CARTA AOS ROMANOS: CONTEXTO, ESTRUTURA, ASSUNTOS E COMO FOI ESCRITA. Por Frei Gilvander Moreira1
Reprodução: Redes VirtuaisNo ano de 2025, em
setembro, mês da Bíblia, CARTA AOS ROMANOS será o Livro da Bíblia a ser
refletido para animar a caminhada das Comunidades Cristãs. Nós do Centro
Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI/MG) produzimos um
texto-base com o título A PRÁXIS LIBERTADORA DA CARTA AOS ROMANOS: JUSTIÇA,
AMOR E REBELDIA – CEBI/MG, 2025 - e uma Cartilha para alimentar a caminhada
libertadora, ecumênica e inter-religiosa na construção de uma sociedade justa
economicamente, solidária socialmente, sustentável ecologicamente, democrática
politicamente e responsável social e geracionalmente. Eis um segundo texto que
disponibilizamos.
Para
uma justa, sensata e libertadora compreensão da Carta do apóstolo Paulo às
Comunidades Cristãs da periferia de Roma, a capital do império romano
escravocrata é necessário entendermos o contexto literário e histórico em que
foi escrita a Carta aos Romanos.
Primeira questão: A Carta e os
destinatários no contexto da ideologia do Império. Esta carta de Paulo, provavelmente, reúne vários escritos
paulinos. Deve ter sido escrita não de uma só vez e obteve a contribuição de
outras pessoas que estavam irmanadas na missão profética, libertadora e de inculturação
do Evangelho de Jesus Cristo. Na carta se diz que Paulo teve a ajuda de seu
escrivão Tércio (Rm 16,22).
A maioria das pessoas das
comunidades cristãs de Roma era composta por judeus da diáspora, pessoas
empobrecidas. Grande número constituía-se de escravos vindos do paganismo.
Outros eram estrangeiros, que vieram morar e trabalhar na grande cidade,
capital do império.
Recordemos que as primeiras
comunidades cristãs eram pequenas em relação aos adeptos da Religião Imperial e
eram ilícitas, legalmente proibidas, no império romano até 313 da Era Comum,
ano em que o imperador Constantino (306-337), pelo Acordo de Milão, de 13 de
junho de 313, assegurou a tolerância e a liberdade de culto para os cristãos,
em todas as colônias do império. As comunidades cristãs não viviam em Estado
laico com liberdade religiosa garantida pela Constituição, como no Brasil atual.
A carta não foi enviada a todas
as pessoas romanas, pois ‘romanos’ diz respeito a todos/as habitantes de Roma,
a capital do império que, com a Espanha, era compreendida pelo autor de Atos
dos Apóstolos como “confins do mundo” (At 1,8). A carta foi endereçada
apenas a membros de pequenas comunidades cristãs que tinham surgido na
periferia de Roma, nas “barbas” do imperador, como o profeta Daniel na “cova
dos leões” (cf. Dn 6,16-28). “Cutucar a onça com vara curta” era e continua
sendo muito arriscado. Esta localização geográfica muito influenciou na forma
de se lidar com as autoridades opressoras, pois, certamente, o sistema de
controle e vigilância era aí muito mais presente e incisivo do que em
longínquas colônias pouco povoadas, onde emissários do império frequentavam com
muito menos frequência. E também a sedução da ideologia imperial com seus
falsos valores, era mais incisiva para quem estava mais próximo do
epicentro do Império.
Sendo esse poder imperial
divinizado, também existia uma idolatria profundamente enraizada, veiculada
pela ideologia imperial, que apontava como subversivo político-religioso quem
questionasse as ordens e as imposições do imperador (como subversivo
político-religioso), o que era algo intolerável pelo sistema imperial.
Provavelmente, a vida das comunidades cristãs nas periferias da capital do
império era de fato um desafio imenso, pois as pessoas cristãs tinham que sobreviver
nas catacumbas como milhares de terreiros do Candomblé ou da Umbanda,
atualmente, no Brasil, que são forçados a sobreviver na invisibilidade, pois se
vierem à luz do dia, o risco de serem atacados e destruídos, é muito
grande.
Conforme Suetônio, historiador romano, no ano 49 do
1º século da Era Comum, o imperador Cláudio expulsou de Roma as pessoas fiéis
do Judaísmo e, provavelmente, também as cristãs. Priscila e Áquila, casal
judeu-cristão, vítimas dessa expulsão, se exilaram em Corinto, onde se
encontraram com Paulo (At 18,1-3), que realizava a segunda viagem missionária
(anos 50-52 da Era Comum). É através de Priscila e Áquila que Paulo é informado
sobre a situação de pessoas cristãs nas periferias de Roma.
Paulo está
preocupado em corrigir falsas interpretações a respeito de sua evangelização
entre os pagãos, provavelmente levadas a Roma por judeus e por cristãos
judaizantes (Rm 16,17-18). As notícias e os textos paulinos circulavam entre as
comunidades cristãs (cf. At
21,21; Rm 15,31). Na Carta aos Romanos, Paulo
aprofunda o assunto que já abordara na Carta aos Gálatas: a salvação é
gratuidade de Deus pela fé, não pelas obras, para toda a humanidade, sem
exceção. Se compararmos Gl 3,19-22 com Rm 3,20; 7,7-13; ou Gl 5,12-21
com Rm 8,5-13 veremos a grande semelhança e, em Romanos, a elucidação de
assunto muito espinhoso. O caminho é acreditar
em Jesus Cristo e no seu evangelho tornando-se seu discípulo/s, o que implica
em não reconhecer o imperador como senhor e salvador, passando a viver em comunidade,
na fraternidade social, econômica, política, espiritual e ecológica, devemos
dizer atualmente, inclusive.
À primeira
vista, a Carta aos Romanos trata apenas de temas teológicos como a salvação
pela fé, graça de Deus, vida no Espírito..., mas prestando mais atenção na
carta, o apóstolo Paulo se dedica a refletir e a orientar sobre problemas
pastorais, que estavam sendo desafios para as comunidades cristãs na periferia
da capital do império. Paulo reflete e orienta, também, sobre como deve ser o comportamento
ético das pessoas que se dizem cristãs e as anima a não deixarem que os vírus
dos falsos valores da ideologia imperial se alojem nas pessoas,
desumanizando-as.
A Carta aos
Romanos deve ter sido escrita entre os anos 55 e 57 do século I da Era Cristã. Em Corinto, Paulo se
preparava para viajar a Jerusalém, para levar a coleta que ele tinha
incentivado junto às igrejas da Ásia, da Macedônia e da Acaia, em favor da
comunidade-Mãe de Jerusalém (cf. Rm 15,22-29). Mais do que solidariedade
econômica, esta coleta buscava expressar comunhão política, pois com o gesto de
partilha econômica se dizia: pensamos diferente, mas estamos juntos, em
comunhão, irmanados/as no seguimento do Evangelho de Jesus Cristo. Vocês,
cristãos de Jerusalém, ainda acreditam que a circuncisão é necessária, mas nós,
cristãos de fora da Palestina, experimentamos que Deus é amor gratuito e acolhe
os de fora, sem exigir deles a circuncisão.
Paulo planejava visitar
comunidades cristãs na periferia de Roma e de lá partir para sua tão sonhada
viagem para a Espanha (cf. Rm 15,23-24). Na carta, de Rm 1,16 a 8,39, não há
referência a Roma ou a qualquer outra comunidade. Parece que Paulo já estava
escrevendo para responder aos ataques dos cristãos judaizantes, reunindo vários
escritos em uma só carta que envia à comunidade cristã de Roma. A diaconisa
Febe, da Igreja de Cencreia, foi quem levou a carta (Rm 16,1), sinal de que nas
primeiras comunidades cristãs havia diaconisas e apóstolas como Júnia (Rm
16,7). Portanto, a Bíblia não justifica discriminar as mulheres. Elas têm
direito de serem cidadãs na sociedade e na igreja.
A Carta aos Romanos está
estruturada da seguinte forma: Introdução (Rm 1,1-15); Parte Teológica (Rm 1,16
a 11,36); Parte Pastoral (Rm 12,1 a 15,13); Saudações finais (Rm 15,14 a
16,27). Observe que Rm 13 está na parte pastoral da carta, o que indica que não
deve ser compreendido como doutrina teológica universal, mas precisa ser
compreendido dentro do contexto em que a comunidade estava vivendo e com
objetivo preciso.
Faz bem
recordarmos que a Carta aos Romanos tem feito história ao longo de quase 2 mil
anos. No século IV, Santo Agostinho, ao ler a Carta aos Romanos, empreendeu um
intenso processo de conversão. Mais tarde, no século XVI, se inspirando em
Santo Agostinho e na Carta aos Romanos, Martinho Lutero sentiu o apelo divino e
teve a coragem e a sabedoria de promover a Reforma na Igreja, que estava
enleada por falsificações no seguimento de Jesus Cristo como o caso do comércio
de indulgências, entre muitas outras desvirtuações do Evangelho de Jesus
Cristo.
14/08/25
Obs.: As videorreportagens nos
links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 – ELSA TAMEZ: CARTA AOS ROMANOS É FASCINANTE, MAS DIFÍCIL DE
SER COMPREENDIDA. URGE HISTORICIZAR PAULO
2 - CARTA AOS
ROMANOS: LEITURA ECOFEMINISTA de Rm 8. IVONI RICHTER REIMER-EQUIPE DE
PUBLICAÇÕES/ CEBI-MG
3 - CARTA AOS
ROMANOS: CONTEXTO, CHAVES DE LEITURA, LIBERTAR PAULO. Por Prof. Dr. PEDRO LIMA
VASCONCELOS
4 - CARTA AOS ROMANOS - parte 1
5 - Reflexão sobre a Carta de São Paulo aos Romanos - Parte 1
6 - Mês da Bíblia 2025 - Carta aos Romanos
7 - Carta de
Paulo aos Romanos 01/06
8 - Carta de
Paulo aos Romanos 02/06
9 - Carta de
Paulo aos Romanos 03/06
10 - Carta de
Paulo aos Romanos 04/06
11 - Carta de
Paulo aos Romanos 05/06
12 - Carta de
Paulo aos Romanos 06/06
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