quinta-feira, 24 de outubro de 2024

COM FÉ E MÍSTICA DOS MÁRTIRES, O POVO PALESTINO VENCERÁ! Por frei Gilvander

COM FÉ E MÍSTICA DOS MÁRTIRES, O POVO PALESTINO VENCERÁ! Por frei Gilvander Moreira[1]

Protesto contra o Genocídio que Israel sionista e colonialista está cometendo contra o Povo Palestino, na avenida Paulista, em São Paulo, SP. Foto: Lucas Martins.

Profundamente comovido e indignado com o brutal e macabro genocídio que o Estado de Israel sionista e colonialista segue cometendo com o heroico Povo Palestino, Libanês..., estou aqui para ecoar os gritos e os clamores ensurdecedores de um Povo que não se vergará jamais, pois com a fé e a mística dos mártires é e será sempre invencível.

O Ministério da Saúde da Palestina, Press TV, Hispan TV e Federação Árabe Palestina Brasil (FEPAL) informaram, dia 23 de outubro de 2024, que, em Gaza, na Palestina, em 381 dias de genocídio, já são mais de 120 mil feridos e mais de 43 mil palestinos assassinados, sendo que 44% dos mortos são crianças (19 mil) e 24,5% são mulheres (10,5 mil). Já são 11 mil palestinos presos pelos genocidas e estão sob os escombros 10 mil pessoas desaparecidas. Um brutal holocausto do Povo Palestino-Árabe.

Segundo a revista científica The Lancet, que se baseou em dados da ONU[2], o número de mortos até 5 de julho de 2024 somava 186 mil mortos, incluindo os que estão sob os escombros ou os que morreram por causa da falta de acesso a hospitais, alimentos, água  ou abrigo. Quatro mortes indiretas para cada morte direta. Portanto, com população estimada em 2,3 milhões de habitantes, 8% da população total de Gaza deve sido assassinada pelo Estado de Israel sionista.

Em comunicado veiculado dia 15 de agosto de 2024, Volker Türk, alto comissário da ONU para os direitos humanos, disse[3]: "Em média, aproximadamente 130 pessoas morreram todos os dias em Gaza durante os últimos dez meses (desde o dia 7 de outubro de 2023). A magnitude da destruição de casas, hospitais, escolas e locais de culto pelo Exército israelense é profundamente chocante. Hoje é um marco sombrio para o mundo inteiro. O povo de Gaza lamenta hoje a morte de 40 mil palestinos."[4]

Leia com o coração acolhedor, sem preconceitos, abaixo, a impressionante, firme, verdadeira e justa Carta Póstuma, uma espécie de testamento, do Palestino Comandante Mártir Iahiya HASSAN SINWAR, que viveu e combateu pelos direitos do Povo Palestino e por sua Pátria até o último suspiro. Deixou ensinamentos imortais, que ficarão marcados para sempre na mente e no coração do Povo Palestino e dos/as oprimidos/as de todo o mundo.

Na Carta Póstuma, o Palestino HASSAN SINWAR, martirizado pelo exército de Israel sionista, escreveu à mão em Árabe. Segue, abaixo, a tradução em português feita por Mohamad Ali, que chorou várias vezes ao ler a Carta no Programa Oriente Médio em Revista, de 22 de outubro de 2024, no You Tube Canal da Geopolítica.[5]

 “Eu sou Yahiya, filho de refugiado que transformou o exílio de um lar temporário em um sonho de batalha eterna.

Enquanto escrevo estas palavras, lembro cada momento que passei na minha vida: desde minha infância nos becos, aos longos anos de prisão e cada gota de sangue derramada no solo desta terra – a Palestina.

Nasci no campo de refugiados de Khan Younis, 1962, em uma época em que a Palestina era uma memória dilacerada e mapas esquecidos nas mesas dos políticos.

Eu sou um homem cuja vida foi tecida entre o fogo e as cinzas e percebi cedo que viver sob ocupação significa apenas uma prisão perpétua.

Desde a minha infância soube que viver nesta terra não é algo comum e que quem nasce aqui deve carregar em seu coração uma arma que não se quebra e que o caminho para a liberdade é longo.

Minha mensagem para vocês começa aqui, daquele menino que lançou a primeira pedra contra o judeu sionista ocupante e que aprendeu que as pedras são as primeiras palavras que pronunciamos diante de um mundo que permanece em silêncio diante de nossa ferida.

Aprendi nas ruas de Gaza que o ser humano não se media pelos anos de vida, mas pelo que oferece à sua Pátria, ao seu país. Assim foi a minha vida: prisão e batalha, dor e esperança.

Fui preso pela primeira vez em 1988 e fui condenado à prisão perpétua, mas nunca conheci o caminho do medo.

Naquelas celas escuras, via em cada parede uma janela para um horizonte distante e em cada grade uma luz que iluminava o caminho para a liberdade.

Na prisão, aprendi que a paciência não é apenas uma virtude, mas uma arma… uma arma amarga, como beber o mar gota a gota.

Minha mensagem para vocês: não temam as prisões, elas são apenas uma parte de nosso longo caminho rumo à liberdade.

A prisão me ensinou que a liberdade não é apenas um direito roubado, mas uma ideia que nasce da dor e é refinada pela paciência. Quando saí na troca de prisioneiros “Wafaa al-Ahrar” em 2011, não saí como antes; saí mais fortalecido e com uma fé maior de que o que fazemos não é apenas uma luta passageira, mas o nosso destino, que carregamos até a última gota de nosso sangue.

Minha mensagem é que continuem apegados à resistência, à dignidade que não se negocia e ao sonho que nunca morre. O inimigo quer que abandonemos a resistência, que transformemos nossa causa em uma negociação interminável…

Mas eu lhes digo: não negociem o que é direito de vocês! Eles temem sua resistência mais do que temem suas armas.

A resistência não é apenas uma arma que carregamos, mas é o nosso amor pela Palestina em cada respiração que tomamos, é nossa vontade de continuar, apesar do bloqueio e da agressão.

Minha mensagem é que permaneçam leais ao sangue dos mártires, àqueles que partiram e nos deixaram este caminho cheio de espinhos. Eles pavimentaram o caminho da liberdade com seu sangue, então não desperdicem esses sacrifícios em cálculos políticos e truques diplomáticos.

Estamos aqui para continuar o que os primeiros começaram e não nos desviaremos deste caminho, não importa o custo. Gaza foi e continuará sendo a capital da resistência e o coração da Palestina, que não para de bater, mesmo quando o mundo parece se fechar para nós.

Quando assumi a liderança do Hamas em Gaza, em 2017, não foi apenas uma transição de poder, mas uma continuação de uma resistência que começou com pedras e continuará com armas.

Eu sentia, a cada dia, a dor do meu povo sob o cerco, a cada dia, e sabia que cada passo que damos em direção à liberdade vem com um preço. Mas eu lhes digo: o preço da rendição é muito maior; por isso, segurem-se à terra como as raízes se seguram ao solo, pois nenhum vento pode arrancar um Povo que decidiu viver.

Na Batalha do Dilúvio de Al-Aqsa, eu não era o líder de um grupo ou movimento, mas a voz de cada Palestino que sonha com a libertação.

Minha fé me guiou para acreditar que a resistência não é apenas uma opção, mas uma obrigação.

Queria que esta batalha fosse uma nova página no livro da luta palestina, onde as facções se unissem e todos se colocassem em uma única trincheira, contra o inimigo que nunca distinguiu entre crianças e idosos, ou entre pedra e árvore.

O Dilúvio de Al-Aqsa foi uma batalha de espíritos antes de corpos e de vontade antes de armas.

O que deixei não é um legado pessoal, mas um legado coletivo para cada Palestino que sonhou com a liberdade, para cada Mãe que carregou seu Filho nos ombros enquanto ele era Mártir, para cada Pai que chorou de dor por sua Filha que foi assassinada por uma bala traiçoeira.

Minha última mensagem é que vocês se lembrem sempre de que a resistência não é em vão e não é apenas um tiro disparado, mas uma vida vivida com honra e dignidade.

A prisão e o bloqueio me ensinaram que a batalha é longa e que o caminho é árduo, mas também aprendi que os povos que recusam a rendição criam seus próprios milagres com suas próprias mãos.

Não esperem que o mundo faça justiça a vocês, pois vivi e testemunhei como o mundo permanece em silêncio diante de nossa dor. Não esperem justiça, sejam vocês a justiça.

Carreguem o sonho da Palestina em seus corações e transformem cada ferida em uma arma e cada lágrima em uma fonte de esperança.

Esta é a minha mensagem: não entreguem suas armas, não deixem de atirar pedras, não esqueçam seus mártires e não negociem um sonho que é direito de vocês.

Estamos aqui para ficar, em nossa terra, em nossos corações e no futuro de nossos filhos.

Recomendo-lhes a Palestina, a terra que amei até a morte, e o sonho que carreguei em meus ombros como uma montanha que nunca se curva.

Se eu cair, não caiam comigo, mas carreguem a bandeira que nunca caiu e façam do meu sangue uma ponte para uma geração que nascerá de nossas cinzas ainda mais forte.

Não esqueçam que a Pátria não é uma história contada, mas uma verdade vivida, e em cada Mártir que nasce do ventre desta terra, nascem mil Combatentes.

Se o dilúvio voltar e eu não estiver com vocês, saibam que fui a primeira gota nas ondas da liberdade e que vivi para ver vocês continuarem a jornada.

Sejam um espinho em sua garganta, um Dilúvio que não conhece recuo, e não descansem até que o mundo reconheça que somos os donos do direito e que não somos apenas números nos boletins de notícias.”

(Mensagem escrita em árabe com uma caneta em um papel.)

Yahya Ibrahim Hassan Sinwar / Gaza - Palestina – 2024

Como Hitler e os nazistas foram jogados na lata de lixo da história e todos os violentos e opressores foram vencidos, vocês também judeus sionistas, colonialistas e genocidas, que insistem na brutalidade, serão vencidos e serão jogados na lata de lixo da história. E os/as palestinos/as mortos/as ressurgirão e serão milhões cada vez mais humanos e fortes. Que a luz e a força divina nos guiem sempre na luta pela paz com justiça. Viva a luta do povo palestino! CESSAR FOGO, JÁ! E respeito ao Estado Palestino e ao Estado do Líbano, JÁ!

24/10/2024.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - EM BH/MG, ATO EM MEMÓRIA DO 1º ANO DO GENOCÍDIO PALESTINO, + DE 50 MIL MORTOS POR ‘israel' GENOCIDA

2 - Viva o Povo Palestino! Ai de Israel genocida, sionista! Grande GRITO! 30º Grito dos Excluídos, BH/MG

3 - Palestina Tania Correa Abdala: "sionismo genocida de Israel mata meu Povo Palestino. Basta!" Vídeo 6

4 - YAHYA SINWAR, UM MARTIR NUNCA SE VAI - ORIENTE MÉDIO EM REVISTA, 22/10/24

5 - Curso Palestina 24 – Do “Lar nacional” na Palestina ao “Grande Israel”: expansões e limpezas




[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, Movimentos Sociais e Ocupações. 

E-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.freigilvander.blogspot.com.br             www.gilvander.org.br

www.twitter.com/gilvanderluis             Face book: Gilvander Moreira III – Canal no you tube: Frei Gilvander luta pela terra e por direitos

[2] Organização das Nações Unidas.

[3] Fonte: AFP, Al Jazeera e Haaretz.

[5] Veja no link https://www.youtube.com/live/fa6QXwflW3c , visto dia 24/10/24, às 13h.

terça-feira, 15 de outubro de 2024

GOVERNO FEDERAL E TRF6 DESPEJARÃO “CEGOS DE MG DO SEU LAR”? Por frei Gilvander

GOVERNO FEDERAL E TRF6 DESPEJARÃO “CEGOS DE MG DO SEU LAR”? Por frei Gilvander Moreira[1]

Capa de uma das videorreportagens sobre a União Auxiliadora dos Cegos de MG, sob brutal ameaça de despejo.

Em Santa Teresa, bairro histórico de Belo Horizonte, MG, a sede única da Associação filantrópica União Auxiliadora dos Cegos de Minas Gerais está com despejo decretado por um desembargador do Tribunal Regional Federal 6ª Região (TRF6)[2], decisão tomada em Embargos de Declaração a pedido do Governo Federal. O desembargador se agarrou em formalidades processuais e ignorou a dignidade humana e todos os direitos humanos fundamentais dos cegos que moram na Casa dos Cegos de MG, vários há mais de 45 anos, vários negros e sem parentes ou qualquer vínculo afetivo fora do ambiente em que vivem e, portanto, sem rede de apoio para além da dita entidade. O prédio da União dos Cegos de MG já foi, pela segunda vez[3], leiloado por 720 mil reais, sendo que, se fosse para vender, o prédio vale mais de 5 milhões de reais. Decisão chocante e estarrecedora que deixou muita gente comovida e indignada.

Desde 1973 a Casa de Acolhida dos Cegos de MG está à Rua Mármore, 664, no bairro Santa Teresa. Foi construída com uma longuíssima campanha de solidariedade, “tijolo a tijolo”, em uma época que os cegos eram obrigados a mendigar. Esmolar na rua era o que restava para as pessoas cegas. “A Casa de Acolhida dos Cegos de MG foi construída para acolher os que não tinham nem eira e nem beira, os que, cegos/cegados, sobreviviam pedindo esmola na rua e morrendo um pouco a cada dia com tantas necessidades e sofrendo cotidianamente humilhações. Temos uma história de mais de 70 anos, desde 1955. Já acolhemos mais de mil cegos aqui na nossa sede, não só de Minas Gerais, mas de vários estados e até do estrangeiro. Aqui é nosso lar. Criamos uma Clínica Médica e vários outros projetos de acolhida dos cegos. Centenas de cegos fizeram vários cursos – braile, música, aula de violão etc. - aqui na nossa sede. Expulsar os cegos aqui desta casa, que é nosso lar, será decretar a morte de todos. Se mandar a tropa de choque para integrar na posse da nossa Sede um dos maiores empresários de Belo Horizonte, pode enviar também os caixões, pois só sairemos daqui mortos”, profetisa de cabeça erguida e muito emocionado o Jerônimo, ex-presidente da União Auxiliadora dos Cegos de MG. Ao longo de mais de sete décadas, a União Auxiliadora dos Cegos de MG tem cumprido seus principais objetivos: fornecer moradia, alimentação para os internos e externos, tratamento médico, jurídico, psicológico, de saúde, odontológico e cursos formativos a seus associados cegos, sem família em Belo Horizonte, vindas do interior para a capital, a procura de uma vida melhor e que encontraram na entidade um porto seguro, com albergaria, café da manhã, almoço, janta, cuidados médicos, oficinas de arte e etc. A sede também abriga um lindo coral de pessoas com deficiência visual.

O que levou à decretação da penhora do prédio da União Auxiliadora dos Cegos de MG, ao leilão e à consequente decisão para despejar os cegos que lá residem? Há mais de 50 anos, nas décadas de 70 e 80 do século XX, por dificuldade econômica, uma antiga diretora da União Auxiliadora dos Cegos de MG deixou de pagar tributos ao Governo Federal – INSS de funcionários que cuidavam dos cegos na Casa. O tempo foi passando e a dívida cresceu.

Um advogado contratado para defender a União Auxiliadora dos Cegos foi irresponsável e não defendeu a Associação como deveria. Parece que tinha no contrato com ele que caso se perdesse a causa e o prédio fosse leiloado, ele teria direito a certo valor ou a algumas salas do prédio. Assim, os cegos não tiveram direito ao contraditório e a ampla defesa. O devido processo legal não aconteceu de forma justa. Quando perceberam que o advogado não os estava defendendo, o prédio já tinha sido penhorado e leiloado em 2011. Passaram a procuração para outro advogado que, por meio de vários recursos judiciais, conseguiu anular o leilão e obter revisão da decisão alegando que a Casa é lar de Cegos e, portanto, impenhorável. Mas de forma muito estranha, ao herdar o processo do TRF1, um desembargador do TRF6 reabilitou a decisão que mandou leiloar o prédio da Associação dos Cegos e agora estamos na iminência do cumprimento desta decisão brutal, absurda, inconstitucional e injusta.

Enviamos Ofício à Macaé Evaristo, ministra do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, reivindicando que ela abra processo de negociação que exclua a decisão de leilão do prédio e o despejo dos Cegos do seu histórico lar no bairro Santa Teresa em Belo Horizonte. Esperamos que o Governo Federal – Lula, Haddad e Macaé – tenha sensibilidade humana e perdoe esta dívida de INSS de 50 anos atrás e deixe a Associação Filantrópica União Auxiliadora dos Cegos de MG em paz, melhor dizendo, que destine à Associação União Auxiliadora dos Cegos de MG recursos necessários para ela ser revitalizada para voltar a ser espaço de acolhida de centenas de cegos que clamam por apoio em BH, Região Metropolitana, MG e Brasil.

No Ofício à Ministra dos Direitos Humanos consta: “Atente-se para a gravidade da situação em desalojar pessoas cegas do seu espaço habitual de moradia, que construíram seu projeto de vida no entorno, no qual cada um já se familiarizou com o comércio local, com os equipamentos públicos e outros espaços de convivência social. O senhor Juvenal de Jesus, por exemplo, tem 81 anos e mora na sede da União Auxiliadora dos Cegos há 44 anos. José Dias, por sua vez, conhecido como Bingo, nasceu em 1942 e também reside na sede da entidade, há 50 anos. Logo, é inimaginável cogitar o desalojamento forçado dessas pessoas nessas condições.

Como o cego Bartimeu, no evangelho de Marcos, que, ao sentir que Jesus passava subindo para Jerusalém, gritava: “Jesus, tem misericórdia de mim!” (Mc 10,47.48), os cegos do Santa Teresa estão clamando: “Tenham misericórdia de nós. Esta ameaça de despejo está tirando o nosso sono e nos adoecendo.” Indignado com os que tentavam abafar o grito do cego Bartimeu, Jesus disse: “Chamai-o!” (Mc 10,49). Feliz com a acolhida de Jesus, deixando a posição de mendicante, o cego deu um pulo e se aproximou de Jesus, desrespeitando a lei da pureza que proibia aproximar-se dos impuros. Jesus o acolhe e pergunta: “Que queres que eu te faça?” O cego não pediu esmola, mas clamou por um direito: “Eu quero a recuperação da minha visão” (Mc 10,51). Feliz da vida ao perceber a fé do cego, Jesus celebrou o resgate da visão do cego: “Vai. Tua fé te salvou” (Mc 10,52). Observe o detalhe: fé do cego e não a fé em Jesus. E o cego se tornou um discípulo de Jesus e “o seguia no caminho” (Mc 10,52). Assim, Jesus nos ensina que para sermos humanos precisamos ouvir e atender aos clamores dos injustiçados e sofredores, entre aos quais estão os cegos/cegados.

Uma autoridade perguntou ao atual presidente da União Auxiliadora dos Cegos de MG: “Caso aconteça mesmo o despejo, vocês cegos aceitam ir para um abrigo público da prefeitura ou para um asilo ou casa de acolhida?” O atual presidente da União Auxiliadora dos Cegos de MG, Renato Leonardo Ferreira, de cabeça erguida, respondeu de forma categórica: “Jamais aceitaremos ser retirados da nossa casa, que é o nosso lar. Pedimos ao Governo Federal e à Justiça Federal que abram processo de negociação que leve à exclusão do despejo, seja perdoando a dívida como o Governo Federal tem feito nas últimas décadas com muitos usineiros, latifundiários e empresários ou encontrando outra forma de se pagar a dívida, mas sem nos retirar do nosso lar. Se se perdoa dívida de tantos ricos falidos, por que não perdoar a dívida de uma entidade filantrópica como a União Auxiliadora dos Cegos de MG?

Enfim, é triste e brutalmente injusto saber que no Brasil, nem cegos estão livres de despejo. Pelo respeito à dignidade humana seguiremos lutando até depois da vitória. Despejar um grupo de cegos de seu lar jamais aceitaremos. Clamamos pela revisão da decisão judicial do TRF6 que mandou leiloar a sede dos Cegos de MG e jogar na rua cegos que vivem lá, muitos há mais de 45 anos. Que o Governo Federal seja sensível e justo! Esse despejo não pode acontecer. 


15/10/2024.

 

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - DESPEJO? SEDE DA UNIÃO AUXILIADORA DOS CEGOS DE MG com decisão do TRF6 p despejo de 8 cegos. Vídeo 1


2 - “Se nos despejar daqui, nos porá no caixão." Há 70 anos UNIÃO AUXILIADORA DOS CEGOS DE MG. Vídeo 2


3 - “DAQUI SÓ SAÍMOS NO CAIXÃO. NÃO ACEITAMOS SER DESPEJADOS. UNIÃO AUXILIADORA DE CEGOS DE MG Vídeo 3


4 - “Aqui, nosso lar. 70 anos de história. Despejo, JAMAIS!” UNIÃO AUXILIADORA DOS CEGOS DE MG. Vídeo 4


5 - “TRF6, Lula, Macaé Evaristo e empresário, pelo amor de Deus, não nos despeje. Somos cegos”. Vídeo 5




[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Ocupações Urbanas; autor de livros e artigos. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       Canal no you tube: https://www.youtube.com/@freigilvander      –     Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Processo n. 0036885-69.2015.4.01.3800

[3] O primeiro leilão foi cancelado judicialmente porque o novo advogado alegou no processo que a sede é casa lar dos idosos e, por isso, impenhorável.

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

ELEIÇÕES 2024: “E AGORA, JOSÉ?” - Por frei Gilvander

ELEIÇÕES 2024: “E AGORA, JOSÉ?” - Por frei Gilvander Moreira[1]

Luta por moradia em São Paulo, SP. Foto: Reprodução/MST

Respire fundo. Passado o 1º turno das Eleições Municipais no Brasil dia 06 de outubro de 2024, já eleitos/as 5.417 prefeitos/as e os/as vereadores/as de 5.568 Câmaras Municipais, restando apenas em 50 municípios com mais de 200 mil eleitores – 15 capitais – onde terão 2º turno dia 27 de outubro, é hora de fazermos avaliação crítica, autocrítica e tirarmos todas as lições da campanha eleitoral e dos seus resultados. Alegramo-nos com as vitórias de lideranças populares eleitas em partidos de esquerda, mas que serão minoria nas Câmaras Municipais ou minoria entre os/as prefeitos/as.

No geral, o centrão, a direita e a extrema direita venceram as eleições de 2024, pois controlarão mais de 80% das prefeituras e das Câmaras Municipais dos municípios. Esta base de poder é será a referência para a disputa de 2026 e pode alavancar a retomada do Poder Executivo Federal em 2026 e desde já pressionar mais ainda o Governo Lula para mais concessões além do muito já concedido em Governo de conciliação de classes, o que aniquila a efetivação de políticas de transformação estrutural, pois o centrão só tolera políticas compensatórias. A esquerda saiu vitoriosa em menos de 20% dos municípios brasileiros, sem vitória nas capitais, pelo menos até agora, e conquistando cidades do interior. Sabemos que o poder local nem sempre está de acordo com as orientações partidárias.  As honrosas vitórias da esquerda não podem ocultar a realidade ampla e profunda do coronelismo político que segue se reproduzindo a todo vapor. O sol não pode ser tapado com a peneira.

Atualmente, no Brasil, há dois tipos de esquerda: a institucional neoliberal – “os moderados” -, que fica voltada para as eleições como centro de sua prática política, e a Esquerda Social, a que participa do processo eleitoral como um espaço de fazer a discussão com o povo e divulgar as propostas políticas socialistas. Esta Esquerda Social não abandona as lutas sociais – greves, ocupações, solidariedade internacional, lutas socioambientais e lutas por direito à terra, à moradia, entre outros direitos constitucionais.

A cada dois anos um semestre está sendo dedicado a campanha para eleições, seja municipal ou para governadores, Assembleia Legislativa, Congresso Nacional e Executivo Federal. Ou seja, em 25% do tempo as atenções e as preocupações da maior parte das lideranças se voltam para as eleições.

Para cada liderança de esquerda neoliberal eleita mais de 20 lideranças de lutas populares passam a integrar a assessoria do mandato. Isto causa um desfalque grande no meio da militância nas lutas por direitos, pois a orientação de “esquerda” da maioria dos mandatos é de reproduzir a conciliação de classes e a linha da pequena burguesia (sempre com medo de perder o pouco que tem) acabam inibindo muitas lutas sociais. No entanto, se os mandatos tidos como esquerda fossem efetivamente em maioria de esquerda, isso serviria para impulsionar as lutas, pois toda liderança da assessoria teria um pé na institucionalidade e outro pé cravado no meio do povo animando e fomentando lutas concretas por direitos. Somente os/as eleitos/as da Esquerda Social poderão implementar isso.

O atual sistema eleitoral está organizado em uma lógica e estrutura que privilegiam a reeleição de quem está no cargo, seja de prefeito/a ou vereador/a, ou governador/a, presidente e deputados/as ou senadores/as. Os parlamentares passaram a ter o direito de distribuir muito dinheiro público por meio de emendas parlamentares, do absurdo “orçamento secreto”, ou seja, administram parte do orçamento que deveria ser exclusividade do Poder Executivo. As emendas parlamentares e o grande Fundo Eleitoral que vão principalmente para os maiores partidos, os que reproduzem o status quo capitalista e opressor, atualizam o clientelismo político em currais eleitorais contemporâneos. Os novos candidatos enfrentam uma disputa em grande desigualdade de condições.

A história do Brasil mostra que, via de regra, quem vence as eleições é quem tem o maior poder econômico e/ou midiático, pois ao investir muitos recursos nas eleições acabam por “comprar” votos de muitas formas. Há grande distorção dos recursos para os partidos e também internamente nos partidos, brutal desigualdade. As melhores lideranças populares são, salvo exceções, os mais pobres e sem recursos econômicos. Assim, o poder econômico acaba determinando mais de 80% do resultado das eleições. Inclusive, medidas que na aparência limitaram o poder do capital, como o financiamento público de campanha, se tornou um fundo bilionário com distribuição capitaneada pelo centrão de dois em dois anos via Congresso Nacional e que impõe ainda maiores dificuldades à esquerda e em especial aos partidos que não contam com representação no Congresso Nacional.

Partidos revolucionários com programa popular não têm direito ao horário eleitoral gratuito na TV e rádio, não têm acesso ao fundo partidário e têm apenas uma ínfima migalha do fundo eleitoral. Ao invés de diminuir o número de partidos fisiológicos, está aumentando a força do centrão e da extrema-direita. Um exemplo: o PL, partido golpista e de orientação fascista, contou com quase 900 milhões de reais apenas de fundo eleitoral; de outro lado, a UP (Unidade Popular pelo Socialismo), partido mais novo do Brasil, que tem um programa e prática efetivamente de esquerda, contou com apenas 0,06% do fundo para ser usado nas eleições em todo o Brasil. Desta forma, a disputa que já era desigual, se tornou uma enorme injustiça que quebra com os princípios constitucionais de isonomia e de liberdade de organização partidária.

Para piorar a disputa, atualmente a predominância de igrejas fundamentalistas e moralistas tem se transformado em currais eleitorais, onde pastores, por interesses escusos, usando indevidamente o nome de Deus, abusando da fé das pessoas, acabam determinando o voto do seu rebanho.

As eleições criam a ideia de que estamos em uma democracia plena, pois há eleições de dois em dois anos. Ledo engano! A história demonstra que é mais fácil ganhar na loteria do que conseguir eleger uma maioria de candidatos éticos, justos e comprometidos com as reivindicações populares, o que viabilizaria fazer transformações reais na política brasileira. Mas o sistema é organizado para se criar a ilusão de que “na próxima eleição, mudaremos e será melhor!”, porém na realidade, parodiando a música Espinheira, de Duduca e Dalvan, “entra eleição e sai eleição e a vida do povo só vai piorando” e as mudanças estruturais para se superar o capitalismo com a brutal desigualdade social que ele fomenta vão sendo adiadas ad infinito.

As eleições criam a falsa ideia de que o poder político estaria separado do poder econômico. Falsa porque o poder econômico domina a produção, a vida social e as eleições. É necessário ampliar a democracia para além das eleições como previsto na Constituição Federal, realizando Plebiscitos Populares sobre questões que dizem respeito à vida do povo brasileiro, como: reestatização da mineradora Vale S/A, controle das multinacionais no nosso país, sobre onde e como se deve minerar, sobre medidas que garantam um ambiente saudável e sustentável...

Da forma como se estruturam os poderes políticos no país, a força e a vontade popular são na maior parte facilmente "conduzidas e induzidas" por marketing, por inteligência artificial, por fake news, havendo uma poderosa indústria midiática que direciona o voto popular com estratégias cada vez mais sedutoras. Como não há no país uma cultura de discussão política sobre os reais problemas sociais, como o domínio das mineradoras e a devastação ambiental, política agrária, população de rua e política habitacional, política de juros e endividamento da população, saúde, educação, assistência social, a população acaba iludida de que através da eleição de pessoas éticas e compromissadas, esses dilemas passarão a fazer parte da pauta de discussões.

É ilusória a crença segundo a qual será via eleições que conquistaremos a superação do capitalismo, esta brutal máquina de moer vidas. Com esta crença se foca na luta institucional, o que gera dependência no eleitorado que joga nas eleições a solução dos problemas gerados pela lógica do capitalismo. E, o/a eleitor/a cruza os braços após as eleições esperando que as pessoas eleitas possam representá-lo/la. Ledo engano!

Outra questão que contamina as eleições é o analfabetismo político, ou melhor, a falta de educação política do povo. O altíssimo índice de abstenção, votos em branco ou nulo apontam várias coisas: a alienação dos/as eleitores/as que não se sentem corresponsáveis na definição dos destinos da vida em sociedade e o repúdio ao atual tipo de política partidária existente no nosso país.

Para que as eleições não sejam de forma predominante um jogo de cartas marcadas, para termos eleições idôneas e éticas é necessário uma democrática e popular Reforma Política com regras justas e igualdade de poder econômico entre os/as candidatos/as e a realização de um intenso processo de educação política e de superação do analfabetismo político. Sem isso, as eleições, de fato, se configuram como uma grande ilusão que emperra as lutas populares e, pior, constitui-se em uma capa de legitimidade da democracia forma, representativa e burguesa.

Para que seja diferente, o centro das nossas ações deve ser as lutas populares e a participação nas eleições somente deve ser aceita se ajudar a fortalecê-las e impulsioná-las. A participação da verdadeira esquerda nas eleições deve ser pautada, portanto, pelo crescimento de impulsionamento das lutas por direitos, na propaganda permanente que outro mundo é possível e que este mundo é o Socialismo e isto tudo deve desembocar no crescimento do partido, das lideranças dos/as militantes e na sua formação política, caso contrário significará enxugar gelo e fortalecer a influência da burguesia sob a classe trabalhadora e o povo.

A história do Brasil demonstra que todos os direitos conquistados pelo povo não foram a partir de eleições e consequentemente pela institucionalidade da democracia formal, burguesa e representativa, mas foram conquistados com muita luta, suor e sangue, por meio de lutas coletivas concretas cada vez mais massivas. Tanto é que construímos nas lutas populares o lema “Só com lutas concretas e coletivas se conquistam direitos!”. Direito não se pede de joelho, mas se exige de pé, de cabeça erguida e nas lutas populares.

Uma liderança popular convivendo no meio do povo, organizando e animando lutas coletivas por direitos tem muito mais poder que um/a parlamentar que, sendo minoria, sempre perde nas votações no Poder Legislativo. Frei Betto aponta o caminho: se requer um intenso e sistemático trabalho de educação política, já que toda a população sofre uma deseducação política profunda, capilar, seja pela cultura que se respira, seja pela família, escola, religião e, sobretudo, redes digitais.”

Enfim, em um olhar crítico sobre os resultados do 1º Turno das Eleições/2024 mostramos a fragilidade da Democracia, em uma disputa desigual que fere a Democracia. As mazelas da democracia burguesa vieram à tona. Não só no Brasil, mas, salvo exceções, em todos os países tidos como democráticos, nos quais o compromisso das eleições é garantir a reprodução do sistema capitalista com verniz de democracia. Quando se tem alguma ameaça ao sistema, as eleições são uma forma de superá-las trazendo de novo a ilusão para o povo de que vai resolver as injustiças históricas. O exemplo do Chile, do presidente socialista Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973: resolve-se com o assassinato do presidente que pretendia fazer mudanças estruturais. Ou no Brasil em 2016, derruba-se a presidenta Dilma Rousseff com um golpe parlamentar sem fundamentação jurídica para impor a destruição das políticas sociais vigentes.

“E agora, José?” Após a eleição é hora de voltar às bases, conviver no meio do povo, cativar o povo com compromisso de vida doada às causas dos injustiçados/as e em todos os cantos e recantos gestar organização do povo para as lutas populares necessárias e urgentes por direitos, que é o que mais educa politicamente o povo.  

10/10/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - EM BH/MG, ATO EM MEMÓRIA DO 1º ANO DO GENOCÍDIO PALESTINO, + DE 50 MIL MORTOS POR ‘israel' GENOCIDA

2 - Paz e Bem #2154- Dossiê Teologia da Libertação- Poemas de Pedro Casaldáliga (E.Sbardelotti)-9.Out.24

3 - Preservação do cerrado é vital para a vida. VII Colóquio Internacional Povos Tradicionais. Vídeo 39

4 - “Se nos despejar daqui, nos porá no caixão." Há 70 anos UNIÃO AUXILIADORA DOS CEGOS DE MG. Vídeo 2

5 - Braulino: “Agronegócio matou quase todos os rios do norte de MG.” Zezé, MAM. VII Colóquio. Vídeo 37

6 - Marta, de Moçambique, Jana, da Alemanha: “Cerrado como Floresta e Savanas visíveis?” VII Co Vídeo 34



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Ocupações Urbanas; autor de livros e artigos. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       Canal no you tube: https://www.youtube.com/@freigilvander      –     Facebook: Gilvander Moreira III

terça-feira, 1 de outubro de 2024

PRESOS E FAMILIARES SOB VIOLÊNCIA ATROZ. “LIBERTAI-OS”, DIZ JESUS! Por frei Gilvander

PRESOS E FAMILIARES SOB VIOLÊNCIA ATROZ. “LIBERTAI-OS”, DIZ JESUS! Por frei Gilvander Moreira[1]

Falta de acesso à água, dormitórios superlotados, falta de assistência à saúde e dificuldade de acesso à informação são algumas dificuldades enfrentadas pelas pessoas em privação de liberdade - Foto: Arquivo Agência Brasil

O Brasil é o país que tem a 7ª maior população do mundo, mas está em 3º lugar entre os países no número de encarcerados. Já são mais de 800 mil presos em um sistema penitenciário já caracterizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como “um estado de coisas inconstitucional”. Contando quem já cumpriu pena, há no Brasil milhões de famílias com algum parente que já foi preso ou está preso. Massacres de presos já aconteceram em muitas prisões no Brasil.[2]

Assisti outro dia ao filme documentário O Grito – Regime Disciplinar Diferenciado”, direção de Rodrigo Giannetto, sobre o sistema penitenciário no Brasil, disponibilizado na Netflix. Fiquei estarrecido ao ver e ouvir os depoimentos de ex-presidiários, de mães de presos, de parentes, de advogados/as e constitucionalistas e até do presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso. O filme O Grito interpela com veemência nossa consciência, pois conta de forma comovente e instigadora histórias de famílias de prisioneiros que foram afetadas pela portaria 157/2019 do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Portaria que proibiu o contato físico e privou detentos nos presídios federais de segurança máxima de manter seus laços sociais e afetivos. Impôs o banimento ao impor a incomunicabilidade do preso.



Hoje, sofrem de forma brutal não só os presos e suas famílias, mas também funcionários públicos, como agentes penais e diretores de presídios.  No Brasil, o encarceramento em massa está a todo vapor. Ano a ano aumenta-se vertiginosamente o número de presos. Ao superexplorar a dignidade humana e aumentar violentamente a desigualdade socioeconômica, a sociedade capitalista se torna uma fábrica de “criminosos” e se deleita com requintes de vingança e sadismo ao empurrar o povo negro, empobrecido e periférico para detrás das grades. São jogados em presídios superlotados, com insalubridade, comida azeda, com poucos agentes penitenciários e mal remunerados, o que piora mais a situação.

A Lei de Execução Penal, Lei n. 7.210/1984, diz que a pena que alguém deve cumprir após ser condenado por ter cometido um crime é a restrição do direito de ir e vir, ou seja, ficar preso, mas todos os outros direitos da pessoa humana precisam ser garantidos pelo Estado. E diz que a pena não deve passar do apenado. Deve-se restringir a liberdade e não a dignidade humana. Mas na realidade as prisões brasileiras, salvo honrosas exceções, são masmorras e brutais campos de concentração que desumanizam, vingam e castigam quem cometeu crime, julgado por um poder judiciário predominantemente integrado pela classe dominante que mais defende a propriedade privada capitalista do que o direito à vida e a dignidade humana.

Por vários anos, enquanto conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais, após receber denúncias com frequência de maus tratos e tortura em presídios de Minas Gerais, integrando Comissão de apuração de denúncias, visitei vários presídios da Região Metropolitana de Belo Horizonte, MG. Calamitosa e horrorosa a situação. Presos amontoados em celas superlotadas, submetidos ao arbítrio de agentes penitenciários que, volta e meia, surgiam com uma “tropa de choque” exclusiva deles para reprimir com brutal covardia. Comida estragada, ausência de banho de sol, falta de água, condições de insalubridade, ter que dormir em celas com “boi” fedorento. Com julgamento não concluso no STF, a revista íntima é vexatória e viola a dignidade humana, humilham mães, avós, esposas ou namoradas... Esta revista íntima é uma violência atroz perpetrada contra familiares de pessoas presas. Eis sinais de cárceres sendo na prática novas senzalas.

40% das pessoas presas estão presas provisoriamente, ou seja, estão presas sem terem sido condenadas. Enquanto membros da classe dominante continuam soltos com manobras judiciais intermináveis após terem sido condenados. 40% dos presos nunca puderam sentar na frente de um juiz para contar seu lado da história. E o direito de defesa? E o devido processo legal? E o direito ao contraditório? 70% das pessoas encarceradas são negras e seus crimes são envolvendo drogas sem ligação nenhuma com facções. Com tanta tecnologia existente não se estrangula o tráfico de drogas porque há poderosos que lucram muito.

O sistema carcerário é constituído dos regimes fechado, semiaberto e aberto. Em 2003 foi criado legalmente e implantado em 2006 o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), de restrição drástica, “regime fechadíssimo”. Hoje temos cinco presídios federais de segurança máxima, com muralhas de nove metros de altura e com base profunda no solo, paredes capazes de resistir a bombardeio de alto calibre, celas individuais, onde os presos permanecem isolados 22 horas por dia. Qual é o ser humano que resiste a esta atroz segregação e infame isolamento? Visitas com excessiva restrição sem nenhum contato físico, pois entre o preso e a pessoa visitante há um vidro muito grosso à prova de bala. A comunicação apenas por interfone com tudo registrado em câmeras que monitoram tudo em áudio e vídeo.

Os presídios federais não são para qualquer tipo de preso, mas exclusivamente para presos com ligação com facções. Logo, empresários e políticos que tenham cometido crimes de “colarinho branco” não são jogados em presídios federais, ou seja, não são violentados brutalmente na sua dignidade. Ou seja, braço pesadíssimo do Estado em cima da classe empobrecida e mão leve com os da classe dominante. E, pior, chamam isto de Justiça.

Os depoimentos doloridos de pais, mães e parentes de presos demonstram que as famílias também estão sendo afetadas violentamente pelas penas atribuídas aos seus filhos, o que é inconstitucional. Adoecimento mental, ansiedade e depressão estão levando presos e agentes penitenciários ao suicídio em número cada vez mais alarmante. Cortar os vínculos de comunicação com a família é brutalidade que empurra o preso para o adoecimento. Ninguém é de ferro para resistir sobreviver sem contato pelos menos com sua família e com pessoas que mais amam. Os presos estão pedindo socorro.

O STF reconheceu, dia 04 de outubro de 2023, a violação massiva de direitos fundamentais no violento sistema prisional brasileiro. Com a conclusão do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, o STF deu prazo de seis meses (Prazo vencido dia 04/04/2024!) para que o Governo Federal elaborasse um plano de intervenção para resolver a situação de desumanidade nos presídios, com diretrizes para reduzir a superlotação dos presídios, o número de presos provisórios e a permanência em regime mais severo ou por tempo superior ao da pena. As condições degradantes dos presídios degradam as pessoas, ao invés de ressocializar transformam os presídios em fábricas de criminosos.

Já está demonstrado que o sistema prisional que ressocializa é o das APACs, Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, “prisões alternativas” com apenas dezenas de presos, onde os presos são respeitados na sua dignidade, tratados com amor e cuidado.  “Aqui entra o homem, o delito fica lá fora.” Eis o lema que rege a vida diária nas APACs.

Por que não se segue a criminologia defendida por Eugenio Raúl Zaffaroni, jurista e magistrado argentino, que propõe imputar ao Estado parte da pena de um criminoso pelos direitos que foram negados a ele antes de ele cometer um crime, sendo que na maioria das vezes o jovem é empurrado para o crime pelas violações de direitos que sofre desde o ventre materno?

Após ser criado na Galileia (periferia da Palestina), convivendo com o povo empobrecido, Jesus de Nazaré, antes de se tornar mestre, se tornou discípulo do grande profeta João Batista. Ao saber que o profeta João Batista tinha sido encarcerado em uma prisão de Segurança Máxima[3] e condenado à pena de morte, Jesus foi tomado por uma ira santa e sentiu dentro de si a voz do Pai: “É chegada a minha hora!” (Mc 1,14). Por solidariedade a um preso Jesus começou sua missão pública.

Na pequena sinagoga de Nazaré, Jesus lançou seu programa de ação pública: libertação integral de todos. “Vim para libertar os presos!” (Lc 4,18). Isto se trata de libertação política, pois quem prende é a polícia a mando do rei, poder político. Logo, todo preso é um preso político.

Pelo seu ensinamento libertador, respaldado por uma prática amorosa e libertadora, Jesus Cristo reintegra os violentados, entre os quais estão os presos. Por isso, Jesus foi preso e condenado à morte. Na cruz (regra do Império Romano para escravizados e subversivos!), Jesus acolheu outro prisioneiro, dizendo-lhe: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43). Assim, segundo os evangelhos, Jesus inicia sua missão pública acolhendo o clamor de um preso e termina estendendo a mão ao outro preso. Por uma sociedade sem prisões sigamos lutando!

1º/10/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Maria Criseide e Wellington, INOCENTES, mas pena 15 anos de prisão, presos a 4 anos, tortura/estupro

2 - Jorge Almeida, militante da luta pela Reforma Agrária em MG: 4,5 anos presos, poeta, de Buritis/MG

3 - II Palavra Ética na TVC/BH: APAC de Lagoa da Prata/MG. Jeito humano de lidar com os presos

4 - Palavra Ética na TVC/BH: Direitos Humanos dos presos, c/ Aylton Magalhães/DPE/MG. 02/04/16

5 - Dona Tereza defende direitos dos presos de MG e critica promotores da área criminal. 14/03/16

6 - Palavra Ética com frei Fernando Brito: preso 4 anos nos porões da ditadura militar. 21/11/2012

7 - Pastoral Carcerária: José Raimundo de Freitas, após 38 anos preso, artista. 2a parte. 20/05/2012

8 - Dona Teresa - Presidenta do Grupo dos parentes dos presos - DIREITOS HUMANOS - 10/12/2011



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Ocupações Urbanas; autor de livros e artigos. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       Canal no you tube: https://www.youtube.com/@freigilvander      –     Facebook: Gilvander Moreira III

[2] “56 mortos em presídio em Manaus, dia 02/01/2017”. Essa é a informação oficial. No massacre do Carandiru, em 02/10/1992, em São Paulo, SP, oficialmente foram 111 mortos, mas segundo o padre da Pastoral Carcerária, na época, o massacre pode ter atingido letalmente mais de 200 presos. Em um presídio de Ponte Nova, MG, no dia 23 de agosto de 2007, 25 presos morreram queimados durante um incêndio. Outros oito presos foram queimados vivos em Rio Piracicaba, MG, em janeiro de 2008, e outros três, em uma cadeia de Arcos, MG. Em menos de um ano, em 2008, só em Minas Gerais, 36 presos morreram queimados em prisões; feridos, centenas. E pelo Brasil afora ...

 

[3] Pesquisas arqueológicas indicam que, provavelmente, João Batista tenha sido encarcerado na Prisão de Maquerontes, uma das fortalezas do rei Herodes.