segunda-feira, 2 de maio de 2016

Raios de luz do evangelho a partir do Ceará. Por Irmã Izabel Neta e frei Gilvander

Raios de luz do evangelho a partir do Ceará.
Irmã Izabel Maria Neta[1] e frei Gilvander Luís Moreira[2]

De 20 a 24 de abril de 2016, realizamos em Caririaçu, no Vale do Cariri, Ceará, mais um Encontro do Carmelo Bíblia, da Família Carmelitana. No Carmelo de São José, 33 participantes conviveram fraternalmente, trocaram experiências e refletiram sobre o tema “Misericórdia na vida e na Bíblia.” Muitos testemunhos foram partilhados. Eis, abaixo, alguns.
Uma boa samaritana assume a defesa de um adolescente franzino que estava sendo espancado por três grandes policiais. Era uma quinta-feira à noite, em 2015, véspera de feriado na sexta-feira, na rodoviária de Fortaleza, no Ceará. Três grandes policiais prenderam um adolescente franzino, o algemaram e o levaram sob sopapos para uma salinha na rodoviária, entre os banheiros feminino e masculino. Na salinha, espancaram o adolescente que, algemado, gritava implorando misericórdia e clamando por socorro. Os gritos do adolescente sendo espancado incomodaram uma freira, irmã Izabel, que chegou naquele momento. Imediatamente, a irmã pegou sua máquina de fotografia e iniciou a filmar os policiais que espancavam o adolescente. Subitamente, os três policiais deixaram o adolescente algemado e partiram para cima da irmã que também era franzina, gritando: “Por que você está nos filmando sem nossa autorização?” A irmã de forma altaneira frente à arrogância dos policiais disse o óbvio: “Porque vocês estão torturando um adolescente. Vocês não têm o direito de fazer isso. Se ele cometeu algo ilícito, vocês já o prenderam e o algemaram. Vocês não podem torturá-lo.” Os policiais gritaram com a irmã: “Você não tem direito de nos filmar sem nossa autorização. Por que você não vai filmar quem está trabalhando? É por causa de pessoas como você, uma beata, que defende um lixo como esse, que a violência está aumentando. Queria ver se ele te estuprasse – violência psicológica -, se você o defenderia.” A irmã continuou firme: “Vocês policiais são funcionários do Estado, pagos com salário do povo para garantir segurança pública e não para atuarem como jagunços. O serviço de vocês precisa ser feito às claras e não às escondidas. Quando vocês torturam quem já está preso e algemado, indefeso, vocês deixam de ser policiais e passam a ser jagunços. A sociedade precisa saber que vocês estão cometendo um crime. Por isso pensei em filmar: para divulgar e inibir outras agressões como as que vocês fizeram. Mais: se eu fosse estuprada por ele, eu continuaria defendendo a dignidade  humana dele, como filho de Deus.” Por duas vezes ameaçaram a irmã de prisão. Chegaram a provocar: “Fale mais uma palavra e você será presa.” Irmã Izabel se calou e não respondeu mais às provocações deles, inclusive, porque temia que a me prendessem.
Dona Roseira, que pede esmola diariamente na Colina do Horto do Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, CE, pedia esmola cantando, dia 23/04/2016. Entre uma música e outra, repetia: “Essa é minha cuia.” Eu brinquei: “Dona Roseira, não tenho dinheiro. Posso pegar o que está na cuia?” Ela respondeu com um sorriso largo: “Meu filho, vivo de esmola, mas se você estiver precisando, pode pegar, sim. Eu recebo de quem pode me ajudar, mas também ajudo quem está precisando. Se estiver precisando, pode pegar, sim, os trocados que estão aí na cuia.”
Outra idosa que pedia esmola no Horto do Padre Cícero, dia 23/04/2016, ao ver que eu já estava indo embora, me disse: “Você vai embora com dívida, sem doar uma esmola?” Brinquei alegando que não tinha mais dinheiro. Conversei um pouco com ela e ao me despedir, disse: “Fique com Deus!” Ela me repreendeu: “Você está mangando de Deus. Diz para eu ficar com Deus, sem deixar uma esmola!”
Um padre missionário chegou a uma comunidade de periferia da cidade de Guatu, no Ceará. Em uma caminhada religiosa, percebendo o grande número de devotos do padre Cícero, do Juazeiro do Norte, puxou um canto ensinado por padre Cícero: “Quem matou não mate mais, quem roubou não roube mais; romeiro de verdade vive na fraternidade.” Padre Cícero Romão sempre repetia esse refrão. Mas eis que o povo ficou em silêncio. Só ouvia o padre, mas não cantava. Mesmo sob convite insistente do padre para cantar, o povo não cantou com ele. Depois, após a procissão, algumas pessoas disseram no pé do ouvido do padre: “Infelizmente o tráfico de drogas está intenso aqui na nossa comunidade. Se a gente cantasse, seria interpretado como um recado indireto aos jovens envolvido com drogas aqui. Por isso fomos silenciados.”
Belo Horizonte, MG, 02/05/2016.




[1] Freira da Congregação das Missionárias Carmelitas, mora em Caririaçu; email: irmabelneta@hotmail.com
[2] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; natural de Rio Paranaíba, MG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT (Comissão Pastoral da Terra), do CEBI (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos), do SAB (Serviço de Animação Bíblica) e de Movimentos Sociais de luta por terra e moradia; conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH; e-mail: gilvanderufmg@gmail.comwww.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br  - www.twitter.com/gilvanderluis  - Facebook: Gilvander Moreira

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