Assentados e Acampados, em apoio mútuo, resistem a
seis despejos
Por Gilvander
Moreira[1]
Sem Terra Fátima e Maatuzalém. Foto: G. L. Moreira. |
No
conflito agrário que se arrasta há mais de 20 anos envolvendo diretamente mais
de 450 famílias acampadas em 11 acampamentos – Quilombo Campo Grande - no
latifúndio da ex-usina Ariadnópolis, em Campo do Meio, no sul de Minas Gerais, as
famílias Sem Terra sofreram seis despejos. Em 18 de maio de 2009, ocorreu o
mais cruel despejo dos acampamentos naquelas terras. A violência e a destruição
foram grandes. Em audiência com o juiz da Vara Agrária de Minas Gerais, no
Fórum de Campos Gerais, o juiz anunciou que iria acontecer reintegração de
posse, mas não disse o dia. De surpresa, dia 18 de maio de 2009, o poder
judiciário de Minas e o então governador Aécio Neves (PSDB), com o apoio de
mais de 200 policiais da Polícia Militar, fortemente armados, com cães,
cavalaria, helicópteros, três UTIs[2]
móveis, caminhão do Corpo de Bombeiros, ônibus de policiais, atirador de elite
e dezenas de policiais de operações especiais da Tropa de Choque, usando caminhões e tratores da
prefeitura de Campo do Meio, sob o comando do prefeito Vilson Rodrigues
Pereira, do PSDB, após vários dias de pressão e ameaças aos Sem Terra acampados,
despejaram 123 famílias de 5 acampamentos, sendo 4 acampamentos do MST: Sidney
Dias, Irmã Dorothy, Tiradentes e Rosa Luxemburgo; e 1 acampamento organizado
pela FETAEMG. A mando do Coronel Guimarães, tratores com arados e patrolas da
Prefeitura de Campo do Meio destruíram as lavouras de arroz, feijão, mandioca,
milho, laranja, abacate e hortaliças dos Sem Terra, dos acampamentos. As
máquinas foram operadas por funcionários do gerente da massa falida da
ex-usina. Estima-se que seriam colhidas 1.600 sacas de feijão (Fonte: laudo da
EMATER[3]),
quatro toneladas de melancia, quatro mil pés de mandioca e grande plantação de
milho, todos no ciclo de colheitas. Passaram o trator com arado em cima de
porcos vivos - inclusive uma porca prenha -, mataram um cachorro a tiro e o
jogaram dentro de uma cisterna, de onde as famílias puxavam água no saril.
Deixaram outros animais abandonados na imensa área devastada. Quando chegamos
dois dias após o cruel despejo, uma gata magricela miava, resistindo em cima
dos escombros da casa da família que a acolhia. As cercas de arame que protegiam
as plantações foram também destruídas pelos tratores da Prefeitura de Campo do
Meio, sob escolta da polícia militar. Árvores nativas replantadas pelos Sem
Terra acampados foram arrancadas pelos tratores. A camponesa do Acampamento
Tiradentes, Eva Auxiliadora de Freitas, acampada desde 12 de junho de 2008
relata: “Foi uma tragédia. Muito triste. Derrubaram tudo. Com cavalaria,
chegaram e foram entrando e destruindo tudo. Deram tiro na cabeça de um
cachorro, matou e jogou na cisterna para a gente não beber mais água da
cisterna. Até os pomares foram destruídos. Passaram tratores em cima de tudo,
até de porcos e galinhas. As casas foram destruídas com tratores e
retroescavadeira. Não deram prazo para a gente retirar nem as telhas. A gente
sabia que eles estavam cumprindo ordens, mas a gente não entende como eles
conseguiram reintegração de posse, se eles não são os verdadeiros donos. Todos
nós despejados fomos acolhidos no galpão do PA Primeiro do Sul, aqui ao lado da
Ariadnópolis. Muitos companheiros se espalharam, mas depois voltou todo mundo.
Atualmente há muitos companheiros que sofreram muito com os despejos, mas não
desistiram da luta, já estão assentados no PA Nova Conquista II aqui na
Ariadnópolis”.
Um dos
segredos da luta que tem levado à resistência e à determinação de nunca mais
aceitar despejo nos 3.900 hectares do latifúndio da Ariadnópolis tem sido a
relação de apoio mútuo, de companheirismo e cumplicidade na luta. Vinte e cinco
famílias que estavam acampadas ali foram acolhidas e assentadas no Projeto de Assentamento
(PA) Primeiro do Sul – o primeiro do MST no sul de Minas, fica ao lado -, em
substituição às que desistiram. Após a desistência de uma família, em sintonia
com a coordenação estadual do MST, em assembleia, as famílias do Assentamento
Primeiro do Sul começaram a convidar outras que estavam acampadas nas terras da
Ariadnópolis. A relação de apoio mútuo, de companheirismo e cumplicidade entre
as famílias assentadas no Assentamento Primeiro do Sul e as centenas de
famílias acampadas em onze acampamentos no latifúndio da Ariadnópolis tem sido
uma das colunas mestras para fazer a luta pela terra avançar no município de
Campo do Meio, conforme nos informa Sílvio Neto, da coordenação nacional do MST:
“As dificuldades de acesso aos créditos, a escassez de alimentação e as
dificuldades para produzir foram superadas, porque conseguimos manter as
famílias do Assentamento Primeiro do Sul em permanente luta coletiva. Em vários
momentos, o PA Primeiro do Sul se converteu em Frente de Massa na luta pelos
3.900 hectares do latifúndio da Ariadnópolis. O laço estreito que as famílias
do PA Primeiro do Sul tem com as famílias acampadas nas terras da Ariadnópolis
coloca as famílias do PA Primeiro do Sul em constante enfrentamento para a
conquista definitiva das terras da Ariadnópolis. Por outro lado, as famílias
acampadas na Ariadnópolis, em constante relação com o PA Primeiro do Sul, são
animadas a fortalecer a produção, seguindo o exemplo do PA Primeiro do Sul.
Essa comunhão entre os assentados do PA Primeiro do Sul e as 450 famílias
acampadas da Ariadnópolis tem sido um pilar de sustentação política da nossa
organização no Sul de Minas. Em vários despejos quem acolheu as famílias
despejadas foram os assentados do PA Primeiro do Sul. Houve ocupações na
Ariadnópolis feitas pelos assentados, não para se buscar um segundo lote, mas
para garantir a derrota do latifúndio para que outras famílias de companheiros
tivessem acesso à terra.”
A luta
pela conquista do latifúndio Ariadnópolis e a luta pela conquista da Fazenda
Jatobá – fazendas contíguas -, que se tornou o PA Primeiro do Sul, são lutas
umbilicalmente conectadas. Não há como compreender a luta dos assentados do PA
Primeiro do Sul desvinculada da luta de centenas de famílias acampadas nas
terras da Ariadnópolis e nem do trabalho de centenas de trabalhadores rurais
durante o funcionamento da Usina até 1996. Em Campo do Meio, desde 1998, quando
ocorreu a primeira Ocupação nas terras da Ariadnópolis, tem havido, sob vários
aspectos, relações de apoio mútuo entre acampados e assentados. Foi nas terras
da Ariadnópolis que a Ocupação da Fazenda Jatobá foi planejada, com o apoio de
sindicalistas do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) da região e com o apoio
de liderança do MST designada para criar o MST no Sul de Minas. Mas também foi
nas terras da Fazenda Jatobá, já ocupada e transformada em Assentamento, que a
primeira ocupação das terras da Ariadnópolis foi organizada. Assentados do PA Primeiro
do Sul foram protagonistas na concretização de vários acampamentos no
latifúndio da Ariadnópolis, conforme recorda o assentado no PA Primeiro do Sul Sebastião
Mélia: “As famílias aqui do PA Primeiro do Sul é que faziam frente no embate
dos enfrentamentos para ocupar o grande latifúndio da Ariadnópolis. Também para
garantir a permanência dos acampados lá. E quando vinham os despejos, o PA
Primeiro do Sul se tornava o refúgio dos acampados. Aqui no PA Primeiro do Sul
é que as famílias despejadas eram acolhidas por uns dois ou três meses até a
gente reorganizar os acampamentos lá. No início da Ocupação das terras da
ex-Usina Ariadnópolis, as famílias assentadas no PA Primeiro do Sul prestavam
ajuda econômica aos acampados da seguinte forma: primeiro doando alimentos e
depois cedendo sementes de milho, de feijão e de arroz para os companheiros
plantarem”.
Em tempos
de fascismo e de extrema direita no poder, com mídia manipuladora e igrejas que
dopam seus fiéis aos amputar a dimensão social da fé cristã e do Evangelho de
Jesus Cristo, necessário se faz aprendermos com lutas inspiradoras como a do
MST em Campo do Meio, no sul de Minas Gerais.
Belo
Horizonte, MG, 15/01/2019.
Obs.: Veja nos links,
abaixo, vídeos que fazem referência aos vários despejos sofridos pelas famílias
acampadas no latifúndio da antiga usina Ariadnópolis:
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[1] Frei e padre da Ordem dos
carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em
Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e
Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos”
no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br –
www.twitter.com/gilvanderluis –
Facebook: Gilvander Moreira III
[2] UTI (Unidade de Terapia
Intensiva).
[3]
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural.