quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Pode haver intervenção da União caso o Governo de um estado não cumpra decisão judicial que prescreve reintegração de posse?

Pode haver intervenção da União caso o Governo de um estado não cumpra decisão judicial que prescreve reintegração de posse?
Por frei Gilvander Moreira, da CPT.

Para  compreendermos a luta pela terra e por moradia digna, própria e adequada, como um legítimo e constitucional direito social, devemos analisar a fundo a questão da propriedade privada capitalista da terra. Joaquim Modesto Pinto Júnior e Valdez Adriani Farias (2005), no artigo Função Social da Propriedade: dimensões ambiental e trabalhista, afirmam que: “a propriedade não é mais direito absoluto. Com efeito, embora parte da doutrina e jurisprudência, de forma totalmente contrária ao sistema posto, relute em negar proteção absoluta ao direito de propriedade, o fato é que o ordenamento constitucional e infraconstitucional veem que pesa sobre a propriedade uma hipoteca social” (JÚNIOR; FARIAS, 2005: 13).
A esse propósito nos referimos à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI nº 2213, que diz: “o direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII)”, a propriedade deixa de existir.
Há jurisprudências no sistema judiciário brasileiro em que pedidos de intervenções judiciais da União em estados da federação foram negados. Por exemplo, na primeira semana de agosto de 2014, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou acórdão em que negou, por unanimidade, pedido de intervenção federal no estado do Paraná para compelir o governo do Paraná a realizar reintegração de posse com uso da força ao proprietário da Fazenda São Paulo, no município de Barbosa Ferraz, que tinha escritura e registro, mas não cumpria a função social. Essa decisão do STJ na prática definiu que a propriedade não é um direito absoluto e que, por isso, mesmo que o proprietário tenha conseguido na justiça estadual a reintegração de posse, a execução da determinação judicial causaria muitos danos sociais às 240 famílias de camponeses Sem Terra do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (​MST)​ que tinham ocupado a fazenda por dois motivos principais: por necessidade, isto, porque vários princípios constitucionais, tais​ como, respeito à dignidade humana, função social da propriedade e direito a terra, não estavam sendo oferecidos pelo Estado e, porque a fazenda estava abandonada sem cumprir função social. Logo, para ser coerente com os princípios constitucionais e também com o objetivo da Constituição de 1988 que busca construir uma sociedade que supere as desigualdades e a miséria, a Corte Especial do STJ tomou uma decisão sensata e justa. Essa decisão foi saudada pelo MST, Comissão Pastoral da Terra (​CPT)​ e pela ONG Terra de Direitos, mas foi duramente criticada pela mídia e por advogados e professores de Direito que ainda absolutizam o direito à propriedade.
Conforme o exposto, acima, o justo e constitucional é não haver intervenção da União no Estado de Minas Gerais,​ caso o Governador Fernando Pimentel não autorize a Polícia Militar a realizar a reintegração de posse nos territórios ocupados pelas 8.000 famílias (cerca de 30.000 pessoas) das ocupações-comunidades da Izidora (Rosa Leão, Esperança e Vitória), em Belo Horizonte e Santa Luzia, MG: comunidades em franco processo de consolidação com 3,5 anos de luta e mais de 5.000 casas de alvenaria construídas seguindo Plano Urbanístico feito por professores arquitetos da Associação dos Arquitetos Sem Fronteira (ASF-Brasil).
Embora exista uma decisão judicial que em tese permite a reintegração de posse, tal decisão não pode se colocar acima da dignidade da pessoa humana que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e que deveria ser considerada pelo judiciário. Também é um absurdo uma Ação Civil Pública (ACP) do Ministério Público de Minas em defesa das comunidades da Izidora não ter sido julgada, embora esteja “tramitando” no TJMG há 3,5 anos. No caso da Ocupação Dandara, no Céu Azul, em Belo Horizonte, uma Ação Civil Pública foi julgada e acolhida e derrubou decisão de reintegração de posse de uma vara cível. Por que isso não acontece no caso das comunidades da Izidora?
Despejar as três comunidades da Izidora, três bairros-irmãos, seria desrespeitar vários princípios da Constituição Federal de 1988, negligenciar o princípio bíblico segundo o qual “a terra pertence a Deus” e cair na temeridade de um massacre de proporções inimagináveis. O povo das comunidades da Izidora segue alertando as autoridades que tentativa de despejo forçado pode causar um banho de sangue na capital mineira. Isso seria crime hediondo. Por respeito à dignidade humana e por moradia digna seguimos lutando. Negociação justa,sim; despejo, jamais!
Referências.
PINTO JÚNIOR, Joaquim Modesto; FARIAS, Valdez Adriani. Função social da propriedade: dimensões ambiental e trabalhista. Brasília: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2005.
Reportagem “Quando ocupar é um direito: decisão do STJ repercute na mídia” e quatro artigos que discutem a decisão do STJ, no link a seguir: http://terradedireitos.org.br/2014/08/27/quando-ocupar-e-um-direito-decisao-do-stj-repercute-na-midia/ , acesso dia 02/11/2016 às 18:04h.

Belo Horizonte, MG, Brasil, 03/11/2016.
Face: Gilvander Moreira


quarta-feira, 2 de novembro de 2016

"Despejo na Izidora será uma carnificina", denunciam Edna e Eliene em Br...

O filme NA MISSÃO COM KADU está sendo apresentado em cinemas de várias capitais do Brasil: denúncia veemente à truculência da PM de MG.

O filme NA MISSÃO COM KADU está sendo apresentado em cinemas de várias capitais do Brasil: denúncia veemente à truculência da PM de MG.

Por Alexandre Figueirôa. 1 de novembro de 2016.
O terceiro dia do Janela, por Vitor Jucá/Divulgação.

O segundo programa da mostra competitiva de curtas do 9º Janela Internacional de Cinema do Recife acendeu, mais uma vez, no público presente no cinema São Luiz, na tarde desta segunda-feira, 31/10/2016, o espírito de indignação e revolta contra os desmandos das forças políticas conservadoras brasileiras e dos seus braços armados, no caso, a Polícia Militar de Minas Gerais. O filme Na missão, com Kadu, sobre a repressão ao movimento de uma ocupação na cidade de Belo Horizonte, causou uma inesperada catarse na plateia que externou sua reação com choro copioso de alguns presentes e palavras de ordem ao final da sessão.
Na Missão com Kadu é um filme-documentário realizado pelo pernambucano Pedro Maia de Brito e o mineiro Aiano Benfica que junta imagens de depoimentos colhidas pelos cineastas com imagens feitas por um celular pelo líder comunitário Ricardo de Freitas Miranda, o Kadu, durante uma passeata realizada pelos moradores da Ocupação Vitória, na Izidora, região periférica de Belo Horizonte. Os manifestantes se dirigiam ao Centro Administrativo do governo mineiro em junho de 2015 e foram reprimidos de forma brutal, o que resultou na prisão de cerca de cem pessoas e ferimentos em várias delas por balas de borracha, incluindo crianças, atingidas por bombas de gás lacrimogênio e spray de pimenta.
O filme NA MISSÃO COM KADU é uma denúncia contundente contra a ação da Polícia Militar e tem sido usado pelos ocupantes para tentar sensibilizar a Justiça mineira dos arbítrios cometidos para definir o direito de uso da área invadida. Existem sérias dúvidas quanto à legalidade de posse da mesma pelos que dizem ser seus proprietários e questiona-se também o uso da violência contra uma reivindicação legítima. O caso torna-se ainda mais dramático quando no final do filme tomamos conhecimento que o líder comunitário Kadu foi assassinado numa emboscada quatro meses depois da manifestação.
O filme NA MISSÃO COM KADU já foi apresentado em cinemas de várias capitais do Brasil e seguirá sendo apresentado em cinemas de outras capitais. Essas apresentações integram a Rede de Apoio RESISTE IZIDORA que não aceita despejo forçado de 8.000 famílias (cerca de 30.000 pessoas) das Ocupações da Izidora (Rosa Leão, Esperança e Vitória), em Belo Horizonte e Santa Luzia, MG: comunidades em franco processo de consolidação com 3,5 anos de luta e mais de 5.000 casas de alvenaria construídas seguindo Plano Urbanístico feito por professores arquitetos da Associação dos Arquitetos Sem Fronteira-Brasil. Negociação justa, aceitamos; despejos, jamais! O povo segue alertando as autoridades que tentativa de despejo forçado pode causar um massacre de proporções inimagináveis.

Obs.: A íntegra da reportagem está no link, abaixo:


quinta-feira, 27 de outubro de 2016

IZIDORA 27/09/16 - Audiência Pública e Passeata até o TJMG.

Mc Salve - Resiste Izidora

Em defesa do povo das ocupações de Belo Horizonte.

Em defesa do povo das ocupações de Belo Horizonte.

Frei Gilvander Luís Moreira, em Audiência Pública na ALMG, na Comissão de Participação Popular, dia 14/07/2016, em Belo Horizonte, MG.


“Bom dia a todos e a todas. Estou muito emocionado e para lá de indignado. Primeiro quero agradecer a sensibilidade da deputada Marília Campos, do deputado Cristiano Silveira e de todas as lideranças presentes. Parabenizo o povo que está na luta. Parabéns! Não podemos arredar nem um milímetro da luta. Acompanhei de perto esse despejo covarde, inconstitucional, ilegal e truculento das Ocupações Maria Vitória e Maria Guerreira, no dia 20 de junho último. Para mim, foi um dos mais dramáticos e injustos despejos já acontecidos. Chegaram ao cúmulo de prender a jornalista Verônica Pimenta, da Rádio Inconfidência. Várias outras lideranças foram ameaçadas de prisão. Eu, Frei Gilvander, fui proibido pelo Maj. Cláudio de voltar para o interior da ocupação. Bem-vinda, D. Cláudia do Amaral, grande lutadora, defensora dos direitos humanos. Deputada Marília, quero lembrar aqui um pano de fundo. A continuar o poder público – prefeitura, governo de Minas, Polícia Militar, Guarda Municipal e Tribunal de Justiça – insensível aos clamores ensurdecedores de milhares de famílias sem casa, estaremos fortalecendo uma guerra civil não declarada. Nos últimos 10 anos, a Prefeitura de Belo Horizonte destruiu e demoliu mais de 14 mil moradias. Para quê? Para arrumar moradias para os automóveis, para alargar avenidas e para fazer
viadutos. Os carros têm mais dignidade que o ser humano? Não está escrito na Constituição brasileira que a dignidade humana tem que ser respeitada? E o povo está sendo escorraçado. Nesses últimos 10 anos, mais de 50 mil famílias em Minas Gerais foram forçadas a ir para ocupações urbanas. Foram cerca de 15 mil famílias só em Uberlândia, cerca de 25 mil famílias só em Belo Horizonte e cerca de 35 mil famílias em Belo Horizonte e na região metropolitana. E 50 mil famílias significa mais de 200 mil pessoas. O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA - fez uma pesquisa mostrando que, de 2007 a 2012, por 5 anos, Belo Horizonte foi a segunda capital do Brasil que mais aumentou seu déficit habitacional. Em apenas 5 anos, de 2007 a 2012, o déficit habitacional em Belo Horizonte aumentou em 123 mil moradias, segundo o IPEA. Nesses últimos 10 anos, a prefeitura demoliu 14 mil moradias, mas o povo, nas ocupações, construiu, na raça, cerca de 13 mil moradias. Vejam bem que a pesquisa do IPEA é de 2007 a 2012, são 5 anos, quando o déficit habitacional aumentou em 123 mil casas. Em junho de 2013, houve aquelas grandes manifestações populares no Brasil. Em junho, julho, até outubro de 2013, 11 mil famílias foram para as ocupações William Rosa e para as três Ocupações da Izidora. Isso é uma covardia.
Quero denunciar também que é uma mentira descarada do Márcio Lacerda, prefeito de Belo Horizonte, que continua com uma cantilena, dizendo: “Em Belo Horizonte não tem terreno para fazer moradia popular”. Isso é mentira! O Ministério Público e a Defensoria Pública têm seis ações civis públicas apoiando as ocupações da região do Barreiro, onde há quase 3 mil famílias. Ali são 150ha, 1.500.000m2, que, até 1992, no século passado, eram terras públicas devolutas do governo de Minas, que foram, de forma ilegal, por preço de banana, por preço irrisório e sem licitação,
repassadas para empresas a fim de construírem parque industrial e fazer especulações. Por lá já passaram: Marcos Valério, Bradesco, Banco Real e tudo o mais. Então, só no Barreiro, se a prefeitura e o governo de Minas quiserem, próximo às ocupações Camilo Torres, Irmã Dorothy, Nelson Mandela, Eliana Silva, Paulo Freire, Corumbiara, há 150ha muito mal ocupados por empresas e parcialmente vagos. Na região da Izidora, onde estão três ocupações, são 8 mil famílias que, nos últimos três anos, construíram cerca de 5 mil moradias, na raça. Ali também há fortes indícios - já denunciados aqui na Assembleia Legislativa, pelo nosso querido Padre Piggi, depois de uma pesquisa aprofundada feita nos cartórios de Belo Horizonte e Santa Luzia - de que toda a região do Isidoro são terras griladas que eram do governo de Minas no início do século XX.
Lá tem espaço de sobra também para regularizar as ocupações, fazendo um acordo justo, e há ainda outros espaços para construir. Mas, ali no Jardim Xodó, pertinho do Zilah Sposito, do Jaqueline, há um empreendimento do Minha Casa, Minha Vida, com os prédios quase prontos, parado há mais de cinco anos. No início do ano passado, a ocupação Chico Xavier ocupou lá por uma semana, cerca de 100 famílias, mas a tropa de choque foi até lá e expulsou o pessoal. Os prédios continuam inacabados há mais de cinco anos. A prefeitura de Belo Horizonte, segundo sabemos, tem mais de 100 terrenos e imóveis que o prefeito Marcio Lacerda já passou para o tal BH Ativos, empresa que criou, e quer vender. Então, é mentira dizer que não tem terreno. Termino dizendo que o Edésio Fernandes, natural de Belo Horizonte, que hoje é professor na Universidade de Londres, na Inglaterra, tem estudos demonstrando que Belo Horizonte é uma das capitais que tem o maior índice de especulação imobiliária do mundo. Deputado Cristiano, deputada Marília, tem de se aprovar na Assembleia Legislativa um jeito de coibir a imensa especulação imobiliária, porque o povo não pode viver no ar. Se até passarinho precisa de ninho para viver, o povo está de parabéns, porque não dá para viver no ar. A cruz do aluguel está tão pesada que não dá mais para carregar, estão arrastando. Ninguém é obrigado a viver debaixo da pesadíssima cruz do aluguel, nas costas de parentes, etc. Tem de aparecer, sim, terrenos para encaminhar, para ontem, moradia para
essas 200 famílias que foram covardemente despejadas das ocupações
Maria Vitória, Maria Guerreira e Jardim Filadélfia. Parabéns a todos que estão nessa luta. Termino dizendo a todo mundo que está aqui e sentiu isso na pele para não perder a oportunidade. Na hora em que a deputada terminar, tenham a coragem, levantem o dedo, peçam para falar e o façam em alto e bom som, porque eu trouxe a câmara para a gente registrar e colocar na internet. Eu nem sabia e fiquei arrepiado em saber que a Guarda Municipal tinha até torturado. Isso é coisa para lá de grave. Como é que se tortura e os caras continuam livres? Nosso repúdio, dizendo que há, sim, formas de se encaminhar essa questão habitacional. Continuar reprimindo é burrice, só alimenta a guerra civil não declarada, só aumenta o número de ocupações. O povo é digno e tem de ser respeitado. Obrigado.” (- Palmas.)