terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Em BH, carroceiros/as proibidos/as, mas a história é de luta, a Esperança nasce! Por Frei Gilvander

Em BH, carroceiros/as proibidos/as, mas a história é de luta, a Esperança nasce! Por Frei Gilvander Moreira[1]

Poucas horas após a aprovação da Lei 11.285/21 que proíbe o trabalho de dez mil carroceiros/as em Belo Horizonte, nasceu, no bairro Caiçara, em BH, uma égua no curral do carroceiro Ricardo, filho de José Carlos Andrade, o famoso “Zé da Égua” – uma potrinha (uma eguinha), que recebeu o nome de ESPERANÇA. “Chegou um bebê para a nossa família!”, conta Rosemary Pedrosa Leal, esposa de Ricardo. Com a Esperança está aumentando o número de entes desta linda família carroceira.  O nascimento da eguinha ESPERANÇA está sendo saudado como um sinal do Deus da vida, da força e da luz do Povo Carroceiro, que clama: CARROCEIROS/AS, UNI-VOS! Fotos: acervo da família carroceira de Ricardo e Rosemary Pedrosa Leal

22 de janeiro de 2021, um dos dias mais tristes da história de Belo Horizonte, MG, e região: partiram para a vida em plenitude o Padre Pigi (Pier Luigi Bernareggi) e o Professor Michael Marie Le Ven; e o prefeito Alexandre Kalil (PSD) sancionou a lei 11.285/2021 que extingue o trabalho e o sustento financeiro de cerca de 10 mil famílias carroceiras de Belo Horizonte (BH)[2]. A lei prevê que, em prazo máximo de 10 anos, a tração animal em BH não mais exista e seja passível de punição a desobediência dos que permanecerem nesta prática. Dez mil carroceiros/as estão sendo encurralados/as e colocados/as no corredor da morte lenta. Sob a capa do pretenso cuidado com os animais impera o manto do racismo, do ódio aos pobres, do higienismo, do autoritarismo, da violação aos direitos dos povos e comunidades tradicionais, entre os quais estão os/as carroceiros/as, quilombolas, os/as ciganos/as, agricultores familiares e demais comunidades tradicionais que utilizam a carroça no seu dia a dia para trabalhar e viver.

O grande e histórico carroceiro de Belo Horizonte, MG, José Carlos de Andrade, o "Zé da Égua".

Uma cidade com a grandiosidade, a complexidade e a diversidade de Belo Horizonte não pode excluir a população composta por ciganos/as, quilombolas, indígenas, agricultores/as familiares que são carroceiros/as por tradição de cultura e família e são também Povos e Comunidades Tradicionais, protegidos pelos artigos 215 e 216 da Constituição Federal e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU).

Consideramos a lei 11.285/2021 racista na medida em que proíbe o uso dos animais de tração para sustentar famílias, mas nada diz sobre o fato de estes e outros animais como os cães poderem ser “domesticados” (violentados) para estraçalhar pessoas pelos desígnios de forças militares ou para farejar drogas letais e mergulhar em lama tóxica e biocida. Da mesma forma, não há questionamentos na mesma proporção que a perseguição aos carroceiros sobre o uso dos testes em animais que a indústria farmacêutica, a cosmética e a militar perpetuam. “Para isso pode maltratar os animais”, dizem hipocritamente. O Brasil, tendo adotado a ilegalidade da escravidão há pouco mais de um século, se recusa a abolir a escravidão como prática social sobre os corpos negros. Sob a hipócrita capa da proteção aos animais, há o regozijo sobre o sofrimento negro - “que puxem eles as carroças!” - reverberam!



A prefeitura da capital mineira, a maioria dos vereadores e as agremiações supostamente dedicados à pretensa proteção animal garantirão a vida digna das mais de 10 mil famílias carroceiras, com trabalho e renda!? – NÃO!!! São hipócritas, pois o projeto, transformado em lei, simplesmente não prevê e nem garante isso. Por isso, além de racista e covarde, é um projeto de ódio aos pobres! Não basta a pobreza, devem ser jogados na miséria! A prefeitura de Belo Horizonte sabe que em Porto Alegre, RS, sob administração de direita e antipopular, após a proibição do trabalho dos/as carroceiras, apenas uma ínfima minoria conseguiu algum tipo de outro trabalho, e pesquisa da própria prefeitura demonstrou que milhares de famílias carroceiras foram empurradas para a miséria e a fome.



Pisar, violentar e cuspir na Comunidade Tradicional Carroceira entristece o horizonte e violenta a história de BH, cidade construída com o trabalho do povo carroceiro desde o Curral del Rey que, por várias décadas, antes da tração motora, foi imprescindível para a construção da futura capital mineira. Centenas e centenas de carroças pegavam as mercadorias na Praça da Estação trazida pelos trens e distribuíam para toda a cidade. No Museu de Arte e Ofícios, situado na mesma Praça da Estação, estão expostas nas vitrines carroças antigas e utensílios dos tropeiros. Considerado o primeiro projeto museológico dedicado integralmente ao tema do trabalho, das artes e dos ofícios de todo o país, entende-se que há um reconhecimento desta categoria sociocultural, em nível nacional, mas parece que a atual gestão da capital mineira prefere ouvir os “negacionistas”. Os racistas, na prática, dizem: “No museu e nos livros podem estar, mas nas ruas como cultura viva não pode”. Matar a diversidade cultural é exterminar o futuro de uma cidade que queremos justa, fraterna, solidária, o que passa necessariamente pela valorização e reconhecimento da imensa diversidade biocultural presente na cidade. Tudo isso apunhalado agora por esta lei racista.



O que fazer com os milhares de animais (cavalos, éguas, burros e mulas) que foram proibidos de integrar a comunidade carroceira? A solução apresentada pelos que criminalizam os/as carroceiros/as tem sido a “adoção solidária”. Como proposta, os animais serão adotados por pessoas que possuam e apresentem capacidades técnicas e econômicas suficientes para tratar os animais. Essas “capacidades” indicam um determinado modo de tratamento e certa visão – todas elas estritamente ligadas a uma concepção burguesa que quer limitar o cuidado com os animais à concepção reduzida de se ter os animais como seres enclausurados e castrados em nome da docilidade e submissão. Carroceiras e carroceiros jamais se submeterão ao adestramento e ao controle social preconizados por grupos higienistas e racistas.



Carroceiras e carroceiros construíram a história do mundo e também de Belo Horizonte. Contribuem com a limpeza urbana e, por causa disso, devem ser reconhecidos como agentes de saúde pública e precisam ser respeitados como Comunidade Tradicional composta por homens e mulheres, letrados e analfabetos, que carrega história e cultura, e luta contra os maus-tratos para com animais. Atitudes de maus trabalhadores existem em todas as áreas de trabalho sem que em nenhuma delas a extinção da profissão é apontada como solução. Há maus professores, médicos, juristas, garis, padres, pastores, veterinários, vereadores, deputados, carroceiros etc. Maus trabalhadores devem ser monitorados, indicados para a transformação de práticas nocivas e mesmo retirados e/ou proibidos de exercerem a profissão.

Professor Michael Le Ven. Foto: Rosely Augusto.


Neste contexto de violação de direitos e opressão, lembramos aqui a luta de Michael Marie Le Ven, padre casado, e de Padre Pigi. Michel Marie Le Ven, grande cidadão, Professor da UFMG que partiu para a vida plena aos 89 anos, tendo nascido dia 23 de outubro de 1931. Um dos padres franceses da Igreja do Horto em Belo Horizonte, que foi preso pela ditadura militar-civil-empresarial por incentivar a organização dos/as trabalhadores/as e apoiar a 1ª greve durante a ditadura, nos anos de chumbo, em 1968, dos metalúrgicos, em Contagem e Belo Horizonte. Assessor da Juventude Operária Católica (JOC), posteriormente militante da Pastoral Operária e do Partido dos Trabalhadores, atuante em movimentos comunitários na luta pelos direitos humanos, Professor Michel foi antes de tudo, um grande democrata. Enfrentou a Ditadura e foi vítima do AI-5[3]. Entre os registros históricos que deixou, sua tese de Doutoramento em Ciência Política na USP intitulada Trabalho e Democracia: A Experiência dos Metalúrgicos Mineiros (1978-1984) - Os Movimentos Populares em 1979. Grande Michael Le Ven! Um cristão, outro Cristo libertador. Lutador imprescindível, foi justo e lutou por tudo que é justo até o fim. Deixou-nos um legado extraordinário e revolucionário na Região Metropolitana de Belo Horizonte onde militou organizando grupos solidários de enfrentamento às políticas autoritárias por meio de um lindo movimento de Economia Solidária em Ribeirão das Neves, MG.


Padre Pigi (Pier Luigi Bernareggi). Foto: Frei Gilvander

Padre Pigi: partiu para a vida plena, aos 81 anos. Um gigante na luta pela moradia digna, própria e adequada em BH e Região Metropolitana. Milhares de famílias foram libertadas da pesadíssima cruz do aluguel ou da humilhação que é sobreviver de favor, com o apoio e acompanhamento do nosso mestre e profeta padre Pigi. Inesquecíveis os pronunciamentos do Padre Pigi em Audiências Públicas na Câmara de Vereadores de BH e na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, defendendo com intrepidez e com ira santa a legitimidade da luta dos Sem Casa pelo direito de morar dignamente. Em momentos de gravíssimo risco de despejo da Ocupação Dandara, na zona norte de Belo Horizonte, hoje com mais de 2.500 famílias assentadas em um bairro lindo autoconstruído, Padre Pigi atendeu nosso convite e em Assembleia com o povo, com mais de mil pessoas, disse de cabeça erguida e com dedo em riste: “Esta terra é de vocês. Esta propriedade estava abandonada há séculos, não cumpria a função social. Vocês, povo querido da Ocupação Dandara, têm direito a esta terra e vocês devem construir aqui as moradias dignas de vocês. Não abram mão de nem um centímetro desta terra. Construam aqui uma comunidade justa e solidária, um lugar bom de se viver”. Estas palavras proféticas animaram o povo a não arredar o pé da luta e a espantar o despejo que insistia em atropelá-los. Assim que ficou sabendo que tinham acontecido as Ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória, na região da Izidora, também na zona norte de BH, na divisa com o município de Santa Luzia, padre Pigi me ligou e me chamou para conversar. Ele me disse: “Frei Gilvander, as terras ocupadas na Izidora são terras griladas, abandonadas e não cumprem a função social. O povo não pode deixar acontecer despejo lá”. Durante três meses, o Padre Pigi fez pesquisa criteriosa em cartórios de Santa Luzia e de Belo Horizonte e encontrou uma série de escrituras e documentos que, após PARECER de Advogados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), comprovaram a existência de nove indícios de ilegalidades na cadeia dominial da escritura n. 1202, da Granja Werneck S.A. Nove ilegalidades que apontam indícios sérios de grilagem de terra. Com esses documentos em mãos, padre Pigi nos concedeu entrevista em videorreportagem fazendo estas denúncias. Assim, sempre comprometido com a causa dos pobres, padre Pigi também foi decisivo para impedir despejos nas Ocupações da Izidora, onde hoje vivem cerca de 8 mil famílias libertadas da cruz da falta de moradia, da especulação imobiliária, falta de reformas agrária e urbana.

Por volta do ano 587 antes de Cristo, na Palestina, com a cidade de Jerusalém sitiada pelo exército do rei Nabucodonosor, há 18 anos dominando e escravizando muitos povos, o profeta Jeremias, ouvindo a voz do Deus solidário e libertador, comprou um terreno em Anatot. O povo entendeu como um sinal de Deus de que o terror da opressão do Império Babilônico passaria e “naquela terra ainda se comprarão casas, campos e vinhedos” (Jeremias 32,15), pois “para Deus nada é impossível” (Jer 32,27). Encurralado pelo poderio do rei Nabucodonosor, o povo compreendeu que ali estava um sinal de Deus: “Vou trazê-los de volta para este lugar, e os farei morar tranquilos” (Jer 32,37). Por meio do profeta Jeremias, Deus acrescentou: “Farei com eles uma aliança eterna e nunca deixarei de fazer-lhes o bem” (Jer 32,40). Ontem, o povo da Bíblia; hoje, o Povo Carroceiro.

Poucas horas após a aprovação da Lei 11.285/21 que proíbe o trabalho de dez mil carroceiros/as em Belo Horizonte, nasceu, no bairro Caiçara, em BH, uma égua no curral do carroceiro Ricardo Célio de Andrade, filho de José Carlos de Andrade, o famoso “Zé da Égua” - uma potrinha (uma eguinha), que recebeu o nome de ESPERANÇA. "Chegou um bebê para a nossa família!", conta Rosemary Pedrosa Leal, esposa de Ricardo. Com a Esperança está aumentando o número de entes desta linda família carroceira.  O nascimento da eguinha ESPERANÇA está sendo saudado como um sinal do Deus da vida, da força e da luz do Povo Carroceiro, que clama: CARROCEIROS/AS, UNI-VOS! Será a mascote da luta carroceira em Belo Horizonte. É necessário e possível reverter essa lei que, se mantida, causará um triste horizonte na capital mineira. Mas não basta Esperança, a ela tem que se somar força, organização e muita luta. A Esperança será inspiração desta nova etapa de luta contra as inúmeras injustiças impostas à comunidade carroceira! Nasce a Esperança: símbolo da luta carroceira. Que beleza!

Estão tentando crucificar 10 mil famílias carroceiras, mas estas soerguerão assim como Jesus Cristo ressuscitou após ser crucificado pelos podres poderes de uma religião opressora, da política imperial e do poderio econômico dos saduceus, latifundiários da época. A luta carroceira se erguerá, transformará asfalto em poeira e ocupará as ruas e avenidas de toda a Belo horizonte e região metropolitana! A comunidade carroceira gritará em cada rincão dessa cidade: “A CIDADE É NOSSA ROÇA! NOSSA LUTA É NA CARROÇA!”[4]

26/12/2020

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – "Carroceiros/as é Povo Tradicional com cultura milenar. Kalil, VETE o PL 142": Alenice Baeta-1/01/21

https://www.youtube.com/watch?v=bpRI7M00HS4

2 - Carroçasso em BH: 10.000 carroceiros/as exigem que Kalil VETE o PL 142 racista. Vídeo 2 - 21/12/20

https://www.youtube.com/watch?v=RoWLc4pldig

3 - "A cidade é nossa roça. Nossa luta é na carroça." Carroceiros/as, SIM! Por frei Gilvander - 20/12/20

https://www.youtube.com/watch?v=1eMVYnnPIjQ

4 - Pelos Direitos do Povo Tradicional Carroceiro e dos Cavalos e Éguas/Frei Gilvander/1ªParte-20/12/20

https://www.youtube.com/watch?v=uF_03VH-g7k

5 - Lei racista e que faz guerra contra 10.000 carroceiros/as foi aprovada em Belo Horizonte -16/12/2020

https://www.youtube.com/watch?v=VwaOg2jbi0s

6 - Em BH, sancionar PL 142 autoritário sem participação dos carroceiros será injustiça. Vídeo 4 -7/1/21

https://www.youtube.com/watch?v=T84NYqFiJeM

7 - "Carroceiros em BH são necessários para solucionar o problema dos resíduos sólidos". Vídeo 3 -7/1/21

https://www.youtube.com/watch?v=c7a7DR1I5xU

8 - "Proibir carroceiros/as em BH é priorizar grandes empresas de caçamba." Prof. Tiago. Vídeo 2 -6/1/21

https://www.youtube.com/watch?v=fxggdayFPVs

9 - Grito dos carroceiros de Belo Horizonte contra o PL 142/2017: "Somos Povo Tradicional!" – 13/12/2020

https://www.youtube.com/watch?v=udEr3TvsMeU#7s8d6f87

10 - Luta de carroceiros/as de BH/MG: Trabalho e respeito aos cavalos e éguas. 6ª Parte. 07/7/2018.

https://www.youtube.com/watch?v=ETKjeT0GIWM

11 - Luta dos carroceiros/as e cavalos em BH/MG: pelo direito de existir na cidade/5ª Parte/07/7/2018.

https://www.youtube.com/watch?v=VZiTzcGHfqM

12 - Luta dos/das carroceiros/as pelo direito de trabalhar com cavalos e éguas/BH/MG. 4ª Parte/07/7/2018

https://www.youtube.com/watch?v=NR-_lxATntc

13 - Carroceiros/as, cavalos e éguas em BH/MG: dignidade e sobrevivência, 3ª Parte. 07/7/2018.

https://www.youtube.com/watch?v=5gMBbeiyu48

14 - Carroceiros/as de BH/MG: Cuidado com o meio ambiente e respeito aos animais/2ª Parte/ 07/7/2018.

https://www.youtube.com/watch?v=M7n2YyDD6Vw

15 - Carroceiros e carroceiras de BH/MG: Respeito à cultura, direito ao trabalho. 1ª Parte. 07/7/2018.

https://www.youtube.com/watch?v=WpwAC8XclZ8

16 - Carroceiros/as de Belo Horizonte PROTESTAM na CMBH contra a aprovação do PL 142 INJUSTO - 14/12/20

https://www.youtube.com/watch?v=OzCK_LEFc1I

17 - TRIBUTO A PADRE PIGI (PIER LUIGI BERNAREGGI): UM GIGANTE NA LUTA PELA MORADIA EM BELO HORIZONTE E RMBH. POR FREI GILVANDER

http://gilvander.org.br/site/%ef%bb%bftributo-a-padre-pigi-pier-luigi-bernareggi-um-gigante-na-luta-pela-moradia-em-belo-horizonte-e-rmbh-por-frei-gilvander/

 

18 - TRIBUTO A MICHAEL MARIE LE VEN, HOMEM IMPRESCINDÍVEL QUE ENFRENTOU A DITADURA MILITAR E LUTOU MUITO PELOS DIREITOS HUMANOS. POR FREI GILVANDER

http://gilvander.org.br/site/tributo-a-michael-marie-le-ven-homem-imprescindivel-que-enfrentou-a-ditadura-militar-e-lutou-muito-pelos-direitos-humanos%ef%bb%bf-por-frei-gilvander/#7s8d6f87



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Não há censo oficial que indique com precisão os dados, estima-se em 10.000 o número de carroceiros/as e 20.000 o número de animais envolvidos nesta prática e na cidade de Belo Horizonte e nas demais que compões a região metropolitana.

[3] Ato Institucional n. 5, um dos 17 decretos dos generais da ditadura militar-civil-empresarial, de 13/12/1968, que implantou o terror e anos de chumbo no Brasil.

[4] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.

 

domingo, 24 de janeiro de 2021

DIA TRISTE EM BELO HORIZONTE PELA APROVAÇÃO DA LEI QUE PROÍBE O TRABALHO DE 10.000 CARROCEIROS/AS. As bandeiras da justiça, da verdade e da vida digna flamulam a meia altura. NOTA PÚBLICA!

 DIA TRISTE EM BELO HORIZONTE PELA APROVAÇÃO DA LEI QUE PROÍBE O TRABALHO DE 10.000 CARROCEIROS/AS. As bandeiras da justiça, da verdade e da vida digna flamulam a meia altura.  NOTA PÚBLICA!

No dia de ontem, 22 de janeiro de 2021, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) sancionou a lei que extingue o trabalho e o sustento financeiro de 10 mil famílias carroceiras em Belo Horizonte e Região Metropolitana. Foi sancionado “o coração, os pulmões, os rins e a coluna mestra do PL 142” e vetado pontos secundários, que serão comentados aqui. De autoria do então vereador e empresário Osvaldo Lopes (então PHS, hoje PSD), o projeto de lei 142/2017 prevê que em prazo máximo de 10 anos a tração animal em Belo Horizonte não mais exista e seja passível de punição a desobediência dos que permanecerem em prática. O prefeito ainda anunciou que será enviado projeto do executivo, tratando especificamente sobre medidas de apoio aos carroceiros durante o processo de transição. Proíbe, encurrala colocando no corredor da morte 10.000 carroceiros/as e suas famílias e diz que “vai encaminhar medidas de apoio”. Isso é o mesmo que perguntar a quem foi dada uma sentença de morte: que tipo de morte você escolhe? A inexistência concreta dessa proposta se soma à violência da criminalização, uma vez que gera maior insegurança e incerteza quanto ao futuro da comunidade carroceira.

A tentativa de criminalização dos carroceiros é baseada em argumentos falaciosos depositados em cima da suposição de que o modo de vida de milhares de famílias seria baseado nos maus-tratos aos animais. Sob a capa do pretenso cuidado com os animais impera o manto do RACISMO, do ÓDIO AOS POBRES, do HIGIENISMO, do AUTORITARISMO, da VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS, entre os quais estão os carroceiros, quilombolas, os ciganos, agricultores familiares e demais comunidades tradicionais que utilizam a carroça no seu dia a dia para trabalhar e como modo de fazer e viver.



Não existe nenhum estudo responsável sobre o assunto. A prefeitura, na figura do prefeito Alexandre Kalil, em conluio com os vereadores que aprovaram o projeto e os defensores advindos de movimentos que dizem defender o direito dos animais, não tem sequer um estudo ou pesquisa sobre a condição das carroceiras e dos carroceiros em Belo Horizonte. Não são capazes de apresentar o número oficial de trabalhadores e trabalhadoras, o número de animais envolvidos e nem o número de animais apreendidos pelo poder público, vítimas de maus-tratos advindos do trabalho carroceiro. Estima-se que haja mais de 10.000 carroceiros/as em BH e mais de 20 mil cavalos, mas foi aprovada uma lei racista sem sequer um censo.

O poder público jamais deve se afirmar sobre achismos. A vida dos mais empobrecidos/as não pode ser destruída pelo poder de achismos advindos de pessoas poderosas e influentes. De novo, reina o anti-cientificismo típico de governos autoritários e fascistas. Tampouco pode o poder público lavar as mãos ante a responsabilidade de decisões importantes. O prefeito Kalil foi o Pilatos que, por covardia, condenou as famílias carroceiras ao calvário da miséria. Um covarde não tem envergadura para exercer a direção de cidade alguma, muito menos a de Belo Horizonte – tão grande, tão complexa, tão diversa.



Uma cidade com a grandiosidade, a complexidade e a diversidade de Belo Horizonte não pode excluir carroceiras e carroceiros. Elas e eles são ciganos, são quilombolas, indígenas, agricultores familiares - carroceiros por tradição de cultura e família, são Povos e Comunidades Tradicionais, protegidos pelos artigos 215 e 216 da Constituição Federal e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da ONU.

O prefeito Kalil e os 28 vereadores, entre os quais muitos pastores, levarão impresso às suas histórias a covardia de tentar extinguir a profissão e o modo de vida das pessoas pobres que buscam VIDA DIGNA para suas famílias – compostas de humanos e animais – por meio do trabalho com carroças, uma cultura milenar.

Assim como não se constrói uma casa pelo telhado, casas não devem ser desmontadas pelo alicerce. Na lei 11.285/2021, racista, aprovada, dizem como senhores escravocratas: “Cavalo para sustentar família pobre não pode. Cavalo e cachorro que são “domesticados” (violentados) para estraçalhar pessoas pelos desígnios de forças militares pode”. Colocar cachorros adestrados para farejar drogas letais e mergulhar em lama tóxica e biocida, pode? Não há questionamentos sobre a indústria farmacêutica, a cosmética e a militar na mesma proporção que a perseguição aos carroceiros. “Para isso pode maltratar os animais”, dizem hipocritamente.



As  vitórias serão festejadas pelas patadas impressas no peito do povo preto e pobre - e pobre não por origem, mas por consequência histórica da escravidão e das relações sociais escravocratas que insistem em se reproduzir cotidianamente. Podem, realmente ser chamadas de vitórias? Há quem ganha perdendo. Perde-se humanidade, ética, caráter, sensibilidade, respeito... E se isso não os incomoda, mais gravemente afetados estão por esse sistema de destruição e morte, que coloca o capital acima de tudo e de todos.

O Brasil, tendo adotado a ilegalidade da escravidão há pouco mais de um século, se recusa a abolir a escravidão como prática social sobre os corpos negros. Sob a hipócrita capa da proteção aos animais, há o regozijo sobre o sofrimento negro - “que puxem eles as carroças!” - reverberam!

Por isso, a lei 11.285/2021 aprovada é RACISTA, porque é COVARDE! São aguerridos contra os pobres – quase sempre pretos - e são submissos aos poderosos das indústrias e das armas militares – quase sempre brancos. São COVARDES, são RACISTAS e têm ÓDIO AOS POBRES! O ÓDIO AOS POBRES é tal que se maquia se como projeto educativo!

Pretensamente, a prefeitura deverá oferecer cursos de formação àqueles que se tornarão desempregados e serão empurrados para a miséria, a fome e a morte lenta, um pouco a cada dia. Entretanto, a questão fundamental não repousa sobre a formação, mas sobre a GARANTIA DE TRABALHO! As pessoas e suas famílias não se sustentam por possibilidades, e sim por efetividades! A conquista do pão, o pagamento das contas, os gastos com saúde e lazer não são advindos de ilusões, mas de trabalho concreto, renda e suor. A prefeitura da capital mineira, os vereadores e as agremiações supostamente dedicadas à pretensa proteção animal garantirão a vida digna das mais de 10 mil famílias carroceiras, com trabalho e renda!? – NÃO!!! São hipócritas! Então, o projeto, transformado em lei, simplesmente não prevê e nem garante isso. Por isso, além de RACISTA e COVARDE, é um projeto de ÓDIO AOS POBRES! NÃO BASTA A POBREZA, DEVEM SER JOGADOS NA MISÉRIA!



A prefeitura de BH sabe que em Porto Alegre, RS, sob administração de direita e antipopular, após a proibição do trabalho dos/as carroceiras, apenas uma ínfima minoria conseguiu algum tipo de outro trabalho, e pesquisa da própria prefeitura demonstrou que milhares de famílias foram empurradas para a miséria e a fome.

Pisar, violentar e cuspir na Comunidade Tradicional Carroceira em Belo Horizonte entristece o horizonte e violenta a história de BH, cidade construída pelo povo carroceiro desde o Curral del Rey. Por várias décadas, antes da tração motora, os carroceiros foram imprescindíveis para a construção de BH. Centenas e centenas de carroças pegavam as mercadorias na Praça da Estação trazida pelos trens e distribuíam para toda a cidade. No Museu de Arte e Ofícios, situada na mesma Praça da Estação, estão expostas nas vitrines carroças antigas e utensílios dos carroceiros e tropeiros. Considerado o primeiro projeto museológico dedicado integralmente ao tema do trabalho, das artes e dos ofícios de todo o país, entende-se que há um reconhecimento desta categoria sociocultural, em nível nacional, mas parece que a atual gestão da capital mineira prefere ouvir os “negacionistas”. Há ainda vários artigos, publicações, livros e teses de mestrado e de doutorado sobre a memória, a história, os direitos e a tradição carroceira. Os racistas, na prática, dizem: “No museu e nos livros podem estar, mas nas ruas como cultura viva não pode”. Matar a diversidade cultural é exterminar o futuro de uma cidade que queremos justa, fraterna, solidária, o que passa necessariamente pela valorização e reconhecimento da imensa diversidade biocultural presente na cidade. Tudo isso apunhalado agora por esta lei racista.



O que fazer com os milhares de animais (cavalos, éguas, burros e mulas) que foram proibidos de integrar a comunidade carroceira? A solução apresentada pelos que tentam criminalizar os carroceiros tem sido a “adoção solidária”. Como proposta, os animais serão adotados por pessoas que possuam e apresentem capacidades técnicas e econômicas suficientes para tratar os animais. Essas “capacidades” indicam um determinado modo de tratamento e certa visão – todas elas estritamente ligadas a uma concepção burguesa que quer limitar o cuidado com os animais à concepção reduzida de se ter os animais como seres enclausurados em apartamentos e castrados em nome da docilidade e submissão. Adestramento e controle social preconizados por grupos higienistas e racistas, aos quais as carroceiras e os carroceiros jamais se submeterão!

Esse distanciamento das múltiplas práticas desenvolvidas pelos povos é uma concepção burguesa e absolutamente redutora e estúpida ante a história e cultura desenvolvida na relação entre seres humanos e animais. Serão entre 15 e 20 mil animais que não terão mais garantias de cuidado, porque trabalhadoras e trabalhadores ainda mais empobrecidos que agora não serão capazes de sustentar os animais. Obviamente não se trata de uma adoção, mas de um confisco dos cavalos, parceiros integrantes das famílias carroceiras, imprescindíveis para o trabalho diário para garantir o pão de cada dia! Na prática, roubo dos pobres pelos ricos! A “adoção solidária” em verdade significa o confisco dos animais cuidados pelos empobrecidos e entregues aos economicamente ricos. Belas palavras para encobrir um pérfido objetivo!

Carroceiras e carroceiros construíram a história do mundo e também de Belo Horizonte. Contribuem com a limpeza urbana e, por causa disso, devem ser reconhecidos como agentes de saúde pública e precisam ser respeitados como Comunidade Tradicional composta por homens e mulheres, letrados e analfabetos, carrega história e cultura e luta contra os maus-tratos para com animais. Más atitudes de maus trabalhadores existem em todas as profissões. Em nenhuma delas a extinção da profissão é apontada como solução. Há maus professores, médicos, juristas, garis, padres, pastores, veterinários, vereadores, deputados, carroceiros etc. Maus trabalhadores devem ser monitorados, indicados para a transformação de práticas nocivas e mesmo retirados e/ou proibidos de exercerem a profissão.

Deste modo, o Movimento das Carroceiras e Carroceiros não nega a existência de maus-tratos, que não são a regra, e tampouco compactua com práticas nocivas. A solução para isso está na auto-organização daqueles que trabalham e também na constituição de políticas públicas voltadas para boas práticas trabalhistas e em CUIDADO COM SERES HUMANOS E ANIMAIS. Estão tentando crucificar 10.000 famílias carroceiras, mas estas soerguerão assim como Jesus Cristo ressuscitou após ser crucificado pelos podres poderes da religião opressora, da política imperial e do poderio econômico dos saduceus, latifundiários da época.

Por fim, seremos enfáticos, A LUTA CARROCEIRA SE ERGUERÁ, TRANSFORMARÁ ASFALTO EM POEIRA E OCUPARÁ AS RUAS E AVENIDAS DE TODA A BELO HORIZONTE E REGIÃO METROPOLITANA!

A defesa do meio ambiente é justa e necessária! Tão justa e necessária quanto a análise real das condições e necessidades daqueles que vivem – animais humanos e não humanos – estes e todas as outras formas de vida.

O RACISMO, o NEGACIONISMO, O ÓDIO AOS POBRES E A COVARDIA devem ser denunciados todos os dias! Não se constrói um futuro promissor à custa de mentiras e preconceitos. O povo pobre e trabalhador que constrói a vida na carroça lutará sempre pelos seus direitos, que são sagrados e necessários!

A comunidade carroceira gritará em cada rincão dessa cidade: “A CIDADE É NOSSA ROÇA! NOSSA LUTA É NA CARROÇA!”

 

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ACCBM – Associação dos Carroceiros e Carroceiras Unidos/as de BH e Região Metropolitana

 

Apoiam a luta da Comunidade Carroceira:

- Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais – CEPCT-MG

- Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial – CONEPIR/MG

- Associação dos Carroceiros de Contagem

- Comitiva de Muladeiros de Nova Lima

- Kaipora – Laboratório de Estudos Bioculturais – UEMG

- Comissão Pastoral da Terra – CPT/MG

- CEDEFES – Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva

- Movimento de Organização de Base (MOB)

- Associação Estadual Cultural de Direitos e Defesa dos Povos Ciganos

- Cáritas Brasileira - Regional Minas Gerais

- FONSANPOTMA – Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana

- RENAP - Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares

- Movimento Nacional de Catadores de Material Reciclável (MNCMR)

- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST/MG

- Comitê Chico Mendes

- Centro Franciscano de Defesa de Direitos

- MTD - Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos

- Fórum Político Interreligioso – Belo Horizonte – MG

- Vicariato Episcopal para Ação Social, Política e Ambiental – Arquidiocese de Belo Horizonte

- Articulação Embaúba – Parteiras, Raizeiras e Benzedeiras da RMBH

- AMAU - Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana

- Coletivo de Agroecologia do Aglomerado Cabana

- Brigadas Populares

- MLB - Movimento de Luta de nos Bairros, Vilas e Favelas

- Movimento de Libertação Popular (MLP)

- INSEA  (Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável)

- Coalização Pelo Clima - BH

- Projeto Mapeamento de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais – UFMG

- AUÊ – Grupo de Estudos em Agricultura Urbana – UFMG

- GESTA – Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais – UFMG

- GEPTT – Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho e Tecnologias - CEFET – MG

- MUTIRÓ – Núcleo de Estudos em Agroecologia – CEFET-MG/UEMG

- LEAEH – Laboratório de Educação Ambiental e Ecologia Humana - UNIMONTES

- NIISA – Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental - UNIMONTES

 

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Fora, Bolsonaro! Queremos vacina e mudança do modelo econômico, já! Por Frei Gilvander

Fora, Bolsonaro! Queremos vacina e mudança do modelo econômico, já! Por Frei Gilvander Moreira[1]


 

Um sopro de esperança irradiou-se para todo o Brasil a partir de São Paulo, dia 17 de janeiro de 2021, dia histórico para o povo brasileiro, com a vacinação da primeira pessoa do país contra a covid-19: Mônica Calazans, mulher, negra e enfermeira. A segunda a receber a vacina foi Vanuza Kaimbé, indígena, técnica em enfermagem e assistente social, de uma aldeia, em Guarulhos, SP. Após muita pressão do povo e das forças vivas da sociedade, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) teve que liberar emergencialmente as duas primeiras vacinas: a CoronaVac, produzida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, e a vacina da Universidade de Oxford/AstraZeneca, que será produzida no Brasil pela Fiocruz.

Continuemos a luta pressionando todas as autoridades para que todo o povo brasileiro seja vacinado o mais rápido possível. Vacina para todos/as, já! Vacina é uma dádiva da vida e de Deus elaborada pela dedicação de pesquisadores/as e cientistas. Malditas as pessoas que se colocam contra vacinar o povo! Só uma pessoa medíocre ou criminosa, que se deleita em ampliar a pandemia, pode se colocar contra o ato de vacinar a população. A vacina, embora imprescindível, não é suficiente! É preciso acolher e levar a sério os alertas repetidos à exaustão pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e por infectologistas e epidemiologistas de que é preciso higienizar as mãos com frequência, manter o distanciamento corporal e social e usar máscaras. Essas ações são necessárias para superar a pandemia do novo coronavírus até que todo o povo tenha sido vacinado e a pandemia superada. Em tempos de pandemia, além de imoral, é atitude criminosa promover e/ou participar de aglomerações. Da mesma forma, é crime quando quem tem o dever de fiscalizar as aglomerações não fiscaliza.

Tornou-se intolerável a continuidade do (des)governo federal fascista, genocida e ecocida. Fora, Bolsonaro, já, e todo o seu (des)governo! O presidente da Câmara dos deputados continuar segurando mais de 60 pedidos de impeachment do presidente Bolsonaro é uma injustiça e uma afronta à Constituição Federal. Outra atitude asquerosa é a maioria do Congresso Nacional continuar sendo cúmplice do descalabro do (des)governo federal. O Supremo Tribunal Federal (STF) também está sendo conivente à medida que garante a continuidade do chefe do Executivo mesmo diante de muitos indícios de crimes de responsabilidade, entre outros que ainda não foram julgados. Quem continua apoiando o governo federal está pecando, pois está sustentando uma política de morte avassaladora. É necessário mudança do modelo econômico neoliberal (colonialista) que impera no Brasil desde 1992. O grau de superexploração da classe trabalhadora, da mãe terra, das fontes de água e dos biomas está levando à exaustão as condições de vida no Planeta Terra, nossa única Casa Comum. O mito do progresso e do desenvolvimento econômico só para a classe dominante precisa ser freado, pois a devastação socioambiental já ultrapassou os limites suportáveis pelo nosso planeta posto no altar do sacrifício do ídolo mercado.

Solidariedade com povo de Manaus e todas as pessoas que estão sofrendo é uma necessidade, mas não basta. Não basta a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) fazer apelo conclamando a solidariedade de todos/as para que chegue oxigênio em Manaus para estancar o “campo de concentração” que se tornou os hospitais abarrotados de pacientes, em colapso, com centenas de pessoas morrendo por asfixia na capital amazonense. A CNBB também precisa exigir formalmente o impeachment ou a interdição de Jair Bolsonaro e de todo o seu (des)governo. Em 1992, junto com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Nacional), a CNBB foi signatária do pedido de impeachment do corrupto e entreguista ex-presidente Collor de Melo.

O (des)governo federal não está sendo apenas omisso e demonstrando descaso com relação à pandemia e a todas as outras áreas desgovernadas. Sua atitude é bem mais grave e criminosa: está agindo de forma planejada, com requintes de crueldade, para incrementar uma necropolítica que está matando o povo brasileiro de ‘mil formas’. O Congresso Nacional, o STF e todo o Legislativo e o Judiciário, em todos os níveis, via de regra, não estão sendo apenas omissos, mas também cúmplices, já que são coniventes com a política de morte do Executivo federal, que está destruindo o Brasil.

Parte da esquerda brasileira também não está sendo apenas omissa: ao continuar olhando prioritariamente para o próprio umbigo, está sendo cúmplice das injustiças e violências que se abatem sobre o povo. Ficar querendo simplesmente resgatar o estilo de governo do Partido dos Trabalhadores do passado não trará solução capaz de ir às raízes da tremenda desigualdade social e violência socioambiental que campeiam em todo o território nacional.

A religião se tornou no Brasil uma questão política gravíssima, uma vez que grande parte dos líderes religiosos, sejam pastores, padres ou leigos são omissos diante da escalada de violência que assola o povo, a mãe terra, a irmã água e todos os biomas. E, pior, mais do que omissos, são cúmplices, coniventes e sustentadores da política de morte reinante no nosso país, pois estão abusando do nome de Deus e de Jesus, torturando textos bíblicos para justificar posturas criminosas, preconceituosas, fundamentalistas, moralistas, idolátricas. O milagre que Jesus Cristo mais gostava de fazer era curar cegueira, não de forma mágica, mas a partir de um processo de solidariedade que gerava um engajamento pessoal e coletivo profundos na luta por justiça. Entretanto, o que mais os falsos líderes religiosos fazem hoje no Brasil é furar os olhos das pessoas, cegá-las, com uma religião aburguesada, marcada pela ideologia da prosperidade, de forte apelo espiritualista e intimista que reduz a dimensão religiosa a um processo de autoajuda. Agem assim para lucrar e manter seu poder e riqueza à custa da exploração e empobrecimento cada vez maior do povo. Urge resgatar a dimensão social da fé cristã. A gravidade do momento exige de todas as pessoas de boa vontade que retomem a opção pelos pobres e ao fazê-lo assumam uma clara opção em defesa da classe trabalhadora, pois é impossível ser ao mesmo tempo discípulo/a de Jesus Cristo e participar da lógica capitalista que reproduz e exponencia cotidianamente a desigualdade social.

Portanto, é preciso urgentemente consciência, coragem e ousadia e assumir o lado certo na história: lutar por condições de vida com dignidade para todos e todas, sobretudo para os/as empobrecidos/as, explorados/as, injustiçados/as. E isso passa, necessariamente, por lutar pela queda desse (des)governo federal que aí está, pela mudança desse modelo econômico que só faz crescer cada vez mais a desigualdade social e a destruição ambiental.[2]

Em tempo: Prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, VETE o PL 142/2017, porque é: autoritário, colonialista, racista institucional e estrutural, etnocêntrico, higienista, injusto, inconstitucional, viola a Convenção 169 da OIT, da ONU; atende ao lobby das grandes empresas de caçamba, e não resultará em bons-tratos dos cavalos, imporá miséria a mais de 10.000 famílias carroceiras em BH e RMBH. Proibir o trabalho dos/as carroceiros/as violenta ainda a história de Belo Horizonte, pois o carroceiro é um ofício e um modo de vida tradicional, protegido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da ONU, tratado do qual o Brasil é signatário desde 2004! Substituir cavalos por motos é absurdo capitalista e contra as normas ambientais internacionais que indicam a urgente necessidade de reduzir a emissão de gás carbônico nas cidades! No meio dos/as carroceiros/as existem muitos ciganos que também é Povo e Comunidade Tradicional, também protegido pela Convenção 169 da OIT da ONU.

20/01/2021 

 Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Palavra Ética na TVC-BH: Salvar vidas na Pandemia e defesa dos Geraizeiros do norte de MG-27/6/2020

2 - Palavra Ética na TVC-BH: Quarentena para salvar vidas, mineração em Ibirité/MG, não; Quilombo Braço

3 - Frei Gilvander: "Salvar vidas agora, antes que seja tarde!" - Na luta por direitos - 16/4/2020

4 - Quarentena para salvar vidas/2a Parte/Frei Gilvander/Rádio Independente FM 104,9/Ichu/BA- 07/4/2020

5 - Quarentena para salvar vidas - Frei Gilvander/ Rádio Viva Brasil FM - Três Corações, MG - 31/3/2020

6 - Coronavírus: como vencer o capitalismo de desastre?

7 - CORONAVÍRUS, CLIMA E CAPITAL: a irracionalidade destrutiva do capitalismo

8 - PANDEMIA: ESTE SERÁ O FIM DO CAPITALISMO?!!!



 

 

 

 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.