segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Sr. Mozar no Quilombo Campo Grande/MST/MG: "Sem a terra ele não vive!" ...







Sr.
Mozar do Quilombo Campo Grande, do MST, em Campo do Meio, sul de MG: Vida que
depende da terra – Vídeo 6 – 26/11/2018.

No Acampamento Fome Zero, um
dos 11 Acampamentos que integram o Quilombo Campo Grande, no grande latifúndio
da massa falida da antiga Usina Ariadnópolis, em Campo do Meio, sul de Minas
Gerais, uma cena chama a atenção em meio a tantas outras cenas de luta e
trabalho na terra: o Sr. Mozar Oliveira de Andrade, 71 anos, com sua pequena
enxada, trabalhando na lavoura de feijão. O diferencial está na determinação do
Sr. Mozar, na sua capacidade de superação. Vereador por três mandatos em Campo
do Meio, sempre lutando em defesa do bem comum, Sr. Mozar travou uma grande
luta contra o câncer. Como sequelas, a amputação de uma perna e a perda da voz.
Hoje, fala quase incompreensível com a ajuda de um aparelho. Contudo, sua
resiliência diante das limitações foi mais forte e diariamente, lá está o Sr.
Mozar, em uma das lavouras de feijão, no Acampamento Fome Zero, do Quilombo
Campo Grande, com sua enxada de cabo curto, na capina, na colheita, com
coragem, esforço e alegria. Para o Sr. Mozar terra é sinônimo de vida. Seu suor
rega a terra, a terra sustenta seu corpo e dá vida sempre renovada à sua vida
de luta. No Sr. Mozar, uma grande lição de vida e a expressão fiel da
resistência de um povo que há mais de 20 anos ocupa essas terras que,
abandonadas, não cumpriam função social e hoje, pela força do trabalho de 450
famílias, mais de 2 mil camponeses e camponesas, trabalhadoras e trabalhadores
rurais, produz alimentos saudáveis, orgânicos, sem agrotóxicos, gera renda,
cidadania, garante vida e vida com dignidade. Pelo Sr. Mozar e por todos os
trabalhadores e trabalhadoras do Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio, Minas
Gerais, DESPEJO, NÃO! DIREITO À PERMANÊNCIA DEFINITIVA NA TERRA, SIM!
*Reportagem em vídeo de frei
Gilvander, da CPT, das CEBs e do CEBI. Edição de Nádia Oliveira, colaboradora
da CPT-MG. Campo do Meio/MG, 26/11/2018.
* Inscreva-se no You Tube,
no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no link: https://www.youtube.com/user/fgilvander,
acione o sininho, receba as notificações de envio de vídeos e assista a
diversos vídeos de luta por direitos sociais. Se assistir e gostar,
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domingo, 23 de dezembro de 2018

Natal de Jesus Cristo na periferia de Belém: “Não tenham medo!”


Natal de Jesus Cristo na periferia de Belém: “Não tenham medo!”
Por Gilvander Moreira[1]

Reprodução: Cartão de Natal do artista Banksy: muro
de Israel no caminho da Sagrada Família.

É tempo de natal e de virada de ano. Sob a avalanche do natal do mercado idolatrado, necessário se faz resgatar o sentido bíblico do Natal de Jesus Cristo, que é revolucionário. Faz bem entendermos a narrativa bíblica do Evangelho de Lucas (Lc 2,1-20) que versa sobre o nascimento do galileu que se tornou Cristo, que testemunhou um jeito de conviver libertador e salvador. O Evangelho de Lucas não é crônica jornalística escrita sob o calor dos fatos. Escrito na década de 80 do século I da era cristã, o Evangelho de Lucas é Teologia da História a partir dos oprimidos e injustiçados e da sua fé na ressurreição de Jesus Cristo. Que beleza que os opressores não exterminaram o movimento popular e religioso de Jesus! Fizeram uma grande sexta-feira da paixão, mas as discípulas e os discípulos de Jesus Cristo, experimentando que Ele vivia nelas e neles, construíram um domingo de ressurreição com pão, terra e liberdade para todos/as. Em algum lugar, nas periferias  do mundo, do ventre de uma mulher, uma criança quer vir à luz... Uma estrela aponta para um cantinho, em um pedacinho de chão... "Olha a glória de Deus brilhando!" Não morre a utopia da vida vencendo a morte, do amor vencendo o ódio e da justiça sobressaindo sobre a injustiça. Para o evangelista Lucas foram os pastores – os trabalhadores mais discriminados da época - os que, por primeiro, reconheceram a encarnação do divino no humano. Quando nasceu Jesus Cristo? Onde? Em que contexto? Na presença de quem? E foi visitado e acolhido por quem?
Jesus nasceu em tempos de imperialismo romano com o imperador Augusto baixando decreto para aumentar o peso da tributação nas costas do povo, além de manter a superexploração, por meio da escravidão, a quem eram submetidos mais de 60 milhões de pessoas nas muitas colônias do Império Romano. Diz o evangelista Lucas: “Naqueles dias, o imperador Augusto publicou um decreto ordenando recenseamento em todo o império” (Lc 2,1). Como o pai de Jesus, José, era descendente de Davi e natural de Belém, ele teve que viajar da cidadezinha de Nazaré, na Galileia, até Belém, na Judeia, mais de 120 quilômetros, a pé ou montando em jumento, com sua esposa Maria que estava na iminência de dar à luz (Lc 2,3-5). Em uma colônia dominada pelo imperialismo romano, por governadores submissos aos interesses imperiais e com a cumplicidade de um poder religioso – o sinédrio – que usava o nome de Deus para excluir e marginalizar a maioria do povo, como trecheiro, estradeiro, “irmão de rua”, migrante, retirante, sem-terra, sem-teto, refugiado, migrante e judeu da periferia, nasceu Jesus Cristo na periferia de Belém, pequena cidade do interior. Jesus não nasceu em Jerusalém nem na capital do império, nem em Brasília, nem na Avenida Paulista e nem nos Estados Unidos. Maria e José tiveram que ocupar um curral, porque não encontraram hospedagem em Belém, certamente porque não tinham como pagar hotel nem hospital particular. Ao descrever o nascimento de Jesus, o evangelista Lucas estabelece estreito paralelismo com a morte e ressurreição do Messias. De fato, em Lc 2,7a se diz que “Maria enfaixou Jesus e o colocou na manjedoura”; em Lc 23,53a afirma-se que “José de Arimateia enfaixou o corpo de Jesus e o colocou em um sepulcro”. Ou seja, o evangelista aponta que a missão de Jesus será espinhosa, terá que enfrentar a violência de podres poderes e de opressores e, por isso, será condenado à pena de morte, mas ressuscitará.
Jesus nasce no meio dos pastores (Lc 2,8), os injustiçados e execrados pela classe dominante onde estão os senhores “de bens” que por cumplicidade reproduzem a desigualdade social. Entre todos os segmentos da classe trabalhadora e camponesa, os pastores e as pastoras eram os/as mais explorados/as, considerados/as impuros/as, principalmente porque não respeitavam as propriedades privatizadas. Para os pastores e pastoras, o território era um bem comum e, por isso, levavam os rebanhos que cuidavam para pastar em outras propriedades. Assim eram considerados invasores de propriedades privadas. Para os pastores e as pastoras, “Terra de Deus, terra de irmãos!”.
Um anjo de Deus apareceu aos pastores” (Lc 2,9), não apareceu ao imperador, nem ao governador, nem a nenhum sacerdote e nem a nenhuma pessoa considerada pura, integrada à sociedade dos “de bens”. São esses pastores e pastoras que reconhecem o nascimento do menino Deus e vêm ao encontro daquele que iria testemunhar um caminho de libertação para todos/as e tudo, a utopia “vida e liberdade para todos/as e tudo” (Jo 10,10).
Nos Evangelhos de Lucas e de Mateus, o nascimento de Jesus não é apresentado de forma neutra diante das contradições e desigualdades sociais. José, Maria, Jesus, os evangelistas e as primeiras comunidades cristãs (autoras dos Evangelhos) têm lado: o lado dos oprimidos e injustiçados. A luz divina foi experimentada pelos pastores e pastoras, em uma noite escura (Lc 2,8-9), – como a noite que se abateu sobre o povo brasileiro com a ascensão do fascismo e de um capitalismo ultraliberal. A luz e a força divina surgiram para aqueles e aquelas que eram os/as mais rejeitados/as pela sociedade hipócrita e cínica. Nas primeiras comunidades cristãs se lia naquela época o texto do profeta Isaías que dizia: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, uma luz raiou para os que habitavam uma terra sombria” (Is 9,1). A primeira mensagem do anjo aos pastores e pastoras foi: “Não tenham medo! Eis uma ótima notícia para todo o povo explorado. Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vocês um Salvador, que é o Messias, o Senhor” (Lc 2,10). Essa mensagem ganha eloquência se recordarmos que quando se elevava um novo imperador ou rei, arautos do império anunciavam a entronização aclamando o que estava sendo entronizado como novo Salvador (soter, em grego) e Senhor (Kurios, em grego).
As primeiras comunidades cristãs fazem uma revolução copernicana e subvertem a ideologia dominante que divinizava o poder e quem estava no poder. ‘Salvador’ e ‘Senhor’ não será mais o imperador e nenhum rei. ‘Salvador’ e ‘Senhor’ será aquela criança que nasceu no meio dos explorados. O anjo alerta: só quem consegue se misturar com os periféricos e com eles conviver consegue experimentar o divino se revelando no humano a partir dos porões da humanidade (Lc 2,12). Quem fica distante dos empobrecidos e empobrecidas acumula preconceitos e se desumaniza. Diz o evangelista Lucas que os anjos fazem festa ao experimentar a glória de Deus e a paz (shalom, em hebraico) no meio do povo (Lc 2,14). A glória de Deus brilha quando o humano em todas as pessoas é respeitado e valorizado. Paz como fruto da justiça, shalom acontece quando os governos com organização popular efetuam mudanças estruturais para superar a desigualdade social e promover a justiça social com respeito à imensa diversidade cultural, aos direitos da natureza, dos animais e toda a biodiversidade existente no nosso país e no mundo. “Os pastores da região foram a Belém, às pressas, participar do acontecimento” (Lc 2,15-16); não foram a Jerusalém, nem a Brasília, nem às catedrais do deus mercado e nem ao Império do capital. “E todos que ouviam os pastores ficaram maravilhados” (Lc 2,18). Quem não ouve, não respeita e nem participa da luta dos/as sem-terra, dos/as sem-teto, dos/as migrantes, dos/as refugiados/as, dos irmãos e irmãs em situação de rua, dos/as indígenas, dos/as quilombolas, das mulheres e dos nossos irmãos e irmãs LGBTTQIs[2] não conseguem compreender o divino se tornando humano a partir de Jesus Cristo.
Os pastores e as pastoras reconhecem o poder popular nascido na periferia de Belém, cidade do rei e pastor Davi. “É de ti Belém, a menor entre todas as cidades, que virá o Salvador” (Miq 5,1), bradava a profecia inspiradora de Miqueias.  Etimologicamente Belém (Betlehem, em hebraico), significa Casa do Pão. Belém é a cidade de Davi, o menor entre os irmãos, aquele que organizou os injustiçados da sociedade para lutar por um governo justo, popular e democrático. O verdadeiro “rei dos judeus” não é violento e sanguinário como Herodes, é um recém-nascido, nascido sem-terra e sem-casa e tendo que se exilar às pressas, como refugiado, para não ser assassinado pelo poder repressor de plantão. Segundo o Evangelho de João, o nascido na “Casa do Pão” se tornou Pão da Vida para todos/as (Jo 6,35-59). Os pastores e as pastoras intuem com sabedoria que o poder alternativo, democrático, participativo e popular vem da periferia, dos injustiçados, dos pequenos.
O natal trombeteado aos quatro ventos pelos arautos do mercado idolatrado é um antinatal, abusa do nascimento de Jesus Cristo para auferir lucro e acumular capital, promovendo gastança, viagens que resultam em centenas de mortes e comilanças; pior, humilham milhões de pessoas que não podem gastar, viajar e nem promover comilanças. Quem não se alia à luta por direitos de sessenta por cento dos brasileiros que sobrevivem com menos de um salário mínimo por mês não consegue vivenciar o sentido sublime e profundo do Natal de Jesus Cristo, está sendo mentiroso/a, pois não está abraçando o projeto de Jesus, o Cristo libertador e salvador.
Não está em sintonia com o Natal de Jesus Cristo quem reproduz, direta ou indiretamente, uma das maiores desigualdades sociais do mundo: 1% mais rico, que abrange 1,2 milhão de brasileiros, com rendimento médio superior a 55 mil reais por mês, no Brasil, em 2018. Quem é discípulo/a do menino que nasceu como refugiado na periferia de Belém precisa insurgir ao lado de toda a classe trabalhadora e camponesa e das forças vivas que lutam pela superação de todas as injustiças. Ouçamos os/as anjos/as que nos dizem: “Não tenham medo!” Os poderosos têm pés de barro. O menino Deus está vivo em nós na luta por justiça social, justiça agrária, justiça ambiental, justiça urbana, direitos humanos fundamentais.
Belo Horizonte, MG, 23/12/2018.



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br             www.twitter.com/gilvanderluis             Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queers e Pessoas Intersex.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Função social para a terra nos 11 Acampamentos do MST/Campo do Meio/sul ...





Função social para a terra nos 11 Acampamentos do MST, em Campo do Meio, no sul de MG – Vídeo 5 - 26/11/2018.

Nos rostos as marcas da luta traduzidas na alegria de tantas felizes iniciativas de bons resultados misturam-se às marcas de preocupação pelo despejo anunciado e, por ora, suspenso. Nas mãos calejadas os sinais do trabalho diário na terra, de forma consciente, com responsabilidade social e ecológica. Da terra vem a resposta generosa com grande produção, de qualidade, saudável a alimentar as 450 famílias que integram o Quilombo Campo Grande (11 Acampamentos do MST), no grande latifúndio de Ariadnópolis, em Campo do Meio, sul de Minas Gerais, gerando emprego, renda, dignidade e cidadania a mais de 2.000 camponeses e camponesas, trabalhadores e trabalhadoras rurais que cuidam da terra e a fazem produzir. Além disso, a produção agroecológica, orgânica do Quilombo Campo Grande faz circular a economia na cidade de Campo do Meio e região e abastece também feiras e festivais realizados pelo MST em Minas Gerais e em São Paulo. Nesse vídeo, a beleza das imagens do trabalho desenvolvido no Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio, MG com o depoimento de trabalhadores sobre sua luta diária, sua pertença à terra, alguns desde o nascimento, e o porquê de não poder se aceitar a injustiça e a arbitrariedade de uma ação de despejo. Nas terras abandonadas em 1996, com a falência da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (CAPIA), empresa responsável pela Usina Ariadnópolis, mais de 2 mil trabalhadores e trabalhadoras puseram-se a serviço e deram a essas terras uma função social. E é ali, nessas terras da massa falida da antiga Usina Ariadnópolis que vivem, trabalham, produzem as 450 famílias do Quilombo Campo Grande, e é onde devem permanecer definitivamente, com todos seus direitos legitimados.
*Reportagem em vídeo de frei Gilvander, da CPT das CEBs e do CEBI. Edição de Nádia Oliveira, colaboradora da CPT-MG. Campo do Meio/MG, 26/11/2018.
* Inscreva-se no You Tube, no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no link: https://www.youtube.com/user/fgilvander, acione o sininho, receba as notificações de envio de vídeos e assista a diversos vídeos de luta por direitos sociais. Se assistir e gostar, compartilhe. Sugerimos.

Reflorestamento e Produção no Quilombo Campo Grande, do MST/MG - Vídeo 4...



Reflorestamento e Produção no Quilombo Campo Grande, do MST/MG - Vídeo 4 - 25/11/2018.

Matuzalém e Fátima, Sem Terra do Acampamento 
Vitória da Conquista, um dos 11 Acampamentos 
do Quilombo Campo Grande em Campo do Meio, sul de MG. 
Foto: frei Gilvander

Há mais de 20 anos, camponeses e camponesas, trabalhadoras e trabalhadores rurais, ocuparam as terras abandonadas da massa falida da antiga Usina Ariadnópolis, administrada pela Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (CAPIA). Desde então, a paisagem dos 3.900 hectares de terra mudou. Onde estava tudo desmatado, sem vida, fez-se o reflorestamento e iniciou o cultivo de alimentos diversos e a criação de muitos tipos de animais. Com produção agroecológica, orgânica, as 450 famílias que integram o Quilombo Campo Grande (11 Acampamentos do MST), em Campo do Meio, sul de Minas Gerais, se sustentam com dignidade, fazem circular a economia na cidade de Campo do Meio e região e ainda abastecem as feiras e festivais do MST realizados em Minas Gerais e em São Paulo. Nesse vídeo, o depoimento de trabalhadores e trabalhadoras, que falam com orgulho do seu trabalho na terra, da produção alcançada e falam também da sua preocupação com o despejo determinado por Juiz da Vara Agrária do TJMG e suspenso por decisão do desembargador Marcos Henrique Caldeira Brant, em 30 de novembro passado (2018).
*Reportagem em vídeo de frei Gilvander, da CPT, das CEBs e do CEBI. Edição de Nádia Oliveira, colaboradora da CPT-MG. Campo do Meio/MG, 25/11/2018.
* Inscreva-se no You Tube, no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no link: https://www.youtube.com/user/fgilvander, acione o sininho, receba as notificações de envio de vídeos e assista a diversos vídeos de luta por direitos sociais. Se assistir e gostar, compartilhe. Sugerimos.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

João Batista, profeta reformista ou revolucionário?


João Batista, profeta reformista ou revolucionário?
Gilvander Moreira[1]

Faustino Raineri, A decapitação de São João Batista,
século XIX. (Reprodução)

Antes do Natal, durante o Advento, passagens do Evangelho de Jesus Cristo referentes à ação e ao ensinamento de João Batista são lidas e apresentadas durante as celebrações religiosas em igrejas e comunidades cristãs. Quem foi, o que ensinou e o que fez João Batista que entrou para a história cristã como profeta precursor de Jesus Cristo (Lc 3,3)?  Os evangelistas Lucas e Marcos fazem Jesus iniciar sua missão pública ao ouvir que João Batista tinha sido preso a mando do governador Herodes Antipas (Lc 3,19s; Mc 1,14; At 13,25). Um fato político - a prisão de um profeta – foi o acontecimento que desencadeou o início da missão de Jesus Cristo. Para Lucas João é "o Batista" (Lc 7,20), como era conhecido na tradição das primeiras comunidades cristãs.
João Batista, profeta de ética reformista? (Lc 3,10-14). Diante da pergunta “Que devemos fazer?” levantada pela multidão, por agentes do fisco e por policiais, João Batista propõe à multidão partilha (“Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem” (Lc 3,11)), aos cobradores de impostos exorta a serem éticos (“Não cobrem nada além da taxa estabelecida” (Lc 3,12-13)), e aos policiais, não extorquir o povo (“Não maltratem ninguém; não façam acusações falsas e fiquem contentes com o salário de vocês” (Lc 3,14). Esses conselhos de João Batista não deixam de ser, em certo modo, um tanto ambíguos. Por um lado, manifestam um verdadeiro interesse pelo próximo nos variados aspectos; porém, por outro, não pretendem revolucionar as estruturas sociais do status quo opressor da época, nem sequer diante da "iminência da ira" que vem. João Batista defende a distribuição partilhada dos recursos fundamentais para a existência (Lc 3,11), a fuga da extorsão (Lc 3,12-13), a abolição da chantagem e de qualquer medida intimidatória (Lc 3,14). Porém não diz aos arrecadadores de impostos que devem cortar suas relações com o poder opressor do império – o que fez Antônio Conselheiro em Canudos (1893-1897) -, nem aos soldados - ainda que talvez se trate de ‘mercenários’ - que abandonem sua profissão. Na realidade, o último conselho que dá aos soldados: "conformai-vos com vosso salário" (Lc 3,14), nem sequer contempla a possibilidade de que se trate de um salário injusto. Aqui João Batista é apresentado por Lucas como um “reformista” e não um revolucionário.
Onde João Batista foi preso e martirizado? Precisamos recorrer à arqueologia cristã e ao historiador Flávio Josefo (37-100 d.C.). As descobertas arqueológicas da Fortaleza de Maquerontes sustentam a credibilidade do que Flávio Josefo escreveu a respeito do profeta João Batista. Um dos grandes resultados da arqueologia da Palestina foi ter iluminado a época herodiana. Flávio Josefo fala de Herodes, o Grande, como um megalomaníaco e que se deleitava no luxo. Segundo Flávio Josefo, o cinismo e a suspeita política ensanguentaram muitas vezes a família de Herodes. Esse mandou assassinar três filhos, a mulher que "amava", cunhados e amigos de confiança e realizou o massacre das crianças quando soube do nascimento de Jesus. Herodes, rei estrangeiro (imposto sobre o povo da Palestina), de origem idumeia, quis fazer de Jerusalém a capital político-religiosa do reino. Ao lado do complexo do Templo mandou construir a Fortaleza Antônia, do lado norte, o ponto mais vulnerável da cidade, e sobre a colina ocidental, o palácio real com três torres de defesa. Construiu também em Jerusalém um teatro, um hipódromo, um anfiteatro e, fora da cidade, mandou levantar os monumentos sepulcrais em honra aos reis Davi e Salomão, e o mausoléu da família de Herodes. Fora de Jerusalém, a cidade de Samaria foi reconstruída, a costa palestinense foi provida de um porto artificial em Cesareia marítima. Herodes construiu palácios em Jericó, Asquelon e em diversas outras localidades do reino. Um pouco por toda parte foram erguidos templos que fomentavam a divinização do imperador de Roma.
Para a “segurança nacional (?)”, mas sempre na esteira da grandiosidade, foi reconstruída ou potencializada a rede de fortalezas que o rei Herodes tinha herdado dos Asmoneus no deserto de Judá, na Palestina. A Fortaleza de Kypros protegia a estrada que subia de Jericó para Jerusalém. Próximo a Belém estava a Fortaleza de Herodion, escolhida como mausoléu real. E perto da foz do Mar Morto estava a Fortaleza de Massada. Nos confins meridionais da província da Pereia, do outro lado do Rio Jordão, Herodes reconstruiu a Fortaleza de Maquerontes. Flávio Josefo conclui: "Depois de ter terminado todas essas construções grandiosas, fez exibição da sua grandeza também em muitas cidades fora do seu reino."
Em 1963, em Jerusalém, o arqueólogo Virgílio Corbo iniciou pesquisa arqueológica da Fortaleza de Herodion. Contemporaneamente, o arqueólogo Yadin dirigia as escavações da Fortaleza de Massada. As escavações realizadas confirmam substancialmente as páginas entusiasmadas dedicadas por Flávio Josefo ao rei Herodes, o Grande. Este tinha desenvolvido uma política contrária a Flávio Josefo e ao povo judeu, política de subserviência ao imperialismo romano.
Em 1978, depois de quatro campanhas de escavações arqueológicas, os arqueólogos conseguiram dar um rosto à Fortaleza de Maquerontes, considerada por Flávio Josefo como um dos quartéis generais do sistema repressivo de Herodes. Diz o historiador Flávio Josefo: "Herodes considerou Maquerontes um lugar digno da máxima atenção para construir a mais potente fortaleza”. Maquerontes foi construída no tardio período helenístico e reconstruída sobre as precedentes ruínas de forma luxuosa, na época herodiana. Dentro da Fortaleza de Maquerontes estava um palácio real com todas as comodidades de uma cidade fortificada, com termas etc. Era dividida em três blocos. Do lado de fora estava uma cidade baixa.
Segundo Flávio Josefo[2], João Batista foi encarcerado na Fortaleza de Maquerontes e depois Herodes Antipas, herdeiro da megalomania e do caráter opressor e repressor do pai, Herodes o Grande, o mandou assassinar degolando-o. Nenhum evangelho recorda o nome do lugar onde Herodes tinha mantido João Batista preso. Os arqueólogos Stanislao Loffreda e Virgílio Corbo afirmam: "Antes de mais nada, a escolha da Fortaleza de Maquerontes para encarcerar João Batista nos parece natural e verídica. Pois Maquerontes era perto de onde João Batista, possivelmente, desenvolvia sua atividade e também fornecia a máxima segurança para o confim meridional da Pereia". Segundo o Evangelho de Marcos, João Batista era mantido sob estreita observação durante sua prisão e acorrentado (Mc 6,16). É possível que o profeta tenha sido acorrentado em um subterrâneo escuro, isolado de tudo e de todos. Mas era visitado por discípulos (Mt 11,2-3). Até a triste notícia do seu assassinato chega aos discípulos facilmente, pois eles vêm sepultar o seu corpo (Mc 6,29).
Maquerontes não era uma simples fortaleza ou um quartel general, mas era uma prisão de segurança máxima que compreendia uma cidade. Considerando a grande popularidade que João Batista tinha no meio do povo (segundo Flávio Josefo e os evangelhos sinóticos: Mt, Mc e Lc), é possível sugerir que na cidade baixa, descoberta por pesquisas arqueológicas, existia discípulos de João Batista.
Na hipótese histórica de que o banquete oferecido por Herodes, durante o qual se decidiu degolar João Batista (M 6,14-29), se deu na mesma fortaleza, a descoberta arqueológica do refeitório ao sul do cortil dá ao relato do Evangelho de Marcos uma trágica imediatez.[3] É óbvio que os evangelhos não são obras históricas, mas teologias da História. E Flávio Josefo também precisa ser lido com criticidade. Mas é importante recordar a possibilidade das tradições orais e/ou escritas conservarem um bom grau de fidelidade aos fatos históricos.
Flávio Josefo também dedicou à figura de João Batista um parágrafo nas suas Antiguidades Judaicas: "Alguns judeus pensaram que o exército de Herodes (Antipas) havia sido destruído por Deus e que o rei havia sido justamente castigado pela execução de João, chamado "o Batista". É que Herodes havia feito assassinar este homem bom, que exortava as pessoas a levarem uma vida honrada, tratando-se com justiça uns aos outros, [...]. Enquanto o povo que se aglomerava ao seu redor ia aumentando, porque as pessoas estavam entusiasmadas com suas palavras, Herodes se encheu de temor de que o êxito que João tinha com o povo poderia desembocar em uma insurreição; porque parecia que se o profeta dissesse uma só palavra, o povo estava disposto a abraçar luta por justiça. Por isso, antes de que João pudesse provocar uma insurreição, Herodes considerou prudente antecipar-se aos acontecimentos, encarcerando o profeta e eliminando-o antes que esperar que se produzisse um levante popular; mas criou uma situação difícil para ele e depois teve que arrepender-se. Como resultado destas suspeitas de Herodes, João foi preso e colocado na Fortaleza de Maquerontes (uma prisão de segurança máxima) [...]. E lá foi assassinado. E por isso os judeus acreditaram que a derrota do exército de Herodes foi uma atuação de Deus, que castigou Herodes para vingar a morte daquele homem"[4].
Lucas descreve João Batista sempre como inferior a Jesus, pois Jesus deve crescer e João, diminuir. Afinal, os evangelhos foram escritos por discípulos de Jesus Cristo. Se os discípulos de João Batista fossem escrever Evangelhos de João Batista, certamente colocariam Jesus como menor do que João Batista. Jesus seria o precursor de João Batista, que teria entrado para a história como o Messias, filho de Deus. Entretanto, se João Batista tivesse sido apenas reformista, não teria sido empurrado para prisão de segurança máxima e nem teria sido condenado à pena de morte, sob degolação. Enfim, João Batista e Jesus Cristo fizeram opção pelos pobres (opção de classe), foram revolucionários e, por isso, martirizados, mas estão muito vivos em cada militante que se dedica à construção de uma sociedade justa, democrática, solidária, (macro)ecumênica e sustentável ecologicamente.  
     BH, 17/12/2018.     




[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. 
www.twitter.com/gilvanderluis            Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Antiguidade Judaica XVIII, 5,1-12.
[3] Cf. V. Corbo, "La fortezza di Macheronte. Rapporto preliminare". LA (= Liber Annus) XXVIII, 1978, pp. 217-231; LA 1979, pp. 315-326; LA 1980, pp. 365-376; LA 1981, 257-286.  S. Loffreda, Ceramica di Mishnaqa-Macheronte (I sec. a. C. - I sec. d. C.).
[4] Antiguidade Judaica. XVIII, 5, 2, nn. 116-119.

Mãos que trabalham libertam a Mãe terra/Quilombo Campo Grande/MST/MG. Ví...





Mãos que trabalham libertam a Mãe terra, transformam vidas. Quilombo Campo Grande, do MST, em Campo do Meio, sul de MG. Vídeo 3. Dia 25/11/2018.

Quem visita o Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio, sul de Minas Gerais, percebe logo a beleza do trabalho ali desenvolvido pelas 450 famílias que o integram o Quilombo, nos 11 Acampamentos do MST, numa área de 3.900 hectares, ocupada desde 1998. Essas terras do grande latifúndio Ariadnópolis foram abandonadas em 1996, após a empresa responsável pela Usina Ariadnópolis, da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (CAPIA), decretar falência, deixando dívidas trabalhistas que ultrapassam 300 milhões de reais. Em todo o latifúndio de Ariadnópolis, são mais de 2.000 camponeses e camponesas, trabalhadores e trabalhadoras rurais, que se dedicam ao cultivo da terra e à criação de animais e, assim, garantem a subsistência das 450 famílias dos Acampamentos, além de garantir alimentação saudável, de qualidade aos consumidores que compram seus produtos, já que praticamente 100% da produção é desenvolvida de forma agroecológica, orgânica. Nesse vídeo, imagens do Acampamento Vitória da Conquista, um dos 11 Acampamentos que integram o Quilombo Campo Grande, do MST, em Campo do Meio, e depoimentos de trabalhadoras e trabalhadores que, cultivando a terra e criando animais, geram renda, dignidade e cidadania, além de fomentar a economia na cidade de Campo do Meio e região.

*Reportagem em vídeo de frei Gilvander, da CPT, das CEBs e do CEBI. Edição de Nádia Oliveira, colaboradora da CPT-MG. Campo do Meio/MG, 25/11/2018.
* Inscreva-se no You Tube, no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no link: https://www.youtube.com/user/fgilvander, acione o sininho, receba as notificações de envio de vídeos e assista a diversos vídeos de luta por direitos sociais. Se assistir e gostar, compartilhe. Sugerimos.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Trabalho e Produção Sustentável: Acampamentos/MST/Campo do Meio/sul de M...



A realidade dos fatos: Trabalho e Produção Sustentável nos Acampamentos do MST em Campo do Meio, sul de MG – Vídeo 2. 25/11/2018.

Sem Terra Fátima do Acampamento Vitória da Conquista,
em Campo do Meio, sul de MG. Foto: frei Gilvander.

Há cerca de 20 anos, 450 famílias ocupam o terreno da massa falida da antiga Usina Ariadnópolis, em Campo do Meio, sul de Minas Gerais. A Usina pertencia à Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (CAPIA), que encerrou suas atividades em 1996, deixando dívidas trabalhistas que ultrapassam R$300 milhões. É nessa área, de 3.900 hectares, que mais de 2 mil trabalhadores/ras camponesas/es vivem e desenvolvem grande produção agroecológica, que gera trabalho, renda e dignidade para as famílias do Quilombo Campo Grande (11 Acampamentos do MST nas terras da ex-usina Ariadnópolis), além de contribuir para alimentação saudável, de qualidade, sem agrotóxicos e fazer circular a economia na cidade de Campo do Meio e região. Entre a grande produção desenvolvida no Quilombo Grande, destaca-se o Café Guaií, orgânico e agroecológico, cuja produção em 2018 foi de 8500 sacas. Apesar da estrutura da Ocupação, de todo o trabalho ali desenvolvido, dessa grande produção alcançada com o trabalho na terra, as 450 famílias correm o risco de serem despejadas. No dia 30 de novembro último (2018), o desembargador Marcos Henrique Caldeira Brant suspendeu a Ação de Reintegração de Posse expedida por juiz da Vara Agrária do TJMG, justificando que é preciso mais tempo para analisar a situação, considerando a realidade dos fatos. É justo, ético, moral e humano que seja concedido às 450 famílias Sem Terra do Quilombo Campo Grande o direito de permanência definitiva na área. Nesse vídeo, o registro das diversas atividades de plantio desenvolvidas no Acampamento Vitória da Conquista, um dos 11 Acampamentos do Quilombo Campo Grande, com testemunho de camponeses e camponesas.
*Reportagem em vídeo de frei Gilvander, da CPT, das CEBs e do CEBI. Edição de Nádia Oliveira, colaboradora da CPT-MG. Campo do Meio/MG, 25/11/2018.

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