Deus pede: “cultive, pastoreie, seja jardineiro/a”. Por frei Gilvander Moreira[1]
Foto: Reprodução/DemaisnewsO 10º evento extremo no
sul do Brasil, em um ano, está golpeando os povos do Rio Grande do Sul e toda a
biodiversidade, com quase 1 milhão de
pessoas atingidas e o número de mortos podendo ultrapassar 200. As imagens de
destruição são apocalípticas e estarrecedoras. Primeiro, temos que expressar nossa
imprescindível solidariedade ao povo gaúcho da forma mais efetiva possível e,
segundo, temos que reconhecer que as sirenes da Emergência Climática estão rugindo
como um leão, de forma estridente.
Feliz quem ouvir e se
comprometer com as lutas populares e socioambientais necessárias para frear as
retroescavadeiras e os tanques de guerra das mineradoras, as carretas, o
agronegócio com monoculturas que desertificam os territórios, contaminam
alimentos, terra, ar e águas com exagero de agrotóxicos e o desenvolvimento
econômico que constrói oásis de luxo à custa de miséria, fome, morte e
devastação socioambiental para a maioria. Basta deste sistema capitalista,
brutal máquina de moer vidas e causador maior das implacáveis mudanças
climáticas!
A humanidade está
sendo encurralada no desfiladeiro de um apocalipse provocado pelo sistema
capitalista, a elite, a classe dominante e grande parcela da classe
trabalhadora que, alienada, movimenta a máquina de moer vidas, que é o atual
modelo econômico com idolatria do mercado. Nossa única casa comum está sendo
sacrificada no altar do ídolo mercado. Como um grande ser vivo, Gaia, a Terra
está cotidianamente sendo apunhalada e submetida à tortura com queimaduras que
a deixam sangrando. Devastar o ambiente é como arrancar a pele da mãe Terra e
deixá-la sujeita às intempéries de poeira, calor, ácido...
Recentemente, em
missão em Comunidades ribeirinhas da Prelazia de Itaituba, no Pará, e na
Diocese de Humaitá, no sul do estado do Amazonas, vi e ouvi que as águas dos
grandes rios Tapajós e Madeira estão contaminadas com mercúrio e vários outros
metais pesados, segundo pesquisas da Universidade Federal do Amazonas. Mortandade
de peixes e adoecimento de pessoas e animais é o que mais se ouve. Os ribeirinhos
sofrendo as consequências de secas nunca vistas, calor escaldante e densas
nuvens de fumaça exaladas pelo fogo que faz arder a floresta amazônica em
muitos meses todo ano. Isso compromete a constituição dos rios aéreos
imprescindíveis para fazer chover em outras regiões.
Neste contexto de
eventos climáticos cada vez mais frequentes e letais, faz-se necessário
resgatarmos a fina flor da mística bíblica que mostra a íntima relação do ser
humano com a mãe terra, a irmã água, enfim, a natureza. Resgatemos esta relação
antes que seja tarde.
Na Bíblia, no
primeiro relato da criação (Gn 1,1-2,4a) se repete, inúmeras vezes, a palavra “terra”
(12 vezes em Gn 1; 57 vezes em Gn 1-11). Isso é forte indício de que o texto
foi escrito por um povo na época em que estava longe da terra, no exílio da
Babilônia (587-538 antes da era cristã). Sentindo a falta de terra e de
território, que era sinal da bênção de Deus, o povo resgata as origens
revelando um grande encantamento e reverência pela terra. Sente-se filho da
terra. Temos que recordar a ênfase dada na segunda versão sobre a criação (Gen
2,4b-25) sobre o “cultivar, pastorear, ser jardineiro”. Olhando a totalidade
das duas versões da criação (Gen 1,1-2,4a e Gen 2,4b-25), temos que concluir
que o espírito de Deus pede cuidado, pastoreio e manuseio responsável socioecológico
e jamais incentiva a dominação e a devastação ambiental como, infelizmente, o
modelo capitalista de desenvolvimento vem fazendo no Brasil e no mundo.
O primeiro relato da
Criação (Gen 1,1-2,4a) mostra o ser humano profundamente ligado,
interconectado, a todas as criaturas do universo. De uma forma poética, o
relato bíblico insiste na fraternidade de fundo que existe entre todos os seres
vivos que são uma beleza. Deus, ao criar, sempre se extasia diante de todas as
criaturas e exclama: “Que beleza! Bom! Muito bom!” O poeta cantor e compositor
das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), José Vicente, capta muito bem a
mística que envolve, permeia e perpassa todo o relato da Criação: “Olha a glória de Deus brilhando ...”, em
todos/as e em tudo.
O segundo relato da Criação (Gen
2,4b-25) mostra o ser humano intimamente ligado com a terra e com as águas. “Não havia nenhuma vegetação, porque Javé
Deus não tinha feito chover sobre a
terra e não havia homem para cultivar o solo” (Gen 2,5). Dois seres
imprescindíveis e interdependentes para que o mundo se transforme em um paraíso
com sociobiodiversidade: água e ser humano. A água, junto com a terra, é a mãe
da vida. Sem ela, tudo morre. Assassinar uma nascente, poluir um rio, deve ser
considerado crime hediondo de lesa pátria. O ser humano é outro ser
imprescindível, mas como cultivador, jamais como explorador e depredador.
Os povos da Bíblia construíram unidade no meio de muita
pluralidade, a partir de suas experiências religiosas com o seu Deus, o Deus de
Abrão, de Isaac e de Jacó, Deus também de Sara e Agar, de Rebeca e de Raquel.
Mesmo integrando aos seus escritos textos de outros povos, os/as autores/ras da
Bíblia sempre os adequava à sua experiência de fé e de convivência ética.
O gênero literário sapiencial, por exemplo, era
internacionalmente conhecido na época bíblica e usado foi também pelos povos da
Bíblia. É importante saber que o modo de pensar e agir oriental são diferentes
do modo de pensar e agir ocidental capitalista. No pensamento oriental
predomina a intuição e a preocupação ética – que fazer e como? -, por isso, nem
toda a narrativa classificada como histórica o é de fato. Na compreensão dos/as
autores/ras da Bíblia, o importante é a mensagem que eles e elas queriam passar
aos leitores. Enquanto para o pensamento ocidental predomina a razão e o
raciocínio argumentativo, para o/a historiador/a de nossos dias interessa a
exatidão dos fatos, entre o escrito e o acontecido. Os/as autores/ras bíblicos
se interessam mais pelo fato, como um todo, não pela exatidão dos seus
detalhes, o importante é testemunhar sua experiência de vida que tem sido caminho
de libertação e salvação.
A mobilização
por solidariedade e pela reconstrução das condições de vida do povo gaúcho e de
toda a biodiversidade não pode ser apenas quando as situações extremas de clima
são evidentes como agora. Reconstruir como e onde? Reconstruir como era antes
no mesmo lugar será insensato, pois outros eventos extremos acontecerão e
poderão ser mais letais e destruidores. É preciso urgentemente combater o
negacionismo climático e, sobretudo, o capitalismo, sistema perverso, que
acelera a velocidade da devastação ambiental. Capitalismo mata mesmo! É
importante lembrar também que as condições extremas de clima atingem de forma
diferenciada as pessoas, os empobrecidos são os primeiros e os mais golpeados.
Por isso, precisamos também de justiça climática!
Temos que
denunciar que as bancadas do agronegócio, do boi, da
bala e da Bíblia, no Congresso Nacional criaram bomba climática ao destruir a
legislação ambiental, ao flexibilizar leis para criar capa de legalidade
para desmatamentos criminosos. Estão com as mãos sujas de sangue todos que nos
poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, no poder midiático e no poder
econômico tomaram decisões políticas/econômicas e aprovaram legislações que
pisoteavam no meio ambiente para abrir espaço para que o grande capital
lucrasse e acumulasse capital à custa da trituração do meio ambiente.
A todas as pessoas pedimos que parem de maltratar mais a Mãe Terra, que está sendo torturada. A Terra é nossa mãe e é sagrada. As águas, os rios, os animais e as florestas estão pedindo socorro. A Natureza tem direitos. Continuar torturando a Terra é acelerar a chegada do apocalipse da humanidade e de milhões de outras espécies de seres vivos. Como jardineiros/as, cuidemos da Mãe Terra.
07/05/2024
Obs.: As videorreportagens no link, abaixo, versa sobre o
assunto tratado, acima.
1 - Barragens do Rio
Madeira devastam vida dos Povos e Floresta. E os Madeireiros? Ouça os
Ribeirinhos!
2 - Amazônia pede
SOCORRO! Ribeirinha: amor à Amazônia, seca, calor exagerado, nuvem de fumaça e
doenças
3 - Garimpeiros
tradicionais, Dep. Célia Xakriabá, Dep. Padre João: 32ª Romaria Trabalhadores
Mariana/MG
4 - Barragem produz
centenas de famílias sem-teto: Ocupação Irmã Dorothy, Salto da Divisa, MG, em
terreno, lixão, da União, SPU: 240 famílias na luta por terra e moradia há 3
anos. Vídeo 3 – 20/04/24
5 - MPF, DPE/MG, Rede
de Apoio e Juíza Federal Retomada Kamakã Mongoió, Brumadinho/MG.
"Demarcação, JÁ!"
6 - “Demarcação, JÁ!
Daqui não saímos!” Juíza federal na Retomada Kamakã Mongoió, Brumadinho/MG.
Vídeo 4
[1] Frei e padre da
Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT,
CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e
Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. Autor de livros e artigos. E
“cineasta amador” (videotuber) com mais de 6.000 vídeos de luta por direitos no
youtube, canal “Frei Gilvander luta pela terra e por direitos”. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
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