Jornal A VERDADE entrevista Frei Gilvander: “Direitos só se conquistam com luta coletiva e popular”
Em
entrevista exclusiva ao Jornal A VERDADE (Jornal A VERDADE, n. 289, abril de
2024, p. 5), Frei Gilvander Moreira fala do momento delicado das lutas
populares no Brasil, destacando a luta pelo direito à terra e os principais
conflitos que envolvem os camponeses, povos indígenas e tradicionais ameaçados
pelo agronegócio, pelas mineradoras e pelo latifúndio. Destaca ainda a
resistência popular, a crescente luta pela Reforma Agrária e a defesa do
socialismo como solução para a superação dos males do sistema capitalista,
brutal máquina de moer vidas. Fernando Alves, da Redação.
A
VERDADE - Apesar das centenas de mortes que ocorreram nos últimos anos,
causadas pelas multinacionais que exploram os minérios, não houve nenhuma ação
efetiva do governo para acabar com esses crimes. Por quê?
Frei
Gilvander Moreira: “Em uma sociedade capitalista, com
idolatria do capital/mercado, os governos estaduais e federal, que giram a roda
do Estado burguês, são vassalos desse sistema de morte, com modelo econômico
assassino. O máximo que fazem é maquiar danos com mitigações que não compensam
nada, pois não alteram a lógica e a estrutura que está nos levando à barbárie e
ao Apocalipse da humanidade e de grande parte da biodiversidade, pois mesmo com
os crimes brutais das mineradoras, os órgãos ambientais continuam licenciando
novos e brutais projetos de mineração e do agronegócio. Em Minas Gerais, em
2023, 474 novas licenças ambientais foram concedidas para mineração em um
estado já sacrificado impiedosamente pela voracidade das mineradoras. Na Região
Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) há mais de 30 grandes barragens de
mineração com sérios riscos de rompimento, esperando um evento extremo da
Emergência Climática, que será o gatilho. Se ocorrerem outros rompimentos de
barragens na RMBH, poderá ser a morte final do Rio das Velhas e do Rio São
Francisco! O poder Judiciário continua cuspindo no rosto do povo brasileiro ao
deixar impunes as mineradoras Vale S/A, Samarco e a BHP Billington. A Vale
sepultou 272 pessoas vivas, dois anos após levou também o operador de máquina
Júlio César, na mesma mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, MG, e tem
levado centenas de pessoas ao "autoextermínio” (assassinatos forçados) nas
bacias dos rios Doce e Paraopeba. Outra questão importante no contexto do Vale
do rio Paraopeba são as Retomadas Indígenas em Brumadinho, no caso, as Retomadas dos Xucuru Kariri e dos Kamakã
Mongoió. A mineradora Vale tem feito
tudo para impedir que as comunidades indígenas possam viver em paz nestes
territórios onde estão plantando, fazendo os seus rituais e realizando a recuperação ambiental das
mesmas. A última atrocidade da mineradora Vale contra as comunidades indígenas
foi, se apresentando como proprietária do terreno da Retomada, exigir que a Justiça Federal proibisse que o
corpo do Cacique Merong, morto no dia 04 de março de 2024, fosse sepultado na
Retomada, conforme era o seu desejo, melhor dizendo, semeado e plantado no Território Kamakã Mongoió que
agora está auto-demarcado com seu próprio sangue e luta aguerrida por terra
para o seu povo. Exigimos Demarcação, Já, do Território Kamakã Mongoió, em
Brumadinho MG.”
A
VERDADE - Quais são as principais consequências para o meio ambiente e para a
população dessa desenfreada exploração das mineradoras?
Frei
Gilvander Moreira: “Com a voracidade das mineradoras e do
agronegócio em conluio com o Estado e apoio escancarado da elite dominante o
estado de Minas Gerais está se tornando crateras gerais, cemitérios gerais e
está sendo desertificado. De estado caixa d'água do Brasil, MG está se tornando
um estado desertificado. Continua o êxodo rural adensando cada vez mais as
capitais e agravando a já muito grave injustiça urbana. No Brasil, uma não
declarada epidemia de câncer e Alzheimer está ceifando a vida de mais 250 mil
pessoas por ano, além de impor sofrimento atroz a milhões de famílias e
empobrecimento por investir os poucos recursos que tem tentando salvar a vida
de parentes. E a indústria da quimioterapia e radioterapia gerando lucros
imensos para seus donos. Pior! Sem preservação ambiental, a Emergência
Climática só se agrava e os Eventos Extremos cada vez mais frequentes e letais.
Adoecimento psíquico geral da população. Todas estas consequências da mineração
devastadora e do agronegócio, que é ogro, antro de devastação socioambiental
patrocinado pelo Estado que concede isenção de ICMs às commodities para
exportação e o uso de agrotóxicos. Nos últimos 25 anos, só em MG, as
mineradoras deixaram de pagar 170 bilhões de reais, o que daria para pagar a
dívida de MG com a União. Em 2023, o agronegócio da soja deixou de pagar 60
bilhões de reais de ICMs. Esse modelo brutal asfixia a agricultura familiar
agroecológica, impede a realização da Reforma Agrária já feita inclusive nos
países capitalistas. Vociferaram contra
a demarcação dos Territórios dos Povos Originários, Indígenas e Tradicionais
acelerando as mudanças climáticas que estão empurrando a humanidade para o
abismo e sua extinção. Por isso, não cansamos de afirmar que capitalismo é
barbárie e a solução para salvar a sociedade passa necessariamente pela
construção do Socialismo democrático popular.”
A
VERDADE - Qual a realidade dos trabalhadores do campo e da luta pela terra
hoje?
Frei
Gilvander Moreira: “Em uma imensa pluralidade, o
campesinato brasileiro resiste para existir com cerca de um milhão de famílias
assentadas em 50 anos de luta pela Reforma Agrária, o que tem custado muita
luta, suor e sangue de mais de três mil camponeses assassinados na luta pela
terra.. Os mais de 300 povos tradicionais resistem também nos seus Territórios
enfrentando jagunços, latifundiários e o agronegócio violento. Os povos
indígenas, com população acima de 1.650.000 segundo o Censo do IBGE de 2022,
não baixam a cabeça diante do genocídio que lhe é imposto há 524 anos. Nossos
parentes indígenas seguem preservando as florestas e garantindo condições de
vida para si e para a humanidade. A agricultura familiar produz mais de 70 % do
alimento que chega na mesa do povo
brasileiro.”
A
VERDADE - Recentemente o Padre Júlio Lancellotti foi vítima de uma grande
campanha de difamação. Como analisa as fake news lançadas na internet por
grupos fascistas?
Frei
Gilvander Moreira: "A verdade liberta e a mentira
mata, alerta o quarto evangelho da Bíblia. Precisamos com urgência de
regulamentação ética e justa da internet e das redes virtuais no Brasil, pois
como "terra sem lei", a internet está via fake news disseminando
ódio, intolerância, discriminação e "jogando ratos do esgoto" no tecido
social. Os crimes causados pelas fake news precisam ser julgados e condenados
exemplarmente."
A
VERDADE - Em 2022, o senhor fez um trabalho acadêmico e esse processo de
pesquisas e vivências práticas resultou em dois livros: “A CPT e o MST e a (In)
justiça Agrária” E “Luta pela terra, pedagogia emancipatória”, da Ed.
Dialética. Pode falar dessa experiência e desse trabalho?
Frei
Gilvander Moreira: "Em quatro anos de doutorado na
FAE/UFMG. pesquisei a Luta pela terra como Pedagogia de emancipação humana.
Demonstramos que a brutal concentração da terra no Brasil em propriedade
privada capitalista, por meio de latifúndio, agronegócio e o Estado deixando
grandes empresas grilarem quase 30% do Território brasileiro que são terras
públicas/devolutas é a coluna mestra que garante a reprodução do capitalismo
com expropriação e exploração do campesinato há 524 anos. Enquanto não conquistarmos Justiça Agrária, o
que passa necessariamente por Reforma Agrária Popular e por demarcação de todos
os territórios dos povos indígenas e Tradicionais, não teremos justiça urbana e
nem justiça ambiental. Só em MG há 22,6% do Território mineiro, cerca de 14
milhões de hectares de terras devolutas, que segundo a Constituição de MG
deveriam ser destinadas para reforma agrária e preservação ambiental, mas estão
griladas por empresas eucaliptadoras, sendo que mais de 50% da monocultura de
eucalipto do Brasil está em MG. Os índices de produtividade usados pelo INCRA
para aferir se as propriedades rurais são produtivas são de 1976, ou seja,
estão defasados há 48 anos. Se fossem atualizados - devem ser! - milhões de
hectares de terras poderiam ser
repassadas para a Reforma Agrária. Mas não basta constatar, é preciso
transformar e só se transforma na luta coletiva popular. Direitos só se
conquistam com luta coletiva e popular."
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