SEM-TERRA, INDÍGENAS E NEGROS NA LUTA POR DIREITOS. Por Frei Gilvander Moreira[1]
No último final de semana de fevereiro
de 2025, foi maravilhoso ver Sem-Terra do MST[2],
Indígenas de vários Povos e Negros conspirando em comunhão na luta por terra,
território e por muitos direitos. Dia 22 de fevereiro, estivemos em missão no
Quilombo Campo Grande, do MST, no sul de Minas Gerais, no município de Campo do
Meio, onde mais de 500 famílias Sem-Terra, em onze acampamentos[3],
há 27 anos, lutam aguerridamente pela conquista das terras da ex-usina
Ariadnópolis, 3.900 hectares.
Já sofreram onze despejos, mas sempre
foram acolhidos no Assentamento Primeiro do Sul, ao lado do latifúndio da
ex-usina Ariadnópolis, no Assentamento Santo Dias, no município de Guapé e no
Assentamento Nova Conquista II, os três Assentamentos do MST no sul de MG. Sem
nunca perder a esperança de conquistar a terra, sempre após os cruéis despejos,
os Sem-Terra se reorganizavam e voltavam a reocupar o latifúndio que já foi
palco de devastadora monocultura de cana-de-açúcar, de trabalho escravo
contemporâneo e de violações dos direitos humanos. Após falência da Usina
Ariadnópolis, em 1996, milhares de trabalhadores ficaram sem o pagamento de
seus salários e com seus direitos trabalhistas violados. Ocupar as terras da
Ariadnópolis se tornou uma questão de justiça agrária, trabalhista e social. A
luta contra o trabalho escravo no sul de Minas Gerais desaguou na luta pela
terra com a ocupação do latifúndio da ex-usina Ariadnópolis.
Que beleza ver mais uma vez com nossos
olhos como na prática os onze acampamentos que constituem o Quilombo Campo
Grande já são assentamentos construídos na raça, em luta coletiva, enfrentando
o Estado brasileiro, o agronegócio e latifundiários, pois as famílias seguem
unidas e organizadas, produzindo alimentos saudáveis: feijão, milho, mandioca,
hortaliças e mais de 17 mil sacas de café por ano. E se construindo como
pessoas humanas, socialistas, libertadas da ideologia dominante. Há doze anos o
MST funciona a Cooperativa Camponesa que incentiva e promove uma significativa
produção agroecológica, como o Café Guaií agroecológico, que é vendido nos
Armazéns do Campo, do MST, em muitas capitais do Brasil. Em horta comunitária,
o Grupo Mulheres Raízes da Terra produz ervas medicinais, pomada milagrosa e
remédios fitoterápicos imprescindíveis para ajudar as pessoas a resgatar a
saúde com terapias naturais. Em viveiro coletivo dezenas de espécies de mudas
de árvores do Cerrado e da Mata Atlântica e frutíferas são produzidas
alavancando processos de agrofloresta, ou seja, produção de alimentos em
harmonia com a natureza. Tudo isso no paradigma da agroecologia.
Emocionante também foi ver que onde a
tropa de choque da polícia militar do Governador Zema, durante a pandemia da
covid-19, em três dias e três noites, disseminou o terror, ao prender
Sem-Terra, demolir 14 casas e destruir a Escola Eduardo Galeano, agora a Escola
Agroecológica Eduardo Galeano está sendo reconstruída e já funcionando como
filial de uma escola municipal de Campo do Meio. Marcante também foi ouvir o
atual prefeito de Campo do Meio elogiar o MST e mostrar o tanto que as famílias
Sem-Terra contribuem com a cidade de Campo do Meio e com a região sul de Minas
Gerais.
No entanto, as famílias do Quilombo
Campo Grande estão indignadas porque nem o Governo de Minas Gerais e nem o
Presidente Lula ainda assinou o Decreto de desapropriação definitiva das terras
ocupadas há 27 anos. De forma uníssona, ouvimos o clamor: “Não esperaremos mais além de março. Que o presidente Lula tenha a
coragem e a sensatez de assinar sem tardar mais o Decreto que já está na mesa do
presidente para ser assinado, para assentar definitivamente as quase quinhentas
famílias Sem-Terra nas terras da ex-usina Ariadnópolis. Após este Decreto, as
famílias poderão acessar vários créditos da Política de Reforma Agrária do
Governo Federal.”
Dia 23 de fevereiro, na Aldeia Arapowanã
Kakyá, do Povo Indígena Xukuru-Kariri, na fazenda Bruma, em Brumadinho, MG, participamos
da celebração dos três anos de Retomada do Território. Dia-a-dia, o Povo
Xukuru-Kariri segue se enraizando, florescendo e já colhendo frutos no
Território que continua sendo disputado judicialmente pela mineradora Vale S/A.
Em 25 famílias, com cinco crianças nascidas na aldeia, com Escola Indígena
filial de uma Escola Estadual da cidade de Brumadinho, os Xukuru-Kariri seguem
cultivando a terra, plantando hortas comunitárias, fazendo agrofloresta,
cuidando das matas e das águas, produzindo lindas peças de artesanato indígena
e exigindo que a criminosa reincidente Vale S/A libere pelo menos 165 hectares
de território para a Aldeia, o mínimo necessário para comunidade indígena
Xukuru-Kariri viver em paz. A Rede de Apoio aos Xukuru-Kariri se ampliou muito.
Os povos indígenas Kamakã Mongoió, Puri, Pataxó e os Kaxixó estavam presentes na
festa de celebração dos três anos de Retomada, também professores e estudantes
de várias universidades, CIMI[4],
CPT[5],
e aliados/as, de perto e até do México e da Guatemala.
Com o Povo Xukuru-Kariri na celebração
dos três anos de luta pelo território, estava também uma representação do povo
negro organizado, que sob a liderança de dois mestres de capoeira, partilhou
axé, energia de vida, tocou o berimbau, cantou e dançou Capoeira alegrando a
todos/as e revelando a presença da ancestralidade e dos bons espíritos que nos
guiam. Toca no mais profundo do nosso ser uma roda de Capoeira jogando e
cantando: “Abençoa esta aldeia e todo o
povo presente... na roda de Capoeira. Abolição custou sangue. Viva Zumbi que
foi herói lá em Palmares. O negro se transformou em luta cansado de ser
infeliz...” E ver na camiseta a inscrição: “Sou capoeira. Quando o berimbau me chama eu vou...” “A Capoeira foi e continuará sempre sendo
resistência a vários tipos de escravidão. Repudiamos a intolerância religiosa
que ataca impiedosamente nossos espaços sagrados violando nossa espiritualidade”,
disse um veterano mestre de capoeira.
Enfim, a união e o entrosamento dos
Povos nas lutas por terra, território e por todos os direitos é o que garantirá
que a humanidade tenha futuro. Feliz quem se torna aprendiz dos Povos
Indígenas, do Povo Negro e dos Sem-Terra que testemunham pelo seu jeito de
lutar o caminho para a construção de uma sociedade justa economicamente,
democrática politicamente, socialmente solidária e com responsabilidade socioambiental
e geracional. Gratidão aos Povos
que caminham coletivamente, esperançando, verdadeiramente, com resiliência,
resistência e união! Só assim para alcançar a "terra prometida",
direito de todos e todas.
Viva a luta justa e necessária dos Povos por
terra, território e todos seus direitos!
25/02/2025
Obs.: Os vídeos nos links, abaixo,
ilustram o assunto tratado acima.
1 - MST
NO SUL DE MG, QUILOMBO CAMPO GRANDE: 11 ACAMPAMENTOS, + d 500 FAMÍLIAS, 17.000
SACOS DE CAFÉ/ANO
2 - Três
anos da Retomada Xukuru-Kariri, Brumadinho/M: Festa, 25 famílias, Escola e
Território no anzol
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG, mestre
em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; assessor da CPT, CEBI, Movimentos
Sociais e Ocupações. E-mail: gilvanderlm@gmail.com
– www.freigilvander.blogspot.com.br –
www.gilvander.org.br - www.twitter.com/gilvanderluis –
Face book: Gilvander Moreira III – Canal no You Tube: Frei Gilvander
luta pela terra e por direitos – No Instagram: @gilvanderluismoreira
[2]
Movimento dos Trabalhaores/as Rurais Sem-Terra – www.mst.org.br
[3] Os
11 acampamentos que constituem o Quilombo Campo Grande são: Tiradentes, Vitória
da Conquista, Rosa Luxemburgo, Sidney Dias, Girassol, Fome Zero, Resistência,
Betim, Chico Mendes, Irmã Dorothy e Campos das Flores.
[4]
Conselho Indigenista Missionário (CIMI) – www.cimi.org.br
[5]
Comissão Pastoral da Terra (CPT) – www.cptmg.org.br