terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

SEM-TERRA, INDÍGENAS E NEGROS NA LUTA POR DIREITOS. Por Frei Gilvander

SEM-TERRA, INDÍGENAS E NEGROS NA LUTA POR DIREITOS. Por Frei Gilvander Moreira[1]

No último final de semana de fevereiro de 2025, foi maravilhoso ver Sem-Terra do MST[2], Indígenas de vários Povos e Negros conspirando em comunhão na luta por terra, território e por muitos direitos. Dia 22 de fevereiro, estivemos em missão no Quilombo Campo Grande, do MST, no sul de Minas Gerais, no município de Campo do Meio, onde mais de 500 famílias Sem-Terra, em onze acampamentos[3], há 27 anos, lutam aguerridamente pela conquista das terras da ex-usina Ariadnópolis, 3.900 hectares.

Já sofreram onze despejos, mas sempre foram acolhidos no Assentamento Primeiro do Sul, ao lado do latifúndio da ex-usina Ariadnópolis, no Assentamento Santo Dias, no município de Guapé e no Assentamento Nova Conquista II, os três Assentamentos do MST no sul de MG. Sem nunca perder a esperança de conquistar a terra, sempre após os cruéis despejos, os Sem-Terra se reorganizavam e voltavam a reocupar o latifúndio que já foi palco de devastadora monocultura de cana-de-açúcar, de trabalho escravo contemporâneo e de violações dos direitos humanos. Após falência da Usina Ariadnópolis, em 1996, milhares de trabalhadores ficaram sem o pagamento de seus salários e com seus direitos trabalhistas violados. Ocupar as terras da Ariadnópolis se tornou uma questão de justiça agrária, trabalhista e social. A luta contra o trabalho escravo no sul de Minas Gerais desaguou na luta pela terra com a ocupação do latifúndio da ex-usina Ariadnópolis.



Que beleza ver mais uma vez com nossos olhos como na prática os onze acampamentos que constituem o Quilombo Campo Grande já são assentamentos construídos na raça, em luta coletiva, enfrentando o Estado brasileiro, o agronegócio e latifundiários, pois as famílias seguem unidas e organizadas, produzindo alimentos saudáveis: feijão, milho, mandioca, hortaliças e mais de 17 mil sacas de café por ano. E se construindo como pessoas humanas, socialistas, libertadas da ideologia dominante. Há doze anos o MST funciona a Cooperativa Camponesa que incentiva e promove uma significativa produção agroecológica, como o Café Guaií agroecológico, que é vendido nos Armazéns do Campo, do MST, em muitas capitais do Brasil. Em horta comunitária, o Grupo Mulheres Raízes da Terra produz ervas medicinais, pomada milagrosa e remédios fitoterápicos imprescindíveis para ajudar as pessoas a resgatar a saúde com terapias naturais. Em viveiro coletivo dezenas de espécies de mudas de árvores do Cerrado e da Mata Atlântica e frutíferas são produzidas alavancando processos de agrofloresta, ou seja, produção de alimentos em harmonia com a natureza. Tudo isso no paradigma da agroecologia.

Emocionante também foi ver que onde a tropa de choque da polícia militar do Governador Zema, durante a pandemia da covid-19, em três dias e três noites, disseminou o terror, ao prender Sem-Terra, demolir 14 casas e destruir a Escola Eduardo Galeano, agora a Escola Agroecológica Eduardo Galeano está sendo reconstruída e já funcionando como filial de uma escola municipal de Campo do Meio. Marcante também foi ouvir o atual prefeito de Campo do Meio elogiar o MST e mostrar o tanto que as famílias Sem-Terra contribuem com a cidade de Campo do Meio e com a região sul de Minas Gerais.

No entanto, as famílias do Quilombo Campo Grande estão indignadas porque nem o Governo de Minas Gerais e nem o Presidente Lula ainda assinou o Decreto de desapropriação definitiva das terras ocupadas há 27 anos. De forma uníssona, ouvimos o clamor: “Não esperaremos mais além de março. Que o presidente Lula tenha a coragem e a sensatez de assinar sem tardar mais o Decreto que já está na mesa do presidente para ser assinado, para assentar definitivamente as quase quinhentas famílias Sem-Terra nas terras da ex-usina Ariadnópolis. Após este Decreto, as famílias poderão acessar vários créditos da Política de Reforma Agrária do Governo Federal.”

Dia 23 de fevereiro, na Aldeia Arapowanã Kakyá, do Povo Indígena Xukuru-Kariri, na fazenda Bruma, em Brumadinho, MG, participamos da celebração dos três anos de Retomada do Território. Dia-a-dia, o Povo Xukuru-Kariri segue se enraizando, florescendo e já colhendo frutos no Território que continua sendo disputado judicialmente pela mineradora Vale S/A. Em 25 famílias, com cinco crianças nascidas na aldeia, com Escola Indígena filial de uma Escola Estadual da cidade de Brumadinho, os Xukuru-Kariri seguem cultivando a terra, plantando hortas comunitárias, fazendo agrofloresta, cuidando das matas e das águas, produzindo lindas peças de artesanato indígena e exigindo que a criminosa reincidente Vale S/A libere pelo menos 165 hectares de território para a Aldeia, o mínimo necessário para comunidade indígena Xukuru-Kariri viver em paz. A Rede de Apoio aos Xukuru-Kariri se ampliou muito. Os povos indígenas Kamakã Mongoió, Puri, Pataxó e os Kaxixó estavam presentes na festa de celebração dos três anos de Retomada, também professores e estudantes de várias universidades, CIMI[4], CPT[5], e aliados/as, de perto e até do México e da Guatemala.

Com o Povo Xukuru-Kariri na celebração dos três anos de luta pelo território, estava também uma representação do povo negro organizado, que sob a liderança de dois mestres de capoeira, partilhou axé, energia de vida, tocou o berimbau, cantou e dançou Capoeira alegrando a todos/as e revelando a presença da ancestralidade e dos bons espíritos que nos guiam. Toca no mais profundo do nosso ser uma roda de Capoeira jogando e cantando: “Abençoa esta aldeia e todo o povo presente... na roda de Capoeira. Abolição custou sangue. Viva Zumbi que foi herói lá em Palmares. O negro se transformou em luta cansado de ser infeliz...” E ver na camiseta a inscrição: “Sou capoeira. Quando o berimbau me chama eu vou...” “A Capoeira foi e continuará sempre sendo resistência a vários tipos de escravidão. Repudiamos a intolerância religiosa que ataca impiedosamente nossos espaços sagrados violando nossa espiritualidade”, disse um veterano mestre de capoeira.

Enfim, a união e o entrosamento dos Povos nas lutas por terra, território e por todos os direitos é o que garantirá que a humanidade tenha futuro. Feliz quem se torna aprendiz dos Povos Indígenas, do Povo Negro e dos Sem-Terra que testemunham pelo seu jeito de lutar o caminho para a construção de uma sociedade justa economicamente, democrática politicamente, socialmente solidária e com responsabilidade socioambiental e geracional. Gratidão aos Povos que caminham coletivamente, esperançando, verdadeiramente, com resiliência, resistência e união! Só assim para alcançar a "terra prometida", direito de todos e todas. 
Viva a luta justa e necessária dos Povos por terra, território e todos seus direitos! 

25/02/2025

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - MST NO SUL DE MG, QUILOMBO CAMPO GRANDE: 11 ACAMPAMENTOS, + d 500 FAMÍLIAS, 17.000 SACOS DE CAFÉ/ANO


2 - Três anos da Retomada Xukuru-Kariri, Brumadinho/M: Festa, 25 famílias, Escola e Território no anzol


 

 

 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; assessor da CPT, CEBI, Movimentos Sociais e Ocupações. E-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.freigilvander.blogspot.com.br             www.gilvander.org.br - www.twitter.com/gilvanderluis             Face book: Gilvander Moreira III – Canal no You Tube: Frei Gilvander luta pela terra e por direitos – No Instagram: @gilvanderluismoreira

[2] Movimento dos Trabalhaores/as Rurais Sem-Terra – www.mst.org.br

[3] Os 11 acampamentos que constituem o Quilombo Campo Grande são: Tiradentes, Vitória da Conquista, Rosa Luxemburgo, Sidney Dias, Girassol, Fome Zero, Resistência, Betim, Chico Mendes, Irmã Dorothy e Campos das Flores.

[4] Conselho Indigenista Missionário (CIMI) – www.cimi.org.br

[5] Comissão Pastoral da Terra (CPT) – www.cptmg.org.br

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

PESSOAS BEM-AVENTURADAS E AS "MALDITAS a partir de Lc 6,17.20-26 e Mt 5,1-12 - Por Frei Gilvander

PESSOAS BEM-AVENTURADAS E AS "MALDITAS a partir de Lc 6,17.20-26 e Mt 5,1-12 - Por Frei Gilvander Moreira[1]

Foto Reprodução: Canal Paz e Bem

O chamado "discurso da planície", no plano do povo, do Evangelho de Lucas (Lc 6,20-49) é paralelo ao "discurso da montanha" do Evangelho de Mateus (Mt 5-7). As indicações de lugar estão em Lc 6,12.17. Segundo Lucas, Jesus desce da montanha e na planície, no plano do povo, no mesmo nível, olho no olho, apresenta as bem-aventuranças. O "discurso da planície" de Lucas constitui a primeira parte da chamada "interpolação menor" de Lucas, que compreende os episódios exclusivos de Lucas que estão em Lc 6,20-8,3.

Temos em Lc 6,20-23 um texto das bem-aventuranças diferente de Mt 5,3-12. No entanto, há também várias semelhanças. Elas vêm do fato de que tanto as comunidades de Mateus como as de Lucas se serviram de um Evangelho, hoje perdido, que reunia palavras e ensinamentos de Jesus, que se costuma chamar de “Q” ou “Evangelho dos ditos de Jesus”.

Mas estas comunidades não copiaram literalmente no texto do Evangelho os ditos de Jesus. E isto explica a diferença entre os textos das bem-aventuranças no Evangelho das comunidades de Mateus e no Evangelho das comunidades de Lucas. O primeiro texto surgiu em função da experiência vivida pelas comunidades de Mateus, com seus valores, desafios, expectativas, a sua forma de entender o projeto de Jesus. As comunidades de Lucas tinham outros problemas e desafios, outra maneira de compreender e viver o seguimento e o projeto de Jesus!

Da fonte "Q" provém Lc 6,20b-23, que são semelhantes a Mt 5,3.4.6.11-12;[2] A Fonte “Q” refere-se a um evangelho perdido, composto por ditos, sentenças e “provérbios” que estão no Evangelho de Lucas e no Evangelho de Mateus, e não estão no Evangelho de Marcos. A origem de Lc 6,24-26, os quatro “ais”, é muito problemática. O biblista H. Frankemolle pensa que os "ais" (“as maldições”) formavam parte da fonte "Q"; sua omissão por Mateus se explicaria pelo fato de que não enquadram com a tonalidade de seu discurso. Já o biblista Dupont[3], defende que os "ais" constituem uma adição de Lucas, o que é mais provável pela grande incidência de vocabulário lucano.

O "discurso da planície" de Lucas (Lc 6,20-49) é muito mais breve do que o "discurso da montanha" de Mateus (Mt 5-7) com três capítulos. Apesar das múltiplas diferenças entre ambos, há uma grande coincidência básica, que faz pensar em um núcleo originário recolhido da fonte "Q" e elaborado pessoalmente por cada um dos dois evangelistas. O predomínio das semelhanças é tão evidente, que leva automaticamente a pensar que a tradição conservou extensos fragmentos de um grande discurso de Jesus, pronunciado, talvez, no princípio do seu ministério público.

Provavelmente não tenha nenhum texto da tradição evangélica que tenha sofrido, através dos séculos, tantas e tão variadas interpretações como o chamado "discurso da montanha" de Mt 5-7. O "discurso da planície" foi relegado benignamente a um segundo plano. Sobre Mt foram feitas leituras alegórica, escatológica, fundamentalista, sociológica e, naturalmente, teológica. A concepção patrística viu no "discurso da montanha" uma síntese da ética cristã, passando pela teologia medieval, que fundava nesse discurso a distinção entre preceitos e conselhos de perfeição, e continuando pela teoria da Reforma e sua doutrina dos dois reinos ou do ideal inatingível da ortodoxia luterana, até chegar às modernas interpretações, que deduzem desse discurso uma ética da provisoriedade ou uma política da não resistência ao mal.

Hoje em dia predomina uma tendência a interpretar este discurso dentro da globalidade do Evangelho de Mateus, o que nos faz pensar em uma observação atribuída a Mahatma Gandhi: "A mensagem de Jesus não se esgota na inviolada globalidade do discurso da montanha".

Ao endereçar seu "discurso da planície" aos discípulos e às discípulas, Lucas não pode ter outra intenção que não seja configurar a conduta e o comportamento desse grupo: as comunidades cristãs; é para qualificar a formação dos/as discípulos/as.

Na redação lucana do discurso, as palavras de Jesus se referem à existência normal e concreta de cada dia: pobreza, fome, sofrimento, ódio, ostracismo, que são preocupações diárias. A adição característica: "agora" (Lc 6,21ac.25ac) revela o interesse de Lucas pela vida concreta do cristão, com suas incidências específicas. O ponto de partida para o verdadeiro núcleo da mensagem, o amor, tem que dominar a existência do/a discípulo/a de Cristo. A exortação ao amor, em Lc 6,27-36, se move em um campo limitado: o amor aos inimigos, porém em Lc 6,37-45 se alarga os horizontes.

Mateus mostra uma clara tendência a acrescentar diversos materiais às palavras de Jesus; a essa tendência se deve, indubitavelmente, o número de nove bem-aventuranças no Evangelho de Mateus ou oito, se Mt 5,5[4] for uma glosa[5] acrescentada posteriormente. Alguns biblistas defendem a existência somente de sete bem-aventuranças argumentando que Mt 5,11-12 não fazem parte das bem-aventuranças, pois há uma "inclusão" em Mt 5,3 e Mt 5,10. E também o paralelismo com as sete parábolas em Mt 13 e os sete "ais" de Mt 23.

Em Lc, as bem-aventuranças se dirigem aos "discípulos" como os verdadeiramente pobres, famintos, aflitos e proscritos na Palestina sob o imperialismo romano. Confira Lc 6,27: "Eu digo a vocês que me escutam”.

Em um Novo Testamento, que procura a correspondência mais exata do texto grego, o tradutor português Frederico Lourenço traduz assim Mateus 5,3: “Bem-aventurados os mendigos pelo Espírito”. Em nota, explica: “A palavra grega ptôkhós significa de forma inequívoca “mendigo”. Por isso, serve no Antigo Testamento grego (LXX) para traduzir a palavra hebraica ebyon, que significa “mendigo ou pedinte”. O fato da mesma palavra ptôkhós ter sido utilizada para traduzir também o hebraico onî (“pobre, dependente), no Antigo Testamento grego, justifica, no entender de alguns biblistas, a opção de se traduzir sempre ptôkhós por pobre no Novo Testamento, mas a meu ver, a palavra retém claramente a sua identidade semântica no texto dos Evangelhos e, por isso, opto na presente tradução, por respeitar o seu verdadeiro sentido...”[6].

Lucas não espiritualiza a condição dos seus discípulos, como faz Mateus; as prescrições que Mateus acrescenta - "pobres em espírito", fome e sede "de justiça" - obedecem à condição de diversos membros das comunidades cristãs mistas a quem é dirigida a narração evangélica. Outros acréscimos importantes: homem "sensato" (Mt 7,24), pensar "mal" (Mt 9,4), Pai "no céu" (Mt 6,9) etc. Para Mt, Jesus Cristo é novo Moisés; para Lc, o galileu é “o misericordioso” (Lc 6,36), concretização da profecia de Oseias (Os 6,6): “só quero misericórdia.”

O "discurso da planície" (Lc 6,20-49) se diferencia do "discurso da montanha" de Mt não somente por causa da geografia. Mateus apresenta Jesus como o novo Moisés, portador da nova Lei e da Justiça do Reino. Lucas preferiu apresentar Jesus como a expressão máxima da misericórdia divina: "Sejam misericordiosos, como também o Pai de vocês é misericordioso" (Lc 6,36). Lucas está preocupado com problemas internos da comunidade: pessoas que se julgam superiores às outras e, por isso, emitem juízos a respeito dos outros membros da comunidade, a questão das lideranças comunitárias, a correção fraterna. A religião não deve ser algo para ser ensinado "aos outros", mas para ter seus valores vivenciados e testemunhados. O "discurso da planície" mostra que a nova sociedade começa dentro da comunidade, transformando profundamente as relações humanas e sociais que a regem.

No Evangelho de Mateus e no Evangelho de João, os fariseus e religiosos do templo são comparados com cegos, porque optam por serem de linha conservadora e são fundamentalistas, moralistas, rigoristas (Cf. Jo 9). Já em Lucas, Jesus chega a considerar como cegos os próprios discípulos. Portanto, a melhor solução é a "cura do espelho": procurar seguir aquilo que de bom percebemos nos outros e corrigir em nós o que achamos que está errado em nossos semelhantes.

Em Lc, a pobreza, a fome, a aflição, o ódio, o ostracismo caracterizam a situação concreta e existencial dos discípulos de Jesus, que é quem é declarado "feliz". Nas quatro situações de felicidade e infelicidade que são apresentadas, as três primeiras se referem a realidades da vida concreta, cotidiana (pobreza, fome, sofrimento X riqueza, saciedade, alegria), enquanto a última se refere à situação específica de seguidores e seguidoras de Jesus (odiados X elogiados). Enquanto as três primeiras são feitas em frases curtas, a última é mais desenvolvida.

Como alguém pode ter a coragem de afirmar que pobres, aflitos e famintos são ou podem ser felizes, sem ser hipócrita ou cínico? A propaganda está a todo momento dizendo que felicidade é ter o carro do ano, uma mansão, fazer viagens etc. É preciso não entrar na lógica da sociedade de consumo como caminho único para a vida feliz (cf. Lc 12,22-31: “Observem os lírios do campo!”). A primeira coisa que importa é que os pobres não percam sua dignidade e autoestima, apesar de serem marginalizados pela sociedade!

As bem-aventuranças concretizam e radicalizam aquilo que foi proclamado por Jesus na sinagoga de Nazaré (Lc 4,18). Um dos problemas dos ricos é que vivem de forma autossuficiente. Para se tornarem ricos tiveram que acumular explorando de alguma forma e, assim, se negaram a viver a vida partilhando, sendo solidário.

A quarta bem-aventurança tem características diferentes: “Felizes de vocês se os homens os odeiam, se os expulsam, os insultam e amaldiçoam o nome de vocês, por causa do Filho do Homem” (Lc 6,22). Esta bem-aventurança diz respeito a hostilidades que os discípulos e as discípulas sofrem por causa do seguimento do Filho do Homem. Atualizando, poderíamos dizer que sem terra em si mesmo não é problema para os ricaços, mas Sem Terra em movimento, unidos e organizados, transformam-se em um grande problema para os poderosos.

Fala-se nos tais “pobres em espírito” muitas vezes para se referir a pessoas que possuem muitos bens e riquezas, mas seriam desapegadas delas. E com isso se justifica tanto a riqueza quanto a pobreza, porque então haveria também os pobres com coração de rico. Ou seja, segundo essa compreensão a bem-aventurança não está enfocando a riqueza ou a pobreza, mas o apego ou desapego. A questão residiria no interior da pessoa, no seu coração, no seu espírito; inclusive existem Bíblias que traduzem “felizes os que têm coração de pobre ...”, o que é uma traição ao sentido original da bem-aventurança. No entanto, não parece ser disso que a comunidade de Mateus está falando. Quando no seu evangelho aparece a palavra “espírito” ela nunca está se referindo ao interior das pessoas, à sua alma ou a seu coração. Ou ela se refere ao Espírito de Deus, que age nas pessoas e particularmente em Jesus (cf. Mt 4,1; 12,18.28.31; 22,43) ou aos espíritos maus (Mt 8,16; 10,1; 12,43.45). Para se referir ao interior das pessoas as palavras são outras (veja a bem-aventurança de Mt 5,8: “Felizes os de coração puro, ...”). Com certeza as comunidades de Mateus não estão querendo desviar a atenção da pobreza material para a espiritual, como tantas vezes se tem dito por aí. Basta ver para quem Jesus dirige as bem-aventuranças, segundo o Evangelho das comunidades de Mateus: “aos pobres adoecidos, epiléticos, paralíticos, oprimidos, em multidões” (Cf. Mt 4,23-5,2! As comunidades do Evangelho de Mateus falam muito mais dos pobres que encontram sua força no Espírito de Deus para lutar e construir o Reino!

Ao nos aprofundarmos nessas passagens bíblicas, considerando seu contexto e atentos aos acontecimentos do nosso tempo,  vale ressaltar que é preciso voltar a Jesus e à sua proposta para a implantação do reinado divino aqui e agora.

Enfim, bem-aventuradas são todas as pessoas empobrecidas, marginalizadas, excluídas, que não se entregam ao sistema opressor, não introjetam a ideologia dominante, e todas as pessoas de boa vontade que a elas se unem, com fé, coragem e esperança,  em marcha coletiva, no caminho em luta por justiça, por vida digna e em defesa da nossa Casa Comum. 

13/02/2025

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Mt 5,1-12: FELIZES OS SANTOS/AS DE DEUS. ANEL DE TUCUM, SANTIDADE NOSSA DE CADA DIA. Evangelho para Além dos templos


2 - "Plantando hortaliças, felizes por produzir alimentos, mas estamos ameaçados/Ibirité/MG." 27/06/16

3 - "Bom samaritano" (Lc 10,25 37): Características Teológicas do Evangelho de Lucas. Vídeo 2 – Por frei Gilvander



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; assessor da CPT, CEBI, Movimentos Sociais e Ocupações. E-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.freigilvander.blogspot.com.br             www.gilvander.org.br - www.twitter.com/gilvanderluis             Face book: Gilvander Moreira III – Canal no You Tube: Frei Gilvander luta pela terra e por direitos

[2] Lc 27-33.35b-36 = Mt 5,39-42.44-48; 7,12; Lc 37a.38b.39bc.40-42 = Mt 7,1-5; 10,24-25; 15,14; Lc 43-45 = Mt 7,16-20; cf. Mt 12,33-35; Lc 46-49 = Mt 7,21.24-27.

[3] No livro Les béatitudes I, pp. 299-342.

[4] “Bem-aventurados os humildes porque conquistarão a terra.”

[5] Anotação em um texto para explicar o sentido de uma palavra ou esclarecer uma passagem.

[6] - Cf. Bíblia – Novo TestamentoOs quatro Evangelhos. Traduzido do grego por FREDERICO LOURENÇO. Companhia das Letras, 2017, pp.91-92.



quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

PEREGRINOS DE ESPERANÇA, SIM, NA LUTA POR DIREITOS - Por Frei Gilvander

PEREGRINOS DE ESPERANÇA, SIM, NA LUTA POR DIREITOS - Por Frei Gilvander Moreira[1]

Reprodução CNLB com Cartaz do Jubileu de 2025

Conforme o cartaz do Jubileu de 2025, proclamado pelo papa Francisco, o tema do Jubileu é PEREGRINOS DE ESPERANÇA, e não Peregrinos da Esperança. “De” e não “da”. Observemos o que nos diz a gramática e, especificamente, a semântica da língua portuguesa nesse caso. A diferença é grande e não está sendo percebida por muitas pessoas e lideranças religiosas que estão escrevendo ou falando sobre o tema do Jubileu.

As expressões “de esperança” e “da esperança” são locuções adjetivas. Entretanto, há uma diferença sutil, mas profunda no seu significado. A expressão “de esperança” corresponde a “esperançosos”. E a palavra “Peregrinos” é substantivo, que é mais forte que o adjetivo, pois o adjetivo apenas qualifica o substantivo.  Peregrinos de esperança corresponde a PEREGRINOS ESPERANÇOSOS. PEREGRINOS DE ESPERANÇA destaca a esperança como qualidade que faz parte dos peregrinos, entranhada na sua existência, como parte do seu caráter e das suas atitudes. Esperança de esperançar, como tão bem nos alertou nosso grande educador Paulo Freire. Se o tema fosse Peregrinos “da” esperança, sendo o “da” contração “de” + “a”, o “a” como artigo definido poderia nos induzir à ideia capenga de que a esperança fosse algo fora de nós a ser buscada.

Qual o significado de Peregrinos no tema do Jubileu? Peregrino não se refere apenas a pessoas religiosas se dirigindo a um santuário para cumprir promessas e cultivar sua relação pessoal com Deus, Nossa Senhora ou seu santo/a de devoção. Peregrino/a é toda e qualquer pessoa que peregrina, não se restringe a peregrinos religiosos. O papa Francisco afirma que “Somos todos migrantes. Ninguém tem moradia fixa no planeta Terra”. 

Não podemos reduzir a esperança à trituração feita pela teologia dogmática que, ao discorrer sobre “as três virtudes teologais” – fé, esperança e amor -, cindiu o que é inseparável. Com esta cisão indevida abriu-se a imaginação para se ver a fé, o amor e a esperança como entidades, coisas externas a nós às quais devemos agarrar.

Na Bíblia, no livro do profeta Habacuc se diz que “o justo vive(rá) pela fé/fidelidade” (Hab 2,4). A palavra hebraica geralmente traduzida por fé/fidelidade é emuná, que significa ao mesmo tempo “fé, esperança, amor”, de forma indissociável. Portanto, a melhor tradução de Hac 2,4 é “a pessoa justa vive(rá) pela fé/esperança/amor”. Portanto, não é justo separar fé, amor e esperança como se fossem apenas “três virtudes teologais”, separadas ou justapostas. A esperança exige amor e fé como complementos; são três dimensões de uma mesma realidade.

A esperança não pode ser reduzida a uma questão motivacional de autoajuda como se agarrar ao mote “tenha esperança!”, que tudo dará certo. Isso é discurso de couching (guru) que tenta animar quem está tendo a esperança estilhaçada pela lógica e estrutura do sistema do capital.

Segundo Nuno Cobra Júnior, nos livros O Músculo da Alma e Semente da Vitória, uma das doenças que mais matam na atualidade é o sedentarismo. Ele defende que é pelo movimento muscular que se irriga melhor o sistema circulatório, o que oxigena melhor o cérebro, ativa a memória e é antidoto ao baixo astral, à depressão e gera vida saudável.

Peregrinos/as sempre peregrinam em contextos históricos concretos e específicos. Peregrinar é caminhar, é lutar para se conquistar melhores condições de vida. A história demonstra que, durante a vida, quem peregrina isoladamente caminha para a morte lenta. Os pseudovalores capitalistas insistem pela ideologia dominante a impor caminhada individual, pois os patrões capitalistas sabem que quando os povos caminham coletivamente lutando pelos seus direitos e pelo bem comum, a caminhada se torna subversiva, pois mina os pilares que sustentam o edifício que reproduz, de mil e uma formas, violências sobre 99% da população e da biodiversidade.

Para sermos de fato peregrinos de esperança temos que enfrentar vários obstáculos, tais como o individualismo que a ideologia dominante trombeteia aos quatro ventos; o medo insuflado de forma planejada pela grande imprensa que ecoa os casos de violência segundo a versão da polícia, com a finalidade de deter a caminhada; a vertiginosa evolução tecnológica das big techs, ou gigantes da tecnologia, que estão confundindo o real com o virtual. Muita gente está priorizando as relações virtuais e se individualizando gradativamente, o que tem levado à ansiedade, depressão ou ao suicídio.

Quando somos invadidos pelo medo, a paralisia toma conta de nós e a marcha se torna algo temeroso que deve ser evitado. Na realidade, parar de caminhar/lutar coletivamente por direitos e pelo bem comum é muito mais perigoso, pois mata de inúmeras formas, aos poucos. São muito sábias as narrativas proféticas na Bíblia que exortam centenas de vezes: “Não tenha medo. Coragem!” De fato, o contrário de fé não é ateísmo, é o medo. Quem tem fé tem coragem. Logo, infundir medo nas pessoas é uma estratégia para lhes furtar a fé, a coragem, base para ser peregrino de esperança.

Há vários tipos de peregrinos/as. A humanidade está peregrinando. O planeta Terra peregrina sem parar em muitos movimentos, entre os quais dois se destacam: o de translação ao redor do irmão sol e o de rotação, ao redor de si mesmo. Com estes movimentos a Terra cria as condições biológicas e fisiológicas que reproduzem a vida de todas as espécies. Imagine se a Terra fosse parada e não estivesse em movimento, em peregrinação!?

As populações em movimentos migratórios internamente nos seus países ou externamente indo para outros países peregrinam em movimentos de emigração (saída, êxodo), em busca de condições melhores de vida e de imigração (entrada), muitas vezes driblando muros e barreiras impostas por xenófobos, sionistas ou fascistas como Trump e Netanyaru. É na migração/peregrinação que os povos se constroem. Ir e vir são direitos humanos fundamentais, assegurados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, por vários Tratados Internacionais e pelas Constituições dos países.

Peregrinar implica enfrentar os contextos adversos e injustos. Logo, peregrinar inclui lutar por direitos e pelo bem comum. A luta por direitos e pelo bem comum é a mãe que gera a esperança. Sem luta por direitos a esperança morre aos poucos.

Experimentamos isso nas lutas por terra, território, moradia, por preservação ambiental e por todos os direitos humanos fundamentais e socioambientais. Ocupamos propriedades que não cumprem sua função social em grupos de pessoas unidas, organizadas, irmanadas nas lutas justas e necessárias, com amor no coração, utopia/esperança no olhar, pés firmes na marcha e ecoando lemas tais como “com luta e com fé, as casas ficam de pé!”, com luta e com garra, a casa sai na marra!”,Nossos direitos vêm, nossos direitos vêm, se não vem nossos direitos, o Brasil perde também...” direitos são conquistados e as pessoas que participam dessas lutas se enchem de esperança. Por outro lado, quem não luta coletivamente por direitos e pelo bem comum, vai sendo asfixiado paulatinamente e sente a esperança ser sugada até a desesperança se apoderar da pessoa, aniquilando-a.

“A esperança não é a última que morre”, pois a esperança é filha da luta coletiva por direitos e pelo bem comum, que faz parir a esperança. Se a luta coletiva por direitos morre, a esperança morre. Logo, não há esperança sem luta por direitos e pelo bem comum. E o inconformismo, a indignação e a rebeldia constituem o combustível para engrenar as lutas justas e necessárias. Nesse sentido afirma Paulo Freire: “Sem um mínimo de esperança não podemos sequer começar o embate, mas, sem o embate, a esperança, como necessidade ontológica, se desarvora, se desendereça e se torna desesperança que, às vezes, se alonga em trágico desespero. Daí a precisão de uma educação da esperança” (FREIRE, 2009, p. 11).

É na mobilização desencadeada pelas lutas coletivas que os sujeitos da luta pela terra e por todos os outros direitos saem do individualismo, da resignação, do pessimismo e, de cabeça erguida, passam a experimentar que podem transgredir o que o Estado e o capital impõem de forma autoritária e brutal.

Concluindo, “peregrinos de esperança” são quem se desvencilha dos vírus da ideologia dominante e se compromete com lutas por direitos, pelo bem comum, pela democracia. Na Bíblia, o Jubileu é tempo de libertação da Terra, cancelamento das dívidas e libertação de todos os tipos de escravidão (Cf. Lv 25 e Lucas 4,16-21). Ao falar em “peregrinos de esperança”, Papa Francisco nos convida a ir além do espiritualismo que divide material e espiritual e propõe que pensemos em toda a humanidade e não somente nos companheiros e companheiras de fé.

O papa Francisco conclama para o engajamento em peregrinação, caminhada, lutas coletivas que geram esperança e estanca o roubo de esperança que a lógica e a estrutura do sistema que idolatra o mercado estão nos impondo. No próprio nome da bula que nos convida ao Jubileu, ele nos confirma que “a esperança não nos decepciona, pois o próprio Amor divino foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).

 

Referência

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. 16ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009.

30/01/2025

 

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Entrevista com Frei Gilvander Moreira | Conversas de Paz e Esperança

https://www.youtube.com/live/k9WoZPR9CSs

2 - LULA/INCRA/MG, SEM-TERRA PRODUZEM ALIMENTOS SAUDÁVEIS ACAMPAMENTO NOVA ESPERANÇA 2/CÓRREGO DANTA/MG

3 - URBEL/PBH ocupada pelo Povo da Ocupação Esperança, Izidora, BH/MG: Urbanização Justa e Popular, JÁ!

4 - Vida, libertação, esperança! - 9º Domingo do Tempo Comum - Evangelho para além dos Temp(l)os

5 - Famílias com muitos filhos na Retomada Terra Mãe, Betim/MG: casa própria, esperança de futuro. Víd 3

6 - Na ÍNTEGRA, 48ª Festa de São Pedro, no Assentamento Padre Jésus, em Espera Feliz/MG, noite 28/06/23



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; assessor da CPT, CEBI, Movimentos Sociais e Ocupações. E-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.freigilvander.blogspot.com.br             www.gilvander.org.br - www.twitter.com/gilvanderluis             Face book: Gilvander Moreira III – Canal no You Tube: Frei Gilvander luta pela terra e por direitos  www.youtube.com/@freigilvander

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

NOS EUA, ÁGUIA OU ABUTRE? Por Frei Gilvander

NOS EUA, ÁGUIA OU ABUTRE? Por Frei Gilvander Moreira[1]

A história da humanidade demonstra que nenhum império é eterno e que todos eles têm uma história de nascimento, ascensão, decadência e morte. Tornando-se um longo capítulo da história da humanidade. Assim aconteceu com muitos impérios, tais como o Egípcio, o Assírio, o Babilônico, o Persa, o Grego, o Romano, o Português, o Inglês e não será diferente com o império dos Estados Unidos ou das Big techs[2]. A águia, um belo animal, é símbolo nacional dos Estados Unidos, mas na verdade reage como um abutre posicionando-se de forma gananciosa, expansionista, separatista e belicosa, perseguindo os povos latino-americanos e outros.   

A história mostra também que todo império quando está se desintegrando e apodrecendo deixa seus chefes irados e, como abutre, reage, cuspindo fogo e ameaças. Assim aconteceu com a posse do novo “imperador” dos Estados Unidos, no dia 20 de janeiro de 2025. Pelo discurso colonialista, racista, prepotente e ufanista, e também pelos decretos assinados no mesmo dia da posse, expõe a podridão de um sistema que tenta desesperadamente manter sua hegemonia. Por isso, assistimos a algo com rompantes de um imperador, usando em vão o nome de Deus, o que é idolatria (usar o nome de Deus para justificar políticas de morte), se autoapresentando como imbatível ao afirmar que “inicia agora a era de ouro da América”, “construiremos as forças armadas mais poderosas do mundo”, “vamos invadir o Panamá e retomar o Canal”, “vamos terminar o muro que separa os EUA do México”, “vamos cobrar impostos dos povos em outros países impondo tarifas comerciais para que nossos cidadãos paguem menos impostos e possam ter prosperidade, glória e seremos motivo de inveja em todo o mundo...”.

O continente americano inclui América do Norte, Central e do Sul e americanos são todos os habitantes das três Américas, não apenas quem é estadunidense. E os verdadeiros cidadãos da América são os Povos Originários (Indígenas), que foram vítimas de genocídio, mas resistem em centenas de Povos.

Todavia, esse discurso proferido por Donald Trump demonstra soberba e megalomania. Trump revela não só o medo de um Chefe de Estado que sabe que nos limites do seu país, o projeto capitalista de sociedade baseado no consumismo não deu certo!  Porque por trás da fala belicosa e ameaçadora de invasão de outros Estados-Nação, a promessa de ruptura do direito internacional à autodeterminação dos povos, o rompimento do acordo ambiental assinado em Paris, que previa a desaceleração da emissão de gases poluentes responsáveis pelo aquecimento global e por sua vez provocadores da atual e gravíssima crise climática. A promessa de retirar direitos civis construídos a duras penas pela população negra, pelas mulheres e pelo Movimento LGBTQIA+ através de uma reconstrução baseada em uma nova engenharia social demonstra os traços fascistas e nazistas da cúpula retrógrada de empresários que o apoiam. Tudo isso que a grande imprensa divulgou e ao mesmo tempo disseminou expõe a fratura na coluna do gigante, como na esquizofrenia de Nabucondonossor, imperador da Babilônia na história antiga, que tão alto pensava ser, melhor que os céus, e no seu império experimentou, a comer capim como os bois e a vaguear em sua loucura de megalomania.

Após jurar obedecer à Constituição dos Estados Unidos, o discurso de Trump foi deprimente, colonialista, populista, homofóbico, xenófobo, déspota, fascista/nazista e exterminador do futuro. Deprimente porque as centenas de pessoas que o assistiam presencialmente aplaudiam quando os slogans ufanísticos e estadunidensecêntricos eram proferidos, o que revela o apodrecimento das instituições estadunidenses e a visão tacanha do povo que o elegeu.

Como pode aplaudir postura homofóbica ao afirmar que “nos Estados Unidos a partir de hoje terão só dois gêneros: o masculino e o feminino”?! O direito à orientação sexual homoafetiva não pode ser abafado nem por decreto e nem por preconceito homofóbico. Como pode alguém aplaudir que “o muro que separa os Estados Unidos e o México será concluído em breve e deportaremos os imigrantes ilegais”, como se fosse possível a vida no planeta Terra sem a convivência entre os povos?!

Em todos os países há cidadãos e cidadãs vivendo fora do seu país de origem e em todos os países pessoas de muitos outros países são acolhidas. O direito de ir e vir inclui também o direito de viver no país que a pessoa escolher. Impossível cercar um país e isolá-lo da convivência internacional, o que traz inúmeros benefícios para os povos como a troca de experiência cultural e, óbvio, a ajuda em força de trabalho. Imagine os Estados Unidos sem os 11 milhões de imigrantes ilegais que atualmente fazem uma série de trabalho que os estadunidenses se recusam a fazer: serviços de limpeza, construção civil, cuidador/a de idosos/as, segurança, serviços gerais, cozinhar, servir...

Absurdo também o Trump vociferar que vai “perfurar, perfurar, todos os poços de petróleo inexplorado no país e que não estará nem aí para transição energética” e assinar decreto retirando novamente os Estados Unidos do Acordo de Paris, que exige redução das emissões de gás carbônico para reduzir o colapso ambiental e frear a ferocidade dos eventos extremos cada vez mais frequentes e letais. A promessa é de devastar o que resta do Planeta, nossa única Casa Comum, em nome de lucros imediatos.

Até a mãe natureza boicotou a posse de Trump por ter imposto à capital Washington a temperatura de 5º celsius negativos com sensação térmica de 10º negativos. Milhares de trampistas ficaram fora da festa da posse pela severidade climática que impediu cerimônias ao ar livre. Alardear o negacionismo científico e fazer discurso populista criticando que o Joe Biden não conseguiu pôr bombeiros e defesa civil para apagar o fogo apocalíptico que varreu uma região da Califórnia é lorota, pois se acelerar a indústria petrolífera nos Estados Unidos, o império será devastado com maior rapidez, pois a natureza virá rugindo como um leão na selva e devorará tudo o que encontrar pela frente. Ou seja, negar a necessidade de frear o desenvolvimentismo econômico à custa de brutal devastação dos bens naturais – terra, águas, ar – será acelerar a marcha em um desfiladeiro para o precipício e a morte final de todos e todas. Será como a anedota contada por Franz Hinkelammert, para ilustrar a irracionalidade do racionalizado sistema capitalista: dois homens que competem – com muita eficiência, cada qual com um motosserra mais poderoso – para cortar o galho em que estão sentados à beira do precipício. Assim atua o Trump, toda extrema-direita pelo mundo afora, a turma do agronegócio, do hidronegócio, das mineradoras, todos os capitalistas, fascistas ou não, e seus adeptos que estão sacrificando o planeta Terra no altar do mercado idolatrado.

Retirar os Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde e perdoar milhares de criminosos que invadiram o Capitólio tentando impedir que o Joe Biden, que havia sido eleito, tomasse posse é absurdo dos absurdos, é insistir em voltar à idade das trevas, é sepultar de vez a hipocrisia da democracia burguesa e declarar à luz do sol o imperialismo nu e cru.

Ainda bem que a história demonstra também que não há varinha mágica que tenha o poder de transformar em políticas públicas idôneas discursos populistas que enganam os incautos. Em breve, quem elegeu Trump abrirá os olhos ao perceber que a vida real não se transformará na 8ª maravilha com “prosperidade e glória”, porque os grandes coronéis do mundo, magnatas como Elon Musk e Marc Zuckerberg sempre usaram o povo para se enriquecer e nunca serão idôneos para contribuir com políticas públicas que construam relações sociais de justiça, paz, respeito e amor.

A história demonstra também que diante das opressões a resistência cresce. Não há império que dure para sempre, e a força dos povos, unidos em luta pelo bem comum, é o motor da verdadeira transformação. A América Afrolatíndia, berço de coragem e esperança, será a tumba do neofascismo/neonazismo global. Inspirados/as pela aurora austral (boreal), que são raios de luzes em noites escuras, ou descobrindo luzes no túnel e não apenas no final do túnel, construiremos a partir dos últimos um mundo com justiça, paz e amor, onde todas as fronteiras serão abertas e todos os muros derrubados. A Internacional da direita neofascista/neonazista não passará, é vencível, pois está recheada e podre de contradições! A força e a luz do justo, ético e da verdade, o que nos faz mais humanos, terão a última palavra.

Por fim, a luta, a resistência e a história continuam e é animador ter a certeza de que a humanidade aspira um projeto social pautado por relações sociais de justiça, paz e amor, cuja colaboração entre os povos prevaleça sobre a barbárie prometida com a ascensão da extrema direita internacional, engendrada como ovos de serpente no útero do capitalismo que superexplora não só a dignidade humana, mas também todos os bens da natureza.

22/01/2025

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Frei Gilvander sobre o genocídio do Povo Palestino: “Governo de Israel fascista, racista e genocida"

2 - Votar em Projeto de Vida ou de Morte? Na Democracia ou no fascismo?- Por frei Gilvander - 26/10/2022

3 - STF, anule o indulto! Só no nazismo indulto assim. NÃO PODEMOS PERMITIR q um DITADOR SUBSTITUA O STF

4 - Frei Carlos Mesters fala sobre Contexto e Luta de frei Tito Brandsma morto pelo nazismo de Hitler

5 - Frei Gabriel Haamberg e Frei Tito Brandsma, prof., jornalista, martirizado pelos nazistas em 1942



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; assessor da CPT, CEBI, Movimentos Sociais e Ocupações. E-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.freigilvander.blogspot.com.br             www.gilvander.org.br - www.twitter.com/gilvanderluis             Face book: Gilvander Moreira III – Canal no You Tube: Frei Gilvander luta pela terra e por direitos

[2] Grandes empresas de tecnologia que dominam o mercado de inovação e tecnologia.