicado em formato de capítulo no livro: “Marcas Históricas-Ouro Preto” pp. 40-57 (BAETA, A. & PILÓ, 2012). 

[2] Na língua Tupi-Guarani, quer dizer “Menino de Pedra” ou ainda “Filho da Montanha”.   Etimologicamente: Ita (Pedra) e Kunumim (Menino). 
[3] As expedições de apreamento destinavam-se em especial aos grupos guarani, tendo em vista que os paulistas tinham grandes dificuldades em falar línguas não-Tupis. Segundo Kok, os Guainás (Jês) eram considerados “língua travada”, devido sua língua nativa (2009:02).
[4]Segundo RIBAS (2008) nesta época parte dos índios capturados iam diretamente para fazendas, mas a maioria ainda era entregue aos aldeamentos administrados pelos jesuítas. Enquanto eram evangelizados, tinham sua mão-de-obra alugada pelo restante dos paulistas. A Carta Régia de 21 de abril de 1702 determinava que o cativeiro de indígena estivesse proibido, no entanto, era admitido que se trouxesse “pacificamente” indígenas do mato. 

[5] Os ‘línguas’ normalmente eram Guarani (Carijós) escravos ou ainda mestiços, descendentes de pai branco ou mãe índia, que trabalhavam como intérpretes, pois falavam a ‘língua geral’ (Tupi). Cabe lembrar, que em meados do séc. XVII 83% da população da Vila de São Paulo era formada por indígenas (KOK, 2008:23).
[6] Os bandeirantes gozavam de autorizações legais, quando recebiam carta autografada do El-Rei e promessas de hábito de Cristo. As bandeiras possuíam assim caráter oficial (TORRES, 1961:114).  

[7] O nome Coroado, segundo Saint-Hilaire “é um apelido tirado da língua portuguesa”. Sugere que os Coroados de Valença seriam compostos por quatro tribos: “Puris, Araris, Pitas e Chumetos” (1975:36).  
[8] Em Ouro Preto, no início do séc. XIX, as doenças respiratórias eram a principal causa de morte dos escravos (COSTA, 1979 APUD VENÂNCIO, 1997: 181). Em períodos de fome, garimpeiros em busca de comida se dirigiam a localidades nas cercanias de Vila Rica que produziam alimentos como Cachoeira do Campo e Amarantina. Segundo alguns, o “Campo da Caveira” (atual distrito de Rodrigo Silva) teria sido localidade onde homens famintos acabavam por padecer em decorrência da inanição (BOHRER, 2011: 23). Nessas localidades se desenvolve atividades voltadas a economia de subsistência surgindo uma rede de pequenos lavradores, os roceiros, que se dedicavam ainda a comercialização do excedente agrícola (VENÂNCIO, 2007).
[9]O governo metropolitano com a intenção de coibir o contrabando do ouro e a existência de lavras clandestinas mandou que se fechassem quaisquer trilhas e logradouros existentes nas imediações das áreas de mineração, as considerando "zonas ou áreas proibidas" à ocupação.
[10] APM.SC. SG Códice 192 fls.248/249.
[11]A omissão ou a inépcia das autoridades locais faziam dos sertões “terras de ninguém”, onde reinava o império da violência, redutos de transgressores que nestas paragens quase intocáveis se acoitavam. Resultado em parte de conflitos de jurisdição, litigantes e da iniquidade da ação pública, tornando-se zonas de “non-droit” (ANASTASIA, 2005: 56).
[12]Havia aldeamentos Caiapós em diversas localidades do rio São Francisco, no norte mineiro. Entre os rios das Velhas e Quebra Anzol foram ainda encontrados povos Araxá ou Araxués (RESENDE, 2003). Na região de Brejo do Salgado (atual Januária) foram atacadas e destruídas as aldeias Guaíbas e Tapiraçabas atribuídas a Caiapós pelo Mestre de Campo Januário Cardoso e Manoel Pires de Maciel, fugitivo das justiças do norte (VASCONCELOS, 1948: 39). Segundo Saint Hilaire, grupos que habitavam esta região foram posteriormente denominados Chacriabás ou Xicriabás (1975: 340).
[13] Militar francês designado em 1813 para verificar irregularidades e abusos cometidos pelos diretores de índios das aldeias dos Puris, Coroados e Coropós. Em 1818 foi indicado como Diretor Geral dos Índios de Minas Gerais. Buscou romper com a política agressiva impetrada nas Cartas Régias de 1808, retomando um “modelo de civilização” nos moldes do Marquês de Pombal.
[14] Instrumentos teóricos foram desenvolvidos no sentido de estabelecer diálogos referentes ao fenômeno do contato interétnico, tais como a noção de “situação interétnica” e “ tribalismo” por R. Cardoso de Oliveira (1964 e 1968) e F. Barth (1969); bem como, “situação histórica” e “viagem de volta” por J. P. de Oliveira (1988 e 1994), dentre outras abordagens.  A tendência das análises é discutir “índios misturados” e “etnologia das perdas” como fabricação ideológica e distorcida da história indígena (OLIVEIRA, 1999: 17).