domingo, 24 de setembro de 2017

Mateus 20,1-16: parábola dos trabalhadores da vinha, justiça anticapitalista.

Mateus 20,1-16: parábola dos trabalhadores da vinha, justiça anticapitalista.
Por frei Gilvander Luís Moreira[1]


Enquanto tomava café da manhã em uma lanchonete na beira de uma estrada, voltando de um curso bíblico do CEBI na cidade de Coluna, MG, - o assunto tinha sido as Primeiras Comunidades Cristãs e nossa prática cristã -, vi e ouvi em uma TV um integrante da alta hierarquia da igreja católica tecer comentários sobre o Evangelho lido, hoje, dia 24 de setembro de 2017, segundo o calendário litúrgico, salvo exceções, em todas as celebrações da igreja católica. Trata-se do Evangelho de Mateus 20,1-16: a parábola dos trabalhadores da vinha. Achei horrorosa a interpretação feita: fundamentalista, espiritualizante e retirando toda eloqüência do contexto histórico abordado pela parábola. Senti-me impelido a socializar outra interpretação de Mt 20,1-16 na perspectiva das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e das Pastorais Sociais. Ei-la, abaixo.
A parábola narrada em Mateus 20,1-16 é a dos trabalhadores na vinha. Diz que “um pai de família saiu cedo para contratar trabalhadores para sua vinha” (Mt 20,1). Tornou-se dono de uma vinha, mas continuava sendo acima de tudo pai. Começou a contratar trabalhadores por volta das 6 horas da manhã. Contratou outros às 9 horas, outros às 12, às 15 horas, etc. Combinou que pagaria um denário para cada um. À tarde, à busca de mais trabalhadores, observou que muitos ainda continuavam na praça porque ninguém os tinha contratado (Mt 20,7). Os últimos contratados trabalharam apenas uma hora. Como prescreve a Bíblia, ao final do dia de trabalho, o salário deve ser pago (Tiago 5,4). O pai e dono da vinha disse ao seu administrador para pagar um denário para cada um, conforme o combinado, começando pelos últimos. Os contaminados pelo espírito da meritocracia do capitalismo reclamaram: “Não é justo os que trabalharam apenas uma hora receber valor igual a nós que trabalhamos mais” (Mt 20,12). Eis, em síntese, o relato da parábola.
Por que o pai e dono da vinha agiu de forma justa? O dono da vinha disse àqueles que foram contratados para o trabalho às nove horas da manhã: “Vão para minha vinha, e eu lhes pagarei o que for justo” (Mt 20,4). Assim como Noé e José, o pai e dono da vinha da parábola primava por ser justo, mas não justiça legalista do status quo. Segundo a parábola todos recebem igualmente. Os que trabalharam o dia inteiro e os que trabalharam uma hora apenas. Que justiça é essa, que incomoda quem tem o espírito/ideologia do capitalismo na cabeça? Para se entender a parábola, contudo, é necessário prestar atenção ao diálogo de Mt 20,6-7. O dono da vinha pergunta aos trabalhadores que se encontram na praça às cinco horas da tarde: “Por que vocês estão aí o tempo todo sem fazer nada?” E a resposta vem na hora: “Porque ninguém nos contratou”. Desemprego já existia naquela época... Assim como nas cidades há sempre o local onde se podem contratar trabalhadores: um ponto de encontro entre desempregados e quem precisa de trabalhadores, na praça estava quem procurava emprego. Se fossem irresponsáveis, estariam em casa dormindo. Mas se está na praça, significa que estão procurando emprego. Podemos imaginar quem teria sido deixado lá na praça, sem ser contratado: as pessoas enfraquecidas, quem sabe alguns doentes, quem sabe deficientes ou idosos (hoje, diríamos, jovens inexperientes, adultos com idade avançada já sem a força da juventude, homossexuais, negros, analfabetos, os “despreparados para o mercado”, etc)...
Como praticar uma justiça que não reproduza os esquemas de discriminação e marginalização? O pagamento igual justamente vem nessa direção: quem trabalhou menos tem as mesmas necessidades que as demais pessoas! Todos têm família e despesas semelhantes. No Brasil devemos lutar para que todos recebam um salário – renda mínima -, independentemente se estão ou não trabalhando. A radicalidade desta parábola faz pensar em tantas práticas que se apresentam como justas. Em uma sociedade forjada em cima de desigualdades para se conquistar igualdade é preciso tratar de forma desigual os desiguais. Para as comunidades do Evangelho de Mateus o desafio era praticar uma justiça maior: a partir da misericórdia. É o que se define no julgamento decisivo: veja Mt 25,31-46: “Eu estava com fome, nu, preso...”! Será justo quem se comprometer com a causa dos famintos, dos encarcerados, dos injustiçados.
Os ensinamentos de Jesus se distinguem dos ensinamentos dos fariseus ritualistas, dos escribas e saduceus. A justiça do reino de Deus – Deus da vida para todos e tudo - pretende superar aquela dos fariseus, escribas e saduceus, e acolher quem estava sendo injustiçado. Para isso foi necessário romper com esquemas já estabelecidos, formas comuns de se viver e interpretar a Lei. Isso para ser fiel àqueles que as comunidades tinham certeza de que estavam presentes nos pequeninos.
Segundo cálculos de alguns estudiosos, um trabalhador como aquele da parábola de Mt 20,1-16, que recebeu um denário por um dia de trabalho, levaria mais de quinze anos para conseguir juntar um único talento! As parábolas devem ser interpretadas como parábolas, mas não podemos esquecer que são construídas com tijolos da realidade histórica. Por isso as parábolas falam de desemprego (veja Mt 20,1-16) e de trabalho duro (Mt 13,1-9.24-33.47-50).
Enfim, a parábola narrada em Mateus 20,1-16 é mais um dos textos em que as primeiras comunidades cristãs expressam sua compreensão e experiência de justiça, que não mede as pessoas pelo que elas produzem – não se mede por meritocracia -, mas por aquilo de que precisam. Se todas têm necessidades iguais, logo o salário deve ser igual para todos, independentemente se foi contratado antes ou depois, se produziu mais ou menos. Quem está contaminado pelo espírito do capitalismo – sistema satânico e máquina de moer vidas – não consegue entender a parábola dos trabalhadores da vinha: parábola anticapitalista que aponta para a construção de uma sociedade verdadeiramente justa a partir das necessidades das pessoas e não a partir do mérito que muitas vezes é construído à custa do sangue de outros.
Belo Horizonte, MG, 24/9/2017.



[1] Padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; e-mail: gilvanderlm@gmail.com –www.freigilvander.blogspot.com.br -  www.gilvander.org.br  – www.twitter.com/gilvanderluis  – Facebook: Gilvander Moreira III

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

2a Parte do Grito dos Excluídos em Belo HorizonteMG - 07/ 9/2017

Grito dos Excluídos em Belo Horizonte/MG - 07/ 9 /2017- 1a Parte

MLB, CPT E OCUPAÇÃO NOVA CACHOEIRA CONQUISTAM VITÓRIA EM SÃO JOSÉ DA LAPA, MG: terra e moradia digna.

MLB, CPT E OCUPAÇÃO NOVA CACHOEIRA CONQUISTAM VITÓRIA EM SÃO JOSÉ DA LAPA, MG: terra e moradia digna.


Ontem, dia 20 de setembro de 2017, se constituiu uma data histórica para a luta da classe trabalhadora pela reforma urbana no Brasil. A Ocupação Nova Cachoeira, desde 2013, no município de São José da Lapa/MG, região metropolitana de Belo Horizonte, com quase 100 famílias que não suportavam mais a pesadíssima cruz do aluguel, da especulação imobiliária e a falta de política habitacional séria, diante da omissão do poder público em realizar políticas públicas de habitação social, bem como a especulação de proprietários particulares que não cumpriram com nenhuma função social da terra, ocuparam três terrenos completamente abandonados há anos, uma parte de propriedade pública municipal, e outras duas partes de propriedade particulares, ali edificando suas casas de alvenaria e consolidando suas vidas. 
Por se tratar de uma ocupação espontânea, não havia nenhum movimento social atuante na ocupação, quando no final do ano de 2015, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) foi chamado a intervir diante da iminência de um despejo violento a ser praticado pela aliança espúria entre a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG - comandada pelo governador Fernando Pimentel do Partido dos Trabalhadores - PT), Poder Judiciário e os três proprietários das áreas ocupadas (dois particulares e a prefeitura de São José da Lapa - gestão do Partido dos Trabalhadores). Naquela ocasião, o despejo somente foi evitado graças a luta política-jurídica das famílias (que em sua maioria não aceitaram o despejo e ficaram dispostas a resistir a um despejo sem alternativa digna), do MLB e da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, o que gerou como fruto da resistência justa e necessária, há a apenas cerca de uma hora antes da PMMG iniciar o despejo, uma liminar junto ao Desembargador plantonista obrigando-a a desmontar seu aparato repressor já preparado para derramar o sangue de trabalhadores e trabalhadoras. Passados dois anos, a referida liminar foi revogada por uma decisão insensata e premiadora da especulação imobiliária proferida pela 5° Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Voltou a tensão, pois o TJMG mandava despejar uma comunidade já consolidada, sem nenhuma alternativa digna. O povo da Ocupação Nova Cachoeira bateu o pé, o MLB e a CPT reforçaram a luta e, sob pressão da comunidade Nova Cachoeira, a Prefeitura de São José da Lapa/MG chamou a sua responsabilidade constitucional para si e fez o que todo gestor público deve fazer em conflitos envolvendo ocupações urbanas: oferecer uma alternativa digna que respeite o direito constitucional e humano à moradia. Nesse sentido, o prefeito Diego se comprometeu a retirar o processo judicial de reintegração de posse afeto à parte do terreno de propriedade do município de São José da Lapa/MG, e assinou o decreto 1.558/2017, declarando de utilidade pública para fins de moradia popular o restante da área da ocupação Nova Cachoeira, o que lhe permitirá realizar a desapropriação no prazo de 5 anos, afastando qualquer possibilidade de despejo nesse período. Presente também na reunião, ontem, Rômulo Perilli, diretor da COPASA em Belo Horizonte e região metropolitana, assumiu o compromisso de iniciar o processo para instalação de rede de água e saneamento na Ocupação-comunidade Nova Cachoeira. A secretaria de obras da prefeitura de São José da Lapa fará também intervenções na comunidade para melhorar o acesso para que pessoas em cadeira de rodas possam transitar em segurança.
Há ainda muita luta a se fazer para concretizar a desapropriação e a regularização fundiária da ocupação, mas um grande passo foi dado por nós, e esperamos que essa conquista ilumine outros conflitos fundiários para terem um desfecho como este. 

Assinam essa Nota Pública:
MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas)
CPT/MG (Comissão Pastoral da Terra)
Coordenação da Ocupação-comunidade Nova Cachoeira.

São José da Lapa, MG, 21 de setembro de 2017.

Obs.: em breve, divulgaremos vídeo sobre essa conquista.







sábado, 16 de setembro de 2017

Uma igreja justa e sempre próxima do povo. Este é o sonho do frei Gilvander. Entrevista ao Jornal Marco, da PUC Minas.

Uma igreja justa e sempre próxima do povo. Este é o sonho do frei Gilvander.


Entrevista que frei Gilvander concedeu ao Jornal MARCO, Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo, da Faculdade de Comunicação e Artes, da PUC Minas, Ano 44, edição 331, setembro de 2017, p. 16. Entrevista realizada pelas estudantes Marina Menta e Sophia Tibúrcio, 1º e 3º períodos, com fotografia de Elisa Senra.

Título da Entrevista: Religioso dedica toda a sua vida à justiça social

Um homem a serviço de Deus, um soldado da dignidade humana. Talvez essa seja uma boa definição do frei Gilvander Luís Moreira, da Ordem dos Carmelitas, um dos grandes defensores das populações que ocupam áreas ociosas na Região Metropolitana de Belo Horizonte e lutam pela realização do seu direito de ter uma casa própria.
Frei Gilvander já foi trabalhador na roça, vítima de exploração de patrões e hoje é bacharel e licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná, bacharel em Teologia pelo Instituto Teológico São Paulo, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação pela Faculdade de Educação da UFMG; assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT), CEBs, SAB e de Ocupações Urbanas, em Minas Gerais. Nessa entrevista, frei Gilvander comenta a crise política e econômica atual do Brasil e aponta a importância do papel do sacerdote na sociedade.

Jornal Marco: Como o sr. vê a situação dos trabalhadores no atual momento e que soluções poderiam ser buscadas para impedir mais perdas de direitos?

Frei Gilvander: “A classe trabalhadora e a camponesa não estão sendo apenas exploradas, estão sendo superexploradas. A opressão que o sistema capitalista está perpetrando hoje contra estas classes nunca foi tão cruel na história, a exploração atingiu um nível insuportável. Então, o problema principal, hoje, no Brasil não é a corrupção: 80% a 90% da injustiça e da violência que pairam sobre o povo brasileiro são causados pela exploração do capital em cima da mão de obra.”

Jornal Marco: No cenário político e econômico de dificuldades que passa o Brasil, qual deve ser o papel dos padres?

Frei Gilvander: “O papel de seguir, na prática, Jesus Cristo, o evangelho Dele e de seguir, também, o que diz o papa Francisco. Se fizermos isso, já vamos dar uma contribuição importante para superar a montanha de injustiças e violências que, infelizmente, está permeando o tecido social brasileiro.”

Jornal Marco: O que os padres podem fazer?
Frei Gilvander: “A solução que eu e os companheiros da Comissão Pastoral da Terra e dos movimentos sociais populares propomos é a gente seguir organizando o povo para construir um poder popular em todos os bairros, todos os cantos e recantos, nas periferias, nas cidades, no campo, em todos os lugares. Tem que ter o povo organizado fazendo pressão para frear essa avalanche de violência, porque não pode depender mais da democracia representativa com políticos desonestos que não representam ninguém.”

Jornal Marco: O sr. acredita na possibilidade de mudar nossa sociedade? Como?
Frei Gilvander: "Eu não vejo uma solução a partir dos poderosos; a solução tem que ser a partir da união dos pequenos. Isso passa por organização de base, passa por formação. Nós temos que, hoje, fazer uma conversão social das pessoas religiosas, superando o atual descolamento da fé com o social, com o político, com o econômico. A solução existe, só não é fácil porque não é a partir de alguns figurões de cima que vamos conseguir fazer mudanças. Tem que ser um grande movimento de resgate dos verdadeiros valores da vida; temos que despertar a sociedade para ver a beleza que é a pessoa ser justa, honesta, solidária, desenvolver responsabilidades sociais, cultivar a responsabilidade ambiental.”

Jornal Marco: Faltam padres no Brasil e no mundo?
Frei Gilvander: “Não acho que faltam padres, eu acho que falta valorizarmos mais o sacerdócio comum e não o sacerdócio ordenado. Se a gente for olhar na Bíblia, principalmente nos evangelhos do Novo Testamento, o que é mais valorizado são as lideranças leigas. As primeiras comunidades que celebravam a eucaristia não tinham padre. Os leigos, as lideranças e, em sua maior parte, mulheres, celebravam. Então, é errado pedagogicamente essa hiper-valorização do sacerdócio ordenado, porque estaríamos privatizando a fé.”

Jornal Marco: O que é ser sacerdote?
Frei Gilvander: “Sacerdote significa, etimologicamente, fazer sagrado; a missão de revelar a sacralidade existente nas pessoas, na biodiversidade, em tudo. Na verdade, sacerdote não é aquele que de uma forma mágica vai impor o sagrado sobre a realidade; a missão dele é revelar e explicitar a dimensão sagrada já existente no real. Tudo é sagrado. O profano é uma das realidades mais sagradas, como, por exemplo, o trabalho, as pessoas. Onde tem vida aí está o sagrado.  Ser sacerdote é contribuir para que as pessoas percebam a luz e a força divina, permeando e perpassando toda a realidade.”

Jornal Marco: O sr. teve de renunciar a muita coisa?
Frei Gilvander: “Sim, toda opção implica uma renúncia. Para ser frei e padre eu renunciei a ter uma companheira, casar e formar uma família, mas na vida é sempre assim. Outro exemplo é o de que abdiquei de ter filhos, mas conheço dez crianças que carregam meu nome porque as mamães e os papais colocaram porque admiram o trabalho pastoral que eu faço. Eu não gerei nenhum filho, mas sinto que tenho um monte de filhos por aí. Então a gente renuncia a alguma coisa, mas quando a vocação é desenvolvida com paixão e dedicação, vale a pena.”

Jornal Marco: O que o motivou a  ser religioso?  Qual foi a reação de sua família?
Frei Gilvander: “Mil e uma circunstâncias, mas vou falar as principais. Uma delas são meus pais, porque eram pessoas muito justas, solidárias, amigas de todo mundo. Então, desde pequeno, eu fui formado e educado para ser uma pessoa solidária, justa, honesta e isso contribuiu. Outro aspecto é que eu tive uma infância e uma adolescência muito sofridas, no sentido de viver sem terra, sem moradia, trabalhar na roça e latifúndio, e quando o fazendeiro levava metade da nossa produção, eu escutava no meu coração duas afirmações, que diziam “Deus não quer isso”, e “isso não é justo”. Então, com essa experiência de ser explorado, cresceu em mim o desejo de ser frei e padre, para ajudar a construir uma sociedade justa, solidária, lutar contra as injustiças.”

Jornal Marco: O que o deixa mais feliz na realização do seu trabalho e missão?
Frei Gilvander: “Deixa-me feliz perceber que, quando a gente faz esse trabalho de base, nessas lutas populares a gente conquista direitos humanos e sociais. Só para citar um exemplo, nos últimos dez anos a Prefeitura de Belo Horizonte destruiu e demoliu mais de 15 mil casas para alargar avenidas, construir viadutos, então eu me pergunto: “será que a dignidade dos automóveis tem mais valor que a dignidade humana?” E a gente luta contra isso. Na luta coletiva as Ocupações em Belo Horizonte, nos últimos 10 anos, construíram mais de 15 mil casas próprias e dignas.”

Jornal Marco: Como o sr. vê as posições e ideias inovadoras do papa Francisco?
Frei Gilvander: “Com muita alegria, o papa Francisco está sendo uma bênção. É o verdadeiro pastor, bom samaritano, um verdadeiro profeta. O que está deixando muito a desejar nas igrejas de hoje são alguns padres jovens e seminaristas que não estão seguindo o caminho do papa. Antes de se tornar papa, ele trabalhou com os pobres mais de 30 anos, então é um homem muito solidário e está ajudando a libertar a Igreja de muitas coisas horrorosas.”

Jornal Marco: As igrejas (neo)pentecostais vêm ganhando espaço cada vez mais no Brasil, atraindo fiéis especialmente nas periferias das cidades. Qual a causa disto?
Frei Gilvander: “Várias causas. Uma delas é o conservadorismo da Igreja Católica com padres moralistas e autoritários. Outra causa é o capitalismo, quanto mais ele aumenta o nível de opressão, mais deixa as pessoas angustiadas, buscando um “Oásis”, uma aba de salvação, então correm para as Igrejas (neo)pentecostais que lhes prometem isto. Lá são abraçadas, acolhidas e vivenciam uma literatura de auto ajuda ao lidar com as grandes opressões. Por um lado as pessoas são acolhidas, mas, por outro, são sugadas através do dízimo e do que se chama de “teologia da prosperidade”. Nesse caso, se desenvolve uma grande mentira, que é fruto de uma falsa interpretação da Bíblia.” 

Jornal Marco: A igreja Católica tem dificuldade de dialogar com o povo mais humilde? Por quê?                                                                                     Frei Gilvander: “Aconteceu na Igreja Católica de 1962 a 1965 o Concílio do Vaticano II, que abriu a Igreja para o mundo, para opção pelos pobres, para o profetismo, para a inculturação. Depois de cinco conferências dos bispos latino-americanos, a opção pelos pobres e o protagonismo dos leigos permaneceu. Infelizmente, nos pontificados de João Paulo II e do Ratzinger, a cúpula da Igreja foi gradativamente abandonando a opção pelos pobres. Agora o papa Francisco está sinalizando para as igrejas corrigirem esse grave erro e retomar a opção pelos pobres, conviver com eles e serem solidárias com suas lutas.”

O relato de uma injustiça - 3a Parte da Abertura do XXII Encontro da RE...

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Ocupação Carolina Maria de Jesus, no centro de Belo Horizonte, MG. Cerca de 200 famílias se juntam ao MLB determinadas a conquistar a moradia digna!!!

Ocupação Carolina Maria de Jesus, no centro de Belo Horizonte, MG. Cerca de 200 famílias se juntam ao MLB determinadas a conquistar a moradia digna!!!

Enquanto o centro não chega à periferia, a periferia chega ao centro. A Ocupação Carolina Maria de Jesus, localizada na Av. Afonso Pena nº 2.300, no coração de Belo Horizonte, MG, traz à tona a enorme incoerência entre as quase 80 mil famílias sem casa de Belo Horizonte e os mais de 171 mil imóveis e terrenos vazios na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH)! As ocupações são uma resposta para essa desigualdade e imensa injustiça social. Nossa luta é para fazer valer os direitos à moradia digna, o direito à terra e o combate à gestão empresarial da nossa cidade, uma resistência frente a higienização e gentrificação do centro de Belo Horizonte!
A ocupação homenageia Carolina Maria de Jesus, mulher negra, mãe de quatro filhos, semi-alfabetizada, escritora e moradora da favela do Canindé, em São Paulo. Trabalhava como catadora de lixo e com os cadernos que encontrava ela escrevia sobre o seu dia-a-dia na favela. Considerada uma importante escritora brasileira, é autora do livro Quarto de Despejo – Diário de uma favelada, uma das obras mais vendidas e um dos primeiros relatos sobre a realidade de marginalização, denunciando a desigualdade social e o racismo.
O Movimento de Luta de Bairros, Vilas e Favelas (MLB) reivindica que o prédio seja destinado para moradia dessas famílias, que sofreram por anos com a falta de habitação digna e adequada, condição fundamental para constituírem suas vidas. Somos uma luta contra a especulação imobiliária e pela efetivação do direito à cidade para uma parcela da população que sempre teve a cidade negada! A região central de Belo Horizonte é concentradora de trabalhos, infra-estruturas e serviços que são negados a grande parte das famílias periféricas da capital mineira. Ocupar o centro é possibilitar acesso aos serviços básicos de saúde, educação, transporte e oportunidades de emprego a quem precisa!
Segundo a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), toda propriedade deve cumprir uma função social, seja ela habitacional, ambiental, cultural ou econômica. Terrenos e imóveis que permanecem vazios não cumprem nenhuma função social. Ao contrário, incentivam o processo de especulação imobiliária, que eleva o preço do solo urbano, gerando acumulação de capital para seus proprietários. As ocupações são uma resposta para fazer valer os direitos de acesso a terra e garantir que a função social da propriedade seja cumprida!!!
Por isso, buscamos diálogo com o poder público sobre a existência de tantos edifícios vazios espalhados no centro de Belo Horizonte. Em 2009, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) publicou o Plano de Reabilitação da Região do Hipercentro, que trazia um estudo indicando existir só na região do hipercentro um total de 107 imóveis vazios e lotes vagos sem uso, isso sem contar os 165 lotes que são usados como estacionamento!!!! Vários desses imóveis continuam na mesma situação!!!
Edifícios sem usos comprovados por mais de cinco (5) anos estão sujeitos à aplicação de vários instrumentos criados para garantir o cumprimento da função social: desde IPTU progressivo no tempo, que aumenta o valor dos impostos a serem pagos pelo imóvel a cada ano vazio, até a desapropriação do terreno, com transferência da propriedade ao Poder Público. Queremos que esses instrumentos sejam usados para criar uma cidade mais justa!
Vamos dar vida ao centro de Belo Horizonte com a classe trabalhadora dessa cidade: onde antes existia vazio agora existe esperança; onde antes existia um vazio, brotou nas noites frias de Belo Horizonte e existem famílias com um sonho. Reprimir e reintegrar pisando na Constituição e violando a dignidade humana desintegra sonhos lindos que nasceram no coração de Belo Horizonte. Por diálogo clamamos!

Morar dignamente é um direito humano!

Reforma urbana popular já!

Assina essa nota: MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas).
Apoio: Comissão Pastoral da Terra (CPT) e ampla Rede de Apoio.