quinta-feira, 7 de agosto de 2025

VEM AÍ O MÊS DA BÍBLIA, EM 2025, COM A CARTA AOS ROMANOS - Por Frei Gilvander

VEM AÍ O MÊS DA BÍBLIA, EM 2025, COM A CARTA AOS ROMANOS - Por Frei Gilvander Moreira1

Reprodução Redes Virtuais

Vem aí o mês da Bíblia: setembro. Por que e para quê? Primeiro, porque dia 30 de setembro é dia de Jerônimo (342-420), o grande estudioso da Bíblia nos manuscritos em hebraico e em grego e o tradutor da Bíblia para o latim, a Vulgata. Um dos pilares dos Padres da Igreja, Jerônimo colocou a Bíblia na linguagem do povo, o latim. Em segundo lugar, porque, com a Opção pelos Pobres e a Dei Verbum, um dos ótimos Documentos do Concílio Vaticano II (que aconteceu de 1962 a 1965), a leitura da Bíblia a partir dos pobres, de forma comunitária, militante, (macro)ecumênica, inter-religiosa e transformadora, foi incentivada e vem sendo feita há mais de cinquenta anos. Inicialmente com Dia da Bíblia e sucessivamente, Tríduo Bíblico, Semana Bíblica e, assim, pouco a pouco, setembro se tornou o Mês da Bíblia. 

Em setembro de 2025, por escolha da Igreja Católica, a Carta aos Romanos será o livro bíblico escolhido para estudo e reflexão no Mês da Bíblia, com o lema “A esperança não decepciona” (Rm 5,5), que nos coloca em sintonia com o Ano Santo Jubilar da Igreja Católica, proclamado pelo Papa Francisco, com o lema “Peregrinos de Esperança”. 

Na Carta aos Romanos, especialmente em Rm 13,1-14, buscando ajudar as primeiras comunidades cristãs e a nós atualmente a enfrentar dificuldades e grandes desafios, o apóstolo Paulo lança luzes sobre duas questões fundamentais: 1) COMO ENFRENTAR OU OBEDECER ÀS AUTORIDADES? 2) COMO AMAR O PRÓXIMO? 

A Carta aos Romanos nos interpela de forma crítica e criativa a acolhermos a boa nova da gratuidade da salvação e do caminho da fé de um modo que nos liberta da lei e de todo sistema religioso que se considera condição para nossa salvação. Paulo destrói a diferença entre crentes observantes, católicos praticantes e as outras pessoas que não praticam a religião. Paulo nos convida a meditar sobre a fé como Boa notícia (Evangelho de Salvação), que nos torna livres da dependência de todo sistema humano, seja social e político, seja mesmo religioso.

A Carta aos Romanos é a mais longa e densa do apóstolo Paulo. Com seus 16 capítulos, nos ajuda a viver a fé como projeto de vida nova, não para que Deus nos salve, mas exatamente porque Ele nos salvou “de graça” e nos deu o Espírito do seu Filho para nos libertar do pecado e da própria lei (Rm 8). Na segunda parte da Carta, no capítulo 13, Paulo nos dá orientações sobre como viver a fé e nos ensina a buscar luzes e forças (inspirações) que nos ajudem a lidar com as autoridades, ou seja, como enfrentar o autoritarismo nas várias áreas do exercício do poder: na política, na economia, na religião e a aprimorar o jeito libertador de amarmos o/a próximo/a nas relações interpessoais internas, nas comunidades e na sociedade. 

Como as primeiras comunidades cristãs, que receberam a Carta do apóstolo Paulo aos Romanos, lidavam com as autoridades do poder imperial, sediado em Roma? Enfrentavam-nas de “peito aberto”, denunciando suas atrocidades e violências? Ou deveriam abaixar a cabeça e engolir “a seco” as injustiças e as violências, pois se as denunciassem, provocariam um agravamento da opressão? Deveriam buscar “brechas” no sistema imperial escravocrata para sobreviver? A partir do contexto da comunidade cristã e dos desafios que enfrentavam na periferia de Roma, qual a mensagem do apóstolo Paulo? Quais as luzes e as forças – inspirações – para nós, hoje, (que) o capítulo 13 da Carta aos Romanos nos traz? 

De ponta a ponta, do Gênesis ao Apocalipse, a Bíblia mostra a caminhada de povos oprimidos e escravizados que acreditavam em um Deus, que não era neutro e nem estava acima das pessoas, como juiz julgando e condenando, mas se revelava como Javé, Deus da vida, solidário e libertador (Ex 3,7-9). Os textos bíblicos nos mostram inúmeras formas de enfrentar e lidar com os poderes opressores. Por exemplo, sob o domínio do Imperialismo dos Faraós, no Egito, por volta de 1.250 antes da Era Cristã, as parteiras – mulheres do setor de saúde pública - fizeram greve e geraram desobediência civil, política e religiosa diante de um decreto-lei (medida provisória) que, para fazer controle de natalidade, obrigava as parteiras a matarem os meninos hebreus na hora do nascimento (Ex 1,15-22). Com astúcia e esmerada sabedoria popular, as parteiras desrespeitavam e driblavam este decreto-lei violentador e deixavam nascer os meninos, entre os quais Moisés que, com as parteiras, Miriam e Aarão conduziu o processo de libertação do povo escravizado, atravessando o mar Vermelho e marchando no deserto por “40 anos”, em busca de uma “terra que corre leite e mel”, prometida por Deus.  

Por volta do ano 587 antes da Era Comum, quando viu que o povo que acreditava em Deus estava cercado e sitiado pelo brutal exército do rei Nabucodonosor, em Jerusalém, o profeta Jeremias aconselhou o povo a “se submeter” (cf. Jer 27,2.8.12.17-18), naquele momento, como tática, para não ser aniquilado pelo poderoso exército invasor do rei da Babilônia. Um passo atrás para dar dois à frente, um recuo estratégico. 

Na década de 70 do século I, o autor do Evangelho de Marcos, via de regra, denuncia as injustiças e as violências do poder político e, em alto e bom som, acusa o poder político nacional e internacional de ser o principal responsável pela condenação à pena de morte de Jesus Cristo.

Em outro contexto, na década de 80 do Século I, o Evangelho de Lucas anima as comunidades cristãs a não fazerem confronto direto com as autoridades opressoras do poder político, mas a ir infiltrando-se nas “brechas” viáveis que viabilizassem a evolução das comunidades cristãs, praticando o evangelho de Jesus, com fraternidade real, nos vários aspectos da vida. Entretanto, diante de opressão econômica, Lucas confronta e denuncia, com veemência, os exploradores econômicos, em afirmações tais como “Ai de vós ricos...!” (Lc 6,24-26), exorta ao rico que alegava ser um cumpridor dos mandamentos de Deus: “Vá, venda tudo o que tens e dá tudo aos pobres!” (Lc 18,22) e “puxa a orelha” de doutores da Lei e de fariseus: “Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês limpam o copo e o prato por fora, mas por dentro vocês estão cheios de desejos, de roubo e cobiça. 26 Fariseu cego! Limpe primeiro o copo por dentro, e assim o lado de fora também ficará limpo” (Mt 23,25-26). Conforme o Evangelho de Lucas, os principais mantenedores desse sistema desigual da cidade são os fariseus. Lucas é o único evangelista a chamá-los de “amigos do dinheiro” (Lc 16,14) e os apresenta como o inimigo número 1 de Jesus. Por quê? Porque a maior parte dos fariseus e os saduceus sustentam e reproduzem um projeto de sociedade enraizada no acúmulo e concentração de bens e poder. No Evangelho de Lucas, fariseus e saduceus são denunciados e repudiados, porque jamais se relacionam com os pobres, camponeses, mutilados, doentes etc. (cf. Lc 14,12-14). Como diz a parábola do rico esbanjador e do pobre Lázaro, já nesta vida há entre o rico e o pobre um abismo intransponível (cf. Lc 16,19-31).

Os textos apocalípticos bíblicos denunciam, através de códigos, os opressores. Fazem isso, com linguagem simbólica, de modo que as pessoas pudessem levantar a voz, ao mesmo tempo em que davam a impressão de abaixar a cabeça, para não serem reprimidas. E na Carta aos Romanos, especialmente em Rm 13,1-7, como Paulo propõe lidar com as autoridades? E por que e para que tal tipo de orientação? Isto veremos no próximo texto/vídeo, o segundo. 

07/08/25

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – ELSA TAMEZ: CARTA AOS ROMANOS É FASCINANTE, MAS DIFÍCIL DE SER COMPREENDIDA. URGE HISTORICIZAR PAULO


2 - CARTA AOS ROMANOS: LEITURA ECOFEMINISTA de Rm 8. IVONI RICHTER REIMER-EQUIPE DE PUBLICAÇÕES/ CEBI-MG

3 - CARTA AOS ROMANOS: CONTEXTO, CHAVES DE LEITURA, LIBERTAR PAULO. Por Prof. Dr. PEDRO LIMA VASCONCELOS

4 - CARTA AOS ROMANOS - parte 1

5 - Reflexão sobre a Carta de São Paulo aos Romanos - Parte 1

6 - Mês da Bíblia 2025 - Carta aos Romanos

7 - Carta de Paulo aos Romanos 01/06

8 - Carta de Paulo aos Romanos 02/06

9 - Carta de Paulo aos Romanos 03/06

10 - Carta de Paulo aos Romanos 04/06


11 - Carta de Paulo aos Romanos 05/06

12 - Carta de Paulo aos Romanos 06/06


 

ESPERAR E VIGIAR “NA NOITE” É PÔR-SE A SERVIÇO, A EXEMPLO DE JESUS QUE SERVE (Lc 12,32-48) - Por Frei Gilvander

ESPERAR E VIGIAR “NA NOITE” É PÔR-SE A SERVIÇO, A EXEMPLO DE JESUS QUE SERVE (Lc 12,32-48) - Por Frei Gilvander Moreira1

Reprodução Redes Virtuais

No Evangelho de Lucas, de Lc 9,51 a Lc 19,27, as primeiras comunidades cristãs mostram Jesus e seu movimento popular-religioso subindo da Galileia para a capital Jerusalém, indo da periferia para o centro dos poderes político, econômico e religioso. Nestes dez capítulos, segundo Lucas, Jesus qualifica a formação dos discípulos e discípulas aprimorando a vivência radical do Evangelho, que busca construir uma fraternidade real com condições objetivas de vida para todos, todas e tudo (Jo 10,10). Está neste contexto a passagem de Lc 12,32-48, que pode ser dividida em três seções: Lc 12,32-34; Lc 12,35-40; Lc 12,41-48.

Em Lc 12,32-34, temos a força dos pequenos do Reino divino. Estes três versículos estão ligados ao tema que os precede: o abandono nas mãos do Pai e da busca primordial do Reino. Os discípulos e as discípulas de Jesus são comparados a pequeno rebanho, ao qual é confiado o Reino divino. O que Jesus ensinara a pedir no Pai-nosso (cf. Lc 11,2) já está acontecendo na vida das comunidades cristãs. O Reino se manifesta a partir dos pequenos (Lc 12,32). É daí que surge a nova sociedade. De fato, as prescrições de Jesus aos discípulos e discípulas visam à construção de sociedade e história novas, dando expressão, estatura e maturidade ao Reino de Deus: “Vendam os bens e deem esmola. Façam bolsas que não se estragam, um tesouro no céu que não perde o seu valor…” (Lc 12,33-34). “Vender bens e dar esmola” é fazer justiça e viver sob o signo da partilha, o que implica desvencilhar-se do vírus da acumulação de bens.

A ênfase é colocada no modo como as pessoas seguidoras de Jesus se relacionam entre si e com os outros, isto é, na partilha dos bens cultivando relações humanas e sociais de fraternidade, de ética, de cuidado, de amor ao próximo que envolve todos os seres vivos da biodiversidade, inclusive. De fato, no Evangelho de Lucas a palavra “esmola” é muito importante. Não se trata de dar algumas moedinhas, mas de partilhar tudo o que somos e temos. Esse era o projeto de vida dos povos camponeses das aldeias, em oposição ao sistema econômico das cidades, fundado na concentração e acumulação de bens e poder. Se quisermos, em Lucas há um modelo de pessoa que dá esmola: é Zaqueu (Lc 19,1-10), que dá aos pobres 50% do que tem (cf. também Lc 3,11). É assim que o Reino cresce e se manifesta. Jesus afirma que essa riqueza não se estraga, não perde seu valor, não pode ser roubada nem consumida.

Em Lucas 12,35-40, a proposta é de vigilância ativa na espera do Senhor que serve. A prontidão é a atitude básica que caracteriza os discípulos e discípulas de Jesus: “Estejam com as mangas arregaçadas (literalmente: rins cingidos) e com as lâmpadas acesas” (Lc 12,35). Este versículo lembra de perto a noite em que o povo de Deus foi libertado da escravidão egípcia (cf. Ex 12,21). Na noite da libertação, os hebreus estavam de prontidão. A mesma coisa é pedida aos discípulos e discípulas de Jesus.

A parábola dos servos que esperam seu senhor voltar do casamento (Lc 12,36-38) serve para ilustrar a vigilância e prontidão próprias das pessoas cristãs. Estas têm uma certeza, uma utopia: O Senhor vem! Permanece, todavia, o elemento-surpresa: ninguém sabe quando virá. A parábola conserva, ainda, outro elemento-surpresa: o senhor que volta é alguém muito especial porque, ao encontrar os servos vigiando, os fará sentar à mesa e os servirá. Esse elemento-surpresa nos ajuda a passar do nível superficial ao nível profundo da parábola: o senhor é Jesus que veio para doar a sua vida (cf. o serviço de Jesus em Lc 22,27). Porém a vida que ele concede não chega a nós de mão beijada, mas através do discernimento (vigilância e prontidão) que produz vida na sociedade. Em outras palavras, é preciso “enxergar” no escuro da noite os sinais de libertação que estão acontecendo no hoje de nossa caminhada. A libertação não se espera, constrói-se! Nisso consiste a felicidade dos cristãos: “Felizes… felizes serão se assim os encontrar!” (cf. Lc 12,37.38). “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer...”, canta profeticamente Geraldo Vandré.

Lucas 12,39-40 contém outra parábola, a do ladrão que chega sem ser esperado. Deus se apresenta em nossa história de forma inusitada e, sem vigilância e prontidão, corre-se o risco de pôr a perder o dom que é feito na pessoa de Jesus. “Estejam prontos!” (Lc 12,35.40).

O que está em Lc 12,41-46 vale somente para as lideranças? A pergunta de Pedro amplia o tema da vigilância ativa: “Senhor, estás contando esta parábola só para nós, ou para todos?” (Lc 12,41). Jesus não responde diretamente à pergunta de Pedro. Em forma de pergunta, ele conta outra parábola, a do administrador fiel e responsável: “Quem é o administrador fiel e prudente que o Senhor vai colocar à frente do pessoal de sua casa para dar a comida a todos na hora certa?” (Lc 12,42). A vigilância, nessa pequena parábola, se transforma em serviço, assumindo assim sua característica peculiar. Vigiar, portanto, não é policiar a ação pastoral da própria comunidade ou das outras, e sim pôr-se a serviço, a exemplo de Jesus que serve (cf. Lc 12,37). Nessa parábola, o administrador fiel e responsável não aparece acompanhado de direitos ou de títulos, mas sim na sua característica peculiar de alguém que se põe à inteira disposição do Senhor e dos outros. Quem, pois, é esse administrador fiel e prudente que faz de sua vida um serviço pleno à comunidade?

Lucas 12,47-48: Conhecer mais para um compromisso maior. Os versículos 47 e 48 de Lc 12 são, em primeiro lugar, um alerta contra o legalismo que caracteriza os doutores da Lei e parte dos fariseus do tempo de Jesus e de todos os tempos. Eles conheciam os mínimos detalhes da Lei que apontava para uma sociedade justa e fraterna, mas acabaram criando e apoiando, à revelia da mesma, um tipo de sociedade gananciosa, opressora e corrupta. Em segundo lugar, esses versículos estimulam ao conhecimento do projeto de Deus em vista de um compromisso maior: “A quem muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será exigido” (Lc 12,48b). O que foi dado e confiado aos discípulos de Jesus? A vivência das relações humanas e sociais que efetivam o reino divino no nosso meio. “Não tenha medo, pequenino rebanho, pois foi da vontade do Pai dar a vocês o Reino” (Lc 12,32).

Enfim, é necessário estarmos atentos, preparados, esperançando! Estar vigilantes implica  em ver tudo o que fere a vida e a dignidade das pessoas e do meio em que vivemos e ter a coragem de denunciar essas estruturas de morte. Estar atentos tem a ver com ser sensíveis ao sofrimento de tantos irmãos e irmãs, vítimas de diversas formas de violência, de exclusão, de opressão, de injustiças. Assim como fez Jesus de Nazaré. Que a luz divina nos ilumine para que tenhamos a coragem necessária de abrir verdadeiramente os olhos, testemunhar o Evangelho de Jesus Cristo e cuidar da construção do Reino divino a partir do aqui e do agora.