terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

A Serra da Piedade gera vida; a CMI/COPAM e as mineradoras, morte!


A Serra da Piedade gera vida; a CMI/COPAM e as mineradoras, morte!
Por frei Gilvander Moreira[1]

Cratera de mineração que a mineradora Brumafer deixou na Serra da Piedade, em Caeté, região metropolitana de Belo Horizonte, MG. Grande luta popular conquistou o fechamento da mineração na Serra da Piedade em 2005, mas dia 22/02/2019, criminosamente, a CMI/COPAM autorizou a reabertura de mineração na Serra da Piedade, uma insanidade inadmissível. Fotos: Divulgação / Movimento Serras e Águas de Minas
O dia 22 de fevereiro de 2019 entrará para a História como o dia em que o Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), do Governo de Minas Gerais, por meio da Câmara de Atividades Minerárias (CMI), autorizou mais um crime hediondo: a concessão de Licença Prévia concomitante com a Licença de Operação para a mineradora AVG Empreendimentos Minerários Ltda. minerar na Serra da Piedade com lavra a céu aberto com tratamento úmido, ou seja, crucificar no altar do ídolo mercado a Serra da Piedade, patrimônio histórico, natural e religioso de mineiros e brasileiros, sede da Basílica de Nossa Senhora da Piedade, padroeira do estado de Minas Gerais. Vi e dou testemunho que, exceto Maria Teresa Corujo (Teca), representante do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (FONASC-CBH); Júlio César Dutra Grillo, representante do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA/MG), e Adriana Alves Pereira Wilken, representante do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), os conselheiros da CMI/COPAM estão atrelados aos interesses do capital e à ganância sem fim das mineradoras. Estão surdos a todos os argumentos sensatos e chegam à reunião já para cumprir ordens dos grandes interesses econômicos para licenciar todos os projetos reivindicados pelas mineradoras. Na CMI/COPAM acontece um jogo de cartas marcadas, pois entre os doze conselheiros, apenas uma representa a sociedade civil. Nove conselheiros representam o Governo de Minas Gerais e entidades parceiras das mineradoras: Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SEDECTES), Secretaria de Estado de Governo (SEGOV), Secretaria de Estado de Casa Civil e de Relações Institucionais (SECCRI), Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (CODEMIG), Agência Nacional de Mineração (ANM), Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais (SINDIEXTRA), Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado de Minas Gerais (FEDERAMINAS) e Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA). Com essa composição nada democrática, o resultado é sempre o mesmo: aprovam todos os projetos pleiteados pelas mineradoras que estão causando um colapso nas condições de vida do povo, dos biomas, matando os rios e espalhando terror psicológico sobre milhares de famílias que moram abaixo de barragens de lama tóxica das mineradoras. A composição da CMI/COPAM demonstra que o Estado de Minas Gerais está de mãos dadas com as grandes mineradoras, insistem em um projeto de “desenvolvimento” que na prática gera subdesenvolvimento e imensa injustiça socioambiental.

Celebração da Juventude no Santuário Basílica da Serra da Piedade, em Caeté, MG. Foto: Divulgação / Pastoral da Juventude.
No auditório que fica no mezanino da Rodoviária de Belo Horizonte, com lotação para 120 pessoas, a reunião extraordinária da CMI/COPAM aconteceu das 9 horas às 17h30. A mineradora AVG trouxe dezenas de trabalhadores que chegaram cedo e ocuparam boa parte das cadeiras disponíveis. Dezenas de pessoas das comunidades, católicos/as e aliados/as da Serra da Piedade não foram autorizadas a entrar no auditório porque boa parte já estava cheia de trabalhadores da mineradora. Estratégia sempre usada pelas grandes mineradoras: lotam as cadeiras disponíveis para dificultar ainda mais a participação popular. Também uma grande lista de empregados inscritos para falar destina-se a consumir tempo e energia dos verdadeiramente interessados em participar e contribuir. Escravos da mineração, esses trabalhadores não percebem que os poucos empregos que as mineradoras oferecem custam muito sangue, pois geram violência social, desemprego na região, prostituição, gravidez precoce, dizimam as nascentes de água e os lençóis freáticos, poluem tudo, entopem as estradas de carretas de minério que matam muita gente no trânsito e ainda geram muitos problemas de saúde pública. Enfim, deixam a terra arrasada após minerar tudo que querem. Os municípios viviam e vivem muito melhor antes da chegada das mineradoras. Com as mineradoras chega devastação socioambiental. Para manter ares de idoneidade, no início da reunião se tocou o Hino Nacional e se fez um minuto de silêncio pelos mortos pelo crime tragédia da mineradora Vale, com a cumplicidade do Estado, a partir do rompimento de barragens com lama tóxica, em Córrego do Feijão, Brumadinho, dia 25 de janeiro de 2019, às 12h28.

Após justificar com uma série de argumentos sensatos, éticos, técnicos, administrativos e jurídicos, a conselheira Teca exigiu a retirada de pauta do projeto da mineradora AVG de minerar na Serra da Piedade. De forma monocrática, como foi estabelecido no regimento interno, o presidente da reunião decidiu não retirar de pauta o pedido de Licenças Prévia e de Instalação concomitantes para a mineradora AVG se instalar na Serra da Piedade e reabrir mineração na área. A conselheira Teca e o conselheiro Júlio Grillo explanaram de forma bem embasada que não havia a menor possibilidade de concessão das Licenças Prévia e de Instalação, ‘por mil motivos’, entre eles o fato do IBAMA, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e o Conselho do Monumento Natural Estadual da Serra da Piedade não terem dado anuência.

Cratera de mineração deixada pela mineradora Brumafer, comprada pela mineradora AVG, na Serra da Piedade, em Caeté, região metropolitana de Belo Horizonte, MG. Foto: Divulgação / Movimento Serras e Águas de Minas
Mesmo sendo um patrimônio histórico, paisagístico, natural e religioso do Estado de Minas Gerais, a Serra da Piedade já sofre com a devastação – enorme cratera - que a mineradora Brumafer deixou ao fazer “lavra predatória”. Por grande luta popular iniciada em 2001, foi fechada em 2005 e o passivo ambiental foi deixado lá na Serra da Piedade e precisa ser recuperado. Foi essa a “desculpa” que a AVG, que comprou a Brumafer na ocasião, usou e continua usando para conseguir licença para minerar. A Serra da Piedade na área pretendida pela AVG é essencial para o abastecimento de água de comunidades abaixo, como sitiantes, agricultores familiares e moradores do distrito de Ravena, em Sabará, que já vivem situações de escassez hídrica. E a AVG em seus estudos informou não haver nenhum usuário de água abaixo de onde pretende retomar as atividades de mineração, conseguindo assim a concessão por parte do Estado da totalidade de uso de água superficial e subterrânea.
A Serra da Piedade é protegida por três tombamentos, como patrimônio natural, histórico e paisagístico, em nível municipal (Caeté), estadual e federal. Por isso, o IPHAN e o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA) têm o dever de cuidar desse patrimônio e esperamos que não deem licença para reabrir mineração na Serra da Piedade.


A Serra da Piedade é responsável por parte significativa do abastecimento d’água de Belo Horizonte e região metropolitana (RMBH), que já perdeu o Rio Paraopeba – morto pela Vale e pelo Estado -, que era responsável por 50% do abastecimento de BH e RMBH. A cratera que a Brumafer deixou lá na Serra é um passivo ambiental que precisa ser recuperado, mas jamais com mais mineração. Mesmo com a falta de anuência do IBAMA, do IPHAN e do IEPHA, o jovem que presidia a sessão repetia sempre que estava cumprindo uma decisão judicial e, assim, usava a decisão judicial como escudo para encobrir ilegalidades que eram levantadas. Aliás, não tem sido rara a utilização de liminares judiciais pelas mineradoras para pautar processos de licenciamento ou para garantir que as reuniões de deliberação das licenças transcorram ainda que o processo administrativo encontra-se pendente de pré-requisitos indispensáveis. Ou seja, o judiciário também tem sido cúmplice de devastação socioambiental protagonizada pelas mineradoras.
Em 1956, o IPHAN realizou o tombamento da Serra da Piedade, todavia reconhecendo os aspectos cenográficos de todo o conjunto natural e cultural da Serra da Piedade, e a ameaça constante do desmatamento, da mineração e da degradação ambiental, decidiu-se pela necessidade primordial de expansão do tombamento federal por meio da definição de um polígono de proteção que abrangesse a antiga área federal tombada, os tombamentos estadual e municipal, que pudessem garantir a visibilidade integral do bem, incluindo sua linha de perfil, os recursos hídricos, a biodiversidade e os aspectos cênicos. Reconheceu-se assim, a conservação do importante conjunto arquitetônico do santuário do Século XVIII, cuja padroeira foi esculpida por Aleijadinho; dezenas de cavernas, sítios arqueológicos históricos, aves e plantas raras, mais de oitenta nascentes e áreas de recarga de aquíferos. A área de entorno inclui, por sua vez, as cidades históricas, e também protegidas, Sabará, Caeté e Raposos. Importante ainda destacar que a Serra da Piedade está inserida em Unidades de Conservação (Área de Proteção Ambiental - APA), Águas da Serra da Piedade, Monumento Natural Estadual Serra da Piedade (MONAE) e nas Reservas da Biosfera da Serra do Espinhaço e da Mata Atlântica, integrando ainda por sua relevância o cadastro nacional dos Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil (SIGEP).
O Promotor de Justiça do Ministério Público Estadual (MP/MG), Marcos Paulo Souza Miranda, expoente no âmbito da legislação no que tange a questão do patrimônio histórico e cultural, autor de vários artigos e obras a respeito, é bastante coerente e preciso em sua assertiva, defendendo a abstenção da mineração em área tombada: “Assim, não se admite, por exemplo, exploração de recursos minerais em uma serra objeto de proteção por tombamento, pois nos termos dos art. 17 do DL n. 25/1937 é juridicamente vedado qualquer ato que implique em mutilar ou destruir a coisa tombada e as atividades minerárias são tipicamente degradantes e destrutivas” (MIRANDA, 2014, p. 98).
Frente a toda a importância da Serra da Piedade acima indicada, se conseguiu paralisar a atividade minerária há 13 anos por meio de uma Ação Civil Pública movida pelo IPHAN, Ministério Público do Estado de Minas Gerais e Ministério Público Federal e, com o objetivo de se recuperar o passivo ambiental e a cratera que a mineradora Brumafer deixou na Serra da Piedade, foi celebrado em 2012 um acordo na justiça federal.
No entanto, desde os primeiro momento do processo de licenciamento da AVG para essa recuperação, ficou claro que o objetivo da mineradora era um grande absurdo. É estranho alegar “necessidade de cumprimento de decisão judicial proferida dia 12/02/219” dentro de apenas dez dias. Alegar que para resolver o passivo ambiental é preciso minerar 100 milhões de toneladas de minério durante 15 anos é mentira ardilosa. Recuperar o passivo ambiental, sim; minerar mais, inadmissível! Além de inúmeras outras violências socioambientais, superlotar as estradas de acesso a Caeté e ao Santuário Basílica de Nossa Senhora da Piedade com mais um grande número de carretas de minério tornará impossível 500 mil romeiros e romeiras visitar o santuário anualmente sem alto risco de tragédias. Nova mineração na Serra da Piedade vai secar grandes lençóis freáticos e agudizar a crise hídrica que já está batendo às portas de Belo Horizonte e Região Metropolitana. Minerar mais na Serra da Piedade irá devastar o patrimônio histórico e paisagístico da região, além de aumentar a violência socioambiental. Irá também inviabilizar a produção de agricultura familiar, hortas, apicultura, turismo religioso e ecológico. Conceder as Licenças Prévia e de Instalação para a AVG reabrir mineração na Serra da Piedade antes de completar um mês do crime tragédia da mineradora Vale é uma prova do conluio do Estado com as mineradoras, é uma imoralidade, é cuspir nos rostos das centenas de pessoas mortas e ignorar a morte do Rio Paraopeba e a punhalada que o Rio São Francisco está sofrendo com o crime tragédia da Vale e do Estado. Ah! Foi esta mesma CMI/COPAM que dia 11 de dezembro de 2018 liberou a expansão da mineração da mineradora Vale no Córrego do Feijão, em Brumadinho, MG.
Durante mais de oito horas de reunião, as únicas conselheiras e conselheiro da CMI/COPAM que usaram a palavra para argumentar inúmeras vezes foram Maria Teresa Corujo (Teca), do FONASC-CBH; Júlio Grillo, do IBAMA/MG, e Adriana Alves Pereira Wilken,  do CEFET-MG. Todos os outros conselheiros da CMI/COPAM, salvo alguma palavra aqui ou ali, ficaram em silêncio o tempo todo, muitas vezes bocejando ou olhando no celular. Os argumentos apresentados durante sete horas pelas duas conselheiras acima referidas, pelo conselheiro do IBAMA e por dezenas de pessoas que falaram cada um/a, de 5 a 10 minutos, ao microfone, não foram ouvidos pelos conselheiros representantes do Governo de Minas Gerais e de entidades ligadas às grandes mineradoras que votaram a favor da reabertura de mineração na Serra da Piedade: 1) da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SEDECTES); 2) da Secretaria de Estado de Casa Civil e de Relações Institucionais do Governo de Minas Gerais (SECCRI); 3) da Secretaria de Estado de Governo (SEGOV); 4) do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM); 5) do Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais  (SINDIEXTRA), 6) da Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado de Minas Gerais (FEDERAMINAS); e 7) do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (CREA-MG). Votaram contra reabrir mineração na Serra da Piedade: Teca, do FONASC-CBH; Júlio Grillo, do IBAMA/MG; e Adriana, do CEFE/MG. Abstiveram-se os conselheiros da ANM (Agência Nacional de mineração) e da CODEMIG. Assim, com sete votos favoráveis, as Licenças Prévia e de Instalação foram concedidas à mineradora AVG para reabrir mineração na Serra do Piedade, em Caeté: mais um crime hediondo e socioambiental autorizado pelo Estado de Minas Gerais em conluio com os megainteresses econômicos das grandes mineradoras que só sabem servir ao ídolo mercado e, como dragão do Apocalipse, deixar um rastro imenso de devastação socioambiental. Enfim, perdemos mais uma batalha, mas não perderemos essa luta necessária, justa e legítima que é salvar a Serra da Piedade da ganância dos capitalistas. Conclamamos todas as pessoas de boa vontade e as forças vivas da sociedade a se somarem na luta pela anulação dessa decisão injusta, inconstitucional e imoral da CMI/COPAM.

Belo Horizonte, MG, 26 de fevereiro de 2019.

Referência Bibliográfica.

MIRANDA, m. p. s. Lei do Tombamento Comentada. 1. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2014. v. 1. 284p.

Obs.: Os vídeos, abaixo, ilustram o texto, acima.

1 - Mineração na Serra da Piedade, Caeté, MG: mais um crime, mais uma ferida. Dom Walmor/BH. 23/1/2019.




2 - Serra da Piedade - 25 de fevereiro de 2019



3 - CRIME DA VALE/ESTADO EM BRUMADINHO/MG: IRRESPONSABILIDADE/Prof.Klemens/Profa. Andréa Zhouri/26/1/19



4 - Rompimento de barragens: Falha da governança ambiental/Profa. Andréa Zhouri/UFMG/26/1/2019



5 - “Licenciamento ambiental decente é necessário”/Professor Dr. Klemens/UFMG/ Vídeo 2 – 26/1/2019.


6 - Estado de MG a serviço das mineradoras/Prof. Dr. Klemens/UFMG/Vídeo 1 - 26/1/2019.



 Fotos, abaixo: frei Gilvander Moreira.















[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br             www.twitter.com/gilvanderluis             Facebook: Gilvander Moreira III

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