Lixões até
quando?
Por
Gilvander Moreira[1]
Acima
do antigo Acampamento Dom Luciano Mendes (atualmente Assentamento Irmã
Geraldinha), em terra devoluta, ao lado da BR 376, próximo à cidade de Salto da
Divisa, no Baixo Jequitinhonha, MG, continua o lixão da prefeitura de Salto da
Divisa, a céu aberto, desde 1989 – século passado! -, causando uma tremenda
devastação socioambiental: poluindo o ambiente e as águas do rio Jequitinhonha
com chorume, enxame de mosquito no acampamento (hoje Assentamento) e adoecendo
a população ribeirinha e da cidade de Salto da Divisa. É onde se joga todo tipo
de lixo da cidade, lixo hospitalar, inclusive! O lixão soterrou três nascentes.
O chorume que o lixão produz cai no curso d’água e a um quilômetro de
distância, por meio de uma grota cai no rio Jequitinhonha, acima de onde a
COPASA[2]
capta água para abastecimento da população da cidade. Agrava a situação o fato
de logo abaixo ter o lago artificial da barragem de Itapebi e o esgoto da
cidade ser jogado no rio, acima do lago. E a COPASA capta água, logo abaixo. Geralda
Magela da Fonseca (Irmã Geraldinha) relata: “Denunciamos o lixão principalmente
por causa do extermínio das três nascentes que existiam aqui, um crime
ambiental. Se fossem revitalizadas e preservadas, as nascentes poderiam
abastecer o Acampamento Dom Luciano (atual Assentamento Irmã Geraldinha).
Agora, com as nascentes mortas, o chorume corre por uma grota e vai cair no rio
Jequitinhonha, contaminando a água do rio”.
Todos
os dias vários caminhões de lixo da cidade de Salto da Divisa são despejados no
lixão ao lado do antigo Acampamento Dom Luciano Mendes, hoje, Assentamento Irmã
Geraldinha. Denuncia Aldemir Silva Pinto, que era da coordenação do Acampamento
Dom Luciano: “Antes da barragem aqui em Salto da Divisa, as pessoas tinham
saúde. Hoje, as pessoas estão morrendo à toa. O povo está sofrendo muito com
isso. Com esse lixão aqui, um enxame de mosquito invade o nosso acampamento
todos os dias. Tem dia que fica insuportável. Somos povo pobre, mas trabalhadores.
Não somos cachorros. Exigimos respeito”.
Desde
o início quando começou o lixão, em 1989, ribeirinhos posseiros que vivem perto
dali foram até à Casa das Irmãs Dominicanas, em Salto da Divisa, pedir ajuda
para impedir que o lixão exterminasse três nascentes que havia no local.
“Fizemos denúncia ao Ministério Público, mas até hoje não foi feito nada para
acabar com esse lixão aqui. O nosso sonho é revitalizar as três nascentes que
existiam aqui” (Irmã Geraldinha). Até jegue, mula e cavalos assassinados na BR
376 são jogados e enterrados no lixão. Dia 22 de setembro de 2014, Getúlio
Lopes do Nascimento, do Acampamento Dom Luciano, denunciou indignado: “Até a
minha mulinha mataram com um tiro e funcionários da prefeitura jogaram ela aqui
no lixão e eu fiquei a pé.”
Eis
uma amostra da enorme injustiça socioambiental que continua se reproduzindo em
um grande número de cidades brasileiras, mesmo com a existência da Lei n.
12.305, de agosto de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos
Sólidos, esclarece sobre a necessidade de uma gestão integrada e instrui sobre
o gerenciamento de resíduos sólidos e as responsabilidades dos geradores, do
poder público e os instrumentos econômicos aplicáveis. Tal lei proibiu lixões e
aterros irregulares no Brasil, estabelecendo prazo para o seu fechamento; prazo
que já foi adiado várias vezes. Em seu artigo terceiro, a Lei 12.305 orienta
sobre a necessidade de um controle de mecanismos e procedimentos que garantam à
sociedade informações e participação nos processos de formulação, implementação
e avaliação das políticas públicas relacionadas aos resíduos sólidos no país,
indicando ainda a premência da implantação de um plano municipal de gestão
integrada de resíduos sólidos.
O
Projeto de Lei 2.289/15 prorroga fim dos lixões para 2021. O Brasil ainda
convive com mais de 3 mil lixões. E cinco anos depois do prazo para o país
acabar com os locais, prefeitos querem mais tempo para cumprir a lei. Em nível
estadual, em Minas Gerais, a Lei 18.031/2009
arbitra este tema destacando os princípios da não-geração, redução,
reaproveitamento, reciclagem, tratamento e disposição final, ambientalmente
adequada, reiterando a política de responsabilidade socioambiental
compartilhada entre setor público, geradores, transportadores, distribuidores e
consumidores. Esclarece ainda entre outros, sobre necessidade de consórcios
municipal, intermunicipal, coleta seletiva e gestão integrada de resíduos
sólidos. Investimento em tecnologias limpas, prezando a limpeza do município,
preservação do meio ambiente e saúde da sua população. A
reciclagem apresenta-se como uma solução logisticamente viável, economicamente
rentável e ambientalmente correta. Urgente o Estado e toda a sociedade
se comprometer com a rede dos 5Rs, ou seja: as fases Repensar, Reduzir,
Recusar, Reutilizar e Reciclar. Necessário se faz a implementação da coleta
seletiva com inclusão socioprodutiva de catadores, mobilização e sensibilização
da população envolvendo as secretarias de Meio Ambiente, Desenvolvimento
Social, Educação, Saúde e Comunicação.
Enfim, eis um exemplo de Sem Terra, na luta pela terra, lutando também
pela superação dos lixões e por uma forma de lidar com os resíduos sólidos de
forma que viabilize condições objetivas que garantam saúde comunitária e
sustentabilidade ambiental nos territórios.
Obs.: O vídeorreportagem no link, abaixo, versa
sobre o assunto tratado, acima.
1
– Acampamento Dom Luciano, do MST, denuncia Lixão a céu aberto em Salto da
Divisa, MG. 22/09/14.
Belo
Horizonte, MG, 03/12/2019.
[1] Frei e padre da Ordem dos
carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em
Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e
Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos”
no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br –
www.twitter.com/gilvanderluis –
Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Companhia de Saneamento de Minas
Gerais.