Gilvander é frei e padre da Ordem dos carmelitas, Doutor em Educação pela FAE/UFMG; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas, em Minas Gerais.
Luta pela terra e pelo acesso às Políticas Públicas mobiliza Comunidade Cigana da Lagoa de Santo Antônio em Pedro Leopoldo/MG. 2a parte. 14/6/2018.
As ciganas Karine e Michele, da Comunidade Cigana da Lagoa de S. Antônio, em Pedro Leopoldo, MG; o cigano Itamar, de Ibirité, MG; e frei Gilvander, da CPT, dia 14/6/2018, em foto de Emanuel Almada.
É crítica e preocupante a situação das 14 famílias da Comunidade Cigana da Lagoa de Santo Antônio, no município de Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte/MG. Se a beleza da cultura cigana nos encanta, se sua alegria nos contagia, é certo também que nos causa indignação o desrespeito aos seus direitos por parte do Poder Público Municipal de Pedro Leopoldo, na RMBH. Acampadas, por necessidade, em torno da Lagoa de Santo Antônio, as famílias sobrevivem sem acesso à
eletricidade, água potável e saneamento básico. Além disso, encontram
dificuldades para acessar o serviço público de saúde, transporte, segurança,
assistência social, direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal.
Preocupadas com a poluição da Lagoa de Santo Antônio, causada pela ausência de políticas públicas ambientais que deveriam cuidar da sua revitalização e preservação, a Comunidade Cigana reivindica um terreno adequado, com infraestrutura necessária para que possam armar suas tendas e fixar morada. Se morar nas barracas é uma opção, uma expressão da cultura e dos hábitos do Povo Cigano, fixar essas barracas na terra é um direito das Comunidades Ciganas. Nesse vídeo, a Comunidade Cigana da Lagoa de Santo Antônio continua o relato da situação de vulnerabilidade social a que está exposta e apresenta também denúncias de situações injustas vivenciadas. Uma grande Rede de Apoio se formou para fortalecer e dar visibilidade a essa luta por direitos e exigir que sejam respeitados. Cabe à Prefeitura de Pedro Leopoldo oferecer à Comunidade Cigana da Lagoa de Santo Antônio um terreno adequado para seu acampamento, onde possam
existir, de fato, como ciganos e como pessoas cidadãs respeitadas em seus
direitos, em sua dignidade humana.
*Reportagem em vídeo de Frei Gilvander Moreira, da CPT, das CEBs e do CEBI. Edição de Nádia Oliveira, da Equipe de Comunicação da CPT-MG. Pedro Leopoldo, MG, 14/6/2018.
* Inscreva-se no You Tube, no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no link: https://www.youtube.com/user/fgilvander
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TJMG
manda despejar Comunidade Quilombola Braço Forte, em Salto da Divisa, MG:
ilegalidade e injustiça gritantes!
Foto de Jorge Alexandre, da Comunidade Quilombola Braço Forte, em 27/6/2018.
A Comunidade Quilombola Braço Forte,
localizada na fazenda Talismã, no município de Salto da Divisa, baixo
Jequitinhonha, MG, reconhecida pela Fundação Cultural Palmares, está com ordem
de despejo do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). No meio das 24
famílias da Comunidade estão crianças, idosos, pessoas doentes e deficientes. O
Comandante do 44º BPM de Polícia Militar de Almenara, MG, Walter Aparecido Lago
Ramos, convidou a Comunidade Quilombola para reunião hoje, dia 28 de junho
de 2018, às 14 horas, na Câmara de Vereadores de Salto da Divisa, baixo
Jequitinhonha, MG. A reunião é para preparar a reintegração de posse, isto
é, despejo da Comunidade. Alertamos às autoridades e às forças vivas da
sociedade que serão ilegalidade e injustiça gritantes despejar essa
comunidade quilombola pelos motivos que seguem.
De forma apressada e cerceando o direito de
defesa da Comunidade Quilombola Braço Forte, o juízo da Vara Agrária de Minas
Gerais concedeu Liminar de Reintegração de Posse (processo n.
6091077-54.2015.8.13.0024) a favor dos fazendeiros herdeiros do espólio de Euler
Cunha Peixoto. Entretanto, o desembargador Pedro Aleixo, da 16ª Câmara Cível do
TJMG, dia 27 de abril de 2018, no processo n. 1.0000.16.001556-6/002, concedeu
Efeito Suspensivo ao Agravo da Defensoria Pública e mandou suspender Liminar
de reintegração que o juízo da Vara Agrária de Minas Gerais tinha
concedido contra a Comunidade Quilombola Braço Forte, decisão contra o pleito
do espólio de Euler da Cunha Peixoto.
Tese de doutorado defendida na UFMG atesta
que “72,2% das terras do município de Salto da Divisa são presumivelmente
terras públicas devolutas” (MOREIRA, 2017). Há sérios indícios de grilagem de
terra na região. Apenas duas famílias - Cunha e Peixoto - controlam a quase
totalidade das terras do município. Em Salto da Divisa atualmente são identificadas
poucas comunidades rurais: o Assentamento Dom Luciano Mendes, o Assentamento
Irmã Geraldinha (esses dois assentamentos são frutos da luta pela terra), a
Comunidade Tradicional Agroextrativista e Artesã Cabeceira do Piabanha e a
Comunidade Quilombola Braço Forte. Todas as outras comunidades rurais foram
sufocadas pelo poderio dos latifundiários na região.
Detalhe: o que ameaça a comunidade Quilombola
Braço Forte é o espólio de Euler Cunha Peixoto, mesma família.
No recurso Agravo, a defensoria Pública
do estado de Minas Gerais sustenta que são evidentes “os prejuízos
que o cumprimento de uma decisão de reintegração de posse pode causar a
situações consolidadas, em litígios coletivos pela posse da terra, sejam eles
urbanos ou rurais, antes que alternativas dignas de remoção seja garantidas
para cumprimento da decisão.” A Defensoria Pública alegou também cerceamento de
defesa ocorrido com o julgamento antecipado da lide, já que foi fornecida
certificação pela Fundação Palmares em 05 de março de 2018. Aduz também que
após sentença houve ingresso no feito da FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES (FCP),
representada pela Procuradoria Federal em Minas Gerais, e que o procedimento é
de competência federal, sendo, assim, por óbvia a incompetência da Justiça
Estadual para decidir sobre conflito agrário e fundiário que envolve Comunidade
Quilombola.
O art. 1.012, §4º, do Código de Processo
Civil (CPC) diz que cabe efeito suspensivo em Liminar de reintegração quando se
demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a
fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação. Claro que se
for cumprida a Liminar de reintegração, o dano vai ser gravíssimo e
irreparável.
O desembargador Pedro Aleixo escreveu na
decisão que conferia o Efeito Suspensivo: “a medida de remoção é drástica e
dotada de irreversibilidade. Ante ao exposto, CONCEDO O EFEITO SUSPENSIVO ao
recurso de Apelação, determinando o imediato ofício ao MM. Juiz a quo”.
Estranhamente, dia 24 de maio de 2018, o
mesmo desembargador Pedro Aleixo voltou atrás e revogou o efeito suspensivo que
ele mesmo tinha concedido, alegando para isso apenas o argumento do Espólio do
latifundiário Euler da Cunha Peixoto que questiona
a autodeclaração da Comunidade como Comunidade Quilombola. Isso é ilegalidade
e injustiça gritantes. As 24 famílias da Comunidade Quilombola Braço Forte
tiveram seu território ancestral expropriado por fazendeiros coronéis de Salto
da Divisa, mas tomando consciência de seus direitos territoriais, fizeram
retomada de seu território ancestral e reivindicam os seus direitos
territoriais garantidos pela Constituição Federal, contidos no Artigo 68, do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal
de 1988. Neste artigo, a Constituição reconhece os direitos territoriais das
Comunidades Quilombolas e diz que o Estado Brasileiro é responsável pela
titulação das terras das comunidades quilombolas, mesmo que estas terras
estejam sob o poder de terceiros. Neste caso, a Comunidade Quilombola Braço
Forte reivindica um Direito Constitucionalmente garantido. Tal direito foi
regulamentado pelo Decreto Presidencial nº 4.887/2003,
que consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos,
“os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória
histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção
de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica
sofrida”.
O § 1º do Decreto 4.887/2003 determina que a
caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada
mediante autodefinição da própria comunidade. Portanto, cabe à comunidade
afirmar se é ou não quilombola, tendo a Fundação Cultural Palmares, baseada em
procedimentos legais, o dever de emitir o certificado à comunidade, o que já
ocorreu com a Comunidade Quilombola Braço Forte.
Ao proferir seu voto a favor da
constitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003, no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003, ADI 3239/2004, a Ministra
Rosa Weber (2015), do Supremo Tribunal Federal (STF) diz que “nesse contexto, a
eleição do critério da autoatribuição não é arbitrária, tampouco desfundamentada ou viciada.
Além de consistir em método autorizado pela antropologia contemporânea, estampa
uma opção de política pública legitimada pela Carta da República, na medida em
que visa à interrupção do processo de negação sistemática da própria identidade
aos grupos marginalizados, este uma injustiça em si mesmo”.
Portanto, não nos resta dúvida de
que a decisão judicial que contesta que a Comunidade Quilombola Braço
Forte não é quilombola, está ferindo a legislação e fere o direito
constitucional da Comunidade de se autodefinir como tal. Não cabe a juiz, nem a
desembargador e nem a fazendeiro nenhum decidir se a comunidade é ou não
quilombola. Cabe ressaltar que, caso tenha dúvida, se determinada
comunidade tem ou não os direitos territoriais a que se pleiteiam,
deve-se recorrer a meios estabelecidos pela legislação brasileira, ou seja,
precisa-se solicitar a realização de Estudo Antropológico, o
qual permitirá organizar elementos históricos do grupo tradicional, mas,
sobretudo, apurar a relação territorial e as necessidades atuais da comunidade
no que se refere ao manejo, à sobrevivência física, cultural e a sua
sustentabilidade - garantindo assim os direitos constituídos nos âmbitos
internacional e nacional. Também cabe
destacar que a competência jurídica pelas comunidades quilombolas é
da Justiça Federal e, assim sendo, não compete ao TJMG mandar ou não
despejar a Comunidade Quilombola Braço Forte.
É necessário garantir o alcance do referido
aparato jurídico, que tem por prerrogativa identificar e assegurar os direitos
territoriais dessas comunidades, buscando combater arraigadas práticas de
exclusão que, historicamente, incidem no dia a dia das comunidades
quilombolas que em seus processos de lutas históricas vêm buscando o
direito à dignidade humana.
Neste sentido, solicitamos ao Ministério Público Federal (MPF) arguir judicialmente a
transferência do Processo para a Justiça Federal e defender a Comunidade
Quilombola Braço Forte.
Solicitamos
ao Coordenador da Mesa de Negociação do Governo de MG com as Ocupações e
Comunidades Tradicionais, Tadeu Davi, que convoque reunião da Mesa de
Negociação para tratar do Conflito Agrário e fundiário que envolve a Comunidade
Quilombola Braço Forte.
Solicitamos
também ao Governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, e ao Comando
Militar da PM de MG que aguardem o processo de negociação para que
justiça seja feita nesse conflito.
É inadmissível cumprir uma decisão judicial
sem base jurídica e constitucional. Os direitos territoriais e todos os outros
direitos das Comunidades Quilombolas precisam ser assegurados.
Assinam essa Nota
Pública:
Coordenação
da Comunidade Quilombola Braço Forte;
Comissão
Pastoral da Terra (CPT/MG);
Centro
de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES);
Federação
das Comunidades Quilombolas do estado de Minas Gerais.
Conflito
agrário no Norte de Minas: Deputado Federal manda derrubar casa de família
camponesa!!!
PM de MG e Empresa Rio Rancho S.A, do ex-governador Newton Cardoso,
demolindo casa de família geraizeira no norte de MG, em Padre Carvalho.
Ao fundo, 3 policiais segurando uma senhora geraizeira que se desesperou ao
ver tudo sendo destruído com trator, dia 21/6/2018
“Ai
dos que ajuntam casa a casa, dos que acrescentam campo a campo, até que não
haja mais lugar, de modo que habitem sozinhos no meio da terra!” (Profeta Isaías
5,8).
No
início da tarde do dia 21 de Junho de 2018, por volta das 14h00, um grupo
formado por policiais da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, um oficial
de (in)justiça da Comarca de Salinas e 2 funcionários da empresa Rio Rancho
Agropecuária S/A demoliram a casa e destruíram a roça de uma família Camponesa
do Território Geraizeiro de Curral de Varas II, município de Padre Carvalho. O
oficial apresentou liminar de intimação, e com ela, utilizando o maquinário da
empresa Rio Rancho, conduzido pelo gerente da empresa de nome Anderson,
conhecido como Tôzinho, fizeram a ação. Segundo os familiares, os PMs os
intimidaram de forma verbal, ameaçando-os, inclusive de detê-los por desacato a
autoridade.
O conflito agrário no Norte de Minas foi intensificado na década de 1970 quando
as terras de ‘chapada’ foram entregues para empresas monocultoras de eucalipto.
Neste processo, algumas empresas acumularam gigantescos latifúndios. Seja
através da grilagem judicial, de retificações fraudulentas ou simplesmente sem
devolver para o Estado Mineiro as terras públicas/devolutas dos arrendamentos
já caducos. Processos sempre resguardados pelo Estado e pela violência dos
jagunços. Uma das empresas “beneficiadas” é a Empresa Rio Rancho Agropecuária
S/A, de propriedade do ex-governador de MG, Newton Cardoso, e seu filho Newton
Cardoso Júnior, deputado federal atualmente.
A
família que teve a casa e roça derrubadas é uma das “recantilhadas” e
encurraladas pela Empresa Rio Rancho S/A. Cercadas pela monocultura do
eucalipto e pela injustiça emanada do poder judiciário. Os camponeses ocuparam
uma pequena parcela de terra na chapada, área reivindicada pela empresa Rio
Rancho. O conflito agrário envolve muitas famílias e o poder judiciário,
injustamente, não reconhece que o conflito é coletivo. Vale ressaltar que a
Empresa Rio Rancho está envolvida, nas comarcas de Salinas e de Grão Mogol, em
87 processos judiciais. Fica claro que a judicialização é um caminho da empresa
para manter seus latifúndios. No processo judicial, a Empresa Rio Rancho
Agropecuária S/A apresenta uma tabela envolvendo as seguintes áreas: Três
Capões, Santa Rita, Carinhanha, Ribeirãozinho, Cancela e Bota, em um total de
71.493,13 hectares. Deste montante, 24.907,99 hectares, segundo a própria
declaração da empresa, não estão legalizados. O que isto significa? Existe um
estudo realizado na região do Território Tradicional Geraizeiro de Vale das
Cancelas que indica fortes indícios de grilagem de terras na região legitimado pelo
Estado e cartórios das comarcas locais. Tese de doutorado também atesta isso,
inclusive.
o ex-governador Newton Cardoso acumula contra ele várias denúncias, processos
no poder judiciário e investigações, entre os quais, máfia do Carvão, enriquecimento
ilícito e recente investigação da polícia federal. O deputado Newton Cardoso Júnior
vem sendo reconhecido como o articulador na Câmara Federal para os descontos
milionários aos empresários endividados.
A
injustiça impera nos Gerais do Norte de Minas. Os ricos mantêm seus latifúndios
frutos de grilagem. O Estado e os Governos mantêm intacta a estrutura da
grilagem. Até quando?
“Até quando você vai ficar usando rédea? /
Rindo da própria tragédia / Até quando você vai ficar usando rédea? / Pobre,
rico ou classe média / Até quando você vai levar cascudo mudo? / Muda, muda
essa postura / Até quando você vai ficando mudo? / Muda que o medo é um modo de
fazer censura” (Gabriel O Pensador).
Assinam essa Nota Pública:
CPT
(Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais)
MAB (Movimento
dos Atingidos por Barragens)
Montes
Claros, norte de MG, 26 de junho de 2018.
Assista ao vídeo no link, abaixo.
O senhor de camisa azul listrada, que acompanha o despejo, é João Baltasar, gerente da Empresa Rio Rancho S.A., de Newton Cardoso, dia 21/6/2018.
O
latifúndio não é apenas o cercamento de um território que pode ser medido em
hectares e alqueires, mas significa poder e muita violência perpetrada pela transformação
da terra em mercadoria, o que aconteceu “com o crescimento do capitalismo e com
a transformação agrária na Inglaterra” (MARÉS, 2003, p. 26) e se espalhou pelo
mundo. A falta de luta pela terra ou lutas ingênuas e equivocadas pela terra
aprofundam a violência e o poderio de quem controla a terra para fins
capitalistas. A estrutura fundiária brasileira se constitui de minifúndio,
propriedades médias e latifúndios. O conceito latifúndio vem do latim latifundium, que é composto do adjetivo latus (amplo, grande, extenso) e do
substantivo fundus (fundo, base,
domínio rural), são as propriedades rurais que têm área acima de 15 módulos
rurais. Derivado do conceito de propriedade familiar, o conceito de módulo
rural, segundo o Estatuto da Terra (Lei nº 4504, de 1964),
trata-se de uma unidade de medida agrária de “imóvel rural que, direta e
pessoalmente, explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda força
de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico,
com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente
trabalhado com ajuda de terceiros” (inciso II, do artigo 4º da lei nº 4504/64).
Além
de ‘módulo rural’, há também ‘módulo fiscal’, que é uma unidade de medida
agrária usada no Brasil, instituída pela Lei nº 6.746,
de 10 de dezembro 1979 e corresponde à área mínima necessária a uma
propriedade rural para que sua exploração seja economicamente viável.
A
luta pela terra por si só não garante a reprodução social do campesinato,
compreendido enquanto classe social dos camponeses, que envolve o/a
trabalhador/a que vive, trabalha e resiste na terra, a partir da terra e que
luta pela terra quando a perde. O campesinato não é uniforme, mas constituído
por uma imensa diversidade camponesa. Integra o campesinato os posseiros, os boias-frias
assalariados, pequenos proprietários, os ribeirinhos, os geraizeiros, os
seringueiros, as populações dos manguezais, os acampados, os assentados, as
mulheres quebradeiras de coco babaçu, os faxinalenses, os cipozeiros, os
camponeses de fundo e fecho de pasto, os retireiros, os caiçaras, os
ribeirinhos, os pescadores, os caatingueiros, os castanheiros, os
extrativistas, os atingidos por barragens, os atingidos pela mineração, os
atingidos pelos linhões de transmissão de energia, os atingidos pelos parques de
energia eólica, os sem-terra etc. “A luta do campo é uma luta muito
diversificada” (MARTINS, 1991, p. 34). Importante notar que o MST, no nome e na
sua bandeira, se identifica como Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e
não como Movimento dos Camponeses Sem Terra. Óbvio que o nome carrega o
contexto e os objetivos iniciais do Movimento. Com o fortalecimento do
Movimento houve ampliação dos objetivos, da atuação e, nos últimos 20 anos, o
MST, mesmo sem ter alterado seu nome e sua bandeira, enfatiza o conceito
‘camponês’, porque compreende a importância política de afirmar o campesinato:
a classe camponesa. O MST é um movimento social popular, sindical e político.
Popular, pelo fato de toda família participar: crianças, jovens, mulheres,
adultos e idosos, o que dá à luta pela terra um caráter de luta popular. Sindical,
porque reivindica seus interesses corporativos tais como: crédito, saúde,
educação, estradas, melhor preço para os produtos da agricultura familiar etc.
E político, porque o MST luta por terra para todas as famílias sem-terra e por
transformação no poder político do País que leva à superação do capitalismo.
O
campesinato constitui-se como classe social dentro do capitalismo. Expropriado
do seu meio de produção, o camponês tem fome e sede de terra. A fome e a
miséria não são um problema natural, mas “social, político e cultural” (PORTO
GONÇALVES, 2004, p. 213). Com raiz na terra, mesmo quando é expulso da sua
terra de origem, o camponês, com os valores da terra no seu íntimo, tem sempre
a perspectiva de retornar a ela, mesmo que não seja a sua terra natal. Nesse
sentido, Ariovaldo Umbelino de Oliveira afirma que “o campesinato e o
latifúndio devem ser entendidos como de dentro do capitalismo e não de fora
deste. [...] O campesinato deve, pois, ser entendido como classe social que ele
é. Deve ser estudado como um trabalhador criado pela expansão capitalista, um
trabalhador que quer entrar na terra. O camponês deve ser visto como um
trabalhador que, mesmo expulso da terra, com frequência a ela retorna, ainda
que para isso tenha que (e)migrar” (OLIVEIRA, 2007, p. 11).
“As palavras ‘camponês’ e ‘campesinato’ são
das mais recentes no vocabulário brasileiro” (MARTINS, 1983, p. 21),
introduzidas pelas esquerdas nas décadas de 1950/60. Antes, os camponeses eram
chamados de caipira, caiçara, tabaréu, caboclo, em tom depreciativo. “Também os
proprietários de terra tinham designações distintas conforme a região e a
atividade: estancieiros no Sul; fazendeiros em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Goiás, Paraná; senhores de engenho no Nordeste; seringalistas no Norte”
(MARTINS, 1983, p. 22). Também esses “passaram a ser designados como
latifundiários. Essas novas palavras – camponês e latifundiário – são palavras
políticas, que procuram expressar a unidade das respectivas situações de classe
e, sobretudo, que procuram dar unidade às lutas dos camponeses [...], duplamente
excluídos: da condição de proprietário de terras e da condição de escravo”
(MARTINS, 1983, p. 22 e 38).
No
império romano, paganus designava o
habitante dos campos, o civil em oposição à condição de soldado. Paganus, em latim, se tornou payan, em francês, e peasant, no inglês, que significa
camponês. Em português, paganus se
tornou paisano, o que não é militar, e também se tornou pagão, que faz
referência a não cristão. “Vivendo na terra e do que ela produz, plantando e
colhendo o alimento que vai para a sua mesa e para a do príncipe, do tecelão e
do soldado, o camponês é o trabalhador que se envolve mais diretamente com os
segredos da natureza” (MOURA, 1988, p. 9). Em qualquer sociedade, o camponês é
sempre um oprimido e um subordinado aos donos da terra e do poder. “O
campesinato é sempre um pólo oprimido de qualquer sociedade. Em qualquer tempo
e lugar, a posição do camponês é marcada pela subordinação aos donos da terra e
do poder, que dele extraem diferentes tipos de renda: renda em produto, renda
em trabalho, renda em dinheiro” (MOURA, 1988, p. 10).
O
campesinato se constitui de camponeses com fisionomias variadas. É um
cultivador de pequenas extensões de terra, um pequeno proprietário rural, que é
um camponês parcelar. Mas esse conceito não carrega a grande vitalidade e a
força histórica do conceito camponês, pois “como não se pode declinar do
conceito de burguesia para falar tão somente em capitalistas, não é possível
preterir o conceito de camponês para falar apenas em pequeno produtor” (MOURA,
1988, p. 14).
Em
um contexto de terras não ainda apropriadas privadamente, “os camponeses que aí
residem, juridicamente denominados posseiros, trabalham apenas para seu próprio
sustento” (MOURA, 1988, p. 12). Outra forma de definir o camponês “é a de conceituá-lo
como o cultivador que trabalha a terra, opondo-o àquele que dirige o
empreendimento rural. Aqui, o conceito é estendido a todos os cultivadores que,
através do seu trabalho e do de sua família, se dedicam a plantar e transferir
os excedentes de suas colheitas aos que não trabalham a terra” (MOURA, 1988, p.
13).
O
camponês é um produtor que se define por oposição ao não produtor. É nesse
sentido que expressa o grito dos Sem Terra que buscam apoio junto às
trabalhadoras e aos trabalhadores da cidade: “Se o campo não planta, a cidade
não janta!” “O campesinato é constituído de cultivadores que se definem em
oposição à cidade; esta, por sua característica de sede de poder político,
subordina os trabalhadores da terra” (MOURA, 1988, p. 14).
Referência
MARÉS, Carlos
Frederico. A função social da terra.
Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003.
MARTINS, José de
Souza. Expropriação e violência: a
questão política no campo. 3a edição. São Paulo: HUCITEC, 1991.
______. Os Camponeses e a Política no Brasil: as
lutas sociais no campo e seu lugar no processo político. 2ª edição.
Petrópolis: Vozes, 1983.
MOURA, Margarida
Maria. Camponeses. 2ª edição. São
Paulo: Editora Ática, 1988.
PORTO GONÇALVES,
Carlos Walter; Geografia da riqueza, fome e meio ambiente: pequena contribuição
crítica ao atual modelo agrário/agrícola de uso de recursos naturais. In:
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de; MARQUES, Marta Inez Medeiros (Orgs. ). O Campo no século XXI: território de vida,
de luta e de construção da justiça social. São Paulo: Casa Amarela e Paz e
Terra, p. 207-253, 2004.
Belo Horizonte, MG,
26/6/2018.
Obs.: Os vídeos, abaixo, ilustram o texto, acima.
1 - Camponeses
na luta por terra, teto e pão, em Nova Serrana, MG. Acampamento Nova Jerusalém.
11/5/2018.
2 - Terra
para gado e não para camponeses. Ocupação Nova Jerusalém em Nova Serrana, MG.
27/5/2018.
3 - Violência
do latifúndio aumenta no norte de MG/Audiência Pública/ALMG/Toninho do MST.
25/4/2018.
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas;
assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais
Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.
Comunidade Cigana da Lagoa de Santo Antônio, em Pedro Leopoldo/MG: Clamor por direitos. 1a parte. 14/6/2018.
Adriana e Michele, ciganas da Comunidade Cigana da Lagoa de Santo Antônio, em Pedro Leopoldo, MG, dia 14/6/2018, em foto de Emanuel Almada.
As 14 famílias do
Acampamento Cigano localizado ao lado da Lagoa de Santo Antônio, no município
de Pedro Leopoldo, Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), lutam e
resistem em defesa de seus direitos.
A beleza da Comunidade
Cigana contrasta com a grande precariedade de condições reais de vida. As
famílias estão sobrevivendo com migalhas e improvisos de água e de energia, e
sem nenhuma estrutura de saneamento básico, ficando expostas a sérias doenças
causadas por essa situação. Além disso, sofrem preconceito e discriminação por
parte do Poder Público que tem lhes dificultado e até mesmo negado o acesso às
políticas públicas a que têm direito. O descaso e o desrespeito aos direitos
desse Povo Tradicional, de cultura milenar, são notórios também em outras
Comunidades Ciganas do município e municípios vizinhos. A Comunidade Cigana
acampada em torno da Lagoa de Santo Antônio reconhece a importância da
preservação ambiental e as famílias
afirmam que só estão no local por necessidade, por não terem outro local onde
armar suas tendas, que são suas moradias, onde cada família constrói o seu sagrado
lar.
É urgente que a Prefeitura
de Pedro Leopoldo desenvolva ações no sentido de garantir território adequado,
com saneamento básico, para o acampamento dessas famílias da Comunidade fixada
em torno da Lagoa de Santo Antônio. A Rede de Apoio que se formou nessa luta
por direitos dos Povos Ciganos e a Comunidade Cigana da Lagoa de Santo Antônio
reivindicam ainda que o Poder Público Municipal crie Políticas Públicas
específicas para as Comunidades Ciganas e, enquanto isso não se efetive, que
sejam garantidos os direitos fundamentais dessas famílias, que têm inclusive, crianças com necessidades
especiais de atenção, com acesso às
políticas públicas existentes na área da saúde, assistência social,
educação, transporte, entre outros. É preciso VER, RESPEITAR e ATENDER o Povo
Cigano. A violação dos seus direitos fere, sobretudo, o princípio da sua
dignidade humana. O poder público municipal de Pedro Leopoldo tem o dever de
arrumar terreno adequado para acolher a Comunidade Cigana para que possa viver
com dignidade. Esse direito está assegurado pela Constituição Federal, pela
Convenção 169 da OIT, pelo Estatuto dos Povos Ciganos etc.
*Reportagem do frei
Gilvander Moreira, da CPT, das CEBs e do CEBI. Edição de Nádia Oliveira, da
Equipe de Comunicação da CPT-MG. São Leopoldo, MG, 14/6/2018.
* Inscreva-se no You Tube,
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Direito à terra e a Políticas Públicas específicas - Retomada Indígena Kamakã Grayra /Esmeraldas/MG. 2a parte. 16/6/2018.
Vice-cacique Merong Kamakã Mongoió, da Aldeia kamakã Grayra, em Esmeraldas, MG, dia 06/6/2018, em foto de Alenice Baeta.
Representantes da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) – Coordenação Regional de Minas Gerais e do Espírito Santo -, da CPT-MG (Comissão Pastoral da Terra - www.cptmg.org.br ) e do CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – www.cedefes.org.br ) reuniram-se, no dia 06/6/2018, com lideranças indígenas da Aldeia Kamakã Grayra, em fazenda da FUCAM (Fundação Educacional Caio Martins), no município de Esmeraldas, região metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), para se inteirarem melhor da atual situação da Aldeia do Povo Kamakã Mongoió, em retomada dessas terras. São 62 famílias que, há um ano e meio, desde 1 de janeiro de 2017, estão na Fazenda Santa Tereza (uma das três propriedades da FUCAM, em Esmeraldas) e, cultivando a Mãe terra e com ela se relacionando, deram função social e humana a um território que estava abandonado há décadas. Hoje, os indígenas em retomada na fazenda Santa Tereza, da FUCAM, se alimentam do que produzem, além de encontrarem ali um espaço e um ambiente próprios à prática dos seus rituais, da vivência da sua espiritualidade e do resgate da sua cultura, das suas tradições. A Rede de Apoio e o Povo Kamakã Mongoió exigem do Governo de Minas Gerais o reconhecimento da legitimidade dessa retomada, com efetivação da Concessão de Uso da terra para essa Comunidade indígena. Exigem ainda que seja garantido ao Povo Kamakã Mongoió o acesso a políticas públicas que lhes garantam melhor qualidade de vida. O justo e ideal seria que aos Povos Indígenas fossem direcionadas políticas públicas específicas, que respeitassem sua cultura, seus hábitos, seu jeito de ser e de viver. Indígenas da Aldeia Kamakã Grayra são vítimas de preconceito até mesmo em escola da FUCAM; lugar que, por ser espaço específico de Educação, deveria atuar na construção de valores humanos, morais, éticos, que defendam e promovam a inclusão e reconheçam o direito fundamental de todo ser humano à dignidade. A ação inversa a esse direito que lhes é negado faz com que muitos abandonem a escola, o que só faz aumentar a desigualdade social e aumentar a distância de acesso a oportunidades que exigem escolaridade. Para a Aldeia Kamakã Grayra, na FUCAM, em Esmeraldas/MG, e para todos os Povos Indígenas, o direito à permanência nas terras que lhes pertencem, de fato, às políticas públicas, à dignidade humana. Nenhum direito a menos.
*Reportagem em vídeo de frei Gilvander Moreira, da CPT, das CEBs e do CEBI. Edição de Nádia Oliveira, da Equipe de Comunicação da CPT-MG. Esmeraldas, MG, 06-6-2018.
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Tributo ao Zequinha do MST/MG: José Nunes viverá em nós sempre, na luta! 23/6/2018.
José Nunes, o Zequitnha do MST, em foto divulgação do MST, dia 23/6/2018.
José Nunes, o Zequinha do MST, nasceu no início da década de 1960 e partiu para a vida em plenitude, repentinamente, na noite de 22 de junho de 2018. Zequinha, após luta junto aos companheiros do Sindicato dos Trabalhadores de Águas Formosas, no Vale do Mucuri, em Minas Gerais, militou no MST de Minas Gerais, desde 1988, participando da Ocupação que se tornou o Assentamento Aruega, em Novo Cruzeiro. Zequinha, militante histórico do MST em MG, deixou um grande legado de luta pela terra.
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