BASES NECESSÁRIAS PARA SE DISCUTIR ANISTIA - Por Gilvander Moreira[1] e Marcelo Barros
Reprodução Redes VirtuaisEnquanto no Supremo Tribunal
Federal (STF) segue o julgamento do “núcleo crucial” da trama golpista que
culminou na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília, dia 8
de janeiro de 2023, com oito pessoas, entre elas, Jair Bolsonaro e generais no
banco dos réus, nessa semana, de 8 a 14 de setembro de 2025, muita gente no
Brasil debate sobre anistia. As pessoas que defendem o ex-presidente golpista e
seus aliados pedem anistia com argumentos inimagináveis. Todas as pessoas e
grupos que defendem a Constituição Cidadã de 1988 e a Democracia dizem: “Não!
Anistia, nunca mais!”
Há quem acuse de revanchismo e
de vingança quem se posiciona contra a anistia, mas absolutamente não se trata
disso. Não anistiar quem atentou contra o Estado Democrático é acima de tudo
uma questão de Justiça e da possibilidade do povo brasileiro viver um caminho
novo e soberano. Quem pisou na Constituição para tentar dar mais um golpe de
Estado, não pode fazer a mesma coisa e passar por cima do artigo 5º da Constituição Federal que
prescreve claramente que não pode haver anistia para quem atenta contra as
instituições democráticas. “Constitui
crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou
militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático” (CF/1988,
Art. 5, inciso XLIV). O brutal processo de tentativa de golpe está recheado de
provas inquestionáveis.
As organizações sociais e os movimentos
populares que dizem Não à anistia para golpistas são favoráveis à Justiça
restaurativa e antiprisional. Sonhamos com um mundo sem prisões, com pessoas
livres, com direitos humanos respeitados, com condições objetivas que
viabilizem o respeito à dignidade humana, com relações humanas e sociais
justas, não escravocratas.
As pastorais sociais das Igrejas
cristãs trabalham a partir da proposta de Jesus de Nazaré que descreveu a sua
missão ao afirmar que o Espírito Divino desceu sobre ele e o enviou para
libertar todas as pessoas cativas (Lc 4,14-19), não apenas as inocentes. Todas.
No entanto, isso não pode se realizar magicamente e de forma inconsequente.
Assumimos como proposta de nossa ação coletiva a justiça não violenta e nos
propomos amar até aos inimigos, mas não confundindo-os com os amigos. Isso
seria contraditoriamente lhes dar força e possibilidade para continuarem a
fazer o mal ao nosso povo. Defender essa irresponsabilidade nada teria de
evangélico ou espiritual. No evangelho, Jesus nos manda ser simples como pombas
e espertos como serpentes (Mt 10,16). O pedagogo da libertação Paulo Freire diz
que devemos amar todas as pessoas, mas não do mesmo jeito. Devemos amar as
pessoas oprimidas e exploradas nos colocando ao lado delas para solidariamente
a partir delas empreender lutas pelos seus direitos e devemos amar os inimigos
retirando das mãos deles as armas da opressão.
Ao
longo da história brasileira, toda vez que golpistas foram anistiados, logo
depois, os anistiados tentaram novamente golpes e implantaram ditaduras
sanguinárias. Anistia como amnésia, feita no
Brasil várias vezes tem pavimentado o terreno para a repetição de golpes que
não podemos mais tolerar. Frei Betto nos recorda: “A anistia de 1979 -
aberração jurídica que tornou imunes e impunes os carrascos da ditadura -, foi
o ovo da serpente que, chocado em 8 de janeiro de 2023, gorou,” graças à luta
aguerrida de autoridades que acreditam na democracia e agiram em tempo de
sufocar a tentativa brutal antes que fosse consumado o golpe.
O Brasil ainda não julgou criminalmente torturadores
do período ditatorial. Argentina, Chile, Uruguai e Peru julgaram, seguindo as
justas reivindicações das Mães da Praça de Maio e dos Movimentos Sociais que
sabem que a paz verdadeira só se constrói com justiça. Que junto com o STF e
todas as pessoas democráticas tenhamos a coragem e a sabedoria de fortalecer a
democracia e jamais deixar que algozes a aniquilem!
Digamos que fosse possível
contornar a impossibilidade constitucional. Imaginemos, por um instante, que o
Congresso Nacional, com a chancela do Presidente da República, de modo
equivocado e ambíguo, resolvesse conceder anistia aos réus de tentativa de
golpe de Estado. De todo modo, seria preciso recordar que anistia supõe perdão
de uma culpa assumida. Não tem sentido alguém afirmar: eu sou inocente e não
fiz nada de errado, mas peço que me perdoe. Perdoar de que se você não assume
que errou e cometeu um crime passível de condenação? Só tem sentido falar de
anistia para quem se reconhece culpado, confessa sua culpa e demonstra postura
de mudança que exclua reprodução da violência antes praticada. Se os culpados
pela tentativa de golpe de Estado vierem a público para confessar que são
realmente culpados, descreverem o que fizeram contra a Democracia, assumirem
que desdenharam da Constituição desde que se sentiram donos do poder e fosse
possível acreditar que estariam sendo sinceros, essa discussão sobre anistia
teria ao menos uma base para ser discutida.
Como desfecho de um longo
processo de tentativa de golpe, o que ocorreu no dia 8 de janeiro de 2023 foi
apenas uma demonstração na mesma linha de quem nunca perdeu ocasião para
elogiar o Golpe que instaurou a ditadura no Brasil a partir de 31 de março de
1964 e enalteceu figuras de torturadores que para eles são heróis. A relação
dessas pessoas com a extrema-direita internacional e com o facínora que se
julga imperador do mundo mostra que não mudaram de posição, nem estão
arrependidos e dispostos a mudar de projeto e de forma de agir. Insistem em
defender privilégios de alguns empresários do grande capital e religiosos
mercenários, em conluio com criminosos reincidentes que, por estarem enrolados
em vários crimes, terão que prestar contas ao STF. Querem o pretenso direito de
continuar cometendo crimes e não serem responsabilizados. Além disso, não estão
nem aí para os direitos dos povos e da natureza. Recusam a votar projetos de
leis que beneficiariam o povo, tais como isenção de imposto de renda para quem
ganha até cinco salários-mínimos, fim da jornada 6 X 1, ou seja, trabalhar seis
dias e folgar apenas 1. Recusam a taxar os super-ricos e são os primeiros a
flexibilizarem as leis ambientais para deixar os tratores seguirem devastando a
Amazônia, o Cerrado, a Mata Atlântica, a Caatinga, o Pantanal e os Pampas,
biomas imprescindíveis para garantir condições de vida para os povos e para
toda a biodiversidade.
Se o ex-presidente e seus
auxiliares mais diretos não aparecem em cadeia nacional de televisão e não
assumem que cometeram um crime contra as instituições oficiais do país e contra
o povo brasileiro e assim mesmo recebem anistia, as pessoas que aprovarem essa
anistia injusta estariam apenas chancelando a possibilidade deles armarem novas
tentativas de golpe com a possível derrota do seu grupo nas eleições de 2026.
A proposta cristã de perdão incondicional não pode fazer de conta que a justiça não existe. Se operários são explorados, se pequenos lavradores sofrem perseguição, não basta dizer ao opressor que o perdoa. É necessário fazer tudo o que for necessário para que ele não continue oprimindo. No tempo do nazismo, Dietrich Bonhoeffer afirmava: “Quem é cristão não pode apenas fugir do mal. É preciso combatê-lo”. Que haja justiça! "Sem anistia para golpistas, fascistas!"
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas;
doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR;
bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício
Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Ocupações Urbanas;
autor de livros e artigos. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– Canal no you tube: https://www.youtube.com/@freigilvander – No instagram:
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