A Serra da
Piedade gera vida; a CMI/COPAM e as mineradoras, morte!
Por frei Gilvander Moreira[1]
O dia 22 de fevereiro de 2019 entrará
para a História como o dia em que o Conselho Estadual de Política Ambiental
(COPAM), do Governo de Minas Gerais, por meio da Câmara de Atividades Minerárias
(CMI), autorizou mais um crime hediondo: a concessão de Licença Prévia concomitante
com a Licença de Operação para a mineradora AVG Empreendimentos Minerários Ltda.
minerar na Serra da Piedade com lavra a céu aberto com tratamento úmido, ou
seja, crucificar no altar do ídolo mercado a Serra da Piedade, patrimônio
histórico, natural e religioso de mineiros e brasileiros, sede da Basílica de
Nossa Senhora da Piedade, padroeira do estado de Minas Gerais. Vi e dou
testemunho que, exceto Maria Teresa Corujo (Teca), representante do Fórum
Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (FONASC-CBH);
Júlio César Dutra Grillo, representante do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA/MG), e Adriana Alves Pereira
Wilken, representante do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas
Gerais (CEFET-MG), os conselheiros da CMI/COPAM estão atrelados aos
interesses do capital e à ganância sem fim das mineradoras. Estão surdos a
todos os argumentos sensatos e chegam à reunião já para cumprir ordens dos
grandes interesses econômicos para licenciar todos os projetos reivindicados
pelas mineradoras. Na CMI/COPAM acontece um jogo de cartas marcadas, pois entre
os doze conselheiros, apenas uma representa a sociedade civil. Nove
conselheiros representam o Governo de Minas Gerais e entidades parceiras das
mineradoras: Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior (SEDECTES), Secretaria de Estado de Governo
(SEGOV), Secretaria de Estado de Casa Civil e de Relações Institucionais
(SECCRI), Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (CODEMIG),
Agência Nacional de Mineração (ANM), Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM),
Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais (SINDIEXTRA),
Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado de Minas Gerais
(FEDERAMINAS) e Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA). Com essa
composição nada democrática, o resultado é sempre o mesmo: aprovam todos os
projetos pleiteados pelas mineradoras que estão causando um colapso nas condições
de vida do povo, dos biomas, matando os rios e espalhando terror psicológico
sobre milhares de famílias que moram abaixo de barragens de lama tóxica das
mineradoras. A composição da CMI/COPAM demonstra que o Estado de Minas Gerais
está de mãos dadas com as grandes mineradoras, insistem em um projeto de
“desenvolvimento” que na prática gera subdesenvolvimento e imensa injustiça
socioambiental.
Celebração da Juventude no Santuário Basílica da Serra da Piedade, em Caeté, MG. Foto: Divulgação / Pastoral da Juventude. |
Após justificar com uma série de argumentos sensatos, éticos, técnicos, administrativos e jurídicos, a conselheira Teca exigiu a retirada de pauta do projeto da mineradora AVG de minerar na Serra da Piedade. De forma monocrática, como foi estabelecido no regimento interno, o presidente da reunião decidiu não retirar de pauta o pedido de Licenças Prévia e de Instalação concomitantes para a mineradora AVG se instalar na Serra da Piedade e reabrir mineração na área. A conselheira Teca e o conselheiro Júlio Grillo explanaram de forma bem embasada que não havia a menor possibilidade de concessão das Licenças Prévia e de Instalação, ‘por mil motivos’, entre eles o fato do IBAMA, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e o Conselho do Monumento Natural Estadual da Serra da Piedade não terem dado anuência.
Mesmo sendo um patrimônio histórico,
paisagístico, natural e religioso do Estado de Minas Gerais, a Serra da Piedade
já sofre com a devastação – enorme cratera - que a mineradora Brumafer deixou
ao fazer “lavra predatória”. Por grande luta popular iniciada em 2001, foi
fechada em 2005 e o passivo ambiental foi deixado lá na Serra da Piedade e
precisa ser recuperado. Foi essa a “desculpa” que a AVG, que comprou a Brumafer
na ocasião, usou e continua usando para conseguir licença para minerar. A Serra
da Piedade na área pretendida pela AVG é essencial para o abastecimento de água
de comunidades abaixo, como sitiantes, agricultores familiares e moradores do
distrito de Ravena, em Sabará, que já vivem situações de escassez hídrica. E a
AVG em seus estudos informou não haver nenhum usuário de água abaixo de onde
pretende retomar as atividades de mineração, conseguindo assim a concessão por
parte do Estado da totalidade de uso de água superficial e subterrânea.
A Serra da Piedade é protegida por três
tombamentos, como patrimônio natural, histórico e paisagístico, em nível
municipal (Caeté), estadual e federal. Por isso, o IPHAN e o Instituto Estadual
do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA) têm o dever de
cuidar desse patrimônio e esperamos que não deem licença para reabrir mineração
na Serra da Piedade.
A Serra da Piedade é responsável por
parte significativa do abastecimento d’água de Belo Horizonte e região
metropolitana (RMBH), que já perdeu o Rio Paraopeba – morto pela Vale e pelo
Estado -, que era responsável por 50% do abastecimento de BH e RMBH. A cratera
que a Brumafer deixou lá na Serra é um passivo ambiental que precisa ser
recuperado, mas jamais com mais mineração. Mesmo com a falta de anuência do
IBAMA, do IPHAN e do IEPHA, o jovem que presidia a sessão repetia sempre que
estava cumprindo uma decisão judicial e, assim, usava a decisão judicial como
escudo para encobrir ilegalidades que eram levantadas. Aliás, não tem sido rara
a utilização de liminares judiciais pelas mineradoras para pautar processos de
licenciamento ou para garantir que as reuniões de deliberação das licenças
transcorram ainda que o processo administrativo encontra-se pendente de
pré-requisitos indispensáveis. Ou seja, o judiciário também tem sido cúmplice
de devastação socioambiental protagonizada pelas mineradoras.
Em 1956, o IPHAN realizou o tombamento
da Serra da Piedade, todavia reconhecendo os aspectos cenográficos de todo o
conjunto natural e cultural da Serra da Piedade, e a ameaça constante do
desmatamento, da mineração e da degradação ambiental, decidiu-se pela
necessidade primordial de expansão do tombamento federal por meio da definição
de um polígono de proteção que abrangesse a antiga área federal tombada, os
tombamentos estadual e municipal, que pudessem garantir a visibilidade integral
do bem, incluindo sua linha de perfil, os recursos hídricos, a biodiversidade e
os aspectos cênicos. Reconheceu-se assim, a conservação do importante conjunto arquitetônico do santuário do Século XVIII,
cuja padroeira foi esculpida por Aleijadinho; dezenas de cavernas, sítios
arqueológicos históricos, aves e plantas raras, mais de oitenta nascentes e
áreas de recarga de aquíferos. A área de entorno inclui, por sua vez, as
cidades históricas, e também protegidas, Sabará, Caeté e Raposos. Importante ainda destacar que a Serra da Piedade está
inserida em Unidades de Conservação (Área de Proteção Ambiental - APA), Águas
da Serra da Piedade, Monumento Natural Estadual Serra da Piedade (MONAE) e nas
Reservas da Biosfera da Serra do Espinhaço e da Mata Atlântica, integrando
ainda por sua relevância o cadastro nacional dos Sítios Geológicos e
Paleontológicos do Brasil (SIGEP).
O Promotor de Justiça do Ministério
Público Estadual (MP/MG), Marcos Paulo Souza Miranda, expoente no âmbito da
legislação no que tange a questão do patrimônio histórico e cultural, autor de
vários artigos e obras a respeito, é bastante coerente e preciso em sua
assertiva, defendendo a abstenção da mineração em área tombada: “Assim, não se admite, por exemplo,
exploração de recursos minerais em uma serra objeto de proteção por tombamento,
pois nos termos dos art. 17 do DL n. 25/1937 é juridicamente vedado qualquer
ato que implique em mutilar ou destruir a coisa tombada e as atividades
minerárias são tipicamente degradantes e destrutivas” (MIRANDA, 2014, p.
98).
Frente a toda a importância da Serra da
Piedade acima indicada, se conseguiu paralisar a atividade minerária há 13 anos
por meio de uma Ação Civil Pública movida pelo IPHAN, Ministério Público do
Estado de Minas Gerais e Ministério Público Federal e, com o objetivo de se
recuperar o passivo ambiental e a cratera que a mineradora Brumafer deixou na
Serra da Piedade, foi celebrado em 2012 um acordo na justiça federal.
No entanto, desde os primeiro momento do
processo de licenciamento da AVG para essa recuperação, ficou claro que o
objetivo da mineradora era um grande absurdo. É estranho alegar “necessidade de
cumprimento de decisão judicial proferida dia 12/02/219” dentro de apenas dez
dias. Alegar que para resolver o passivo ambiental é preciso minerar 100
milhões de toneladas de minério durante 15 anos é mentira ardilosa. Recuperar o
passivo ambiental, sim; minerar mais, inadmissível! Além de inúmeras outras
violências socioambientais, superlotar as estradas de acesso a Caeté e ao
Santuário Basílica de Nossa Senhora da Piedade com mais um grande número de
carretas de minério tornará impossível 500 mil romeiros e romeiras visitar o
santuário anualmente sem alto risco de tragédias. Nova mineração na Serra da
Piedade vai secar grandes lençóis freáticos e agudizar a crise hídrica que já
está batendo às portas de Belo Horizonte e Região Metropolitana. Minerar mais
na Serra da Piedade irá devastar o patrimônio histórico e paisagístico da
região, além de aumentar a violência socioambiental. Irá também inviabilizar a
produção de agricultura familiar, hortas, apicultura, turismo religioso e
ecológico. Conceder as Licenças Prévia e de Instalação para a AVG reabrir
mineração na Serra da Piedade antes de completar um mês do crime tragédia da
mineradora Vale é uma prova do conluio do Estado com as mineradoras, é uma
imoralidade, é cuspir nos rostos das centenas de pessoas mortas e ignorar a
morte do Rio Paraopeba e a punhalada que o Rio São Francisco está sofrendo com
o crime tragédia da Vale e do Estado. Ah! Foi esta mesma CMI/COPAM que dia 11
de dezembro de 2018 liberou a expansão da mineração da mineradora Vale no
Córrego do Feijão, em Brumadinho, MG.
Durante mais de oito horas de reunião,
as únicas conselheiras e conselheiro da CMI/COPAM que usaram a palavra para
argumentar inúmeras vezes foram Maria Teresa Corujo (Teca), do FONASC-CBH; Júlio
Grillo, do IBAMA/MG, e Adriana Alves Pereira Wilken, do CEFET-MG. Todos os outros conselheiros da CMI/COPAM,
salvo alguma palavra aqui ou ali, ficaram em silêncio o tempo todo, muitas
vezes bocejando ou olhando no celular. Os argumentos apresentados durante sete
horas pelas duas conselheiras acima referidas, pelo conselheiro do IBAMA e por
dezenas de pessoas que falaram cada um/a, de 5 a 10 minutos, ao microfone, não
foram ouvidos pelos conselheiros representantes do Governo de Minas Gerais e de
entidades ligadas às grandes mineradoras que votaram a favor da reabertura de
mineração na Serra da Piedade: 1) da Secretaria de Desenvolvimento Econômico,
Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SEDECTES); 2) da Secretaria de Estado de
Casa Civil e de Relações Institucionais do Governo de Minas Gerais
(SECCRI); 3) da Secretaria de Estado de Governo (SEGOV); 4) do Instituto
Brasileiro de Mineração (IBRAM); 5) do Sindicato da Indústria Mineral do Estado
de Minas Gerais (SINDIEXTRA), 6) da Federação das Associações Comerciais
e Empresariais do Estado de Minas Gerais (FEDERAMINAS); e 7) do Conselho
Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (CREA-MG). Votaram contra
reabrir mineração na Serra da Piedade: Teca, do FONASC-CBH; Júlio Grillo, do
IBAMA/MG; e Adriana, do CEFE/MG. Abstiveram-se os conselheiros da ANM (Agência
Nacional de mineração) e da CODEMIG. Assim, com sete votos favoráveis, as
Licenças Prévia e de Instalação foram concedidas à mineradora AVG para reabrir
mineração na Serra do Piedade, em Caeté: mais um crime hediondo e
socioambiental autorizado pelo Estado de Minas Gerais em conluio com os megainteresses
econômicos das grandes mineradoras que só sabem servir ao ídolo mercado e, como
dragão do Apocalipse, deixar um rastro imenso de devastação socioambiental.
Enfim, perdemos mais uma batalha, mas não perderemos essa luta necessária,
justa e legítima que é salvar a Serra da Piedade da ganância dos capitalistas. Conclamamos
todas as pessoas de boa vontade e as forças vivas da sociedade a se somarem na
luta pela anulação dessa decisão injusta, inconstitucional e imoral da CMI/COPAM.
Belo Horizonte, MG, 26 de fevereiro de
2019.
Referência
Bibliográfica.
MIRANDA,
m. p. s. Lei do Tombamento Comentada.
1. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2014. v. 1. 284p.
Obs.: Os vídeos,
abaixo, ilustram o texto, acima.
1
- Mineração
na Serra da Piedade, Caeté, MG: mais um crime, mais uma ferida. Dom Walmor/BH. 23/1/2019.
2 - Serra da Piedade - 25 de fevereiro de 2019
3 - CRIME DA VALE/ESTADO EM BRUMADINHO/MG: IRRESPONSABILIDADE/Prof.Klemens/Profa. Andréa Zhouri/26/1/19
2 - Serra da Piedade - 25 de fevereiro de 2019
3 - CRIME DA VALE/ESTADO EM BRUMADINHO/MG: IRRESPONSABILIDADE/Prof.Klemens/Profa. Andréa Zhouri/26/1/19
4 - Rompimento de barragens: Falha da governança ambiental/Profa. Andréa
Zhouri/UFMG/26/1/2019
5 - “Licenciamento ambiental decente é necessário”/Professor Dr. Klemens/UFMG/ Vídeo
2 – 26/1/2019.
6 - Estado de MG a serviço das mineradoras/Prof. Dr. Klemens/UFMG/Vídeo 1 -
26/1/2019.
[1] Frei e padre da Ordem dos
carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em
Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e
Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos”
no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br –
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