GOVERNO FEDERAL E TRF6 DESPEJARÃO “CEGOS DE MG DO SEU LAR”? Por frei Gilvander Moreira[1]
Capa de uma das videorreportagens sobre a União Auxiliadora dos Cegos de MG, sob brutal ameaça de despejo.Em
Santa Teresa, bairro histórico de Belo Horizonte, MG, a sede única da
Associação filantrópica União Auxiliadora dos Cegos de Minas Gerais está com
despejo decretado por um desembargador do Tribunal Regional Federal 6ª Região
(TRF6)[2],
decisão tomada em Embargos de Declaração a pedido do Governo Federal. O
desembargador se agarrou em formalidades processuais e ignorou a dignidade
humana e todos os direitos humanos fundamentais dos cegos que moram na Casa dos
Cegos de MG, vários há mais de 45 anos, vários negros e sem parentes ou qualquer
vínculo afetivo fora do ambiente em que vivem e, portanto, sem rede de apoio
para além da dita entidade. O prédio da União dos Cegos de MG já foi, pela segunda
vez[3], leiloado
por 720 mil reais, sendo que, se fosse para vender, o prédio vale mais de 5
milhões de reais. Decisão chocante e estarrecedora que deixou muita gente
comovida e indignada.
Desde
1973 a Casa de Acolhida dos Cegos de MG está à Rua Mármore, 664, no bairro
Santa Teresa. Foi construída com uma longuíssima campanha de solidariedade,
“tijolo a tijolo”, em uma época que os cegos eram obrigados a mendigar. Esmolar
na rua era o que restava para as pessoas cegas. “A Casa de Acolhida dos Cegos de MG foi construída para acolher os que
não tinham nem eira e nem beira, os que, cegos/cegados, sobreviviam pedindo
esmola na rua e morrendo um pouco a cada dia com tantas necessidades e sofrendo
cotidianamente humilhações. Temos uma história de mais de 70 anos, desde 1955.
Já acolhemos mais de mil cegos aqui na nossa sede, não só de Minas Gerais, mas
de vários estados e até do estrangeiro. Aqui é nosso lar. Criamos uma Clínica
Médica e vários outros projetos de acolhida dos cegos. Centenas de cegos
fizeram vários cursos – braile, música, aula de violão etc. - aqui na nossa
sede. Expulsar os cegos aqui desta casa, que é nosso lar, será decretar a morte
de todos. Se mandar a tropa de choque para integrar na posse da nossa Sede um
dos maiores empresários de Belo Horizonte, pode enviar também os caixões, pois
só sairemos daqui mortos”, profetisa de cabeça erguida e muito emocionado o
Jerônimo, ex-presidente da União Auxiliadora dos Cegos de MG. Ao longo de mais
de sete décadas, a União Auxiliadora dos Cegos de MG tem cumprido seus principais
objetivos: fornecer moradia, alimentação para os internos e externos,
tratamento médico, jurídico, psicológico, de saúde, odontológico e cursos
formativos a seus associados cegos, sem família em
Belo Horizonte, vindas do interior para a capital, a procura de uma vida melhor
e que encontraram na entidade um porto seguro, com albergaria, café da manhã,
almoço, janta, cuidados médicos, oficinas de arte e etc. A sede também abriga
um lindo coral de pessoas com deficiência visual.
O
que levou à decretação da penhora do prédio da União Auxiliadora dos Cegos de
MG, ao leilão e à consequente decisão para despejar os cegos que lá residem? Há
mais de 50 anos, nas décadas de 70 e 80 do século XX, por dificuldade
econômica, uma antiga diretora da União Auxiliadora dos Cegos de MG deixou de
pagar tributos ao Governo Federal – INSS de funcionários que cuidavam dos cegos
na Casa. O tempo foi passando e a dívida cresceu.
Um advogado
contratado para defender a União Auxiliadora dos Cegos foi irresponsável e não
defendeu a Associação como deveria. Parece que tinha no contrato com ele que
caso se perdesse a causa e o prédio fosse leiloado, ele teria direito a certo
valor ou a algumas salas do prédio. Assim, os cegos não tiveram direito ao
contraditório e a ampla defesa. O devido processo legal não aconteceu de forma
justa. Quando perceberam que o advogado não os estava defendendo, o prédio já
tinha sido penhorado e leiloado em 2011. Passaram a procuração para outro
advogado que, por meio de vários recursos judiciais, conseguiu anular o leilão
e obter revisão da decisão alegando que a Casa é lar de Cegos e, portanto,
impenhorável. Mas de forma muito estranha, ao herdar o processo do TRF1, um
desembargador do TRF6 reabilitou a decisão que mandou leiloar o prédio da
Associação dos Cegos e agora estamos na iminência do cumprimento desta decisão
brutal, absurda, inconstitucional e injusta.
Enviamos
Ofício à Macaé Evaristo, ministra do Ministério dos Direitos Humanos e
Cidadania, reivindicando que ela abra processo de negociação que exclua a
decisão de leilão do prédio e o despejo dos Cegos do seu histórico lar no bairro
Santa Teresa em Belo Horizonte. Esperamos que o Governo Federal – Lula, Haddad
e Macaé – tenha sensibilidade humana e perdoe esta dívida de INSS de 50 anos
atrás e deixe a Associação Filantrópica União Auxiliadora dos Cegos de MG em
paz, melhor dizendo, que destine à Associação União Auxiliadora dos Cegos de MG
recursos necessários para ela ser revitalizada para voltar a ser espaço de
acolhida de centenas de cegos que clamam por apoio em BH, Região Metropolitana,
MG e Brasil.
No
Ofício à Ministra dos Direitos Humanos consta: “Atente-se
para a gravidade da situação em desalojar pessoas cegas do seu espaço habitual
de moradia, que construíram seu projeto de vida no entorno, no qual cada um já
se familiarizou com o comércio local, com os equipamentos públicos e outros
espaços de convivência social. O senhor Juvenal de Jesus, por exemplo, tem 81
anos e mora na sede da União Auxiliadora dos Cegos há 44 anos. José Dias, por
sua vez, conhecido como Bingo, nasceu em 1942 e também reside na sede da
entidade, há 50 anos. Logo, é inimaginável cogitar o desalojamento forçado
dessas pessoas nessas condições.”
Como
o cego Bartimeu, no evangelho de Marcos, que, ao sentir que Jesus passava
subindo para Jerusalém, gritava: “Jesus,
tem misericórdia de mim!” (Mc 10,47.48), os cegos do Santa Teresa estão
clamando: “Tenham misericórdia de nós.
Esta ameaça de despejo está tirando o
nosso sono e nos adoecendo.” Indignado com os que tentavam abafar o grito
do cego Bartimeu, Jesus disse: “Chamai-o!”
(Mc 10,49). Feliz com a acolhida de Jesus, deixando a posição de mendicante, o
cego deu um pulo e se aproximou de Jesus, desrespeitando a lei da pureza que
proibia aproximar-se dos impuros. Jesus o acolhe e pergunta: “Que queres que eu te faça?” O cego não
pediu esmola, mas clamou por um direito: “Eu
quero a recuperação da minha visão” (Mc 10,51). Feliz da vida ao perceber a
fé do cego, Jesus celebrou o resgate da visão do cego: “Vai. Tua fé te salvou” (Mc 10,52). Observe o detalhe: fé do cego e
não a fé em Jesus. E o cego se tornou um discípulo de Jesus e “o seguia no caminho” (Mc 10,52). Assim,
Jesus nos ensina que para sermos humanos precisamos ouvir e atender aos
clamores dos injustiçados e sofredores, entre aos quais estão os cegos/cegados.
Uma
autoridade perguntou ao atual presidente da União Auxiliadora dos Cegos de MG:
“Caso aconteça mesmo o despejo, vocês
cegos aceitam ir para um abrigo público da prefeitura ou para um asilo ou casa
de acolhida?” O atual presidente da União Auxiliadora dos Cegos de MG, Renato
Leonardo Ferreira, de cabeça erguida, respondeu de forma categórica: “Jamais aceitaremos ser retirados da nossa
casa, que é o nosso lar. Pedimos ao Governo Federal e à Justiça Federal que abram
processo de negociação que leve à exclusão do despejo, seja perdoando a dívida
como o Governo Federal tem feito nas últimas décadas com muitos usineiros,
latifundiários e empresários ou encontrando outra forma de se pagar a dívida,
mas sem nos retirar do nosso lar. Se se perdoa dívida de tantos ricos falidos,
por que não perdoar a dívida de uma entidade filantrópica como a União
Auxiliadora dos Cegos de MG?”
Enfim, é triste e brutalmente injusto saber que no Brasil, nem cegos estão livres de despejo. Pelo respeito à dignidade humana seguiremos lutando até depois da vitória. Despejar um grupo de cegos de seu lar jamais aceitaremos. Clamamos pela revisão da decisão judicial do TRF6 que mandou leiloar a sede dos Cegos de MG e jogar na rua cegos que vivem lá, muitos há mais de 45 anos. Que o Governo Federal seja sensível e justo! Esse despejo não pode acontecer.
15/10/2024.
Obs.: As videorreportagens nos
links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 -
DESPEJO?
SEDE DA UNIÃO AUXILIADORA DOS CEGOS DE MG com decisão do TRF6 p despejo de 8
cegos. Vídeo 1
2 - “Se nos despejar daqui, nos porá no
caixão." Há 70 anos UNIÃO AUXILIADORA DOS CEGOS DE MG. Vídeo 2
3 - “DAQUI SÓ SAÍMOS NO CAIXÃO. NÃO ACEITAMOS
SER DESPEJADOS. UNIÃO AUXILIADORA DE CEGOS DE MG Vídeo 3
4 - “Aqui, nosso lar. 70 anos de história.
Despejo, JAMAIS!” UNIÃO AUXILIADORA DOS CEGOS DE MG. Vídeo 4
5 - “TRF6, Lula, Macaé Evaristo e empresário,
pelo amor de Deus, não nos despeje. Somos cegos”. Vídeo 5
[1] Frei e padre da Ordem dos
carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em
Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT,
CEBI e Ocupações Urbanas; autor de livros e artigos. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– Canal no you tube: https://www.youtube.com/@freigilvander
– Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Processo n.
0036885-69.2015.4.01.3800
[3] O primeiro leilão foi cancelado
judicialmente porque o novo advogado alegou no processo que a sede é casa lar
dos idosos e, por isso, impenhorável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário