quinta-feira, 14 de agosto de 2025

CARTA AOS ROMANOS: CONTEXTO, ESTRUTURA, ASSUNTOS E COMO FOI ESCRITA. Por Frei Gilvander

CARTA AOS ROMANOS: CONTEXTO, ESTRUTURA, ASSUNTOS E COMO FOI ESCRITA. Por Frei Gilvander Moreira1

Reprodução: Redes Virtuais 

No ano de 2025, em setembro, mês da Bíblia, CARTA AOS ROMANOS será o Livro da Bíblia a ser refletido para animar a caminhada das Comunidades Cristãs. Nós do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI/MG) produzimos um texto-base com o título A PRÁXIS LIBERTADORA DA CARTA AOS ROMANOS: JUSTIÇA, AMOR E REBELDIA – CEBI/MG, 2025 - e uma Cartilha para alimentar a caminhada libertadora, ecumênica e inter-religiosa na construção de uma sociedade justa economicamente, solidária socialmente, sustentável ecologicamente, democrática politicamente e responsável social e geracionalmente. Eis um segundo texto que disponibilizamos.

Para uma justa, sensata e libertadora compreensão da Carta do apóstolo Paulo às Comunidades Cristãs da periferia de Roma, a capital do império romano escravocrata é necessário entendermos o contexto literário e histórico em que foi escrita a Carta aos Romanos.

Primeira questão: A Carta e os destinatários no contexto da ideologia do Império. Esta carta de Paulo, provavelmente, reúne vários escritos paulinos. Deve ter sido escrita não de uma só vez e obteve a contribuição de outras pessoas que estavam irmanadas na missão profética, libertadora e de inculturação do Evangelho de Jesus Cristo. Na carta se diz que Paulo teve a ajuda de seu escrivão Tércio (Rm 16,22). 

A maioria das pessoas das comunidades cristãs de Roma era composta por judeus da diáspora, pessoas empobrecidas. Grande número constituía-se de escravos vindos do paganismo. Outros eram estrangeiros, que vieram morar e trabalhar na grande cidade, capital do império. 

Recordemos que as primeiras comunidades cristãs eram pequenas em relação aos adeptos da Religião Imperial e eram ilícitas, legalmente proibidas, no império romano até 313 da Era Comum, ano em que o imperador Constantino (306-337), pelo Acordo de Milão, de 13 de junho de 313, assegurou a tolerância e a liberdade de culto para os cristãos, em todas as colônias do império. As comunidades cristãs não viviam em Estado laico com liberdade religiosa garantida pela Constituição, como no Brasil atual. 

A carta não foi enviada a todas as pessoas romanas, pois ‘romanos’ diz respeito a todos/as habitantes de Roma, a capital do império que, com a Espanha, era compreendida pelo autor de Atos dos Apóstolos como “confins do mundo” (At 1,8). A carta foi endereçada apenas a membros de pequenas comunidades cristãs que tinham surgido na periferia de Roma, nas “barbas” do imperador, como o profeta Daniel na “cova dos leões” (cf. Dn 6,16-28). “Cutucar a onça com vara curta” era e continua sendo muito arriscado. Esta localização geográfica muito influenciou na forma de se lidar com as autoridades opressoras, pois, certamente, o sistema de controle e vigilância era aí muito mais presente e incisivo do que em longínquas colônias pouco povoadas, onde emissários do império frequentavam com muito menos frequência. E também a sedução da ideologia imperial com seus falsos valores, era mais incisiva para quem estava mais próximo do epicentro do Império.  

Sendo esse poder imperial divinizado, também existia uma idolatria profundamente enraizada, veiculada pela ideologia imperial, que apontava como subversivo político-religioso quem questionasse as ordens e as imposições do imperador (como subversivo político-religioso), o que era algo intolerável pelo sistema imperial. Provavelmente, a vida das comunidades cristãs nas periferias da capital do império era de fato um desafio imenso, pois as pessoas cristãs tinham que sobreviver nas catacumbas como milhares de terreiros do Candomblé ou da Umbanda, atualmente, no Brasil, que são forçados a sobreviver na invisibilidade, pois se vierem à luz do dia, o risco de serem atacados e destruídos, é muito grande. 

Conforme Suetônio, historiador romano, no ano 49 do 1º século da Era Comum, o imperador Cláudio expulsou de Roma as pessoas fiéis do Judaísmo e, provavelmente, também as cristãs. Priscila e Áquila, casal judeu-cristão, vítimas dessa expulsão, se exilaram em Corinto, onde se encontraram com Paulo (At 18,1-3), que realizava a segunda viagem missionária (anos 50-52 da Era Comum). É através de Priscila e Áquila que Paulo é informado sobre a situação de pessoas cristãs nas periferias de Roma. 

Paulo está preocupado em corrigir falsas interpretações a respeito de sua evangelização entre os pagãos, provavelmente levadas a Roma por judeus e por cristãos judaizantes (Rm 16,17-18). As notícias e os textos paulinos circulavam entre as comunidades cristãs (cf. At 21,21; Rm 15,31). Na Carta aos Romanos, Paulo aprofunda o assunto que já abordara na Carta aos Gálatas: a salvação é gratuidade de Deus pela fé, não pelas obras, para toda a humanidade, sem exceção. Se compararmos Gl 3,19-22 com Rm 3,20; 7,7-13; ou Gl 5,12-21 com Rm 8,5-13 veremos a grande semelhança e, em Romanos, a elucidação de assunto muito espinhoso. O caminho é acreditar em Jesus Cristo e no seu evangelho tornando-se seu discípulo/s, o que implica em não reconhecer o imperador como senhor e salvador, passando a viver em comunidade, na fraternidade social, econômica, política, espiritual e ecológica, devemos dizer atualmente, inclusive. 

À primeira vista, a Carta aos Romanos trata apenas de temas teológicos como a salvação pela fé, graça de Deus, vida no Espírito..., mas prestando mais atenção na carta, o apóstolo Paulo se dedica a refletir e a orientar sobre problemas pastorais, que estavam sendo desafios para as comunidades cristãs na periferia da capital do império. Paulo reflete e orienta, também, sobre como deve ser o comportamento ético das pessoas que se dizem cristãs e as anima a não deixarem que os vírus dos falsos valores da ideologia imperial se alojem nas pessoas, desumanizando-as. 

A Carta aos Romanos deve ter sido escrita entre os anos 55 e 57 do século I da Era Cristã. Em Corinto, Paulo se preparava para viajar a Jerusalém, para levar a coleta que ele tinha incentivado junto às igrejas da Ásia, da Macedônia e da Acaia, em favor da comunidade-Mãe de Jerusalém (cf. Rm 15,22-29). Mais do que solidariedade econômica, esta coleta buscava expressar comunhão política, pois com o gesto de partilha econômica se dizia: pensamos diferente, mas estamos juntos, em comunhão, irmanados/as no seguimento do Evangelho de Jesus Cristo. Vocês, cristãos de Jerusalém, ainda acreditam que a circuncisão é necessária, mas nós, cristãos de fora da Palestina, experimentamos que Deus é amor gratuito e acolhe os de fora, sem exigir deles a circuncisão.

Paulo planejava visitar comunidades cristãs na periferia de Roma e de lá partir para sua tão sonhada viagem para a Espanha (cf. Rm 15,23-24). Na carta, de Rm 1,16 a 8,39, não há referência a Roma ou a qualquer outra comunidade. Parece que Paulo já estava escrevendo para responder aos ataques dos cristãos judaizantes, reunindo vários escritos em uma só carta que envia à comunidade cristã de Roma. A diaconisa Febe, da Igreja de Cencreia, foi quem levou a carta (Rm 16,1), sinal de que nas primeiras comunidades cristãs havia diaconisas e apóstolas como Júnia (Rm 16,7). Portanto, a Bíblia não justifica discriminar as mulheres. Elas têm direito de serem cidadãs na sociedade e na igreja. 

A Carta aos Romanos está estruturada da seguinte forma: Introdução (Rm 1,1-15); Parte Teológica (Rm 1,16 a 11,36); Parte Pastoral (Rm 12,1 a 15,13); Saudações finais (Rm 15,14 a 16,27). Observe que Rm 13 está na parte pastoral da carta, o que indica que não deve ser compreendido como doutrina teológica universal, mas precisa ser compreendido dentro do contexto em que a comunidade estava vivendo e com objetivo preciso.

Faz bem recordarmos que a Carta aos Romanos tem feito história ao longo de quase 2 mil anos. No século IV, Santo Agostinho, ao ler a Carta aos Romanos, empreendeu um intenso processo de conversão. Mais tarde, no século XVI, se inspirando em Santo Agostinho e na Carta aos Romanos, Martinho Lutero sentiu o apelo divino e teve a coragem e a sabedoria de promover a Reforma na Igreja, que estava enleada por falsificações no seguimento de Jesus Cristo como o caso do comércio de indulgências, entre muitas outras desvirtuações do Evangelho de Jesus Cristo. 

14/08/25

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – ELSA TAMEZ: CARTA AOS ROMANOS É FASCINANTE, MAS DIFÍCIL DE SER COMPREENDIDA. URGE HISTORICIZAR PAULO

2 - CARTA AOS ROMANOS: LEITURA ECOFEMINISTA de Rm 8. IVONI RICHTER REIMER-EQUIPE DE PUBLICAÇÕES/ CEBI-MG

3 - CARTA AOS ROMANOS: CONTEXTO, CHAVES DE LEITURA, LIBERTAR PAULO. Por Prof. Dr. PEDRO LIMA VASCONCELOS

4 - CARTA AOS ROMANOS - parte 1

5 - Reflexão sobre a Carta de São Paulo aos Romanos - Parte 1

6 - Mês da Bíblia 2025 - Carta aos Romanos

7 - Carta de Paulo aos Romanos 01/06

8 - Carta de Paulo aos Romanos 02/06

9 - Carta de Paulo aos Romanos 03/06

10 - Carta de Paulo aos Romanos 04/06

11 - Carta de Paulo aos Romanos 05/06

12 - Carta de Paulo aos Romanos 06/06



 

 

 

 

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