Vem aí o mês da Bíblia, em 2019, com a I Carta de João
Gilvander
Moreira[1]
Capa do livrinho do CEBI-MG - Texto-base - para o mês da Bíblia de 2019. |
Em Minas Gerais, há mais de 20 anos,
um grupo de biblistas do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI-MG)[2]
publica anualmente um livrinho que busca ser um Texto-Base sobre o livro
bíblico do mês da Bíblia: setembro. Em 2019, todas as pessoas e comunidades
cristãs são convidadas a refletir e inspirar a caminhada, especialmente no mês
de setembro, sobre a Primeira Carta de João: Carta do Discípulo Amado às
Primeiras Comunidades Cristãs, a nós e às Comunidades cristãs da atualidade. O
livrinho tem como título A Comunhão entre Deus e Nós e
como subtítulo Uma leitura da Primeira Carta de João feita pelo CEBI-MG.
As
Primeiras Comunidades Cristãs, no meio de muitas perseguições e violências,
divisões internas, inclusive, sob a influência do Discípulo Amado, tiveram a
sabedoria, a coragem e o discernimento para manterem a unidade e a perseverança
na caminhada cultivando a utopia de serem fieis ao verdadeiro Evangelho de
Jesus Cristo e não se perderem na caminhada.
Vivemos um tempo perigoso no Brasil e
no mundo. Tempo de ascensão de ideias e políticos “linha dura” e de militares
ao poder político, tanto no executivo quanto no legislativo, no nível federal e
em muitos estados, de poder judiciário parcial e seletivo, decidindo para
reproduzir e ampliar as desigualdades sociais, violentando o espírito
democrático construído com muita luta, suor e sangue no Brasil. Tempo de fake
news (falsas notícias) fomentando ódio e discriminações. Tempo de poder da
mídia trombeteando aos quatro ventos a ideologia dominante, estamos em tempos
de fundamentalismos, de céus povoados de anjos e entidades, de “demônios” por
todos os lados, de gritaria de deuses – idolatria do capital. Tempo de
promessas, de busca insaciável de bênçãos, de procissões, de peregrinações, de
necessidade de expiação. Tempo de
moralismo, de religiões sem Deus, de salvação sem escatologia, de cristianismo
light, de libertações que não vão muito além da autoestima. Tempo de teologia
da prosperidade em igrejas eletrônicas. Enfim, tempos de neopentecostalismo
tanto dentro da igreja católica como em uma infinidade de outras igrejas. E
tudo isso levando a graves retrocessos com relação a políticas públicas que
beneficiariam a maioria do povo: corte de direitos sociais, amputação de
direitos trabalhistas e previdenciários, etc.
Nesse contexto, será muito bom lermos e compreendermos
bem na Bíblia Primeira Carta de João (1 Jo), pois um dos graves obstáculos que
as comunidades cristãs do discípulo amado – autor da I Jo - estavam
atravessando era as investidas de grupos espiritualistas que estavam
desencarnando a fé cristã e amputando a dimensão social da fé em/de Jesus
Cristo e no seu Evangelho.
Para compreendermos de forma sensata e libertadora a
Primeira Carta de João às comunidades joaninas, melhor dizendo, Carta de João
às Comunidades do Discípulo Amado e especificamente compreendermos a parte de 1
Jo 2,29–4,6 que propõe às pessoas e às comunidades cristãs que ‘para ser filha e filho de Deus temos que
ser pessoas justas’ é preciso várias coisas. Primeiro, ler, reler e tresler
o texto devagarinho, de preferência de forma comunitária. Segundo, considerar a
caminhada histórica das Comunidades Cristãs do Discípulo Amado. Tiveram uma
origem (1ª fase) calcada na experiência da ressurreição de Jesus Cristo.
Passaram por uma 2ª fase, durante a qual foram espirradas para a Diáspora,
entre os gentios, considerados pagãos, na Ásia Menor, após serem expulsas da
Sinagoga na década de 80 do século I. Vivenciaram uma 3ª fase, por volta do ano
100 depois de Cristo, época da redação das Cartas “joaninas” por um coordenador
de comunidade, em Éfeso, endereçadas às Comunidades Cristãs do Discípulo Amado.
E chegaram a uma 4ª fase, durante o Século II, depois das “Cartas Joaninas”.
Nessas várias fases, as Comunidades do Discípulo Amado passaram por várias
crises. E nós hoje, leitoras e leitores da ‘I Carta de João’ somos
convidadas/os a beber da seiva original de todas as fases anteriores e,
principalmente, como filhas e filhos do Deus da Vida, vivendo e convivendo de
forma justa e lutando pela superação de toda e qualquer injustiça que se abate
sobre qualquer pessoa ou ser vivo da biodiversidade.
Importante notar que são várias comunidades do
discípulo amado, não apenas uma. Nós também, mesmo participando de comunidades
diferentes, precisamos estar em comunhão conspirando em sintonia com projeto do
Evangelho de Jesus Cristo que quer vida e liberdade em abundância para todos/as
e para todos os seres vivos (Cf. Jo 10,10). A caminhada histórica das
Comunidades Cristãs do Discípulo Amado, passando por quatro fases, se deu como
se as quatro fases fossem uma corda onde estivessem entrelaçados quatro fios. Cada
fase corresponde a um fio, que não deve ser visto de forma isolada, mas como um
conjunto entrelaçado. Um fio sozinho é fraco, mas quando se juntam muitos fios,
entrelaçando-os, a força da fraqueza surge e se torna invencível. Assim, uma
pessoa ou comunidade sozinha e isolada é frágil, mas quando se articula com
outras pessoas e comunidades injustiçadas e estabelece caminhada conjunta em
comunhão supera obstáculos por vezes tidos como instransponíveis, e conquista
direitos. No meio das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) é comum ouvirmos:
“isolada, sou um pedaço de pessoa. Participando da comunidade me torno pessoa
inteira.”
Outros dois critérios imprescindíveis para uma boa
compreensão da mensagem da Primeira Carta de João e, especificamente, de 1 Jo
2,29-4,6, são o contexto que envolvia as comunidades do Discípulo Amado e como
buscavam vivenciar internamente projeto de Jesus Cristo ressuscitado. O
contexto era tremendamente adverso: imperialismo romano que superexplorava o
povo submetido ao regime de escravidão – 1/3 das pessoas de um império com 60
milhões de habitantes não eram consideradas pessoas, mas coisas/mercadorias –,
contexto de violentação do povo também pela exploração tributária – quem mais
pagava impostos embutidos em tudo o que se comprava eram os pobres. As
instituições religiosas predominantes mais próximas das Comunidades do
Discípulo Amado eram o Judaísmo rigorista, fundamentalista e moralista ou as
religiões mistéricas ou as religiões imperiais, todas anticristãs. Pela utopia
do reino de Deus testemunhado por Jesus Cristo e também por necessidade, as
Comunidades do Discípulo Amado buscavam colocar em prática um Projeto de vida
que se pautava por quatro aspectos entrelaçados: amor, justiça, solidariedade e
fraternidade.
Em 1 Jo 1,1-2,28, vemos que as pessoas das Comunidades
do Discípulo Amado buscavam andar na luz, porque “Deus é luz” (1 Jo 1,5). Sim,
Deus é luz, mas não é só luz; Deus é também justiça. Por isso na parte de 1 Jo
2,29-4,6 vemos que andar na luz implica viver na justiça. Mas que tipo de
justiça a Primeira Carta de João defende e que deve ser a bússola que nos guia?
Certamente não é a justiça legalista e capitalista, nem a do mercado e nem a da
meritocracia. A justiça que o Deus da vida quer inclui uma reorganização geral
e profunda da sociedade onde o bem comum seja a coluna mestra. Implica também
superar o sistema do capital e o capitalismo. Intuo que a música ‘Clamando pela
posse da terra’, de Antônio Pereira de Almeida, o Antônio Baiano da Comissão
Pastoral da Terra (CPT), de Goiás, no CD Encanto
pela terra, de 1999, canta o tipo de justiça do qual devemos ser
construtoras e construtores. Canta Antônio Baiano assim:
“Clamando
pela posse da terra, no campo milhares estão.
Esse
grito está incomodando a quem sempre viveu da exploração.
O QUE
POSSO FAZER? O QUE TENHO A DIZER, MEU PAI? QUE SE FAÇA JUSTIÇA, REPARTAM AS
TERRAS, PARTILHEM O PÃO ENTRE NÓS FILHOS
TEUS!
Não
posso mais enumerar os mártires deste país. Na roça e também na cidade,
só vê
crueldade, correm rios de sangue.
A quem
serve a lei e o poder, a polícia e a Constituição?
Assassinam
sem piedade, permanecem impunes nesta nação.
Passo a
passo fazemos caminho, sempre em busca de organização.
De mãos
dadas sigamos em frente, formando a corrente pra libertação.”
Belo Horizonte, MG, 23/7/2019.
Obs.: Quem quiser adquirir o Livrinho Texto-base do mês
da Bíblia, do CEBI-MG, de 2019 - A Comunhão entre Deus e Nós e como subtítulo Uma
leitura da Primeira
Carta de João feita pelo
CEBI-MG - entrar em contato com
CEBI-MG: Secretaria Estadual CEBI-MG
Rua da Bahia, 1148 – Edifício Maleta, Sala 1215 - Centro
– Belo Horizonte/MG
CEP: 60.160-011 - Telefone: (31) 3222 1805 - E-mail : secretariado@cebimg.org.br
CEP: 60.160-011 - Telefone: (31) 3222 1805 - E-mail : secretariado@cebimg.org.br
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em
Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel
em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI,
SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos
Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.
E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br –
www.twitter.com/gilvanderluis – Facebook: Gilvander Moreira III