Gilvander é frei e padre da Ordem dos carmelitas, Doutor em Educação pela FAE/UFMG; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas, em Minas Gerais.
terça-feira, 8 de março de 2016
TRÊS “FOTOGRAFIAS” DA LUTA PELA TERRA EM MINAS GERAIS: LUTA PELA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE JUSTA E SOLIDÁRIA. por Gilvander Moreira
TRÊS “FOTOGRAFIAS” DA LUTA
PELA TERRA EM MINAS GERAIS: LUTA PELA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE JUSTA E
SOLIDÁRIA
(Three ‘photos’ of fight for land in Minas Gerais: fight for a fair
society and with solidarity),
artigo de Gilvander Luís Moreira, IN Revista TRABALHO
& EDUCAÇÃO, vol. 24, n. 2, p. 157-168, Belo Horizonte, maio-agosto, 2015,
disponível, além de impressa, no link, abaixo, podendo ser baixado em pdf:
08/03/2016 - MULHERES EM LUTA: OCUPAÇÕES OCUPAM CRAS EM BELO HORIZONTE, MG, E DENUNCIAM A PRIVAÇÃO DE ATENDIMENTO DE SAÚDE E EDUCAÇÃO.
08/03/2016
- MULHERES EM LUTA: OCUPAÇÕES OCUPAM CRAS EM BELO HORIZONTE, MG, E DENUNCIAM A
PRIVAÇÃO DE ATENDIMENTO DE SAÚDE E EDUCAÇÃO.
Mulheres das ocupações Rosa
Leão, Helena Greco, Brigadas Populares e Rede de Apoio ocupam o CRAS
Zilah-Spósito no dia internacional da mulher, 8 de Março, para denunciar a
crise da saúde das periferias e a privação do acesso ao direito universal e
integral à saúde e educação.
Nos centros urbanos a
condição de moradia das ocupações urbanas, criminalizada pelos poderes públicos
locais e pelo judiciário, têm determinado o não acesso ou o acesso precário à
políticas sociais de caráter universal. Seja em função do planejamento urbano
que prioriza a construção de equipamentos públicos nos centros em detrimento da
descentralização do atendimento nas periferias, seja por considerar um
território ocupado um espaço transitório, ilegal e à espera do direito, o
Estado tem negado o acesso a políticas públicas essenciais para garantir a vida
e os direitos humanos das mulheres.
No bairro Zilah Spósito,
ocupação da década de 80, a construção de um posto de saúde é apenas uma
promessa vaga. Mais de 15.000 famílias são obrigadas a frequentar uma pequena
sala no CRAS Zilah Spósito para terem acompanhamento básico de saúde. Para as
famílias das ocupações nem sequer isso. Sob o argumento de não possuirem CEP
fixo o posto improvisado nega à várias mulheres, crianças e idosas o
atendimento básico, acompanhamento e medicamentos. Além disso, serviços como a
saúde da família inexistem nos territórios tidos como “ilegais”. Várias
crianças estão fora das escolas porque a região não disponibilizavam vagas para
crianças de ocupação.
A realidade do bairro foi
vivida por várias ocupações urbanas em Belo Horizonte. Para serem atendidas as
famílias da ocupação Dandara, no bairro Céu Azul, tiveram que ocupar postos de
saúde e fazer importantes denúncias. Para atendê-las o estado construiu um
anexo provisório, como provisória esperava que fosse a moradia daquelas
famílias que estão há quase 7 anos com a ameaça de uma ação de reintegração de
posse.
Para as mulheres de
periferia, responsabilizadas pelas atividades de cuidado, o ônus dessa exclusão
é arrasador e incontornável.
Hoje são as mulheres das
ocupações Rosa Leão e Zilah Spósito quem dão continuidade pela dignidade de
suas famílias, pela garantia de seus direitos e por uma cidade em que caibam
todas.
- Que todos os moradores das
ocupações Rosa Leão e Zilah Spósito-Helena Greco tenham sejam cadastrados em
seus devidos endereços nas ocupações;
- Que as famílias das
ocupações sejam atendidas e respeitadas pelos servidores públicos;
- Que todas as crianças
sejam imediatamente matriculadas em escolas próximas ao seu local de moradia;
- Que o posto de saúde Zilah
Spósito seja construído em benefício a toda a comunidade. Já existe um espaço
destinado e aprovação da obra para a construção;
- Que sejam, contratados
mais profissionais da saúde para o atendimento das famílias da região;
- Que Secretaria de Saúde,
de Educação e de Direitos Humanos de Belo Horizonte do estado de Minas Gerias
estabeleça um diálogo imediato com as famílias das ocupações.
Contatos:
Charlene – 31 989808219
Cleice – 31 986014535
Isabella – 31 993832733
RELATO DE UMA BREVE ESTADIA NAS MASMORRAS DE NOVA LIMA, MG. Por Jobert Fernando
RELATO DE UMA BREVE
ESTADIA NAS MASMORRAS DE NOVA LIMA, MG.
Por Jobert Fernando de Paula
Meu nome é Jobert Fernando de Paula. Sou
empregado público da CEMIG[1]
há 15 anos, dirigente sindical do SINDIELETRO-MG, formando em psicologia pela PUCMinas
e militante do MLB na luta pelo direito à moradia do povo sem-moradia. Fui
preso no ano de 2015 por duas vezes na região de Nova Lima, região
metropolitana de Belo Horizonte, MG, ambas as prisões por perseguição à nossa luta
pela moradia própria, digna e adequada. Na segunda vez fui associado a uma
série de crimes que não cometi e terei a oportunidade de provar em juízo, mas a
forma arbitrária como fui preso (com um flagrante forjado e sem direito a
fiança) me levou a conhecer e experimentar um dos piores horrores que já passei
na vida, que foi o cárcere do Presídio Regional de Nova Lima.
Ao descer para o presídio, que fica no
subsolo da delegacia da cidade, já senti o clima de barbárie: um corredor
repleto de celas e muita sujeira, principalmente restos de comida. Os presos
jogam as marmitas, garrafas e saquinhos de leite usados em alguns tambores que
ficam próximos às grades das celas, mas grande parte cai no chão. Como não há
uma limpeza criteriosa desse piso, uma crosta de sujeira se forma no chão e,
com o tempo, o cheiro de comida azeda fica impregnado.
Antes de ser empurrado para dentro da cela,
fui alertado pelo agente penitenciário que a cadeia estava "cheia" e
que na cela à qual eu estava destinado havia uns 10 "vagabundos", por
isso, como já eram quase meia noite, eles me deixariam dormir no pátio pra
evitar que eu acordasse os outros presos. Passei a noite ali, num colchão, em
um pequeno pátio a céu aberto.
Ao entrar na cela às 6 da manhã, percebi que
por mais breve que fosse aquela estadia, ela seria longa. Havia apenas 6 camas
no "barraco 5" (cela é barraco), mas já estavam lá 10 presos, 11
comigo. Ao entrar, sem saber onde ia ficar e nem onde colocar minhas coisas,
passei alguns segundos atônito e depois fui ajudado por um dos presos que
já estava dormindo no chão. Ele me cedeu um pedaço de espuma de 50 centímetros
de largura e 1 metro de comprimento, no qual eu pude me deitar com as pernas
encolhidas. Durante o dia pude conhecer melhor os presos e me encontrei com um
colega de infância preso por algo relacionado a tráfico (o artigo era
diferente). Ele e eu éramos músicos da corporação Sagrado Coração de Jesus, em
Nova Lima. Eu tocava trombone e ele, trompete. Ele me apresentou para os demais
presos e durante o dia fomos conversando. Quase todos eram trabalhadores e como
eu falava em coisas do mundo do trabalho (por ser sindicalista), eles me
perguntavam muito sobre questões relacionadas à previdência social. Como eu
estava afiado no debate sobre o fator 85/95, fiz quase que uma análise caso a
caso e daí os presos me olharam com respeito. Um deles me ofereceu a cama para
dormir de "valete", algo comum na prisão, mas que depende da
autorização do dono da jega (cama é jega, um treliche). Não dormi mais no chão.
A cela tinha aproximadamente 10 metros
quadrados, 3,3 X 3,3 metros. Era o suficiente para as 6 camas organizadas em 2
"treliches" em formato de "L", e um banheiro pequeno. A
água que bebemos é a mesma que fazemos todas as outras coisas. Há uma torneira
que abrimos para tomar banho e encher as garrafas de água para beber. Há
racionamento de água, que é liberada de 3 a 4 vezes ao dia, durante cerca de 1
hora por vez. Nesse intervalo os presos se revezavam para se refrescarem, pois
durante o dia o calor é infernal, certamente mais de 40 graus. À noite, o frio
era terrível e as mudanças bruscas de temperatura me adoeceram de imediato.
Além disso, não há circulação de ar nas celas. Trata-se de um subsolo, onde as
celas são cercadas por paredes e por trás das paredes, terra. A única entrada
de ar é o corredor central, de onde venta um pouco, vento com cheiro de comida
azeda. Além disso, os presos fumam muito. E fumam até resto de fumo. Durante o
dia, a cadeia é um lugar quente, úmido, mofado, com cheiro de comida azeda e
cheia de fumaça. E as "tretas" entre os presos são constantes e deixa
a atmosfera ainda mais tensa.
Na cela 5 não se tem direito a visita. Eles
dizem que é uma cela de transição e que ali o preso fica os primeiros 10 dias.
Depois ele é transferido para outra cela maior, para o convívio com os outros
presos. O atendimento médico é precário. Havia um preso na cela 5 pedindo
atendimento desde o primeiro dia que chegou. Ele cortou o pé no "boi"
(vaso sanitário que fica no chão do banheiro, onde o preso faz sua necessidade
agachado) e o corte estava inflamado há mais de 1 semana. Os agentes ofereciam
no máximo uma dipirona, o que aliviava a dor física do corte e também a pressão
da cadeia. Essa é uma parte importante que eu gostaria de chamar a atenção,
pois está no meu campo de atuação na saúde mental: grande parte dos presos se
dopa na cadeia com psicotrópicos que são liberados em larga escala pelo corpo
médico da penitenciária. É muito fácil conseguir lá dentro um comprimido pra
"dormir".
O atendimento jurídico, creio eu, não deve
existir. Grande parte dos presos que está lá há meses são réus primários e/ou
sem condenação. Como o sistema judiciário brasileiro pode permitir isso? Será
possível que algum juiz ainda pensa que o sujeito ficando ali uns tempos ele
irá se regenerar pagando seus pecados? Ele vai sair de lá pior, pois, castigado
lá dentro, vai aprender como funciona o crime organizado. Não vou entrar em
detalhes de como as coisas funcionam, pois estaria me expondo a retaliações de
algum grupo criminoso que atua nas cadeias e que por ventura possa ter acesso a
esse relato, mas afirmo que ao colocar os presos na vala comum do sistema
carcerário, estamos simplesmente nivelando a todos para o pior tipo de ser
humano. Vou dar um único exemplo.No segundo dia que eu estava preso, chegaram
mais 3 presos na cela, totalizando 14 detentos. O último deles um senhor de
aproximadamente 50 anos, réu primário, que trabalhava como porteiro de um
prédio em Belo Horizonte e morava no Jardim Canadá. Ele foi preso por ter
ameaçado a mulher por telefone e ela o denunciou. O crime foi enquadrado na lei
Maria da Penha. Essa lei foi uma grande conquista das mulheres brasileiras na
luta contra a violência doméstica e contra todo tipo de violência e assédio
contra as mulheres. Mas alguma coisa há de ser feita para se evitar que um
senhor de 50 anos, trabalhador, réu primário, que havia sido denunciado por ela
há várias semanas e teve seu mandato de prisão expedido, não seja preso
juntamente com homicidas, traficantes, assaltantes, ladrões de carga e outros
tipos de criminosos, que nada têm a acrescentar à formação desse senhor senão
torná-lo mais violento, revoltado com a sociedade e com a própria ex-mulher.
Algo tem de ser feito para que o réu primário não seja nunca um reincidente e o
que o sistema penitenciário brasileiro faz (e que não é novidade para ninguém)
é tornar o criminoso um sujeito mais arisco às garras da lei. Relativo ao caso
que exponho, o preso terá tempo integral para aprender isso no cárcere, uma vez
que, condenado ou não, ele passará até 6 meses lá, como tem sido o costume do
regime da penitenciária e do judiciário de Nova Lima.
Por fim, algumas considerações rápidas.
Quando estive preso, a cadeia estava com 173
presos para 95 vagas. Atualmente há mais de 200 e um início de rebelião já
eclodiu no final do ano passado. Falta pouco para a "cadeia cair" e
termos que contar histórias como a do Carandiru. Em Ponte Nova, MG, dia 23 de
agosto de 2007, superlotação e péssimas condições levou a incêndio que
carbonizou 25 presos. Os presos têm sido jogados e esquecidos no Presídio
Regional de Nova Lima por meses, sem sequer serem ouvidos pelos juízes. Como a
grande maioria são negros e quase a totalidade dos presos são pobres, não
possuem assistência jurídica privada. Cabe aos familiares implorarem o serviço
dos defensores públicos em Nova Lima, que não têm estrutura alguma para
suportarem tantas demandas. A defensoria pública presente na cidade nem absorve
mais demandas cíveis, pois as penais já lotam as agendas dos defensores. A
constituição de Minas Gerais prescreve que em Minas deve haver 1200 defensores
públicos, mas atualmente tem menos de 600. A área de Direitos Humanos, da
Defensoria Pública de Minas, tem poucas/os defensores.
Finalmente, peço aos órgãos competentes que
tiverem acesso a esse relato que levem em consideração a proposta de interdição
ou até fechamento do Presídio Regional de Nova Lima. A menos que o caminho
tomado pela (in)justiça brasileira continue sendo a trilha da humilhação, da
tortura e da barbárie como formas de “recuperação”, situações como as que
existem nesses calabouços só corroboram a perspectiva de que estamos investindo
muito dinheiro público, fruto dos impostos da classe trabalhadora, para
criarmos monstros que voltarão ao convívio social. Há formas de recuperação de
infratores mundialmente reconhecidas que estão à nossa disposição, como o
método da APAC (Associação de Proteção e Acompanhamento dos Condenados), que
inclusive possui uma unidade em Nova Lima. Há somente 20 APACs em Minas, mas
deveria ser a regra para o cumprimento das penas de cerceamento do direito de
ir e vir. É estúpido pensar que vamos fazer alguém se tornar melhor
torturando-o 24 horas por dia durante meses e até anos. E há maneiras de se
evitar esse índice alarmante de explosão demográfica carcerária, que perpassa
pela disputa dos nossos jovens, das crianças pobres das periferias, como se
fossem nossos filhos e não futuros condenados. Mas esse já é outro debate.
PS: hesitei muito em escrever esse relato.
Mesmo fazendo uma análise científica da minha estadia e tendo clareza da questão
política que envolvia minha prisão, acho que esse é o tipo de situação que as
pessoas não querem reviver nem por memória.
Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte,
MG, Brasil, 08 de março de 2016.
Jobert Fernando – jobaobao@hotmail.com
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