Gilvander é frei e padre da Ordem dos carmelitas, Doutor em Educação pela FAE/UFMG; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas, em Minas Gerais.
domingo, 12 de novembro de 2017
COMUNICADO DE FREI RODRIGO PERET (da CPT), MARIA JÚLIA E JARBAS (do MAM), que foram presos no ZIMBÁBUE.
COMUNICADO DE FREI RODRIGO PERET (da CPT), MARIA JÚLIA E
JARBAS (do MAM), que foram presos no ZIMBÁBUE na África.
JARBAS (do MAM), que foram presos no ZIMBÁBUE na África.
Comunicamos aos companheiros e companheiras, que após julgamento na Corte Criminal de Pequenas em Mutare, no Zimbábue, fomos libertados no meio da tarde do dia 11 de novembro. Contudo, estamos ainda apreensivos em relação ao retorno das pessoas que foram presas (24 pessoas, de 8 países). Preocupa-nos a segurança e integridade físicas das mesmas ao retornarem para os seus países de origem. A conjuntura é delicada e exige que se mantenha a mobilização e solidariedade internacional até a finalização total da situação.
Fomos presos durante uma missão de solidariedade internacional às comunidades atingidas pela mineração no Zimbábue, convocada pela Rede Diálogo com os Povos. Enquanto participávamos de um encontro com 2.000 pessoas na região de Marange, cuja pauta era a discussão sobre os impactos da atividade mineraria de diamante na área e a criação de um fundo comunitário para a melhoria das condições de vida das comunidades atingidas. Todos os estrangeiros foram presos logo ao início do encontro, no começo da manhã do dia 10. Fomos conduzidos para o posto policial de Marange, de lá levados para a Delegacia Central de Polícia de Mutare, onde fomos fichados e encarcerados.
Para a nossa libertação foi fundamental a pressão internacional e o apoio de muitas organizações que se solidarizaram com a situação. Destacamos o trabalho dos advogados e advogadas da Zimbabwean Lawyers for Human Rights, que se mobilizaram desde o primeiro momento e acompanharam todo o grupo ao longo do processo. Ressaltamos também a atuação firme da Embaixada Brasileira no Zimbábue, que colaborou muito na mediação da resolução.
Agradecemos muito toda a articulação e apoio! E reafirmamos a necessidade de que continuemos atentos até a chegada de todos e todas aos seus países.
Abraços fraternos,
Frei Rodrigo Peret - Comissão Pastoral da
Terra (CPT) e Diálogo dos Povos
Jarbas Vieira - Movimento pela Soberania
Popular na Mineração (MAM)
Maria Júlia - Movimento pela Soberania
Popular na Mineração (MAM)
Zimbábue, tarde do dia 11/11/2017.
sexta-feira, 10 de novembro de 2017
domingo, 5 de novembro de 2017
Tributo à historiadora Emília Viotti da Costa
Tributo
à historiadora Emília Viotti da Costa
Por frei Gilvander
Moreira[1]
Fiquei comovido ao
receber a notícia de que no dia 02 de novembro de 2017 tinha falecido a
historiadora Emília Viotti da Costa (1928-2017), aos 89 anos. Para uns, Emília
se encantou. Para outros, ela passou para o segundo andar. Para outros ainda, Viotti
da Costa entrou para a vida plena. Para dona Maria Resende, da Comunidade Vila
Nova, em Belo Horizonte, “morreu a pessoa e ficou o nome”. Perdemos a presença
física de Emília Viotti da Costa, uma intelectual de rara grandeza teórica,
política e ética, mas os seus escritos ganham maior eloquência e são agora de
leitura imprescindível para toda pessoa comprometida com a construção de uma
sociedade justa e solidária, que supere o capitalismo e o sistema do capital.
A historiadora
marxista Emília Viotti da Costa é autora de livros clássicos da historiografia
brasileira, entre os quais, Da senzala à
colônia (1966), A abolição
(1982), Coroas de glória, lágrimas de
sangue: a rebelião dos escravos de Demerara em 1823 (1994), Brasil: de la monarquía a la república
(1995), Da monarquia à república:
momentos decisivos (1999), O Supremo
Tribunal Federal e a construção da cidadania (2001), A dialética invertida e outros ensaios (2014) e Brasil: história, textos e contextos
(2015).
Viotti da Costa foi estudiosa
do tema da escravidão e racismo. Militante, atuou firme contra a ditadura de
1964. Feminista convicta, sempre lutou pelo reconhecimento das mulheres. Foi
uma de nossas grandes historiadoras. Estudiosa do tema da escravidão, com
compromisso teórico e engajamento crítico, orientados pelo materialismo
histórico-dialético, Viotti da Costa lecionou no Departamento de História da
Universidade de São Paulo entre 1964 e 1969, quando foi compulsoriamente
aposentada da Universidade de São Paulo (USP), por imposição do AI 5 – Ato
Institucional n. 5 -, o quinto de dezessete Atos da ditadura
militar-civil-empresarial, assinado pelo ditador Artur da Costa e Silva, dia 13
de dezembro de 1968.
Durante minha pesquisa
de doutorado na FAE/UFMG, intitulada A
luta pela terra em contexto de injustiça agrária: pedagogia de emancipação
humana? Experiências de luta da CPT e do MST, tive a grande alegria de
encontrar e me ancorar em escritos de Emília Viotti. Eis, abaixo, como
aperitivo, algumas referências inspiradoras da historiadora marxista Emília
Viotti que incluí na minha tese.
Com a invasão dos
europeus portugueses, o Brasil colonial foi organizado como uma empresa
comercial para a produção de commodities
para a exportação. Daí a exploração do pau-brasil, a produção de açúcar e café
até os dias de hoje com as monoculturas da soja, do eucalipto e minério, quase
tudo para exportação. “O Brasil colonial foi organizado como uma empresa
comercial resultante de uma aliança entre a burguesia mercantil, a Coroa e a
nobreza” (VIOTTI DA COSTA, 1999, p. 173).
Durante o Brasil
colonial, quem recebia certa área de terra em sesmaria tinha o direito de
usufruto sobre a terra, vender/repassar para outro, mas a propriedade da terra
continuava sendo da Coroa portuguesa. Os que recebiam a terra da Coroa, antes
da Lei de Terras, não recebiam a propriedade da terra, apenas o direito de
usufruto e tinham o dever de cultivar a terra, senão poderiam perder o direito
de usufruto, conforme a Lei de 26 de junho 1375. “Aqueles para os quais a terra
era doada tinham apenas o usufruto: a propriedade era reservada à Coroa”
(VIOTTI da COSTA, 1999, p. 173).
O contexto de
crescimento do capitalismo internacional no século XIX colocou em relação
direta a propriedade da terra e o trabalho como meios de acumulação do capital.
Terra e trabalho se tornaram mercadorias, fontes de acumulação capitalista, de
poderes econômico e político. A historiadora Emília Viotti da Costa, no livro Da monarquia à república: momentos decisivos,
dedica o quarto capítulo a uma abordagem sobre a política de terras no Brasil e
nos Estados Unidos. A autora aponta uma série de mudanças que estavam
acontecendo ancoradas, obviamente, nas condições históricas materiais,
objetivas e sociais do capitalismo: “No século XIX, a expansão dos mercados e o
desenvolvimento do capitalismo causaram uma reavaliação das políticas de terras
e do trabalho em países direta ou indiretamente atingidos por esse processo. O
crescimento da população, as migrações internas e/ou internacionais, os
melhoramentos nos meios de transporte, a concentração populacional nos centros
urbanos, o desenvolvimento da indústria e a acumulação de capital estimularam a
incorporação da terra e do trabalho à economia comercial e industrial. Consequentemente
houve uma expansão das áreas cultivadas para fins comerciais e uma redução da
agricultura de subsistência. Nos lugares onde a terra tinha sido explorada
apenas parcialmente, a expansão do mercado provocou a intensificação do uso da
terra e do trabalho, resultando frequentemente na expulsão de arrendatários e
meeiros ou na expropriação das pequenas propriedades e das terras comunitárias”
(VIOTTI DA COSTA, 1999, p. 169-170).
No Brasil, após 1850,
com a Lei de Terras, sob o regime de compra, o poder político que deveria ser
público, perdeu seu poder de impor certas condições ao sistema do capital. Quem
tinha poder econômico passou a ter condições irrestritas para ir se apropriando
de grandes extensões de terra. Nesse sentido, assevera Viotti da Costa: “Quando
a terra era uma doação real, o rei tinha o direito de impor certas condições,
regulamentando seu uso e sua ocupação e limitando o tamanho do lote e o número
de doações recebidas por pessoa. Quando a terra tornou-se uma mercadoria
adquirida por indivíduos, as decisões concernentes à sua utilização passaram a
ser tomadas por esses mesmos indivíduos” (VIOTTI DA COSTA, 1999, p. 172).
Aconteceu também um
deslocamento do poder político para o poder econômico. Antes da Lei de Terras, a
Coroa Portuguesa doava propriedades rurais segundo méritos do beneficiário, o
que lhe conferia prestígio social. Receber uma doação de terra da Coroa era uma
forma de obter reconhecimento político e prestígio social. Mas com a Lei de
Terras, passou a ter prestígio social quem tinha poder econômico para comprar a
terra. E, “ao comprar a terra compra-se o direito de auferir a renda da terra”
(OLIVEIRA, 2007, p. 57). Assim, a Lei de Terras fortaleceu a estratificação
social, a desigualdade social e estimulou a propriedade capitalista da terra.
“Na primeira fase, a propriedade da terra conferia prestígio social, pois
implicava o reconhecimento pela Coroa dos méritos do beneficiário. Na segunda
fase, a propriedade da terra representa prestígio social porque implica poder
econômico. No primeiro caso, o poder econômico derivava do prestígio social; no
segundo, o prestígio social deriva do poder econômico” (VIOTTI DA COSTA, 1999,
p. 172).
Com a moribunda
escravidão legal do povo negro, com seus dias contados, em um país gigante em
extensão territorial e com baixa população, o único meio de manter os
trabalhadores trabalhando de forma compulsória era o aprisionamento da terra,
isso para continuar arrancando deles mais-valia e extorquindo-lhes a dignidade
humana. Somente a instituição jurídica do cativeiro
da terra asseguraria a exploração da força de trabalho, seja dos escravos
que seriam libertados juridicamente, seja dos imigrantes que estavam chegando
com sede de melhoria das condições de vida. “Numa região onde o acesso à terra
era fácil, seria impossível obter pessoas para trabalhar nas fazendas, a não
ser que elas fossem compelidas pela escravidão. A única maneira de obter
trabalho livre, nessas circunstâncias, seria criar obstáculos à propriedade
rural, de modo que o trabalhador livre, incapaz de adquirir terras, fosse
forçado a trabalhar nas fazendas” (VIOTTI DA COSTA, 1999, p. 176).
O tributo maior a
Emília Viotti da Costa será seguirmos militando em prol da construção de uma
sociedade justa e solidária, superando todo tipo de escravidão, colonialismo e
mandonismo, orientados pelo legado de história libertadora – leituras do
passado desde a perspectiva dos injustiçados -, um farol aceso contra as
opressões. Obrigado, Emília Viotti. Você continuará vivendo em nós também!
Referências.
OLIVEIRA,
Ariovaldo Umbelino de. Modo de Produção Capitalista, Agricultura e
Reforma Agrária. São Paulo: Labur Edições, 2007. Disponível em http://www.geografia.fflch.usp.br/graduacao/apoio/Apoio/Apoio_Valeria/Pdf/Livro_ari.pdf
, acesso em 14/9/2016 às 15h27.
VIOTTI DA COSTA, Emília. Da monarquia à república: momentos decisivos. 6ª edição. São Paulo:
Fundação Editora da UNESP, 1999.
Obs.: A perspicácia intelectual
e política de EMÍLIA VIOTTI DA COSTA pode ser conhecida pela entrevista que ela
concedeu, em 02/4/2001, ao Programa REDE VIVA da TV Cultura, no link https://www.youtube.com/watch?v=KRELCvaqCrY
[1] Padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências
Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação
pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, CEBs, SAB e Ocupações Urbanas; professor
de “Direitos Humanos e Movimentos Populares” em curso de pós-graduação do IDH,
em Belo Horizonte, MG. e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.freigilvander.blogspot.com.br
- www.gilvander.org.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
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