domingo, 26 de maio de 2019

Povo do Serro, MG, se levanta: “Mineração, aqui NÃO!”

Povo do Serro, MG, se levanta: “Mineração, aqui NÃO!”
Por Gilvander Moreira[1]

Auditório da Escola municipal Mãe Carvalho lotado durante a Audiência da Comissão dos Direitos Humanos da ALMG, na cidade do Serro, no Alto Jequitinhonha, dia 21/5/2019. Fotos: Alenice Baeta.
Dia 21 de maio de 2019, dia histórico para o povo do município do Serro, na região do Alto Jequitinhonha, MG, pois durante 5,15 horas aconteceu Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG), na cidade do Serro, no grande auditório da Escola Municipal Mãe Carvalho. O objetivo dessa segunda audiência pública – houve outra antes, em Belo Horizonte, na ALMG - foi discutir as violações de direitos humanos cometidas pela empresa Herculano Mineração nos Municípios de Serro e Santo Antônio do Itambé durante a fase municipal de processo de licenciamento ambiental para a implantação de projeto minerário na região. A audiência contou com a presença das Deputadas Estaduais Beatriz Cerqueira (PT) e Andréia de Jesus (PSOL), que revelaram postura firme na defesa dos direitos étnicos e territoriais das comunidades quilombolas, garantiram o direito de fala de todas/os que quiseram se expressar e questionaram com veemência o projeto minerário que a Herculano Mineração está insistindo em instalar na região. “Onde chega a mineração acaba com as águas, com a agricultura familiar, com a qualidade de vida, cresce a violência social e a insegurança pública”, alertou Beatriz Cerqueira.
O prefeito do Serro, Guilherme Simões Neves (PP), chegou atrasado à Audiência e saiu no meio da audiência. Após ouvir várias pessoas questionarem a chegada da mineradora Herculano no município, a fala do prefeito foi deprimente, pior que Pilatos, pois em palavreado vago acabou afirmando que manterá a decisão do CODEMA[2] pró mineração da Herculano do Serro, mesmo sabendo que a decisão do CODEMA está eivada de irregularidades, ilegalidades, imoralidades e inconstitucionalidades, todas muito bem apontadas pelo prof. Dr. Mateus Mendonça, advogado da Federação Quilombola de Minas Gerais – N’GOLO. Pela fala do prefeito e de alguns vereadores ficou visível a subserviência da Prefeitura Municipal do Serro e da Câmara de Vereadores aos interesses econômicos da mineradora Herculano. Foram eleitos como representantes do povo ou do capital?
Durante a audiência pública, ficaram demonstradas e comprovadas as inúmeras violações aos direitos das comunidades quilombolas, que, segundo a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), da ONU, têm direito de ser ouvidas antes do início de projeto econômico que possa impactar seu modo de vida tradicional, por meio do instituto da Consulta Prévia. A Comunidade Quilombola de Queimadas e outras comunidades quilombolas do município não foram ouvidas antes do CODEMA decidir tentar empurrar goela abaixo o projeto minerário da Herculano Mineração, autorizando a Declaração de Conformidade, necessária para a abertura do processo de licenciamento ambiental do empreendimento junto aos órgãos ambientais. Em alto e bom som, dezenas de pessoas que falaram ao microfone deixaram claro que se a mineradora Herculano se instalar no município será o início de uma grande Sexta-Feira da Paixão para o povo, para a mãe terra, a irmã água, para a flora e fauna da região. Mineração é projeto de morte, idolátrico, satânico e diabólico. Projeto de vida passa pelo fortalecimento da agricultura familiar, preservação ambiental, turismo ecológico e cultural, respeito à história, às  territorialidades e à cultura das comunidades locais. A primeira consequência lastimável da chegada de mineradora em um município é instaurar divisão entre o povo. Como Caim, na Bíblia, muitos seduzidos pelas vãs promessas da mineradora acabam optando por um projeto de morte para os irmãos. Uns arrependerão tarde demais!
 O prof. Mateus Mendonça, da PUC/Minas, recordou: “Quero lembrar a todos que o Serro se formou a partir da mineração de ouro e diamante e, apesar de a riqueza mineral ter sido extraída pelos ancestrais dos atuais moradores das comunidades quilombolas, a elite serrana se recusou a assegurar o respeito, a dignidade e a preservação do modo de ser das comunidades quilombolas do Serro”. Ao avaliar a audiência, Mateus Mendonça pontuou: “A audiência pública do dia 21/05/2019 representou o grito dos subalternizados, que não aceitam mais os mecanismos de exclusão, opressão e exploração a que foram submetidos ao longo de toda a história do processo da construção do mundo moderno; não aceitam mais que suas vidas sejam consideradas desprezíveis e desimportantes; não aceitam mais que o projeto de desenvolvimento econômico e social da cidade do Serro desconsidere e extermine a forma de vida quilombola”.
Ao analisar o projeto de mineração no Serro da Herculano Mineração, o doutorando Frederico Gonçalves, do Instituto de Geociências da UFMG, concluiu demonstrando tecnicamente que minerar no Serro causará, sim, devastação das nascentes e desertificação da região. Mineração e água são carne e unha; não há como minerar sem devastar as águas. É mentira dizer que mineração trará impostos para o município. Trará apenas migalhas de impostos, pois a Lei Kandir isenta as mineradoras do pagamento de impostos, porque minérios, como todas as commodities para exportação, são isentos de impostos. É mentira também dizer que a mineradora Herculano gerará empregos, pois serão poucos os precários empregos a ser gerados. Muito maior será o número de famílias que migrarão para o Serro para disputar uma vaga de emprego, que normalmente é terceirizado e precário. No vizinho município de Conceição do Mato Dentro, a Polícia Federal e o Ministério Público do Trabalho libertaram quase duzentos trabalhadores submetidos à situação análoga à escravidão.
O MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração) está de parabéns pela atuação acompanhando as comunidades atingidas pelos megaprojetos de mineração. Nas/os militantes do MAM, eu vejo presente no nosso meio Jesus Cristo, Che Guevara, Martin Luther King, Gandhi, Marielle Franco, Irmã Dorothy Stang e todas/os as/os que fazem opção de classe e dedicam suas vidas, por amor ao próximo, lutando pela superação do capitalismo, essa máquina de moer vidas, e mais: construindo uma sociedade do Bem Viver e Conviver. Lindo ver o amor, o cuidado e a dedicação das/os militantes das causas socioambientais, enfim, dos direitos humanos fundamentais.
Registramos mais de 3,5 horas em vídeo, que, após edição, divulgaremos para fortalecer a luta contra esse projeto que é “dragão do Apocalipse” no meio do povo serrano e, se for instalado no Serro, em breve fustigará também Santo Antônio do Itambé e os lindíssimos lugarejos Capivari, Milho Verde, São Gonçalo do Rio das Pedras, além do Parque Estadual Pico do Itambé. Toda a audiência foi momento de muita comoção e indignação. No dia seguinte, 22 de maio de 2019, acompanhamos as Deputadas Andreia de Jesus e Beatriz Cerqueira, na visita à Comunidade Quilombola de Queimadas, quando percorremos juntamente com lideranças quilombolas lugares que fazem parte de seu território ancestral no entorno da Serra do Condado (onde se encontra a área indicada para instalação deste absurdo e covarde projeto minerário) e no vale do rio do Peixe. Lindo ver a fraternidade quilombola, a lida com a terra, a produção de alimentos saudáveis e a convivência valorizando as águas e as raízes culturais. Isso não pode ser sacrificado no altar do ídolo capital. Tive ainda a alegria de registrar em vídeo a poesia “Minha querida Serro”, de Maria Aparecida Cardoso Simões, que brotou de dentro dela na noite escura que se seguiu à reunião do CODEMA, dia 17/4/2019, que deliberou pró instalação da mineradora Herculano no município do Serro. Eis, abaixo, a poesia, que em breve, publicaremos também em vídeo.

PERDÃO, MINHA QUERIDA SERRO!

Perdão, minha querida serro.
CODEMA fez o seu papel (qual é mesmo seu papel?)
Ao final de cada dia
como sempre faço
assim registrei em meu diário: 17/04/2019.
O dia amanheceu triste
chuvoso lamurioso.
Eu, com um aperto no peito,
ouvi bem próximo
o canto da acauã,
ave agourenta,
com um presságio.
Meu pai, o que será?
Ao final do dia,
lá na praça central,
em frente à Prefeitura e à Câmara
ao ver o rosto de N. Sra. das Dores,
com uma lágrima a rolar,
ao ver seu filho sob a cruz, entendi.
Hoje, você chora, minha querida Serro.
Te apunhalaram pelas costas.
Eu sei, justo numa quarta-feira das dores.
Assim como Jesus pressentiu a traição e chorou.
Terra querida ... rasgarão suas entranhas,
te farão sangrar.
Justo você, minha querida Serro,
tão doce e hospitaleira.
A quantos você acolheu.
Quantos aqui fincaram raízes,
cresceram, floresceram e produziram frutos!
Houve comemoração, risos fartos,
mas só quem é apaixonado por ti, mãe, chorou.
Obrigada, minha querida Serro,
por me ensinar a amá-la,
por ensinar minha família a amá-la tanto.
A biologia nos ensina sobre os biomas,
os ecossistemas, a fauna, a flora e as águas.
Ah! As águas. ...
Mas é preciso ter sensibilidade,
para perceber que há magia em tudo isso.
E ser muito grato a você, meu pai,
por estes regatos a cantarolar,
essas cachoeiras a lavar a alma,
esse verde e esses lagos
que produzem a bruma fresca da madrugada.
Obrigada, minha querida Serro.
Eu me reverencio a você, mãe terra,
e imploro seu perdão,
pois não fomos fortes o bastante para lhe defender.
Obrigada, minha querida Serro,
pois aqui nasci.
Corri descalça por essas ladeiras a brincar.
Um futuro triste se abre para mim.
Como numa sexta-feira da paixão,
quando Jesus foi traído,
crucificado e morto pela humanidade.
Dá-nos forças para continuar a lutar por ti.
Muitos que não te amam,
após colherem os frutos,
arrancarem suas riquezas, alçarão voo.
mas haverá o tempo em que diante de ti,
meu pai celestial, prestarão contas.
Ai de ti!
Hoje aprendi: acauã não é ave agourenta.
Seu canto triste é o choro de um triste presságio.

Cida, bateram com a cabeça na parede os podres poderes da política, da economia e da religião que fizeram a sexta-feira da Paixão, pois Jesus de Nazaré ressuscitou ao terceiro dia. Assim também o povo serrano está acordando e se levantará cada vez mais contra esse projeto idolátrico que a Herculano Mineração insiste em empurrar goela abaixo do povo serrano. A empresa Herculano Mineração, com suas mentiras, não terá a última palavra. As forças vivas impedirão que apunhalem de morte a região serrana, seu povo, a mãe terra, a irmã água e toda a biodiversidade. Sigamos a luta de cabeça erguida!

Belo Horizonte, MG, 25/4/2019.

Obs. 1: Reportagem da TV Assembleia de MG sobre a Audiência Pública no Serro, MG, dia 21/5/2019.
As comunidades rurais do município do Serro, no Alto Jequitinhonha, e Rede de Apoio lutam contra instalação da mineradora Herculano no município. Durante audiência no município, dia 21/5/2019, foram revelados problemas no licenciamento da empresa. De cabeça erguida o povo serrano grita: "Mineração, aqui Não!" Assista à reportagem, aqui abaixo, e compartilhe. Sugerimos.

Obs. 2: As fotos abaixo ilustram o assunto tratado acima.

Antes da Audiência Pública da Comissão dos Direitos Humanos da ALMG aconteceu, na tarde do dia 21/5/2019, uma Marcha do Povo do Serro contra a chegada da mineradora Herculano no município. Com muita animação e criatividade a luta em defesa do povo, da mãe terra, da irmã água, da flora e fauna do município do Serro, MG, segue. "Mineração, aqui NÃO!", gritam todos/as. 


Ao som dos tambores a luta contra a mineração no Serro, MG, segue, sentindo a presença dos ancestrais, dos encantados e dos povos indígenas que já habitaram a região, inclusive.


Pessoas que vestiam a camisa da empresa Herculano Mineração sentaram à direito no auditório, mas no meio da Audiência, pouco a pouco todos abandonaram a audiência, sinal de que adquiriram consciência do erro grave que é apoiar a chegada de uma mineradora no município. Enfim, as cadeiras onde sentaram adeptos da mineração no Serro ficaram todas vazias na segunda metade da Audiência Pública.

Roda de Conversa na Comunidade Quilombola de Queimadas na zona rural do Serro, MG, na manhã do dia 22/5/2019, com a presença da deputadas estaduais Andreia de Jesus (PSOL) e Beatriz Cerqueira (PT).

Os/as quilombolas de Queimadas falaram às deputadas e a todos/as os/as presentes sobre seu estilo de vida tradicional e falaram com veemência contra a chegada da mineradora Herculano na região. Disseram em alto e bom som que não aceitam mineração na município, porque será o início de uma grande sexta-feira da paixão e a morte antecipada do povo, da mãe terra, da irmã água e de toda a biodiversidade.

Visão panorâmica da montanha que está sendo cobiçada pela mineradora Herculano.

Nos paredões da montanha é muito provável que há testemunhos históricos e arqueológicos. Não foram feitos estudos arqueológicos na área cobiçada pela mineradora Herculano, o que é exigido por lei.

Frei Gilvander, da CPT: "Se instalar a mineradora no município do Serro, MG, a beleza, o perfume e o encanto do cerrado serão exterminados. Isso não pode acontecer".
As Comunidades quilombolas de Queimadas, no município do Serro, MG, produzem mel. ...

Produzem milho.

Eis algumas caixas para captação do mel de abelhas, na Comunidade Quilombola de Queimadas. 

As famílias Quilombolas de Queimadas também produzem leite e queijo, projeto tradicional da agricultura serrana.

Se chegar a mineração no Serro, MG, a produção do famoso queijo do Serro será inviabilizada.




[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br             www.twitter.com/gilvanderluis             Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Conselho Municipal do Desenvolvimento do Meio Ambiente.

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