terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Pelos Direitos do Povo Tradicional Carroceiro e dos Cavalos e Éguas. Por Frei Gilvander

Pelos Direitos do Povo Tradicional Carroceiro e dos Cavalos e Éguas. Por Frei Gilvander Moreira[1]

 


Você já percebeu que em todas as cidades há carroceiros e carroceiras? Você já ficou sabendo que nas origens e no desenvolvimento de todas as cidades estão os/as carroceiros/as? Você sabe que o Povo Carroceiro é Povo e Comunidade Tradicional protegida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Organização das Nações Unidas (ONU)? Você sabe que parte dos/as carroceiros/as são ciganos, outro Povo Tradicional com cultura milenar? Você sabe que em Montes Claros. MG, estima-se a existência de 3 mil carroceiros/as e que em Belo Horizonte e Região Metropolitana há mais de 10 mil carroceiros? Pergunto, porque muitas vezes, cegados pela ideologia dominante, não vemos a beleza da imensa diversidade cultural existente no nosso país. Como amar, admirar e respeitar se não conhecemos? Em todo o Brasil, deve ter alguns milhões de carroceiros/as. Belo Horizonte, por exemplo, começou ao lado de um curral Del Rey e entre os/as trabalhadores/as que foram imprescindíveis na construção da capital mineira, estão os/as carroceiros/as. Porém, com as cidades se tornando cada vez mais cidades-empresas, o processo de asfixia e de encurralamento da imensa diversidade cultural segue atropelando modos de vida maravilhosos.

Em contexto de agravamento da pandemia do novo coronavírus, injustamente, dia 15 de dezembro de 2020, um Projeto de Lei (PL 142/2017), que insistia há quatro anos em criminalizar o modo de vida dos carroceiros e das carroceiras na cidade de Belo Horizonte, MG, foi aprovado em segundo turno na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) por 24 vereadores dos 41 da câmara. Apunhalaram pelas costas cerca de 10 mil famílias de carroceiros/as de BH e RMBH. Escondendo os verdadeiros motivos - interesses políticos para eleição da Mesa Diretora da Câmara, interesses econômicos de empresas e caçambas, de deputados e vereadores que se elegem capitalizando essa pauta - e com argumento falacioso de defesa dos direitos animais, busca-se substituir os cavalos por motos adaptadas. Segundo os/as carroceiros/as, “querem trocar os cavalos que fazem parte da nossa família por “cavalos de lata”, um absurdo. Sob a liderança da Associação dos Carroceiros e Carroceiras Unidos/as de Belo Horizonte e Região Metropolitana, com o Lema “A cidade é nossa roça! Nossa luta é na carroça!”, esse Povo Carroceiro, que é Comunidade Tradicional, friso, repudia com veemência tal projeto pelos seguintes motivos: a) a proibição das carroças afetaria a vida de cerca de 10 mil famílias não só de Belo Horizonte como também da região metropolitana, cujo sustento se baseia no trabalho na carroça. Não tendo mais zona rural, a cidade de Belo Horizonte se encontra (faz divisa) com Sabará, Santa Luzia, Vespasiano, Ribeirão das Neves, Contagem, Ibirité, Sarzedo, Nova Lima e Brumadinho. Por isso, milhares de carroceiros/as que moram nos limites de BH trabalham em dois ou até três municípios com suas carroças; b) desde os anos de 1990, foi construída em Belo Horizonte uma política de limpeza urbana que sempre tratou os carroceiros e carroceiras como verdadeiros agentes ambientais, responsáveis pela destinação correta de milhares de toneladas de resíduos da cidade. Nas gestões de Patrus Ananias e Célio de Castro foram construídas 34 Unidades de Recebimento de Pequenos Volumes (URPV); c) os cavalos e as éguas não são meros animais, mas sim companheiros/as de trabalho dos/as carroceiros/as, têm nome, história e fazem parte da família e da Comunidade Tradicional Carroceira. A tentativa de trocar cavalos e éguas por motos demonstra o desconhecimento da relação que existe entre carroceiros/as e seus/suas companheiros/as animais. E mais, nos leva a pensar em escusos interesses do capital de empresas que querem vender mais 10 mil motos e com isso aumentar o número de acidentes com motociclistas, poluir mais o ar com dióxido de carbono e poluição sonora. E os 10 mil cavalos e éguas substituídos seriam abandonados à própria sorte até a morte ou seriam sacrificados para se tornarem invisíveis?; d) os casos de maus-tratos aos animais não fazem parte do modo de vida carroceiro e são veementemente repudiados pelos mesmos. Os carroceiros e carroceiras participam, inclusive, desde 2017, de várias discussões com a Prefeitura, buscando regulamentar o trabalho e os critérios de cuidado dos cavalos e éguas. “Se há joio no meio do trigo, não se pode cortar o meio de vida do trigo por causa de algum joio existente no meio e somos os primeiros interessados em ver todos os cavalos e éguas e todos os animais bem cuidados. Que a prefeitura, as faculdades de veterinária e a sociedade nos ajudem a garantir condições dignas para todos os cavalos e éguas e que se aplique a lei de maus-tratos aos animais. Tem que acabar com os maus-tratos que injustamente acontece aqui ou ali e jamais proibir nosso meio de vida”, dizem os/as carroceiras. “Mas com a desculpa de defesa dos cavalos e éguas, matar aos poucos os carroceiros e nossas famílias não é justo”, afirma o carroceiro Cláudio, descendente de pais, avós e bisavós carroceiros; e) a cidade de Belo Horizonte foi construída com a participação ativa dos carroceiros e carroceiras, constituindo um patrimônio histórico e cultural da cidade. Ai de quem pisa na própria história e não honra suas origens!; f) o projeto de lei viola os artigos 215 e 216 da Constituição Federal que prevê que o Estado deve garantir o direito à manifestação da diversidade de todos os grupos que compõem o país; g) o PL 142 é autoritário, pois pugna apenas por proibição e repressão de um modo de vida tradicional e também porque foi formulado sem a participação dos/as Carroceiros/as. O presidente da Associação dos/as Carroceiros de BH e RMBH, Sr. Sebastião Alves Lima, carroceiro há 48 anos, denuncia: “Esse PL é racista, porque, sem nos conhecer e nem nos ouvir, insiste em violentar e massacrar nosso modo de viver e de cuidar dos animais. Por que quem defende esse covarde projeto só pensa em repressão e proibição? Quem disse proibição por si só resolverá os casos de maus-tratos, que são uma exceção no nosso meio?”. É óbvio que esse projeto se ancora em racismo estrutural, algo execrável e corolário de relações sociais escravocratas. Assim como sedentarismo nos adoece, adoece também os cavalos e éguas. Trabalhar de forma ética e justa no oficio de carroceiro/a faz bem tanto para os/as carroceiros/as e suas famílias quanto para os cavalos e éguas.

Além disso, os carroceiros e carroceiras da capital mineira já se autodeclararam como Povo e Comunidade Tradicional, com modos de vida próprios e cujo direito está garantido pela Convenção 169 da OIT da ONU, da qual o Brasil é signatário. A autodeclaração é o suficiente para garantir os direitos assegurados pela Convenção 169 da OIT. Além disso, o Decreto 6040/2007 e a Lei 21147/2014, que criaram, respectivamente, as Políticas Nacional e Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais, também garantem o direito dos/as carroceiros/as a manter seu modo de vida. Assim, qualquer tipo de ação, seja do setor público ou privado, que comprometa o modo de vida dos carroceiros e carroceiras, caracteriza uma clara violação à Convenção, à Constituição e às leis citadas. Desta forma, os/as carroceiros/as reivindicam aos vereadores e vereadoras de Belo Horizonte que garantam os direitos humanos e animais, arquivando de vez o perverso, inconstitucional e injusto PL 142/17 e solicitam que criem leis que garantam que as condições de vida dos/as carroceiros/as e seus companheiros animais sejam plenamente asseguradas.

Se há algo que o PL142 não faz é garantir o respeito aos direitos dos cavalos e éguas, e ainda viola de forma cruel os direitos humanos básicos. Viola o direito à livre expressão da diversidade cultural e viola o direito ao trabalho, já que o trabalho com os cavalos e éguas é a única fonte de renda para essas famílias. Há carroceiros que estão há quarenta, cinquenta anos na lida com as carroças. Muitos herdaram os saberes de seus pais, tios, avós, outros aprenderam com amigos. E pela pouca escolaridade, poucos teriam condições de tirar carteira para dirigir motos e nem condições econômicas para comprar moto, pagar seguro, IPVA e garantir manutenção.

Ao propor a substituição das carroças por motos adaptadas, o PL 142 trata de forma equivocada os cavalos e éguas como meros objetos substituíveis. Os setores do movimento de defesa dos direitos animais, que apoiam esse projeto fascista e etnocêntrico, sempre alegam que os cavalos e éguas, animais sencientes, são escravizados pelos/as carroceiros/as. Intencionalmente, promovendo sensacionalismo, divulgam em várias capitais as mesmas fotos sem data e sem localização, fotos sem identidade. Como o lugar social condiciona o olhar epistemológico, quem não convive com os/as carroceiros/as, de longe e do seu “lugar social”, que não é da classe trabalhadora, mesmo tendo boas intenções se equivoca redondamente. Sabemos que de boas intenções a estrada para o inferno está pavimentada. Triste quem ignora a Pedagogia da Libertação, de Paulo Freire, que diz que jamais quem está longe e fora da realidade pode apresentar solução correta para os problemas dos oprimidos. São os/as carroceiros/as quem têm experiência e saberes frutos da vivência cotidiana e, por isso,  capazes de propor soluções para a superação dos problemas existentes no meio dos/as carroceiros/as. O Poder Público - Executivo, Legislativo e Judiciário - precisa ouvir os/as carroceiros/as para que um Projeto de Lei realmente justo e que respeite os direitos dos carroceiros/as seja elaborado e aprovado. Os/as carroceiros/as organizados se regem por um Decálogo (“Dez Mandamentos”) dos/as Carroceiros/as[2].  Cavalos, éguas, burros são sujeitos de direitos, parte de famílias e comunidades, têm nome, temperamento, personalidade. O fato de carroceiros/as e cavalos e éguas se dedicarem a um trabalho de grande esforço físico certamente é interpretado por esses pretensos defensores dos direitos animais, em sua maioria brancos e de classe média, como algo degradante. Afinal, a elite sempre tratou os trabalhos braçais como atividades de terceira categoria, destinados a suas empregadas, pedreiros, porteiros, entre outros/as, ao fim e ao cabo, descendentes de seus parentes que foram escravizados do século XIX. “Hipócrita, tire primeiro a trave do seu olho antes de apontar o cisco no olho do/a irmão/ã” (Mateus 7,5), alerta o Evangelho de Jesus Cristo.

Atenção, esquerda cirandeira! Cuidado com as pautas identitárias para se eleger, que ignoram o recorte de classe em jogo na luta dos/das carroceiros/as. Via de regra são aliados da classe dominante que insistem em pisotear em um Povo e Comunidade Tradicional que tanto bem tem feito ao povo brasileiro: os/as carroceiros/as. A guerra contra os/as carroceiros/as é só mais uma página da guerra contra os pobres, mais uma trincheiro capitalismo que urbaniza e uniformiza tudo para dominar e lucrar, que tem horizonte tenebroso: apagar qualquer traço da vida camponesa na metrópole. Mas, expropriado e expulso do campo, os/as camponeses/as resistem há 520 anos. E resistiremos sempre, pois sabemos que é nosso único modo de viver. Por isso seguiremos, de cabeça erguida, na luta por todos os nossos direitos[3]. Carroceiros e Carroceiras, uni-vos, pois o rolo compressor de aliados dos capitalistas está atropelando e buscando asfixiar-nos.

15/12/2020

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - “Pelos direitos dos Carroceiros, vereadores/as de BH, arquivem o PL 142” Prof. Emanuel/UEMG/14/12/20

2 - Grito dos carroceiros de Belo Horizonte contra o PL 142/2017: "Somos Povo Tradicional!" – 13/12/2020

3 - Luta de carroceiros/as de BH/MG: Trabalho e respeito aos cavalos e éguas. 6ª Parte. 07/7/2018.

4 - Luta dos carroceiros/as e cavalos em BH/MG: pelo direito de existir na cidade/5ª Parte/07/7/2018.

5 - Luta dos/das carroceiros/as pelo direito de trabalhar com cavalos e éguas/BH/MG. 4ª Parte/07/7/2018

6 - Carroceiros/as, cavalos e éguas em BH/MG: dignidade e sobrevivência, 3ª Parte. 07/7/2018.

7 - Carroceiros/as de BH/MG: Cuidado com o meio ambiente e respeito aos animais/2ª Parte/ 07/7/2018.

8 - Carroceiros e carroceiras de BH/MG: Respeito à cultura, direito ao trabalho. 1ª Parte. 07/7/2018.

9 - Carroceiros/as de Belo Horizonte PROTESTAM na CMBH contra a aprovação do PL 142 INJUSTO - 14/12/20



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Decálogo dos Carroceiros e Carroceiras:

1º - Amar o animal como se fosse seu próprio filho.

2º - Manter seu animal sempre bem cuidado.

3º - Ser feliz e orgulhoso por ter seu animal sempre bem cuidado.

4º - Manter o cavalo feliz com uma carroça sempre com os pneus calibrados, boa carroça e arreata adequada.

5º - Zela pelo trato do animal dando banho, alimento, água e o descanso necessário.

6º - Andar sempre com atenção em vias púbicas, respeitando a legislação.

7º - Contribuir para a união e a solidariedade entre os carroceiros e as carroceiras.

8º - Aprender a ser amigo/a, compartilhando os conhecimentos.

9º - Ter boa convivência com os clientes/fregueses e servidores públicos, tratando-os com respeito.

10º - Jogar os materiais transportados apenas nos locais permitidos, contribuindo para a limpeza urbana.

[3] São co-autores deste artigo o Prof. Emanuel Almada, da UEMG e do Grupo Kaipora, e todos/as Carroceiros/as da Associação de Carroceiros/as Unidos/as de Belo Horizonte e RMBH.

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

São José de Brumadinho, sob Herodes: a Vale. Por Frei Gilvander

  São José de Brumadinho, sob Herodes: a Vale. Por Gilvander Moreira[1]

Foto: Divulgação / MAM

Sem apresentar estudo sério e idôneo, a mineradora Vale anunciou, dia 18 de novembro último (2020), a elevação do nível de emergência para 2 da barragem Norte/Laranjeiras em Barão de Cocais, MG. Tal justificativa foi também usada para a retirada forçada de mais de 30 famílias e mais de 800 animais na região das comunidades de Laranjeiras e São José de Brumadinho, onde encontra-se  o Santuário de São José. A barragem, que tem 56 metros de altura e 32,3 milhões metros cúbicos de volume, já estava interditada desde março deste ano, pela falta de Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) exigida pela Agência Nacional de Mineração (ANM). A estrutura está classificada como de Dano Potencial e Categoria de Risco (CRI) altos e desativada desde 2019, mas, segundo os trabalhadores, ela não apresenta riscos de rompimento iminente. Com esse anúncio, as famílias vivenciam situações marcadas pelo terrorismo psicológico promovido pela Vale e pelos funcionários do poder público municipal e estadual. Todo o território tem sido alvo de tentativas de apropriação pela Vale há anos, desde o início de implantação da mina Brucutu, em 2006, em região próxima. Agora, a empresa se aproveita desse difícil momento em meio à pandemia da Covid-19 e usa a elevação do nível de emergência da barragem como estratégia para se apropriar de mais um território.

Essa é a estratégia recente que a Vale tem utilizado para invadir, se apropriar e controlar os territórios de interesse da mineradora e, pior, com apoio do Estado. Assim foi com a região de Socorro, em Barão de Cocais, que desde 08 de fevereiro de 2019 sofreu remoção forçada e que tem sido tomada por inúmeros projetos de exploração mineral, inclusive da própria Vale. O mesmo foi realizado no distrito de Antônio Pereira, no município de Ouro Preto, MG, com a remoção forçada de dezenas de famílias e que também é alvo de projetos de expansão minerária da Vale. Recorde-se do absurdo que foi o desgoverno Bolsonaro ter colocado “mineração como atividade essencial” durante a pandemia. Com essa ‘carta branca’ do Estado, a Vale tem disseminado covid-19 nos territórios e continua de forma acelerada sacrificando povos, a mãe terra, as águas e toda a biodiversidade em nome do acúmulo de lucros exorbitantes. E continua matando de mil formas em todos os territórios das bacias do Rio Paraopeba e do Rio Doce.

As comunidades de São José de Brumadinho e Laranjeiras possuem uma extraordinária história de resistência ao avanço do projeto de mineração da Mina do Brucutu, que visa transformar em um grande complexo de barragens de rejeitos a região que é um paraíso natural, ecológico e cultural. As comunidades possuem patrimônios culturais tombados pela Prefeitura e o Santuário de São José de Brumadinho é reconhecido como um local de peregrinação e encontros religiosos. Uma das Comunidades que está sendo expulsa pela Vale abriga o Santuário de São José de Brumadinho, onde, segundo devotos de São José, aconteceu um milagre em 1742 e, por isso, a região recebe mensalmente, no dia de São José, centenas de pessoas que vêm exercer sua fé e celebrar com o padroeiro dos trabalhadores.

A Mina de Brucutu, a maior da Vale no estado de Minas Gerias, está em plena expansão e ameaça toda a região do distrito de Cocais. A barragem de rejeitos do Torto já está em instalação, há o plano de construção de uma terceira barragem, denominada Tamanduá, que junto com a barragem Norte/Laranjeiras transformará o território em um complexo de reservatórios de rejeitos. Ademais, a cava do projeto da Mina de Brucutu segue em direção à sede do distrito de Cocais e planeja o desvio de um trecho da rodovia estadual MG-129, a estrada mais importante de ligação dos municípios da região.

Essa é mais uma ação criminosa da Vale que conta com a cumplicidade do Estado em utilizar o terror das barragens para fazer remoções forçadas em territórios onde a criminosa reincidente possui interesse em ampliar mineração devastadora. Muitas famílias estão resistindo a sair dos locais até possuir todas as informações da condição de segurança da barragem e as comunidades não abrirão mão de seu local sagrado, o Santuário de São José de Brumadinho. “São José fica e a barragem sai!”, eis o lema da luta no território sob a sanha insaciável de acumulação de capital da Vale.

Com o apoio do Estado, a mineradora Vale, contumaz servidora da idolatria do mercado e do capital, avança fazendo guerra contra os povos, os territórios e toda a biodiversida. A Vale, que já tentou comprar várias propriedades na região, está removendo os sitiantes para casas alugadas na cidade. Todos os moradores desalojados da comunidade de Socorro, que foram tirados de suas casas devido ao risco de rompimento da barragem Sul Superior, de Gongo Soco, em fevereiro de 2019 ainda não puderam voltar para casa, mesmo sem o rompimento que não aconteceu. Alguns venderam seus terrenos para a mineradora e mesmo aqueles que ainda os mantêm tiveram sua vida bastante modificada para pior. A vida deles nunca mais será a mesma. “A criminosa Vale mata nossos sonhos e nosso direito de viver todos os dias”, dizem as pessoas atingidas de mil formas.

O sítio do senhor Miguel Antônio de Almeida, de 85 anos, foi o primeiro a ser “visitado” por funcionários da Vale e da Defesa Civil. Sr. Miguel ouviu de um coordenador da remoção forçada: “Nos próximos 20 dias, vamos trabalhar a mudança do senhor e de todas as pessoas desta comunidade.” Uma funcionária da Vale foi incisiva: “Tem que sair, não tem como vocês ficarem aqui, estamos seguindo um protocolo da Defesa Civil. Não tem a opção de não querer ir. Será feito um inventário de tudo do sítio e vocês vão receber uma cartilha com todas as orientações”. Sr. Miguel, aterrorizado, ainda encontrou força para ir cuidar de algumas vacas no curral e desabafou: “A minha vida está aqui neste lugar. Se eu sair daqui, morro”. O filho do Sr. Miguel, Délcio Almeida, contou que o pai levanta todos os dias de madrugada, às 3h30. “Isso aqui é a vida dele. Ele capina, tira leite e faz queijo. A minha mãe veio para aqui para construir esta casa, devido à capela de São José do Brumadinho, aqui em cima. Ela faleceu em 2014, e amava este lugar. Não pode fazer isso com a gente. Aqui é onde a nossa família gosta de viver”, afirmou.

Dia 6 de dezembro último, Dom Vicente Ferreira, bispo da Arquidiocese de Belo Horizonte, da região de Brumadinho e da Comissão de Ecologia Integral da CNBB, celebrou missa diante do Santuário de São José do Brumadinho, em Barão de Cocais. Na homilia, Dom Vicente profetizou: “Sob cruel perseguição do rei Herodes, São José teve um sonho de que deveria fugir para o Egito com Maria e Jesus para salvar o menino Deus. Nosso sonho, agora, diz: São José fica e a barragem é que deve ser retirada! Nós queremos São José aqui! O Santuário não pode ser retirado daqui. Ontem, Herodes; hoje, a Vale. De que vale louvar o Pai do céu, se estamos matando a mãe Terra? Juntar a prece e nos apressar na luta por tudo o que é justo, eis nossa missão. A Vale faz propaganda mentirosa e enganosa. Temos que ficar indignados e revoltados diante da ganância sem fim desta mineradora que só pensa em destruir. Urge conversões eclesial, ecológica e cultural. Precisamos sair às pressas para lutar em defesa da Casa Comum. Não temos a opção de desistir, pois quem desiste morre aos poucos. A história é cheia de dragões e Herodes. Não podemos ter medo de nominar os Herodes de hoje. Jamais a Vale vai matar a nossa capacidade de sonhar um mundo justo. Quem deixar algum atingido para trás terá que prestar contas a Deus. A única coisa que a Vale quer é dominar os territórios para ganhar mais dinheiro. A Vale troca a vida pelo lucro.”

Reproduz-se em Minas Gerais, no Brasil e no mundo a luta de Davi contra Golias e, segundo o livro do Apocalipse, a luta da mulher em dores de parto ameaçada por um dragão cuspindo fogo para devorar a criança que está na iminência de nascer. Assim como Davi venceu Golias e a mulher venceu o Dragão do Apocalipse, a mineradora Vale e o Estado cúmplice serão vencidos pelo povo que segue se organizando e resistindo de cabeça erguida. A Vale, apesar de parecer invencível, pode e deve ser derrotada pois usa de mentiras, está recheada de contradições e, por isso, tem “pés de barro”, sangue nas mãos e espalha um vírus letal do seu corpo para as pessoas e os territórios onde atua[2]. Enfim, de fato, a Vale "é a morte, é o mercado financeiro... A Vale não vale nada, nada..."

08/12/2020

Obs.: Os vídeos nos links e o áudio, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Homilia de Dom Vicente em São José do Brumadinho, Barão de Cocais, MG: São José sob Herodes, a Vale

2 - “SOCORRO! A VALE NOS ROUBOU O DIREITO DE VIVER”: PATRÍCIA PASSARELA e FERNANDA PERDIGÃO - 07/12/2020

3 - "Basta de atrocidades! Exigimos justiça!" - 2ª Parte - Por frei Gilvander - 06/12/2020

4 - A verdade está com os/as atingidos pela Vale e pelo Estado/1ª Parte/Por frei Gilvander - 06/12/2020

5 - "Estado, não venda nossa dor para a Vale!", atingida Eunice e Carlos Henrique, Câmara Fed. 06/12/20

6 - "A gente se sente esfaqueada pela Vale e pelo Governo." - 2ª Parte - Por frei Gilvander - 05/12/2020

7 - Gritos dos/das Atingidos/as interpelam nossa consciência - Por frei Gilvander -1ª Parte - 05/12/2020

8 - PALAVRAS DE FOGO: Atingidos/as pela Vale e Estado na Câmara Federal. Eliana Marques e Nívea Almeida

9 - Dor e lágrimas dos/as Atingidos/as. Por que as autoridades não ouvem? BRITO e LIONETE, de MG–4/12/20

10 - “Desde nossos avós vivemos aqui. Vale, AQUI NÃO!” Márcio, de Laranjeiras, Barão de Cocais/MG–7/12/20


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Gritos dos/as Atingidos/as interpelam nossa consciência. Por Frei Gilvander

Gritos dos/as Atingidos/as interpelam nossa consciência. 

Por Frei Gilvander Moreira[1]


Charge de Latuff sobre mineração.

Caso não seja cancelada, dia 09 de dezembro de 2020 acontecerá mais uma reunião no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) sobre o Acordo que a mineradora Vale está costurando com o Governo de Minas Gerais e com Instituições de Justiça (TJMG, Ministério Público de MG e Defensoria Pública de MG). Indignados/as, diante de uma série de indícios, atingidos/as estão alertando que “esse acordo, caso seja firmado, será um acordão, uma negociata, leilão dos direitos dos/as atingidos/as de toda a Bacia do Rio Paraopeba, de Brumadinho até o município de Três Marias, MG”. Tivemos que criar o Programa “Grito dos/as Atingidos/as” para ouvirmos atentamente e ecoar as legítimas, justas e necessárias reivindicações de milhares de atingidos/as. Quanto mais ouvimos os clamores, os sofrimentos e as injustiças que todo o povo e toda a biodiversidade da Bacia do Rio Paraopeba estão sofrendo, e que aumentam e se agravam cotidianamente, mais comovidos ficamos e profundamente indignados nos sentimos com o conluio do Estado com a mineradora Vale.

A impunidade da criminosa reincidente mineradora Vale reproduz e faz crescer os crimes e tragédias continuadas. Da boca dos/as atingidos/as ecoam palavras de fogo e perguntas que interpelam nossa consciência. Por exemplo: Até quando vão ficar sem julgamento e condenação as mineradoras Vale, Samarco e BHP Billiton pelo crime/tragédia acontecido cinco anos atrás a partir de Mariana? E o crime hediondo a partir de Brumadinho, também vai continuar impune até quando? É ético negociar com uma mineradora criminosa reincidente, aceitando, injustamente, que a mineradora criminosa apresente contraproposta rebaixando ainda mais a proposta de acordo que já é péssima? Como pode o Governo de MG, o TJMG, Ministério Público de MG e Defensoria Pública de MG pensar em usar a dor, o sofrimento e barganhar com os direitos dos/as atingidos/as para ampliar o metrô e/ou construir rodoanel em Belo Horizonte? Se os/as atingidos/as já estão organizados em Comissões em cinco territórios, de Brumadinho a Três Marias, ao longo da Bacia do Paraopeba, por que não se respeita os/as atingidos/as como sujeitos e protagonistas para tratar de qualquer assunto que diz respeito a indenizações, à reparação integral, a acordo etc? Por que manter a “confidencialidade”, que na prática é sigilo, de um acordo que deveria respeitar os princípios da transparência e da publicidade? Trocar a Fundação Renova, que é da mineradora Vale/Samarco – gestora do Acordo no caso do crime em Mariana - pelo Governo de MG para gerenciar bilhões de reais que a Vale deve ao povo atingido e a toda a biodiversidade não será trocar “seis por meia dúzia” e continuar sacrificando milhares de atingidos/as? Por que manter o critério de considerar atingido/a apenas quem reside a menos de um quilômetro do Rio Paraopeba, se os/as atingidos/as já demonstraram à exaustão que esse é um critério injusto? Milhares de pessoas trabalhavam no Rio Paraopeba como pescadores, extratores de areia, próximo ao rio, na agricultura familiar e em hortas, em associações de pequenas agroindústrias de frutos do cerrado, em turismo ecológico etc, mas residem para além de um quilômetro de distância do rio e estão endividados, sem renda e adoecendo cada vez mais. Por que o Governo de MG mantém a mesma estrutura de licenciamento ambiental, via Comissão de Atividade Minerária (CMI) do COPAM (Conselho de Política Ambiental) do Governo de MG) que continua licenciando todos os projetos de mineração devastadora? Os representantes do Governo de MG sempre votam em sintonia com os representantes das organizações que defendem os interesses das mineradoras. As autoridades do Estado (poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública) não aprenderam nada com os crimes/tragédias das Mineradoras, a partir de Mariana e Brumadinho?  Se a Vale não está cumprindo vários pontos do Acordo sobre o crime em Mariana e não cumpre vários compromissos na Bacia do Paraopeba, como oferecer água para o povo, pagar o Auxílio Emergencial para todos/as os/as atingidos/as, o que garante que ela cumprirá um acordão com Governo de MG e Instituições de Justiça? Por qual razão dar um longuíssimo prazo de 10 anos para a mineradora criminosa, que lucra absurdamente, cumprir um acordo que passa longe de reparar todos os direitos socioeconômicos e ambientais violados?

Na Minuta de acordo vazada para imprensa, a Vale diz que quanto à reparação socioambiental pretende reparar para retornar “ao status quo de antes” do crime, o que viola o Tratado Internacional Marco de Seidan, do qual o Brasil é signatário, que diz que nos casos de desastres ocorridos em grandes empreendimentos “o violador tem que reparar para melhor as condições socioambientais” e não apenas para “o que era antes”. A Vale também quer excluir normas internacionais, como o Marco de Seidan, e se pautar por critérios de uma empresa privada multinacional, a Arcadis. O acordo coordenado pela cúpula do TJMG viola o princípio constitucional do juízo natural, já que pretende que o Presidente do TJMG seja o juízo que homologue o acordo, e não o juiz responsável pelo processo (2ª Vara de Fazenda Pública Estadual). Ou seja, a cúpula do TJMG está atropelando o juiz de 1ª instância e também o 3º vice-presidente do TJMG (nesse caso, pois é ele quem deveria estar conduzindo as negociações no âmbito do CEJUSC de 2º Grau, e não o presidente do TJMG). Na minuta há uma cláusula abusiva: a que diz que as lacunas e omissões serão superadas por consenso entre as partes, o que dá poder excessivo de veto para a Vale. Ou seja, se a Vale não concordar, fica conforme os interesses dela, o que violará direitos dos/as atingidos/as e do Estado, inclusive. Ainda segundo a minuta de acordo, será dado um prazo de 10 anos para o cumprimento do acordo. Só após se pode arguir o descumprimento do acordo. É um longo tempo para a Vale continuar sacrificando e se esquivando do pagamento da imensa dívida que contraiu com milhares de pessoas atingidos/as, melhor dizendo, golpeadas pelo hediondo crime/tragédia.

Um dos maiores clamores dos/as atingidos/as é: “QUEREMOS JUSTIÇA!” Todo o povo atingido já julgou a Vale e repete cotidianamente a sentença: “VALE ASSASSINA REINCIDENTE!” Nas falas dos/as atingidos/as fica claro que estão aumentando o adoecimento das pessoas, o empobrecimento das famílias e não se vê nada sendo feito de forma consistente no sentido da necessária revitalização do Rio Paraopeba. Primeira medida para viabilizar a revitalização do Rio Paraopeba é proibir mineração em toda sua bacia. Por que não se faz isso? Segunda medida: mais do que um mísero “Auxílio Emergencial”, é preciso efetivar um Programa de Renda Permanente para todo o povo da Bacia do Paraopeba com, no mínimo, uns 15 bilhões de reais para ser investido para iniciar o resgate das condições objetivas de vida do povo e de toda a biodiversidade. Todos dizem: “Antes do crime/tragédia vivíamos sem precisar de Governo, nem da Vale e nem de prefeitura, pois pescávamos, tínhamos turismo ecológico e, na agricultura familiar, produzíamos o necessário para vivermos. Tudo que produzíamos vendíamos com facilidade. Agora estão nos matando diariamente, aos poucos. Mataram nossos sonhos. A Justiça está cega, surda e muda, pois não ouve nossos clamores.”

Nos assentamentos Queima Fogo e Chácara Chório, em Pompéu, MG, tudo o que as 49 famílias produziam nos assentamentos era vendido na orla do Rio Paraopeba. Denuncia Tatiane Menezes, da Comissão dos Assentamentos Queima Fogo e Chácara Chório: “A Vale reconheceu como atingido/a quem ela quis, pôs vizinho contra vizinho e disseminou discórdia entre os/as atingidos/as. Pessoas que moram na beira do rio Paraopeba estão passando sede e vendo as criações morrerem. A Vale está pagando o Auxílio Emergencial para quem ela quer. Um grande número de atingidos/as não estão recebendo o Auxílio Emergencial, todo o Território 5, inclusive. São várias empresas terceirizadas da Vale sempre invadindo nosso território diariamente. Perdemos renda e meios de vida. Fomos pegos de surpresa por esse acordo da Vale com o Governo, sendo negociado a portas fechadas. A gente se sente esfaqueada pela Vale e pelo Governo. Estamos revoltados. A gente vê que o Governo de MG quer construir grandes obras, como o rodoanel em Belo Horizonte, que não vai gerar nenhum benefício para nós atingidos/as. O primeiro objetivo precisa ser recuperar o Rio Paraopeba e reparar integralmente os imensos danos socioambientais. Lamentavelmente, agora, muitas famílias estão sobrevivendo com cesta básica. Eu vendia queijo, frango e tudo o que a gente produzia no nosso lote. Estamos endividados, porque a gente não tem mais a renda que tínhamos. O Governo de MG deve pensar primeiro em nós atingidos/as e só depois, se sobrar dinheiro, em rodoanel e outras obras.”

Não podemos ficar indiferentes diante dos gritos dos/das atingidos/as contra esse acordo injusto e desumano que o Estado de Minas Gerais tenta costurar com a criminosa mineradora Vale, com aval de Instituições de Justiça de Minas Gerais. Exigimos RESPEITO, JUSTIÇA E AGILIDADE no CUIDADO com a vida das pessoas e de toda a biodiversidade atingida.

1º/12/2020

Obs.: Os vídeos nos links e o áudio, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - “Somos vivos mortos pela Vale e Estado. Cadê Justiça?” ORMINDO DE BRITO, Felixlândia, MG – 30/11/20



2 - “Acordo do Governo com Vale e TJMG está nos atropelando”, diz ABDALAH NACIF, de Fortuna de Minas/MG



3 - “Governo de MG, cúmplice da Vale. Acordo sacrificará os/as atingidos/as!” - ABDALAH NACIF– 29/11/20



4 - “Acordo da Vale com Governo de MG será nos apunhalar de novo!” TATIANE MENEZES, Pompéu/MG – 28/11/20



5 - "Acordo da Vale com Governo de MG: leilão de direitos para cofre?" - Fernanda Perdigão - 27/11/2020



6 - Grito! Construir Rodoanel em BH usando direitos dos/as Atingidos/as? – Joelisia Feitosa - 26/11/20



7 - "Acordo?" - Grito dos/as Atingidos/as pela mineradora Vale e pelo Estado - Eliana Marques - 25/11/20



8 - Quilombolas de Brumadinho/MG no Dia da Consciência Negra: "E nossos Direitos? E reparação da Vale?"



 

 

 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Há racismo estrutural, SIM! Por Frei Gilvander

 Há racismo estrutural, SIM!  Por Frei Gilvander Moreira[1]

 


Na noite de 19 de novembro de 2020, véspera do Dia da Consciência Negra, nosso irmão negro JOÃO ALBERTO SILVEIRA FREITAS foi barbaramente linchado e assassinado, em Porto Alegre, RS, em um supermercado da Rede Carrefour. Primeiro, nosso abraço solidário à família do João Alberto, ao pai João Batista Freitas, aos filhos, à companheira Milena Borges Alves, aos amigos e amigas. João Alberto Silveira Freitas, um homem negro de 40 anos, outro George Floyd brasileiro, barbaramente assassinado por um segurança e um policial militar que trabalhava como segurança (na prática, jagunços, que de humanos só têm a aparência). João Alberto Silveira Freitas, mais um irmão NEGRO assassinado e martirizado no Brasil racista.

Repudiamos com veemência mais esse assassinato e também repudiamos o vice-presidente General Mourão e o fascista lá do Palácio do Planalto que deveriam ter vergonha de afirmar que “no Brasil não há racismo”. É assim que um Governo racista, fascista e genocida mata: de mil formas. O general Mourão e o que adora torturadores não dizem apenas uma mentira deslavada, mas agem criminosamente incitando a reprodução de outras barbáries. Se 50% da terra brasileira está sequestrada nas mãos de apenas 2% de latifundiários, empresários e chefes do agronegócio, é porque há racismo estrutural no Brasil. Se no Tribunal de (In)Justiça de São Paulo só tem desembargadores brancos como nos demais tribunais do país, com raras exceções, é porque vivenciamos, sim, o racismo estrutural. Se entre os 140 ou 150 novos médicos que se formam semestralmente na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) só há um ou dois negros, é porque há racismo estrutural. Se é reservado ao povo negro os trabalhos manuais com apenas salário-mínimo e milhões de irmãos e irmãs de cor preta são obrigados a sobreviver na informalidade, é porque há racismo estrutural. Se no Bairro Mangabeiras, zona nobre de Belo Horizonte, em um quilômetro quadrado vivem folgadamente e luxuosamente apenas 1.000 pessoas, enquanto no Aglomerado da Serra, geograficamente ao lado, sobrevivem quase 50 mil pessoas em apenas 1 quilômetro quadrado, é porque há racismo estrutural. Se há poucos os negros e negras eleitas para ocupar posições nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, é porque há racismo estrutural. Se apenas um em cada 10 alunos de escolas privadas da cidade de São Paulo é negro, é porque há racismo estrutural. Se nos bairros luxuosos moram só brancos, salvo exceções, e nas favelas está o povo preto, é porque há racismo estrutural. Se entre os 800 mil presos jogados nos presídios brasileiros, que na verdade são novos navios negreiros, mais de 95% dos internos são pretos, é porque há racismo estrutural. Se ... Se continuarmos citando os exemplos de racismo estrutural, a lista será interminável.

Na barbárie de uma sociedade capitalista, uma máquina de moer vidas, muitas vezes temos que dizer o óbvio para desmascarar as mentiras (fake News) criminosas ditas e repetidas por integrantes da classe dominante para pavimentar a reprodução da superexploração que campeia no nosso querido país. Que fazer para superarmos o capitalismo, a desigualdade social e o racismo estrutural? A superação deste status quo que violenta e mata de mil formas passa pela classe camponesa realizar, “na lei ou na marra” uma revolução agrária, que é a partilha, a democratização, a socialização da terra. Enquanto continuar o Cativeiro da Terra (Leia o livro de José de Souza Martins), com a estrutura latifundiária se reproduzindo e ampliando, teremos as condições materiais objetivas que sustentam o racismo estrutural. Os Povos e Comunidades Tradicionais precisam retomar todos os territórios que lhes pertencem ancestralmente. Os Povos Originários, Povos Indígenas devem resgatar todos seus territórios que foram invadidos por brancos capitalistas. Uma das tarefas do povo da cidade é boicotar a Rede Carrefour em todo o Brasil. Não entre em nenhum Carrefour! Não compre e não consuma nada desta transnacional racista e criminosa. Paremos de comprar nas lojas e empresas que sustentam e reproduzem o racismo estrutural existente na sociedade capitalista do Brasil, país com umas maiores desigualdades sociais e raciais do mundo.

Faz bem inspirar-nos em alguns relatos bíblicos. Os evangelhos da Bíblia (Mt 21,12-13; Mc 11,15-19; Lc 19,45-46 e Jo 2,13-17) relatam que Jesus Cristo, jovem galileu rebelde, próximo à maior festa judaico-cristã, a Páscoa, impulsionado por uma ira santa, furioso, ocupou o Templo de Jerusalém - lugar considerado o mais sagrado -, fez um chicote de cordas, “chutou o pau da barraca” e expulsou todos os vendilhões do Templo, bem como as ovelhas e bois, destinados aos sacrifícios. Derramou pelo chão as moedas dos cambistas e virou suas mesas. Aos que vendiam pombas (eram os que diretamente negociavam com os mais pobres porque os pobres só conseguiam comprar pombos e não bois), ordenou: “Tirem estas coisas daqui e não façam da casa do meu Pai uma casa de negócio”. O Planeta Terra é “templo sagrado” que está sendo invadido e saqueado pela idolatria do mercado e do capital. Fazer boicote às grandes empresas racistas, que violentam a dignidade da pessoa humana e a dignidade de toda a biodiversidade se tornou uma necessidade para a sobrevivência da humanidade sobre nossa única casa comum.

Segundo a Bíblia, as mulheres parteiras do Egito, em Êxodo 1,8-22, diante de um “Decreto Lei/Medida Provisória” que, para controlar a natalidade, mandava matar as crianças do sexo masculino, se organizaram e fizeram greve e desobediência civil. “Não vamos respeitar uma lei autoritária do império dos faraós. O Deus da vida quer respeito à pessoa e não concorda com a matança de crianças e com nenhuma opressão e violência”, diziam, em seus corações, as Mulheres do “Movimento de saúde pública” do Egito. Diz a Bíblia: “Deus estava com as parteiras”. O povo se tornou numeroso e muito poderoso (Êxodo 1,20), isto é, crescia em quantidade e em qualidade.

Os pobres organizados que seguiram Mahatma Gandhi e Martin Luther King Jr., mártires dos violentados, fizeram desobediência civil: desafio às leis injustas sem agredir pessoas. Como gestos extremos, acordaram consciências anestesiadas, cúmplices de sistemas opressivos. A não-violência de Gandhi e Luther King não diz respeito às coisas, mas, sim, às pessoas humanas. O boicote do sal e do tecido inglês, na Índia, o dos ônibus segregacionistas, nos Estados Unidos, e tantos outros movimentos de desobediência civil em todo o mundo causaram grandes prejuízos materiais aos capitalistas, mas trouxeram para a humanidade exemplos de enfrentamento a um sistema de relações sociais preconceituosas e racistas assentadas em um passado escravocrata.

Oxalá o povo brasileiro se revolte como aconteceu nos Estados Unidos com o assassinato de George Floyd que animou e inspirou um massivo movimento antirracista que foi decisivo para derrubada do fascista Trump nas urnas. Basta de racismo! Malditos sejam todos os racistas! Que João Alberto Silveira Freitas, martirizado, continue animando e inspirando o movimento antirracista! Oxalá a morte deste nosso irmão não caia no esquecimento e que este movimento continue crescendo e nos ajude a derrubar do poder todos os fascistas, genocidas e racistas![2]

 

24/11/2020

Obs.: Os vídeos nos links e o áudio, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Morte de João Alberto provoca onda de protestos contra o racismo pelo Brasil


2 - No Recife, manifestantes pedem fechamento do Carrefour


3 - Luta contra Racismo/Violência contra as Mulheres/Opressão do Capital. "Uni-vos!" (Frei Gilvander)


4 - Três Comissões da OAB/MG em defesa do Quilombo dos Luízes, Belo Horizonte/MG. Racismo, não! 04/8/17


5 - Comunidade Quilombola dos Luízes, em Belo Horizonte, vítima de invasão/violência/racismo. 01/8/2017


6 - CPT-MG 40 anos - Madalena: "Nossa luta é contra o latifúndio, arma mortífera" - Vídeo 5 - 07/3/2018


7 - Ameaçado por lutar contra o latifúndio, DIM CABRAL, da Cooerco.SD, Uberlândia/MG. Justiça! 24/5/18


8 - Violência do latifúndio cresce no norte de MG/Audiência Pública/ALMG/Toninho do MST. 25/4/2018



 

 

 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.

terça-feira, 17 de novembro de 2020

A verdade está com os/as atingidos/as pela Vale e Estado. Por Frei Gilvander

A verdade está com os/as atingidos/as pela Vale e Estado. Por Frei Gilvander Moreira[1]

Foto: Divulgação - www.redebrasilatual.com.br 
 

Após acompanharmos a Live com quase quatro horas de duração, transmitida via Youtube no canal Extensão PUC Minas, no dia 10/11/2020, e uma Audiência Pública da Comissão dos Direitos Humanos da ALMG, com mais de seis horas de duração, sobre proposta de Acordo, ainda sob sigilo de confidencialidade, que o Governo de Minas Gerais, Ministério Público de Minas (MP/MG), Defensoria Pública de Minas (DPE/MG) e TJMG[2] estão negociando com a mineradora Vale, estarrecidos e indignados, percebemos que a verdade está com os/as atingidos/as pelo crime-tragédia da mineradora Vale e do Estado de MG que sepultou vivos 272 pessoas e sacrificou o rio Paraopeba, responsável por 5,7% da bacia do Rio São Francisco. O pior é que este é um crime que continua se reproduzindo todo dia e disseminando violência e morte de mil formas. Ouvir os clamores dos/as atingidos/as se tornou mais do que nunca necessário: é um imperativo ético. Por isso, ecoaremos aqui vários argumentos, perguntas, reivindicações e clamores expressos durante a Live e a Audiência Pública.

Sem ouvir os/as atingidos/as e sem reconhecê-los como sujeitos com direitos e com voz decisiva, esse Acordo que está sendo combinado entre a mineradora Vale, Governo de Minas e “Instituições de Justiça” (MP/MG, DPE/MG e TJMG) é, segundo os/as atingidos/as, “acordão, negociata, é leiloar os direitos dos/as atingidos/as, é sentença de morte”. Acordos secretos, velados e obscuros afrontam a democracia e implicam em tolerar a cumplicidade do judiciário moroso para julgar a ré Vale S.A reincidente. Eis alguns trechos dos pronunciamentos dos/as atingidos: “Fora, ACORDÃO que, se aprovado, passará um trator por cima dos direitos dos/as atingidos/as!” “Com este acordo vocês estão assinando nossa sentença de morte. O Estado foi mais do que omisso, foi cúmplice e, por isso, tem as mãos sujas de sangue, pois deu o licenciamento para a Vale S.A e não fiscalizou. A vale é criminosa, tem que ser julgada e condenada. O Estado também precisa ser julgado e condenado, pois é criminoso também. A Vale é assassina em série. Acordo sem os atingidos é terrorismo, é carta branca para a Vale nos humilhar. Chega de atrocidades!

"Não podemos deixar a Vale criminosa à vontade para escolher que tipo de “punição” ela receberá”. "Nós temos que ser ouvidos. Nós exigimos o atendimento às nossas reivindicações. Se os senhores doutores não nos ouvem, vocês estão desrespeitando a Carta Magna. Os homens dos poderes públicos não deveriam se apequenar diante do poderio do capital”. “Quem nos representa nas “Instituições de Justiça” parece que tem nojo de nós e tem medo do que vamos falar. Por isso, não querem nossa participação. “Cadê um juiz no TJMG que faça a Vale calar e pagar tudo o que nos deve?" "Senhor Juiz, tem, sim, problema o sigilo. Não tem cabimento esse acordão!"

Os argumentos apresentados pelo juiz mediador não justificam o sigilo do acordo. Os/as atingidos/as não podem ser tutelados/as pela DPE/MG e nem pelo MP/MG e têm o direito de participar como protagonistas nessa luta. "É uma atrocidade atrás da outra.” Esse arremedo de acordão é um novo crime que estão perpetrando. O justo é o judiciário julgar rápido todos os crimes cometidos pela Vale. O mínimo que o TJMG precisa fazer é julgar “pra ontem”, todos os crimes cometidos por essa empresa”.

Alguém da Assessoria Técnica Independente alerta: “É fundamental que toda a documentação e os trabalhos científicos sejam todos disponibilizados em um sítio na internet para consulta pública. Esta base de dados é fundamental para que haja participação informada dos atingidos”. Até o momento nada foi feito para evitar que as pessoas ao longo da Bacia do Paraopeba continuem sendo contaminadas por metais pesados tóxicos que estão matando peixes, cavalos, vacas, cachorros, gatos, capivara, enfim, os animais que bebem água no rio sacrificado pelo crime-tragédia da Vale com a cumplicidade do Estado.

A Vale não é parceira, é criminosa, assassina, e "sonega" imposto pela Lei Kandir. Assim sendo, não há legitimidade nesse eventual acordo. Não é justo usar os/as atingidos/as para se barganhar verbas para o Governo de Minas que deveria defendê-los/as. É mentira o Estado de MG dizer que “ou faz acordo com a Vale ou terá demanda judicial infindável”, porque se o Estado suspendesse as licenças da Vale, ela seria forçada a pagar imediatamente tudo o que deve aos atingidos/as. Discutir nas cúpulas do poder, sob sigilo, um eventual acordo e só na antessala de sua conclusão perguntar para os/as atingidos/as qual deve ser "a cor da parede do prédio" não é ético e nem justo. Isso violenta os direitos dos/as atingidos/as. Tudo o que está sendo questionado e proposto pelo procurador Helder Magno, do Ministério Público Federal (MPF), precisa ser levado em conta. A palavra principal e final deve ser dos/as atingidos/as.

Acusamos que não está sendo cumprida a maior parte do “Acordo Governamental” firmado pela Vale com o Governo de MG e “Instituições de Justiça” no caso do crime-tragédia ocorrido em Mariana, MG. Quem garante que a Vale S.A cumprirá um novo acordo? FORA, ACORDÃO SEM O PROTAGONISMO DOS/AS ATINGIDOS/AS! É imoral e injusto ignorar a participação prévia, esclarecida e protagônica dos/as atingidos/as, qualificada pelas Assessorias Técnicas Independentes. Acordo de cúpula e sob confidencialidade, que é sigilo parcial, tem tudo para ser cavalo de Tróia para os/as atingidos/as.

Um dos maiores impactos do crime da Vale é a contaminação por metais pesados. Os metais contaminam os ecossistemas e as pessoas com severos efeitos para a saúde. Requer-se um amplo projeto de pesquisa e monitoramento de longo prazo tanto nos ecossistemas como nas populações. Como poderá uma pessoa dizer que foi ou está sendo contaminada se não há linha base inicial? É muito estranho que representantes do Governo de MG, do MP/MG e da DPE/MG usem argumentos semelhantes tentando justificar o acordo. Por que o crime ambiental da Vale S.A não foi levado para dentro da legislação ambiental? Por que não considerar tal como previsto na lei máxima do país que o meio ambiente seja visto de modo integral incluindo a dimensão social e econômica? Por que não usar todos os instrumentos necessários para apurar os danos e propor mitigação e reparação integral?

Durante a Live e a Audiência Pública, a postura do Ministério Público de MG e da Defensoria Pública de MG, semelhante em parte à posição do Governo de MG, causou-nos indignação e preocupação. Lamentável a posição da DPE/MG e do MP/MG pró-acordo, esquecendo que os/as atingidos/as devem ser protagonistas nesse processo. Como confiar em “Instituições de Justiça” que são lentíssimas para condenar os grandes criminosos do capital e velocíssimas a mandar prender pobre? Como confiar na Defensoria Pública que fez acordão por cima com a Vale, priorizando ações individuais e com efeito colateral grave: inibir ações coletivas que são mais potentes? A missão da DPE/MG precisa ser defender os empobrecidos e violentados, mas atuando com e não para eles e elas. Por que e para que a proximidade de postura entre MP de MG e o Governo de MG, atrelado ao grande capital em MG? Por que MP/MG e Defensoria Pública não exigem que o Judiciário julgue e condene a Vale a pagar, prender os assassinos e confiscar o patrimônio que garanta os recursos necessários para quitar o que a Vale deve aos atingidos/as e a toda a sociedade mineira? Se não for condenada pelo judiciário, a Vale continuará explorando, enrolando e sacrificando os territórios, povos e toda a biodiversidade.

Se tivesse havido justiça no caso do crime-tragédia das mineradoras em Mariana, não teria acontecido o crime-tragédia em Brumadinho, possivelmente. Um efeito colateral desse eventual acordão será inibir lutas populares para pressionar o Judiciário a fazer JUSTIÇA. Com esse eventual acordão a Vale pagará obras que são responsabilidade do Governo de MG às custas dos/as atingidos/as. Esse acordão proposto é na prática uma Parceria Pública Privada (PPP) do Governo de MG com Vale - privatização das responsabilidades do Estado de MG -, usando a dor e os direitos dos/as atingidos/as. Repassar dinheiro da Vale para o Governo de MG é PPP na prática. Trocar a Fundação Renova pelo Governo de MG em um novo acordo é trocar seis por meia dúzia. Caso os atingidos venham a concordar com algum tipo de acordo, "tem que tirar da mão da Vale o controle do dinheiro", sim, mas tem que pôr nas mãos dos/as atingidos/as e jamais pôr no caixa do Governo de MG. “As obras do rodoanel são de responsabilidade do Estado de MG. A indenização da Vale deve ser investida em prol de melhorias no meio ambiente impactado em toda a Bacia do Rio Paraopeba”, alertam os/as atingidos/as. Todas as ações listadas no eventual acordão são responsabilidade do Governo de MG. Por que e para que usar a dor e os direitos dos/as atingidos/as para isso? Na prática é uma PPP do Governo de MG com a Vale S.A usando os/as atingidos/as como balcão de troca. Injustiça que clama aos céus! A proposta do acordo é recriar uma “Renova” com roupagem pública da mesma forma que aplicada pela Renova sem a participação dos atingidos e violando direitos fundamentais! A Vale só assinará um acordão que seja benéfico para ela e lesivo para as milhares de famílias atingidas. Essa é a lógica injusta desse acordo. Se o Governo de MG estivesse ao lado dos/os atingidos/os, não estaria concedendo todas as licenças de projetos de mineração devastadores que estão todos sendo aprovados. Como fazer acordo com Vale criminosa reincidente que já matou mais de 300 pessoas e dois rios, colocando vítimas para acordar com mineradora assassina? Isso é inadmissível.

A Vale S.A paga o auxílio emergencial para uns e não para outros da mesma residência, sendo que os documentos foram enviados junto”, denuncia atingidos/as. “O que eu e minha família rebemos hoje de auxílio emergencial não é nem um quarto da renda que tínhamos antes do rompimento da barragem”, denunciam outros. Se a Vale recorrer judicialmente, por que não podemos recorrer e pressionar as instâncias superiores do Judiciário para concluir logo a condenação? Se Ministério Público, Defensoria Pública e o poder Judiciário não condenarem logo a VALE criminosa, estarão sendo cúmplices de impunidade. É um absurdo os bloqueios do Auxílio Emergencial que a empresa vem fazendo hoje, quase dois anos após o crime, com a desculpa esfarrapada de inconsistência de documentos. O Auxílio Emergencial deve ser pago até que a Vale S.A conclua todas as indenizações e faça a reparação integral dos danos impostos aos atingidos/as. E mais,  o valor deste auxílio emergencial deveria ser estabelecido pelas pessoas afetadas. Cortar o Auxílio emergencial é reproduzir e ampliar a violência do crime.

Por que as pessoas atingidas, que são sujeitas e protagonistas, devidamente representadas por suas Comissões, não estão participando com direito à voz e direito de deliberação na construção deste acordo? Porque ele está sendo feito com sigilo de justiça?” Um Programa Social Emergencial será usado como moeda de troca para tornar o acordão “palatável”? “Sou moradora do bairro Citrolândia, em Betim. Está faltando água todo dia. As crianças estão adoecendo com a péssima qualidade do pouco de água que chega para nós. Exigimos direito de participação popular e direito à informação! NADA POR NÓS SEM NÓS!! “A nossa vida e a percepção do que atende nossos direitos agora pertencem ao sistema judiciário e de Estado? Não aceitamos ser tutelados, pois não somos incapazes.” Os/as atingidos/as têm direito de ter advogados/as que os representem no processo.

Os direitos dos povos tradicionais estão sendo violados. Por isso também, é inconstitucional esse pretenso acordo. Quilombolas clamam: “Queremos que nossas raízes quilombolas sejam respeitadas, nossa cultura e toda nossa ancestralidade. Queremos participar das decisões! Não basta de ver os direitos dos nossos irmãos indígenas e quilombolas ser desrespeitados pelo governo federal? Não somos descendentes de escravos! Somos um povo nobre e a nossa descendência é de reis e rainhas da mãe África e que foram trazidos para cá e escravizados”.

Eu quero perguntar ao Governo de MG e às “Instituições de Justiça”: Vocês estavam lá no Córrego do Feijão ou ao longo do Rio Paraopeba dia 25 de janeiro de 2019? Vocês passaram por tudo o que nós atingidos passamos? Quanto a Vale e o Estado devem nos indenizar por terem matado nossos irmãos e irmãos, o nosso rio, o nosso lugar e os nossos sonhos? Vale assassina reincidente tem que ser excluída de eventual acordo. Ela precisa ser julgada e condenada. Acordo sem o protagonismo dos/as atingidos/as é acordão lesivo aos direitos dos/as atingidos. O Governo de MG está junto com agronegócio, FIEMG[3] e mineradoras. Logo não pode ser o gestor de um eventual acordo.

Os atingidos/as já vivenciam cotidianamente as violações de direitos desde o rompimento da barragem e agora sofrerão ainda mais pela ação do Estado ao propor a construção deste acordo desconsiderando a participação dos/as principais interessados e seu direito à informação.

Feliz quem ouve e leva a sério os clamores dos/as atingidos/as! Maldito/a quem ignora os clamores de quem sofre cotidianamente os rastros de morte que o crime-tragédia continuado da Vale e do Estado segue disseminado. Maldito quem não defende com intrepidez os sagrados direitos dos/as atingidos/as! Ai de quem não respeita os/as mártires do crime-tragédia e viola os seus direitos. Basta de atrocidades! Exigimos justiça![4]

Em tempo: Dia 13/11/2020, a CNBB[5] por meio da Comissão de Ecologia Integral e Mineração protocolou um Documento no TJMG com oito páginas de questionamentos ao juiz da 2ª Vara sobre esse Acordo em curso.

Obs. 1: Nos vídeos nos links, abaixo, atingidos/as pelo crime-tragédia da Vale e do Estado em toda a Bacia do Rio Paraopeba falam a pura verdade com cabeça erguida. Vejam e ouçam com atenção o que dizem e exigem os/as atingidos/as!

1 - Silas Fialho e Natália, atingidos pelo crime da Vale/Estado de MG: clamores por Justiça! –10/11/20

2 - Fernanda Perdigão, atingida pelo crime da Vale/Estado: Palavras de fogo - Acordão, NÃO! - 10/11/2020

3 - Acordo? -Tomás Nedson e Joelísia Feitosa, dos/as atingidos/as do crime da Vale e do Estado. 10/11/20

4 - Capitã Pedrina, atingida pelo crime da Vale/Estado: “Não se apequene diante do capital”. 10/11/2020

5 - "Basta de tanta crueldade!" José Raimundo, Ângela e Fernanda, dos/as atingidos/as do crime da VALE

6 - Acordo sem poder decisivo com atingidos/as é negociata: Patrícia, Renato e Silvéria/Área 3. 10/11/20

7 - Carlos Henrique: atingidos Área 5 pela VALE/Estado exigem JUSTIÇA aos atingidos/as. Julguem a Vale!

8 - Eliana Marques, atingida Áreas 4 e 5 pelo crime da Vale/Estado, mete o pé no barranco: ACORDÃO, NÃO!

9 - Renato Moreira, atingido pelo crime da Vale/Estado, questiona indignado o ACORDÃO com a Vale11/11/20

10 - Pedrina e Patrícia Regina, atingida Área 2: “Por que temos que suportar tanta injustiça?” ACORDÃO?

11 - Capitã Pedrina, atingida: “Respeitem nossos ancestrais. O Rio e as matas são sagrados. Acordão?”.

12 - Fernanda Perdigão: “Acordão do Governo de MG/MP/MG e Vale é leilão dos direitos dos/as atingidos/as"

13 - Michelle Regina, atingida de Betim: "Até quando vamos sofrer esperando JUSTIÇA? Acordão, NÃO!"

14- Fernanda, Olízia e Joseane, atingidas pelo crime da VALE/Estado: "Respeito! Julguem logo a Vale"

15 - Silas de Paula, atingido do Parque da Cachoeira, indignado diante do ACORDÃO da Vale e Governo de MG

16 - Natália, atingida da Área 1 (Brumadinho) questiona Acordão de Vale com Governo de MG/MP/DPE/MG/TJMG

17 - Arthur e Adriana, da Área 5, atingidos/as pelo crime da VALE/Estado, clamam por Justiça - 10/11/2020

18 - Lionete, da Área 4, atingida pela VALE/Estado: “Mataram nossos sonhos tb. Acordão, NÃO!" - 10/11/20

19 - Tatiane e Eunice, atingidas pela VALE, Área 4: “Cadê nossos direitos? Basta de nos matar!” -10/11/20

20 - Grito de dor por Direitos -Áreas 4 e 5 da Bacia do Paraopeba: Eliana Marques, atingida - 10/11/2020



 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

[3] Federação das Indústrias de Minas Gerais.

[4] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.

 

[5] Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.