ASCENSÃO E EXALTAÇÃO DE JESUS: O PROJETO DE JESUS CONTINUA NA PRÁXIS DAS PESSOAS E COMUNIDADES (Lc 24,46-53; At 1,9-11) - Por frei Gilvander Moreira[1]
Jesus negro. Reprodução Redes VirtuaisAntes da separação da obra lucana
– Evangelho de Lucas (Lc) e Atos dos Apóstolos (At) - só existia o relato da Ascensão
em Lc 24,50-53. Após a separação de Lucas e Atos, acrescentaram outra
referência à Ascensão em At 1,1-2.9-11. A tradição original comum apresenta a
ressurreição de Jesus como uma exaltação (cf. Rm 1,4; Fl 2,6-11, etc.). Só o
evangelista Lucas fala da Ascensão, separando-a da ressurreição. Ele quer
evidenciar o caráter histórico de cada uma dessas realidades. Lucas insiste na
corporalidade do ressuscitado. Na Ascensão, uma linguagem mítica expressa a
realidade histórica da exaltação/glorificação de Jesus. Com a Ascensão, Lucas
quer dizer que Jesus não vai embora, mas é exaltado, glorificado. Jesus não sai
deste mundo. A parusia não é o retorno de um Jesus ausente, mas, sim, a
manifestação gloriosa de um Jesus que sempre esteve presente no meio das
comunidades (cf. Mt 1,23; 18,20; 28,20). “Estou e sempre estarei com vocês”,
enfatiza o Evangelho de Mateus.
As Comunidades Cristãs não
nascem, porque Jesus vai embora ou porque não retorna, mas nascem justamente
porque o ressuscitado não vai embora. Após a Ressurreição, Jesus continua
presente na ausência física e no corpo dos cristãos e das cristãs. As Comunidades
Cristãs não são frutos de uma parusia frustrada, mas de uma presença amorosa de
Jesus, vivida de maneira histórica, não como presença visível e empírica, mas
como presença transdescendente vivida na história. No livro dos Atos dos
Apóstolos, as comunidades eclesiais são igrejas escatológicas não porque
esperam a segunda vinda de Jesus, mas porque vivem desde já, historicamente, a
experiência de Cristo ressuscitado e glorificado, no mundo e nas comunidades
(cf. aparições de Jesus ressuscitado a Estevão, Pedro e Paulo e a experiência
permanente do Espírito Santo nas comunidades).
A cena da Ascensão, sem paralelos no Evangelho
de Mateus e no Evangelho de João, representa é o clímax dos relatos de
aparições de Jesus que começam em Lc 24,36. Em Mc 16,19 há alguma semelhança. A
descrição da Ascensão foi pintada com traços apocalípticos. Tendo o Primeiro
Testamento como pano de fundo, encontramos algumas histórias de
"Ascensão", como se pode ver nos casos de Enoc (Gn 5,24; Eclo 44,16;
Hb 11,5); Elias (2 Rs 2,11; Eclo 48,9; 1 Mac 2,58), Esdras (2 Esd 14,9) e
Moisés.
Em Lc 24,51 se diz que Jesus "foi
elevado" (= anephereto),
enquanto em Mc 16,19 se diz que Jesus "foi tomado" (= anelemppthe). Esse verbo ressalta mais a
iniciativa e o poder de Deus, enquanto "foi elevado" (= anephereto) sugere mais iniciativa e
poder de Jesus; sugere que Jesus atinge a plenitude humano-divina. O quarto
Evangelho canônico, o do discípulo amado, comumente chamado de Evangelho de
João, diz que Jesus apareceu a Maria Madalena antes da Ascensão (Jo 20,17).
Lucas relata também que depois da Ascensão Jesus aparece a Paulo (At 9,4-6;
22,6-11; 26,14-17).
Segundo o Evangelho de Lucas, a Ascensão
acontece na noite de Páscoa (cf. Lc 24,51; At 1,2). No entanto, conforme o
relato de At 1,9-11, a Ascensão acontece "40 dias depois". Não é
possível saber por que Lucas deu essas indicações de dois momentos diferentes para
o relato do episódio da Ascensão. Não existem razões para pensar que Lucas
considere como sendo dois episódios diferentes[2].
Não é provável que Lucas tenha descoberto a data de "40 dias" depois
que tenha escrito o Evangelho.
A Ascensão é a plenitude da Páscoa de Jesus
Cristo. Já em Lc 9,31.51, Moisés e Elias conversavam sobre o êxodo de Jesus.
Com a Ressurreição-Ascensão, Jesus entra definitivamente na esfera de Deus,
celestial[3]. A
expressão grega "eis ton ouranon"
pode ser traduzida por "para o seu céu", ou "no céu", ou em
sentido aramaico por “no universo”. Logo o que Lucas quer dizer é que Jesus
atinge a Transcendência. Não afirma que esta se dá no além, depois das nuvens,
mas está principalmente na imanência. Somos um projeto infinito, com sede de
transcendência, com vocação para superar os nossos limites e barreiras. Logo, a
Ascensão é a coroação da caminhada libertadora do Filho do Homem. Os cristãos e
as cristãs têm nesse evento um sinal-esperança capaz de sustentar a árdua
tarefa de serem testemunhas desses acontecimentos, sendo outros cristos.
As pessoas cristãs são testemunhas do
cumprimento das Escrituras (Lc 24,45-48). O Espírito Santo traz luz para reler
as Escrituras e é chamado "Força do Alto". Já em Lc 1,35 se diz que
pela "Força do Alto" Jesus se encarnou no seio de Maria. Agora, por
essa mesma força, Jesus se encarnará na vida de seus seguidores e seguidoras. À
luz desse Espírito, os cristãos e as cristãs são capazes de desmascarar e
destruir as estruturas geradoras de morte, a fim de construir a nova história
inaugurada pela prática e ensinamento libertadores de Jesus.
Jesus abençoa e dá vida (Lc 24,50-51). Usando
imagem própria do tempo, segundo a qual se pensava que Deus habitasse além das
nuvens, Lucas descreve Jesus sendo levado para o céu (Lc 24,51). A cena recorda
Lv 9,22-24: "Arão levantou as mãos sobre o povo e o abençoou; e desceu, havendo feito
a expiação do pecado, e o holocausto, e a oferta pacífica... Arão entrou na
tenda da reunião.... e a glória do SENHOR apareceu a todo o povo... vendo todo
o povo, jubilou e prostrou-se com o rosto por terra". Assim Lucas reafirma a continuidade das
primeiras comunidades cristãs com a fina flor dos povos do Primeiro Testamento
bíblico.
À semelhança dos povos do Primeiro Testamento
(cf. Lv 9,24), a reação dos discípulos é de reconhecimento, expectativa e
alegria: "Eles o adoraram e depois voltaram para Jerusalém, com grande
alegria" (Lc 24,52). Reconhecem que Jesus realizou o projeto do Pai. E por
isso é merecedor de adoração, que não é ficar de joelhos, paralisado diante do
Senhor de nossas vidas, mas é associar-se ao projeto do Mestre Galileu sendo
pessoas continuadoras criativas do Evangelho de Jesus Cristo. Vão a Jerusalém,
alegres e com coragem, na expectativa de receberem a “força e a luz do Alto”,
para continuarem a luta libertária iniciada pelo mestre da Galileia.
Vivem
alegres porque Jesus não lhes foi tirado: ele se manifestará no seu Espírito, o
animador e sustentador da caminhada dos cristãos e cristãs. A Ascensão
de Jesus não é uma viagem para além das nuvens, mas a comunhão definitiva e
plena com Deus, um mistério infinito de amor que envolve e perpassa toda a
Criação.
A informação “Jesus sendo elevado” é uma
importante afirmação cristológica, pois reflete a convicção das Igrejas
primitivas que Jesus realmente ressuscitou, se tornou Senhor, Kyrios, está na presença do Pai.
Em
At 1,9-11, na narrativa da Ascensão, Lucas conta a exaltação de Cristo
ressuscitado. É composição lucana, possivelmente a partir de fonte oral. Os
sinópticos descrevem somente a ressurreição. O evangelho apócrifo de Pedro
também descreve a Ascensão (§35-42). A Ascensão é entendida como a última
aparição “convincente” de Jesus. Lucas enfatiza a visão perceptiva de Jesus
subindo; cinco verbos indicam isto. Assim os apóstolos se tornam testemunhas
oculares da exaltação de Cristo. “Dois homens vestidos de branco” dizem “homens galileus...” e não dizem
“apóstolos”. Também em Emaús Jesus aparece não aos apóstolos, mas a duas
pessoas que têm a experiência de Jesus Cristo ressuscitado e voltam para
Jerusalém. O Cristo que sobe inaugura o tempo da/s igreja/s. Com a Ascensão, à
primeira vista, pensamos que Jesus “foi embora”, mas, na realidade mais
profunda, o texto quer dizer que Jesus não foi embora. Ele continua vivo no
corpo dos discípulos e discípulas.
Em At 1,9 fala do arrebatamento de Jesus. A
referência à nuvem, símbolo teofânico, afirma que Jesus pertence
definitivamente à esfera de Deus. É a certeza da comunidade de que Jesus
cumpriu perfeitamente a vontade do Pai. Contudo, não basta sabê-lo. Torna-se
necessário descruzar os braços, deixar de olhar passivamente para o céu,
encarar a realidade que nos cerca, perceber que somos todos “homens da
Galileia”, comprometidos com o testemunho de Jesus (At 1,10-11). O texto da Ascensão
termina fazendo referência à volta de Jesus, da mesma forma como foi visto
partir para o céu, ou seja, pelo testemunho coerente do Evangelho de Jesus
Cristo.
Com a Ascensão, "Jesus não foi
embora". Mesmo na ausência física, continua presente nas comunidades que
se deixam guiar pelo Espírito Santo. Sua nova forma de presença na ausência
física já se manifesta na encarnação e na ressurreição. Ele deve somente
terminar de voltar e não começar a voltar, ou seja, manifestar visivelmente e
de forma plena a sua presença. Isso é o que em grego se chama parusia.
Enfim, pela Ascensão Jesus passa o bastão para os discípulos e discípulas
que, com alegria e coragem, devem seguir testemunhando a presença amorosa e
libertadora do mestre galileu construindo o reinado divino. A presença de Jesus
se dá pela autenticidade de seus discípulos e discípulas. Conclusão: carregar a
bandeira do Evangelho é tarefa intransferível nossa.
É
evidente a nossa responsabilidade pela presença do Reino na vida de todas as
pessoas, no meio de nós, além de nos iluminar no sentido de que devemos rever
nossa prática da fé, se estamos testemunhando com coerência o Reino de Deus
pensado por Jesus em todas as dimensões da vida, como presença de sua
proposta de libertação, de vida digna para todos e todas e toda a
criação. Conforme o testemunho do quarto evangelho (João 17), um primeiro
e importante sinal disso é a unidade das Igrejas cristãs. Por isso, entre esse
domingo, festa da Ascensão e o próximo, Festa de Pentecostes, celebramos a
Semana de Oração e de Diálogo pela Unidade dos Cristãos. “Pai que todas as
pessoas que vierem a crer em mim sejam UM, como Eu e Tu somos um, para que o
mundo creia que Tu me enviaste” (Jo 17, 21). Unidade na diversidade, sim;
uniformismo, não!
29/05/2025.
Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto
tratado, acima.
1 - SEM TERRA FUNÇÃO SOCIAL P/ TERRA
OCIOSA DA SIDERÚRGICA CAJURUENSE FALIDA, PRES. OLEGÁRIO/MG. Vídeo 7
2 - CARLITO E CIDA, EXEMPLO DE LUTA PELA
TERRA: ACAMPAMENTO SANTA FÉ, PRESIDENTE OLEGÁRIO, MG. Vídeo 6
3 - PRÉ-JORNADA DE AGROECOLOGIA, TEIA
DOS POVOS E MLB, NA OCUPAÇÃO PAULO FREIRE, BH/MG: MINERAÇÃO, NÃO!
4 - FÉ NA LUTA PELA TERRA: MÍSTICA
BÍBLICA NA: ACAMPAMENTO SANTA FÉ, PRESIDENTE OLEGÁRIO, MG. Vídeo 4
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em
Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel
em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto
Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Ocupações Urbanas; autor de
livros e artigos. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– Canal no you tube: https://www.youtube.com/@freigilvander – No
instagram: @gilvanderluismoreira - Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Cf. P. BENOIT, "The
Ascension", 242; Exégèses et
Théologie, 1.399.
[3] Cf. Aristóteles, Metafísica, 12.8 & 1073a.
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