terça-feira, 29 de julho de 2025

A GANÂNCIA DE UNS ROUBA AS CONDIÇÕES DE VIDA DO POVO (Lc 12,13-21) - Por frei Gilvander

A GANÂNCIA DE UNS ROUBA AS CONDIÇÕES DE VIDA DO POVO (Lc 12,13-21) - Por frei Gilvander Moreira[1]

Reprodução Redes Virtuais

Fica mal com Deus / Quem não sabe dar / Fica mal comigo / Quem não sabe amar” (Geraldo Vandré)

Para melhor entender o texto evangélico de Lc 12,13-21 é importante ter presente que, de acordo com o evangelista Lucas, na Palestina do tempo de Jesus vigoravam dois modelos econômicos contrastantes: o sistema das aldeias no campo e o sistema das cidades.

No campo, nas aldeias, as relações humanas e sociais eram de partilha, solidariedade, troca de produtos, mutirões etc., de modo que dificilmente alguém ficava excluído do mínimo para viver com dignidade. Quem, por qualquer motivo, acabasse excluído desse sistema não teria outra solução senão ir para as cidades, tentar sobreviver de bicos na informalidade ou tornar-se mendigo, assaltante…

O sistema de relações econômicas das aldeias contrastava com o das cidades. Desde o século 4º antes da Era Cristã, a dominação do império grego privilegiava a cidade com sua burocracia e elite político-econômica, em prejuízo dos camponeses, que deviam sustentar todo esse aparato burocrático, o luxo e os privilégios de quem dominava os povos a partir da cidade. Desse modo, a cidade se tornou lugar em que poucos tinham acesso ao topo da pirâmide social, gerando consequentemente um subproduto social composto de desempregados, mendigos, ladrões, assaltantes etc. (A parábola dos “operários da vinha”, a do reino divino é vida, em Mt 20,1-16, mostra que, no fim do dia, a praça da cidade continuava cheia de pessoas, pois “ninguém nos contratou”, alegam os marginalizados.)

Está, dessa forma, estabelecido o contraste: no campo (nas aldeias), com esforço, mantém-se um sistema de relações econômicas baseado na troca e na partilha (e isso quase sempre impede que os endividados caiam na miséria e virem mendigos ou bandidos), ao passo que nas cidades acontece o contrário: aí vale a lei do mais forte, daquele que teve melhores oportunidades, gerando consequentemente a exclusão e a marginalidade, acompanhadas de suas crias: mendicância, violência, roubo etc.

Conforme o Evangelho de Lucas, os principais mantenedores desse sistema desigual da cidade são os fariseus. Lucas é o único evangelista a chamá-los de “amigos do dinheiro” (Lc 16,14) e os apresenta como o inimigo número 1 de Jesus. Por quê? Evidentemente porque estão em jogo duas propostas de sociedade: uma fundada na partilha solidária, vivida entre os/as camponeses/sas e assumida por Jesus. Ele a propõe aos discípulos e discípulas como caminho que conduz ao Reino de Justiça, amor e paz. A outra alternativa é a proposta da sociedade, vivida pela sociedade dominante, enraizada no acúmulo e concentração de bens e poder, cujos defensores principais são os fariseus, “amigos do dinheiro”. No Evangelho de Lucas, essas pessoas jamais se relacionam com os pobres, camponeses, mutilados, doentes etc. (cf. Lc 14,12-14). Como diz a parábola do rico esbanjador e do pobre Lázaro, já nesta vida há entre o rico e o pobre um abismo intransponível (cf. Lc 16,19-31).

O Evangelho de Lucas 12,13-21 inicia com o pedido de alguém do meio da multidão: “Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo” (Lc 12,13). Lucas não identifica a pessoa que fez o pedido. É sinal de que muita gente está sentindo a necessidade de que lhe seja feita justiça.

Certamente, essa pessoa que pede a Jesus para ser juiz nessa disputa pela herança pertence ao sistema de relações da cidade, fundado na concentração de bens. A herança soa como resultado de concentração de bens. E Jesus não se põe do lado da concentração, mas da partilha.

 É justo esperar que Jesus faça a distribuição dos bens de herança? (Lc 12,13-15). A resposta de Jesus parece desencorajar qualquer clamor: “Homem, quem me encarregou de julgar ou de dividir os bens entre vocês?” (Lc 12,14). É evidente que a resposta deve ser: “Ninguém!” A partir disso, entre nós, na Igreja, muita gente tira conclusões apressadas: “Está vendo? Jesus não se importou com o clamor por justiça. Os que associam Evangelho de Jesus Cristo e justiça social são traidores da mensagem de Jesus”, afirmam os cristãos que tentam justificar sua vida baseada na acumulação de riqueza.

De fato, se Jesus não tivesse acrescentado mais nada, poderíamos dormir tranquilos diante das injustiças sociais que assolam brutalmente nossa sociedade. Contudo, Jesus acrescentou uma advertência e contou uma parábola que interpela nossa consciência. Elas são como uma fisga que pega a todos e todas desprevenidos: “Atenção! Tenham cuidado com todo tipo de ganância, porque mesmo que alguém tenha muitas coisas, o sentido da vida do homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12,14). Com essa advertência, Jesus põe a nu o que estava escondido. Por trás da não-partilha esconde-se a ganância do acúmulo de bens e a consequente perda do sentido da vida que ela gera, tanto para quem acumula, quanto para os que são despojados.

O Evangelho de Jesus diz que acúmulo é loucura (Lc 12,16-21). A parábola é um alerta. Acumular bens e poder é loucura. Não garante a vida de ninguém. De fato, a parábola afirma que o homem já era rico antes de obter uma grande colheita (Lc 12,16). E pelo fato de a colheita ser grande, temos a impressão de que era dono de grandes propriedades, possuidor de celeiros onde acumulava o produto do campo. Ele não pensa naqueles que trabalharam em suas terras a fim de que a colheita fosse abundante. O que planeja é derrubar os celeiros antigos a fim de construir outros maiores para lá armazenar todo o trigo, junto com os seus bens (Lc 12,18). Mais uma vez não pensa naqueles que irão trabalhar para derrubar os velhos armazéns e construir os novos. Ele só pensa em acumular bens para ter vida: “Então poderei dizer a mim mesmo: ‘Meu caro, você tem um bom estoque, uma reserva para muitos anos; descanse, coma, beba, alegre-se!’ ” (Lc 12,19).

O homem da parábola é louco, pois sua riqueza foi construída sobre colunas de injustiça e violência. Por um lado, despojou outros trabalhadores: produziu, derrubou, construiu e acumulou com o suor dos trabalhadores; quer descansar, comer, beber e alegrar-se por longos anos à custa do trabalho de outros e da fome, sede e tristeza dos outros. Esse homem é louco também, porque pretende se tornar absoluto, pensando ter garantido a vida. Mas a vida é dom de Deus. E Deus não se deixa comprar: “Louco! Nesta mesma noite você vai ter que devolver a sua vida. E as coisas que você preparou, para quem vão ficar?” (Lc 12,20).

Deus quer todos e todas tenham vida em abundância (Jo 10,10). O bem-estar de alguns, conseguido à custa da injustiça e da exploração de outros, não é dom de Deus e nem pode ser chamado de vida, pois esta vem de Deus e se destina a todos e todas. A vida é para ser partilhada.

“O que fazer?” Esta era a pergunta a que o homem rico levantou segundo os critérios da ganância. É a mesma pergunta que a parábola faz a cada um de nós: “O que fazer?” Um pouco adiante Jesus dirá: “Busquem o Reino de Deus, e ele dará a vocês essas coisas em acréscimo” (Lc 12,31), pois o Reino de Deus é a vida que se manifesta na partilha de tudo o que temos e de tudo o que somos.

Lucas 12,13-21 nos faz pensar se o repasse de herança para as pessoas herdeiras é algo justo. Varia muito o imposto sobre herança nos países. Na Bélgica, o imposto sobre herança pode chegar a 80% do valor da herança; na França, pode chegar a 60%; no Japão, até 55%; na Alemanha, até 50%; na Coreia do Sul, até 50%; no Líbano, até 45%; nos Estados Unidos, até 40%; nos Países Baixos e Reino Unido, até 40%. No entanto, no Brasil, o imposto sobre herança varia entre 2% e 8%, dependendo do estado. Sem taxar de forma justa os super-ricos no Imposto de renda e na herança, a desigualdade socioeconômica vai se reproduzindo. Especialmente na sociedade capitalista como a nossa, o mínimo que devia existir é o imposto sobre herança com alíquota de 50% e destinado às áreas sociais para melhorar a vida do povo empobrecido. O justo seria a herança ser partilhada entre todos os filhos e filhas – a sociedade inteira – e não apenas com os filhos de uma família nuclear.

Lucas 12,13-31 nos mostra que é impossível ser pessoa cristã autêntica e ser capitalista ao mesmo tempo, pois para ser discípulo/a de Jesus Cristo é preciso viver sob a lógica da partilha, da justiça, da ética e da solidariedade com todos e todas. “Para não ficar mal com Deus é preciso dar” e se doar para poder amar, conforme canta Geraldo Vandré. Por outro lado, o sistema capitalista se reproduz pela lógica da ganância que impulsiona a busca desenfreada pela acumulação de bens e poder, o que desumaniza as pessoas, tornando-as egocêntricas e ensimesmadas.

Jesus propõe aos discípulos e discípulas acumular “riquezas em Deus”. No próximo domingo, 10 de agosto, a Igreja celebra a memória de São Lourenço, diácono da Igreja de Roma, no século III. Na perseguição do imperador Valério, os algozes que o prenderam queriam que ele mostrasse onde ficava o tesouro da Igreja. Ele apontou para os pobres e disse: “Os pobres são o tesouro da Igreja”. Que hoje também a comunhão com os empobrecidos seja nossa riqueza e nosso tesouro.  

Lucas nos mostra Jesus apresentando claramente a ordem econômica e social do Reino de Deus: um reino fundamentado na fraternidade que gera partilha, justiça, solidariedade, cuidado uns com os outros, sem acúmulo de riquezas, sem exploração, onde todos e todas tenham o necessário para viver com dignidade. 

Oxalá toda a Igreja beba da sua própria fonte, volte a Jesus, se deixe iluminar pelo Evangelho de Cristo e por seus próprios ensinamentos. A atenção com os pobres está na tradição da Igreja. Veja, por exemplo, um trecho de homilia de Santo Ambrósio, Padre da Igreja nos primeiros séculos do Cristianismo: "Não é dos teus bens que tu doas ao pobre; tu só lhe devolves o que lhe pertence. Porque é àquilo que é dado em comum para o uso de todos que tu te apegas. A terra é dada a todos, e não somente aos ricos". Suas palavras inspiraram o Papa Paulo VI a afirmar na Encíclica Populorum Progressio, de 1967, que a propriedade privada não constitui para alguns um direito incondicional e absoluto, e que ninguém está autorizado a reservar para o seu uso exclusivo aquilo que supera a sua necessidade, quando aos outros falta o necessário. Portanto,  lutar por essa riqueza que é o Reino de Deus, tão bem apresentado neste Evangelho de Lucas 12,13-21, deve ser a missão de todos os cristãos e cristãs, em comunhão com todas as pessoas de boa vontade. 

 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Ocupações Urbanas; autor de livros e artigos. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       Canal no You Tube: https://www.youtube.com/@freigilvander      –    No Instagram: @gilvanderluismoreira - Facebook: Gilvander Moreira III

sexta-feira, 6 de junho de 2025

POR QUE O PL 2159/2021 É PL DA DEVASTAÇÃO SOCIOAMBIENTAL? Por frei Gilvander

POR QUE O PL 2159/2021 É PL DA DEVASTAÇÃO SOCIOAMBIENTAL? Por frei Gilvander Moreira[1]

Ato Público e Marcha contra o PL 2159/2021 em Belo Horizonte, MG, dia 01/06/25. Foto Reprodução CSP Conlutas

Logo após aprovação no Senado Federal do Projeto de Lei n. 2159, que tinha sido aprovado em 2021 na Câmara Federal, este PL brutal e exterminador das condições objetivas de vida terá que ser votado novamente pela Câmara Federal, porque o PL sofreu várias alterações drásticas para pior no Senado.

Dia 31 de maio último (2025), iniciaram-se em dezenas de cidades brasileiras Atos Públicos e Marchas exigindo que este PL 2159 seja arquivado e jogado na lata de lixo da história, pois, em tese, considerado LEI GERAL DO LICENCIAMENTO, trata-se, pelo seu teor e conteúdo, de PL DA DEVASTAÇÃO SOCIOAMBIENTAL, porque, na prática, impõe o fim do regramento legal do Licenciamento Ambiental, impõe o LICENCIAMENTO ZERO. Se for aprovado e sancionado pelo presidente Lula e não for derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) será porteira escancarada para a “BOIADA DAS BOIADAS”, o PL do “VALE TUDO” para o grande capital – grandes empresas nacionais e transnacionais e o Estado – implantarem ditadura sobre os Povos que resistem no território brasileiro e sobre a Natureza – fim dos Direitos da Natureza -, além de acelerar a marcha bárbara do capitalismo para a extinção da humanidade.  

O PL 2159 é flagrantemente inconstitucional, pois viola muitos artigos da Constituição de 1988. O conteúdo deste PL está na direção contrária do que prevê a Constituição Federal sobre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado . Precisa ser respeitado o Art. 225 da CF/88 que diz: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações." 

Qual o teor e o conteúdo deste famigerado e desumano PL 2159? Em linhas gerais, este PL reduz obrigações das empresas e do Estado nas suas grandes obras, dilui o poder da fiscalização, ignora os Territórios Tradicionais, implode a base regulatória do Licenciamento Ambiental em vigor.

Mudanças Recentes (feitas pelo Senado Federal) no PL 2159: A) Introdução da Licença Ambiental Especial (LAE), que libera de modo mais rápido projetos considerados prioritários para o governo federal. A “toque de caixa”, os projetos serão liberados sem os necessários estudos de impacto socioambiental. B) Inclusão da mineração de médio porte e alto risco. Urge proibir também o fatiamento de grandes projetos em vários pequenos ou médios projetos para driblar um Licenciamento Ambiental rigoroso.

O que muda no Licenciamento Ambiental com o novo PL da Devastação: a) Não define atividades sujeitas a licenciamento, transferindo para os estados e municípios a decisão sobre o que deve ou não ser licenciado. É previsível o que vai acontecer, diante de uma realidade de prefeitos no cabresto de grandes empresas, que quase sempre dão uma de Pilatos e “lavam as mãos”, ficando com as mãos cheias de sangue invisível a olho nu, pois a omissão se torna cumplicidade diante dos projetos devastadores do ambiente; b) Cria a Licença Ambiental Única (LAU), atestando em uma única etapa a viabilidade da instalação, ampliação e operação, em que aprova as ações de controle e monitoramento ambiental, estabelecendo condicionantes ambientais; No atual regramento, o Licenciamento deve acontecer em três etapas com as Licenças Prévia, de Instalação e de Operação, sendo que a cada Licença são determinadas condicionantes que devem ser cumpridas para a obtenção para próxima licença. A criação da Licença Única será na prática extinção das três licenças, pois será arremedo de licença só para pôr uma capa de legalidade em projetos brutais de devastação socioambiental; c) Expande a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para médio porte e médio potencial poluidor – o autolicenciamento do empreendedor/empresa/Estado. Legalizar autolicenciamento é colocar “raposa para cuidar do galinheiro” e viola flagrantemente os Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais que, além dos direitos inscritos na Constituição Federal, têm direito à Consulta Prévia, Livre, Informada, de Boa-Fé e Consentida, conforme prescreve a Convenção 169 da OIT[2] da ONU[3], homologada pelo Brasil desde 2004; d) Dispensa o licenciamento para atividades do agronegócio: pecuária extensiva, semiextensiva, intensiva de pequeno porte, além de obras de saneamento básico, rede elétrica de média tensão e melhorias de obras preexistentes; e) Dispensa Estudos e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) de empreendimentos que o órgão ambiental considerar livre de impacto (sem regra). Ou seja, fica legalizado o negacionismo e dispensados os estudos técnicos científicos que tanta luz trazem sobre os projetos devastadores; f) Restringe o rol condicionantes; g) Reduz a participação dos órgãos colegiados: retira atribuições técnicas e normativas do SISNAMA[4], CONAMA[5] e dos Conselhos Estaduais; g) Reduz a participação de órgãos técnicos e a proteção a áreas de conservação (FUNAI[6], IPHAN[7], outros), pois seus pareceres não serão mais vinculantes (deliberativos), mas apenas consultivos; h) Ignora Territórios de Povos e Comunidades Tradicionais (inclui apenas Terras Indígenas homologados e Territórios Quilombolas titulados), ou seja, mais de 90% das Terras Indígenas e dos Territórios Quilombolas serão ignorados, por não ser homologados e nem com territórios titulados; i) Diminui a participação social (só uma Audiência Pública “para inglês ver”!); j) Desvincula o Licenciamento Ambiental das outorgas para o uso da água e do solo, ou seja, o abastecimento humano, que é prioritário, não será garantido (vem aí a guerra pela água!); l) Não são considerados os planos de bacias hidrográficas, a escuta dos Comitês de bacias e os Conselhos Estaduais e Federais de Recursos Hídricos. 

Enfim, quem ganha com o PL 2159, o PL da Devastação? Sem dúvida, a Bancada Ruralista, Bancada da Bala, do Boi e da Bíblia; grandes corporações nacionais e transnacionais (mineradoras, grandes empresários do agro e hidronegócio, negacionistas climáticos e o Estado serviçal da classe dominante). E quem perde muito com o PL 2159? Os Povos Originários, os Povos Tradicionais, a sociedade em geral e a Natureza, porque, se aprovado e sancionada lei com o teor do PL 2159, a desertificação dos territórios se intensificará, os eventos extremos serão cada vez mais frequentes e brutalmente letais. Os povos serão expropriados e forçados a migrar sem ter para onde ir. Será o caos social, com violência generalizada, miséria, fome, adoecimento descomunal, irrupção de epidemias... As condições ambientais que garantem a reprodução da vida social serão rompidas. Estaremos no desfiladeiro do fim da humanidade. O que resta dos biomas da Amazônia, do Cerrado, da Mata Atlântica, do Pantanal, da Caatinga e dos Pampas será liquidado.

Neste PL não há menção à crise climática nem à palavra clima. Ignora-se de forma criminosa o grito estridente das sirenes da Emergência Climática.[8] Se 2024 foi o ano que teve o maior número de pessoas desalojadas por terem sido golpeadas pelos eventos extremos, um milhão de pessoas, a história vai demonstrar que a cada ano o número será muito maior, pois crescerá em progressão geométrica. É absurdo dos absurdos nos preparativos para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – Conferência das Partes – (COP-30) destruir na prática o regramento do Licenciamento Ambiental. O                                                retrocesso ambiental será incomensurável.

Concordamos com a análise pertinente feita pelo advogado popular Dr. Elcio Pacheco: “O Projeto de Lei 2159/2021, o “PL da Devastação”, às vésperas da COP 30, é um escárnio e acinte ao arcabouço do direito  da natureza  e ao  direito  ambiental! As mudanças nos processos de Licenciamento Ambiental, cujas propostas estabelecem, entre outras violações, a dispensa de licenciamento, a facilitação e flexibilização das exigências, bem como a  ampliação do uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) a empreendimentos de médio potencial poluidor, em caráter  unilateral  a exemplo da  autodeclaração do empreendedor/empresa/Estado, desprezando  análises  técnicas, como Estudos e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) é  um estelionato ao sistema protetivo do meio ambiente.  ISTO É, não haverá o critério científico  ou não passará pelo crivo  de análises  dos impactos  socioambientais. RESULTARÁ com isso, que o Licenciamento Ambiental mais preciso se afastará de importantes regras inibidoras de desvios técnicos  ou premiará  meros interesses  econômicos  em brutal prejuízo  à vida. Esse maldito PL visa suprimir ou flexibilizar a outorga do uso das águas. VISA suprimir e fragilizar a participação social e os direitos  territoriais de  todos  os  Povos e  Comunidades Tradicionais.

 Por fim, reputamos que é mais que URGENTE exigirmos ao STF fazer o controle de constitucionalidade desse famigerado PL, visto que viola, ao mesmo tempo,  o direito  à  vida e a Consulta  Prévia,  Livre, Informada, de Boa-Fé e Consentida, consagrado  na Convenção 169 da OIT da ONU e em Pactos e Acordos  em nível  nacional  e internacional.”

Feliz e bendito quem se opõe radicalmente ao PL 2159/2021, na iminência de ter aprovação concluída no Congresso Nacional, Projeto de Lei inconstitucional que desmonta as leis de Licenciamento Ambiental abrindo a porteira para a boiada do agronegócio, das mineradoras e do Estado capitalista para acelerar a colocação no altar do sacrifício territórios essenciais para a garantia das condições de vida dos Povos e de toda a biodiversidade.

06/06/2025.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - BH E MG CONTRA PL 2159/2021, DEVASTAÇÃO SOCIOAMBIENTAL, EXTERMINADOR DO FUTURO, DESERTIFICADOR. NÃO!



2 - PL 2159/2021: PL DA DEVASTAÇÃO SOCIOAMBIENTAL, EXTERMINADOR DO FUTURO, DESERTIFICADOR DE TERRITÓRIOS



3 - PL 2159, PL DA DEVASTAÇÃO SOCIAMBIENTAL, INCONSTITUCIONAL, FIM DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL. Vídeo 1



4 - PL 2159, DEVASTAÇÃO SOCIAMBIENTAL, IMPÕE DITADURA DO GRANDE CAPITAL SOBRE AMBIENTE E OS POVOS. Víd 2



5 - PL 2159, PL DA DEVASTAÇÃO SOCIAMBIENTAL, INCONSTITUCIONAL, FIM DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL. Vídeo 01



6 - UFMG, Raquel/Marcos/Andrea: “PL 2159/2021 DESTROÇA O LICENCIAMENTO AMBIENTAL, É AMEAÇA À HUMANIDADE"



7 - MINERAÇÃO NO BOTAFOGO, NÃO! OURO PRETO/MG CONTRA PL 2159/2021, PL DA DEVASTAÇÃO SOCIOAMBIENTAL. Vid2



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Ocupações Urbanas; autor de livros e artigos. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       Canal no you tube: https://www.youtube.com/@freigilvander      –    No instagram: @gilvanderluismoreira - Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Organização Internacional do Trabalho.

[3] Organização das Nações Unidas.

[4] Sistema Nacional do Meio Ambiente.

[5] Conselho Nacional do Meio Ambiente.

[6] Fundação Nacional dos Povos Indígenas.

[7] Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

[8] Fonte Principal de consulta: SUMAÚMA - Diário de Guerra (28/05/25).

 

quinta-feira, 29 de maio de 2025

ASCENSÃO E EXALTAÇÃO DE JESUS: O PROJETO DE JESUS CONTINUA NA PRÁXIS DAS PESSOAS E COMUNIDADES (Lc 24,46-53; At 1,9-11) - Por frei Gilvander

ASCENSÃO E EXALTAÇÃO DE JESUS: O PROJETO DE JESUS CONTINUA NA PRÁXIS DAS PESSOAS E COMUNIDADES (Lc 24,46-53; At 1,9-11) - Por frei Gilvander Moreira[1]

Jesus negro. Reprodução Redes Virtuais

Antes da separação da obra lucana – Evangelho de Lucas (Lc) e Atos dos Apóstolos (At) - só existia o relato da Ascensão em Lc 24,50-53. Após a separação de Lucas e Atos, acrescentaram outra referência à Ascensão em At 1,1-2.9-11. A tradição original comum apresenta a ressurreição de Jesus como uma exaltação (cf. Rm 1,4; Fl 2,6-11, etc.). Só o evangelista Lucas fala da Ascensão, separando-a da ressurreição. Ele quer evidenciar o caráter histórico de cada uma dessas realidades. Lucas insiste na corporalidade do ressuscitado. Na Ascensão, uma linguagem mítica expressa a realidade histórica da exaltação/glorificação de Jesus. Com a Ascensão, Lucas quer dizer que Jesus não vai embora, mas é exaltado, glorificado. Jesus não sai deste mundo. A parusia não é o retorno de um Jesus ausente, mas, sim, a manifestação gloriosa de um Jesus que sempre esteve presente no meio das comunidades (cf. Mt 1,23; 18,20; 28,20). “Estou e sempre estarei com vocês”, enfatiza o Evangelho de Mateus.

As Comunidades Cristãs não nascem, porque Jesus vai embora ou porque não retorna, mas nascem justamente porque o ressuscitado não vai embora. Após a Ressurreição, Jesus continua presente na ausência física e no corpo dos cristãos e das cristãs. As Comunidades Cristãs não são frutos de uma parusia frustrada, mas de uma presença amorosa de Jesus, vivida de maneira histórica, não como presença visível e empírica, mas como presença transdescendente vivida na história. No livro dos Atos dos Apóstolos, as comunidades eclesiais são igrejas escatológicas não porque esperam a segunda vinda de Jesus, mas porque vivem desde já, historicamente, a experiência de Cristo ressuscitado e glorificado, no mundo e nas comunidades (cf. aparições de Jesus ressuscitado a Estevão, Pedro e Paulo e a experiência permanente do Espírito Santo nas comunidades).

A cena da Ascensão, sem paralelos no Evangelho de Mateus e no Evangelho de João, representa é o clímax dos relatos de aparições de Jesus que começam em Lc 24,36. Em Mc 16,19 há alguma semelhança. A descrição da Ascensão foi pintada com traços apocalípticos. Tendo o Primeiro Testamento como pano de fundo, encontramos algumas histórias de "Ascensão", como se pode ver nos casos de Enoc (Gn 5,24; Eclo 44,16; Hb 11,5); Elias (2 Rs 2,11; Eclo 48,9; 1 Mac 2,58), Esdras (2 Esd 14,9) e Moisés.

Em Lc 24,51 se diz que Jesus "foi elevado" (= anephereto), enquanto em Mc 16,19 se diz que Jesus "foi tomado" (= anelemppthe). Esse verbo ressalta mais a iniciativa e o poder de Deus, enquanto "foi elevado" (= anephereto) sugere mais iniciativa e poder de Jesus; sugere que Jesus atinge a plenitude humano-divina. O quarto Evangelho canônico, o do discípulo amado, comumente chamado de Evangelho de João, diz que Jesus apareceu a Maria Madalena antes da Ascensão (Jo 20,17). Lucas relata também que depois da Ascensão Jesus aparece a Paulo (At 9,4-6; 22,6-11; 26,14-17).

Segundo o Evangelho de Lucas, a Ascensão acontece na noite de Páscoa (cf. Lc 24,51; At 1,2). No entanto, conforme o relato de At 1,9-11, a Ascensão acontece "40 dias depois". Não é possível saber por que Lucas deu essas indicações de dois momentos diferentes para o relato do episódio da Ascensão. Não existem razões para pensar que Lucas considere como sendo dois episódios diferentes[2]. Não é provável que Lucas tenha descoberto a data de "40 dias" depois que tenha escrito o Evangelho.

A Ascensão é a plenitude da Páscoa de Jesus Cristo. Já em Lc 9,31.51, Moisés e Elias conversavam sobre o êxodo de Jesus. Com a Ressurreição-Ascensão, Jesus entra definitivamente na esfera de Deus, celestial[3]. A expressão grega "eis ton ouranon" pode ser traduzida por "para o seu céu", ou "no céu", ou em sentido aramaico por “no universo”. Logo o que Lucas quer dizer é que Jesus atinge a Transcendência. Não afirma que esta se dá no além, depois das nuvens, mas está principalmente na imanência. Somos um projeto infinito, com sede de transcendência, com vocação para superar os nossos limites e barreiras. Logo, a Ascensão é a coroação da caminhada libertadora do Filho do Homem. Os cristãos e as cristãs têm nesse evento um sinal-esperança capaz de sustentar a árdua tarefa de serem testemunhas desses acontecimentos, sendo outros cristos.

As pessoas cristãs são testemunhas do cumprimento das Escrituras (Lc 24,45-48). O Espírito Santo traz luz para reler as Escrituras e é chamado "Força do Alto". Já em Lc 1,35 se diz que pela "Força do Alto" Jesus se encarnou no seio de Maria. Agora, por essa mesma força, Jesus se encarnará na vida de seus seguidores e seguidoras. À luz desse Espírito, os cristãos e as cristãs são capazes de desmascarar e destruir as estruturas geradoras de morte, a fim de construir a nova história inaugurada pela prática e ensinamento libertadores de Jesus.

Jesus abençoa e dá vida (Lc 24,50-51). Usando imagem própria do tempo, segundo a qual se pensava que Deus habitasse além das nuvens, Lucas descreve Jesus sendo levado para o céu (Lc 24,51). A cena recorda Lv 9,22-24: "Arão levantou as mãos sobre o povo e o abençoou; e desceu, havendo feito a expiação do pecado, e o holocausto, e a oferta pacífica... Arão entrou na tenda da reunião.... e a glória do SENHOR apareceu a todo o povo... vendo todo o povo, jubilou e prostrou-se com o rosto por terra". Assim Lucas reafirma a continuidade das primeiras comunidades cristãs com a fina flor dos povos do Primeiro Testamento bíblico.

À semelhança dos povos do Primeiro Testamento (cf. Lv 9,24), a reação dos discípulos é de reconhecimento, expectativa e alegria: "Eles o adoraram e depois voltaram para Jerusalém, com grande alegria" (Lc 24,52). Reconhecem que Jesus realizou o projeto do Pai. E por isso é merecedor de adoração, que não é ficar de joelhos, paralisado diante do Senhor de nossas vidas, mas é associar-se ao projeto do Mestre Galileu sendo pessoas continuadoras criativas do Evangelho de Jesus Cristo. Vão a Jerusalém, alegres e com coragem, na expectativa de receberem a “força e a luz do Alto”, para continuarem a luta libertária iniciada pelo mestre da Galileia.

Vivem alegres porque Jesus não lhes foi tirado: ele se manifestará no seu Espírito, o animador e sustentador da caminhada dos cristãos e cristãs. A Ascensão de Jesus não é uma viagem para além das nuvens, mas a comunhão definitiva e plena com Deus, um mistério infinito de amor que envolve e perpassa toda a Criação.

A informação “Jesus sendo elevado” é uma importante afirmação cristológica, pois reflete a convicção das Igrejas primitivas que Jesus realmente ressuscitou, se tornou Senhor, Kyrios, está na presença do Pai.

Em At 1,9-11, na narrativa da Ascensão, Lucas conta a exaltação de Cristo ressuscitado. É composição lucana, possivelmente a partir de fonte oral. Os sinópticos descrevem somente a ressurreição. O evangelho apócrifo de Pedro também descreve a Ascensão (§35-42). A Ascensão é entendida como a última aparição “convincente” de Jesus. Lucas enfatiza a visão perceptiva de Jesus subindo; cinco verbos indicam isto. Assim os apóstolos se tornam testemunhas oculares da exaltação de Cristo. “Dois homens vestidos de branco” dizem “homens galileus...” e não dizem “apóstolos”. Também em Emaús Jesus aparece não aos apóstolos, mas a duas pessoas que têm a experiência de Jesus Cristo ressuscitado e voltam para Jerusalém. O Cristo que sobe inaugura o tempo da/s igreja/s. Com a Ascensão, à primeira vista, pensamos que Jesus “foi embora”, mas, na realidade mais profunda, o texto quer dizer que Jesus não foi embora. Ele continua vivo no corpo dos discípulos e discípulas.

Em At 1,9 fala do arrebatamento de Jesus. A referência à nuvem, símbolo teofânico, afirma que Jesus pertence definitivamente à esfera de Deus. É a certeza da comunidade de que Jesus cumpriu perfeitamente a vontade do Pai. Contudo, não basta sabê-lo. Torna-se necessário descruzar os braços, deixar de olhar passivamente para o céu, encarar a realidade que nos cerca, perceber que somos todos “homens da Galileia”, comprometidos com o testemunho de Jesus (At 1,10-11). O texto da Ascensão termina fazendo referência à volta de Jesus, da mesma forma como foi visto partir para o céu, ou seja, pelo testemunho coerente do Evangelho de Jesus Cristo.

Com a Ascensão, "Jesus não foi embora". Mesmo na ausência física, continua presente nas comunidades que se deixam guiar pelo Espírito Santo. Sua nova forma de presença na ausência física já se manifesta na encarnação e na ressurreição. Ele deve somente terminar de voltar e não começar a voltar, ou seja, manifestar visivelmente e de forma plena a sua presença. Isso é o que em grego se chama parusia.

Enfim, pela Ascensão Jesus passa o bastão para os discípulos e discípulas que, com alegria e coragem, devem seguir testemunhando a presença amorosa e libertadora do mestre galileu construindo o reinado divino. A presença de Jesus se dá pela autenticidade de seus discípulos e discípulas. Conclusão: carregar a bandeira do Evangelho é tarefa intransferível nossa.

É evidente a nossa responsabilidade pela presença do Reino na vida de todas as pessoas, no meio de nós, além de nos iluminar no sentido de que devemos rever nossa prática da fé, se estamos testemunhando com coerência o Reino de Deus pensado por Jesus em todas as dimensões da vida,  como presença de sua proposta de libertação, de vida digna para todos e todas e toda a criação. Conforme o testemunho do quarto evangelho (João 17), um primeiro e importante sinal disso é a unidade das Igrejas cristãs. Por isso, entre esse domingo, festa da Ascensão e o próximo, Festa de Pentecostes, celebramos a Semana de Oração e de Diálogo pela Unidade dos Cristãos. “Pai que todas as pessoas que vierem a crer em mim sejam UM, como Eu e Tu somos um, para que o mundo creia que Tu me enviaste” (Jo 17, 21). Unidade na diversidade, sim; uniformismo, não!

29/05/2025.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - SEM TERRA FUNÇÃO SOCIAL P/ TERRA OCIOSA DA SIDERÚRGICA CAJURUENSE FALIDA, PRES. OLEGÁRIO/MG. Vídeo 7



2 - CARLITO E CIDA, EXEMPLO DE LUTA PELA TERRA: ACAMPAMENTO SANTA FÉ, PRESIDENTE OLEGÁRIO, MG. Vídeo 6



3 - PRÉ-JORNADA DE AGROECOLOGIA, TEIA DOS POVOS E MLB, NA OCUPAÇÃO PAULO FREIRE, BH/MG: MINERAÇÃO, NÃO!



4 - FÉ NA LUTA PELA TERRA: MÍSTICA BÍBLICA NA: ACAMPAMENTO SANTA FÉ, PRESIDENTE OLEGÁRIO, MG. Vídeo 4




[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Ocupações Urbanas; autor de livros e artigos. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       Canal no you tube: https://www.youtube.com/@freigilvander      –    No instagram: @gilvanderluismoreira - Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Cf. P. BENOIT, "The Ascension", 242; Exégèses et Théologie, 1.399.

[3] Cf. Aristóteles, Metafísica, 12.8 & 1073a.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

TSUNAMI DAS MINERADORAS E DO AGRONEGÓCIO: INDO DE ENCONTRO AO ABISMO? Por frei Gilvander

TSUNAMI DAS MINERADORAS E DO AGRONEGÓCIO: INDO DE ENCONTRO AO ABISMO? Por frei Gilvander Moreira[1]

O distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, MG, foi completamente devastado pela lama tóxica da barragem de Fundão, das mineradoras Vale, BHP Biliton e Samarco. O brutal crime continua se reproduzindo de muitas formas. Foto Reprodução Redes Virtuais.

Feliz quem observa os sinais dos tempos e dos territórios, e de forma cidadã convive e luta pela preservação das condições objetivas de vida para toda a Comunidade de vida, entre os quais estamos nós, os humanos. Em um olhar panorâmico sobre Minas Gerais, vemos a mineração devastadora avançando como um tsunami desenfreado nas Minas e nos Gerais. Na entrada de Ouro Preto, patrimônio mundial da humanidade e palco de mais de 300 anos de mineração, na Serra de Ouro Preto, território sagrado, berço das águas e de memórias ancestrais, estão oito mineradoras se instalando, entre elas a Patrimônio Mineração, estão cercando e sitiando Ouro Preto. Se não fosse a brutal devastação socioambiental, histórica e arqueológica que causam, só o fato de se instalarem na chegada de uma cidade histórica e turística como Ouro Preto, já seria motivo para proibir a instalação delas, mas autoridades municipais, estaduais e federais continuam se vergando ao poderio das mineradoras.

No município de Itabirito, onde a mineradora Vale S/A já devastou toda a região do eloquente Pico do Itabirito chegando ao absurdo de um engenheiro da Vale propor construir um Pico de concreto em substituição ao Pico natural de Itabirito, construído nas ondas da evolução em milhões de anos, há cinco projetos novos de mineração e mais um Terminal para carregamento de minério sendo construído em São Gonçalo do Bação, tudo com licenciamentos caricaturais com ilegalidades flagrantes, sem contar as muitas mineradoras que seguem devastando ao redor da magnífica Estação Ecológica de Aredes, que resiste à fúria de mineradoras como a Minar, liderada por ex-deputado do Partido dos Trabalhadores e que fez lobby na Assembleia Legislativa de Minas Gerais para aprovar Projeto de Lei para alterar os limites de Aredes para legalizar mineração dentro da Estação Ecológica.

Na Serra do Rola Moça, onde está o Parque Estadual da Serra do Rola Moça, terceiro maior parque em região metropolitana do Brasil, as mineradoras AVG e Santa Paulina seguem insistindo em reabrir crateras deixadas por mineração devastadora ao longo de várias décadas, com o álibi mentiroso de que para “descomissionar barragens” é preciso minerar mais.   

Outro dia, ao visitar a Comunidade Tradicional Ribeirinha da rua do Amianto, em Brumadinho, MG, onde 53 famílias sobrevivem prensadas pelo rio Paraopeba poluído, tendo enchente alagado todas suas casas e deixado montanhas de lama tóxica nos quintais – “se pisa na terra, coceiras aparecem na hora” – e uma ferrovia pela qual, até a década de 1970, passavam trens de passageiros, Maria dos Anjos nos informou: “Os trabalhadores que construíram esta ferrovia passaram a morar aqui e como João de Barro foram construindo suas humildes casas. Muito tempo atrás aqui passavam trens de passageiros levando o povo para Belo Horizonte e outras cidades. Trens de minério eram só dois por dia, mas ultimamente está passando um trem lotado de minério de 30 em 30 minutos, 24 horas por dia. E vem tão superlotado, jogando poeira tóxica ao longo de toda a ferrovia. O povo está cada vez mais adoecido. A Fiocruz (Fundação Osvaldo Cruz) já comprovou a presença de metais pesados no sangue do povo e de todas as crianças de Brumadinho.”

O desgovernador Zema segue empurrando goela abaixo o famigerado Rodoanel a ser construído na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). De forma ilegal e injusta, sem fazer Consulta Prévia, Livre, Informada, de Boa-Fé e Consentida aos Povos e Comunidades Tradicionais, como garante a Convenção 169 da OIT[2] da ONU[3], foi feito o leilão do Rodoanel na Bolsa de Valores, o contrato com uma empresa transnacional da Itália e constituído um Consórcio de empresas, como Rodoanel BH, Tracbel etc., que estão pressionando famílias e comunidades a já discutirem preço de indenização sem se fazer a Consulta Prévia. Este Rodoanel é mentiroso desde o nome, pois para ser rodoanel deveria rodear a região metropolitana, mas trata-se de um intra-anel, um rodominério, infraestrutura para aumentar mineração na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), é uma obra absurda e insustentável sob todos os aspectos.

Para impedir a agudização das injustiças socioambientais, econômicas e políticas reinantes em Belo Horizonte e RMBH propomos quatro alternativas à construção do Rodoanel: 1) Ampliação do Metrô de Belo Horizonte para várias cidades da RMBH, que volte a ser público e com tarifa a mais barata possível; 2) Resgate do transporte de passageiros/as através de trens entre as 34 cidades da RMBH e Belo Horizonte, realidade que existia até por volta da década de 1970; 3) Melhoria do transporte público de ônibus em Belo Horizonte e RMBH; 4) Revitalização, ampliação e duplicação do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, o que é viável tecnicamente e será muito menos oneroso e não trará as brutais violações aos direitos socioambientais, históricos e arqueológicos de Belo Horizonte e 13 municípios da RMBH.

A crise hídrica já deixa centenas de bairros sem água todos os dias em Belo Horizonte e nas 34 cidades da RMBH. A história demonstra que um dos motivos para se construir uma nova capital de Minas Gerais, após Ouro Preto, aos pés do Curral Del Rey foi a existência na região de mananciais com capacidade de abastecer uma cidade de até três milhões de pessoas, mas Belo Horizonte e as 34 cidades da RMBH, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já estão se aproximando de seis milhões de habitantes. Em 34 audiências públicas, as últimas em 2024, para se atualizar o Plano Diretor da RMBH ficou demonstrado que um dos maiores desafios dos gestores públicos municipais é conter o número muito grande de loteamentos ilegais e clandestinos que estão conurbando BH e toda a RMBH. Se nas margens do Anel Rodoviário, em Belo Horizonte, em apenas 26 Km, já se aglomeram 8 mil famílias, ao longo do “Rodoanel”, com mais de 100 Km, cem mil pessoas irão se instalar rapidamente nas suas margens, pois toda estrada próxima de cidades atrai aglomeração urbana. Em síntese, está se construindo o fim das áreas rurais em BH e na maior parte das 34 cidades da RMBH. Com isso, os mananciais já escassos serão dizimados completamente como o manancial da Pampulha e o de Águas Claras, na Serra do Curral, que já foram sacrificados.

No Vale do Jequitinhonha, mineradoras como a Sigma Lithium, seguem invadindo territórios de Povos e Comunidades Tradicionais, cooptando prefeitos, vereadores e fazendeiros a ponto de se aprovar Projeto de Lei que amputa cerca de seis mil hectares, 23%, da área da Área de Proteção Ambiental (APA) Chapada do Lagoão, no município de Araçuaí. No norte de Minas Gerais, mineradoras como a Vale S/A, CSN, Grupo Votorantim, MTransminas, Mineração Minas Bahia (Miba), Gema Verde, Sul Americana de Metais (SAM) e a Mineração Rio do Norte (MRN) seguem devastando os gerais, fazendo insidiosa campanha contra a criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Córregos Poções-Tamanduá-Peixe Bravo, nos municípios de Riacho dos Machados, Serranópolis e Rio Pardo de Minas.

Dom Vicente Ferreira, que foi bispo em Brumadinho e conviveu diretamente com os povos golpeados pelos crimes das mineradoras em conluio com o Estado, sempre pergunta: “Será que as autoridades não vão aprender nada com os brutais crimes das mineradoras com anuência de autoridades do Estado?” Paulo Freire alerta-nos que é ingenuidade esperar que opressor/explorador vá libertar quem está oprimido/explorado. Melhor acreditar em Thiago de Mello, que diz: "As colunas da injustiça sei que só vão desabar quando o meu povo, sabendo que existe, souber achar dentro da vida o caminho que leva à libertação! ... Quando a verdade for chama nos olhos da multidão, o que em nós é palavra no povo será ação!"

O capitalismo é um sistema que marcha na contramão da emancipação humana, pois desumaniza as pessoas através de uma engrenagem espoliadora e superexploradora da dignidade humana. Por um lado, a trabalhadora e o trabalhador são expropriados no seu ser, coisificados e reduzidos a mercadoria/máquina, e, assim, impedidos de desenvolverem-se humanamente. Por outro lado, o capitalista também se torna um opressor como Ulisses amarrado no mastro do navio, conforme o canto XII da Odisseia de Homero: saboreia a sedução do canto das sereias, mas, amarrado no mastro, não pode impedir a engrenagem que o sustenta. Quanto mais o capitalista acumula riquezas, tanto mais é impelido a acumular, gerando necessariamente miséria crescente para a classe trabalhadora e para o campesinato.

Olhando da perspectiva das mineradoras e do grande capital parece que está tudo dominado, mas não está. Em todos os territórios e comunidades há resistência que cresce na medida em que as contradições se esgarçam. Sigamos firmes, com a sabedoria ancestral dos Povos Originários e Tradicionais e com coragem, como peixe vivo que nada contra a correnteza ou como os girassóis que sabem que o segredo da felicidade é seguir a luz, mesmo nos dias mais nublados. Ou como os galos que, no escuro da madrugada, cantam anunciando a chegada de uma nova aurora com justiça, amor e paz, na certeza de que violência somente sobrevive à custa de silêncio cúmplice.

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está na Constituição, no Art. 225 que diz: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações." Feliz quem continuar remando no sentido da preservação ambiental, da produção de alimentos saudáveis na linha da agroecologia, da demarcação de todos os territórios dos Povos Originários (Indígenas) e Tradicionais, da reforma agrária popular e quem se opõe radicalmente ao PL 2159/2021, na iminência de ter aprovação concluída no Congresso Nacional, Projeto de Lei inconstitucional que desmonta as leis de licenciamento ambiental abrindo a porteira para a boiada do agronegócio, das mineradoras e do Estado capitalista para acelerar a colocação no altar do sacrifício territórios essenciais para a garantia das condições de vida dos Povos e de toda a biodiversidade. Enfim, é com opção de classe e junto com os Movimentos Sociais Populares na luta pelo bem comum e pelos direitos da classe trabalhadora e de todo o campesinato forçando a superação do capitalismo, máquina de moer vidas, que frearemos a marcha no desfiladeiro rumo ao abismo que a barbárie da idolatria do mercado está impondo à humanidade.

28/05/2025.

 

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - POR QUE É JUSTO CRIAR RDS CÓRREGOS POÇÕES-TAMANDUÁ-PEIXE BRAVO NO NORTE DE MINAS GERAIS? RDS, JÁ!



2 - PRÉ-JORNADA DE AGROECOLOGIA, TEIA DOS POVOS E MLB, NA OCUPAÇÃO PAULO FREIRE, BH/MG: MINERAÇÃO, NÃO!



3 - “EI MEU PEIXE BRAVO, VAMOS JUNTOS APOIAR A RDS PRA TODOS SALVAR...” SIM À RDS, NORTE DE MG. Vídeo 16



4 - MÚSICA QUE EMBALA A RDS CÓRREGOS POÇÕES-TAMANDUÁ-PEIXE BRAVO, NO NORTE DE MG. É O JUSTO! Vídeo 14



5 - CARLITO E CIDA, EXEMPLO DE LUTA PELA TERRA: ACAMPAMENTO SANTA FÉ, PRESIDENTE OLEGÁRIO, MG. Vídeo 6




[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Ocupações Urbanas; autor de livros e artigos. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       Canal no you tube: https://www.youtube.com/@freigilvander      –    No instagram: @gilvanderluismoreira - Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Organização Internacional do Trabalho.

[3] Organização das Nações Unidas.