sexta-feira, 6 de novembro de 2015

ZECA MORREU DE SEDE NA PRAÇA RAUL SOARES NO CENTRO DE BELO HORIZONTE. 06/11/2015



ZECA MORREU DE SEDE NA PRAÇA RAUL SOARES NO CENTRO DE
BELO HORIZONTE
Antônio Pinheiro, comendador do Vaticano pelos serviços prestados aos pobres.

José Rodrigues dos Santos, 20 anos, mais conhecido como Zeca, morava com os pais na roça, no município de Sardoá, Vale do Rio Doce, MG. O pai, Antônio Rodrigues dos Santos, também conhecido como Toniquinho, era uma pessoa adorada por todos que o conheciam. Trabalhava na roça desde a infância de sol a sol. Em contato com amigos que vieram trabalhar em Belo Horizonte dizendo das vantagens que o emprego aqui lhes dava (como trabalhar 8 horas por dia, e somente de segunda a sexta, com descanso remunerado aos sábados e domingos; e com férias de 30 dias a cada ano trabalhado), Toniquinho receberia o salário e o benefício de seguro de morte garantido para a família.
Entusiasmado com tais vantagens, Toniquinho veio para Belo Horizonte, pois tinha trabalho garantido na obra que seus amigos trabalhavam. Voltando a Sardoá, em férias, e feliz com o trabalho que aqui realizava, convenceu seu filho Zeca a vir também trabalhar na capital.
Muito difícil foi para o Zeca que nunca tinha dormido um só dia fora de casa. Deixar a família pela primeira vez e vir para a cidade grande seria uma mudança radical. Vencidas as férias, Toniquinho regressou a Belo Horizonte trazendo consigo o filho mais velho dos cinco que tinha.
Apesar de tanta recomendação ao filho sobre os perigos da capital (trânsito, violência, criminalidade, etc..), ao desembarcar na rodoviária, Zeca não deveria se apartar do pai. Entretanto, no saguão da rodoviária, um passageiro esbarrou bruscamente no Toniquinho, o levou ao chão e Zeca, também com vários esbarrões recebidos ficou completamente desnorteado. Não vendo o pai, tomou o rumo da Avenida Olegário Maciel, enquanto o pai, completamente atordoado, procurava o filho pelo lado oposto, pela Avenida Santos Dumont.
Passados três dias desse trágico acontecimento, Toniquinho, com aspecto de muito infeliz, e já cansado, me procurou mal podendo dizer do seu sofrimento, pois, segundo dizia, havia duas noites que não dormia nem comia procurando o Zeca...
Saímos imediatamente e fomos à delegacia da região da Rodoviária, ao Pronto Socorro e, ‘contra nossa vontade’, ao Instituto Médico Legal (IML). Lá chegamos, sentamos no banco, dei um copo d´água ao Toniquinho, tomei-o pela mão e fomos ao balcão onde fomos informados que o corpo de José dos Santos Rodrigues, inanimado e frio, tinha sido encontrado sob um banco de concreto da Praça Raul Soares dormindo eternamente. Ao ouvir essas palavras, Toniquinho não tinha mais lágrimas para chorar, olhou para mim espantado e não pronunciou uma só palavra, nem sequer chorou.
Encaminhamos o corpo para Sardoá, onde foi recebido com muita emoção por grande parte dos moradores da pequena cidade, e sepultado ao cair da noite com cantos religiosos. O pai, que continuava profundamente triste e calado, morreu dias depois, vindo a ser sepultado ao lado do filho.
O prefeito, também sensibilizado com esse triste acontecimento, promoveu a mudança da viúva com seus filhos para a cidade, tendo conseguido um emprego de ajudante em uma cantina escolar municipal para ela e para seu filho mais velho.
Por acaso, se o Zeca batesse em sua porta e pedisse um copo d´água, você daria?
- Certamente não! Porque nós temos medo dos pobres.
Somos um povo “cristão”, indiferente ao sofrimento do povo.

Um triste exemplo
Segundo denunciou Dom Walmor, em artigo publicado no jornal “Estado de Minas” (2013), foram assassinados 100 pessoas em situação de rua, no últimos dois anos, em Belo Horizonte, MG. No Brasil, mais de 400.
Além disso, o IML declarou que foram sepultadas no ano anterior, 144 pessoas de Belo Horizonte sem nenhuma identidade, sem flores, sem lágrimas, e sem uma missa sequer.
VOCÊ FICOU SABENDO? Nenhum destes crimes recebeu a menor investigação.
Esses crimes praticados contra essa pequena multidão acontecem e não nos dizem nada.
Será que merecemos o título de povo mais católico do mundo?
BH, 06/11/2015.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Antério Mânica no banco dos réus, indiciado como um dos 4 mandantes da Chacina dos fiscais em Unaí, MG, em 28/01/2004.

Antério Mânica no banco dos réus, indiciado como um dos 4 mandantes da Chacina dos fiscais em Unaí, MG, em 28/01/2004.

Hoje, dia 04/11/2015, às 21:00h, terminou o 1º dia do Julgamento de Antério Mânica, ex-prefeito de Unaí, MG, pelo PSDB. Antério está no banco dos réus como um dos quatro mandantes da Chacina dos fiscais em Unaí, dia 28/01/2004. Em uma manhã de quarta-feira chuvosa foram barbaramente assassinados os fiscais Eratóstenes de Almeida Gonçalves (o Tote), de 42 anos, João Batista Soares Lage, 50 anos, e Nelson José da Silva, 52 anos, e o motorista Aílton Pereira de Oliveira, 52 anos, idades que tinham quando foram assassinados.
Eis, abaixo, um pouco do que ouvi no tribunal do júri hoje na parte da tarde durante declarações de testemunhas de acusação e de defesa.
Segundo a Polícia Federal (PF), que investigava a chacina de Unaí, após a prisão dos pistoleiros, os Mânicas se desesperaram e começaram a ordenar sumiço de documentos. Um Mânica teria dito: “Não adiantou fazer aquilo.” A PF apurou também que os Mânicas sempre tentaram esconder que havia irregularidades nas fazendas deles.
A Polícia Federal, alegando que não tinha tido tempo hábil para investigar tudo e concluir o inquérito após as prisões dos jagunços, alertou, na conclusão, que o inquérito era parcial e que mais apurações precisavam ser feitas. Assim o delegado federal pediu que complementações fossem feitas. Isso está no 19º volume do processo.
O Ministério Público Federal denunciou Antério Mânica por não ter dúvida de que ele é um dos mandantes da chacina de Unaí. O pistoleiro Erinaldo afirmou que viu Antério Mânica em um Fiat Marea e percebeu: “o patrão está bravo.”
Várias testemunhas de Antério Mânica eram pessoas com estreito relacionamento de amizade ou parceiros políticos. Uma testemunha que falou bem de Antério Mânica também declarou que “Norberto Mânica era uma pessoa trabalhadora, boníssima e comia junto com os trabalhadores”. Mas Norberto Mânica foi condenado a 100 anos de cadeia como um dos mandantes da chacina de Unaí.
Antério Mânica e sua filha Márcia também foram multados pelo fiscal Nelson José da Silva, uma das vítimas. Uma testemunha disse que os Mânicas romperam a sociedade naturalmente, sem brigar. Disse que Antério era o líder da família, era o que administrava tudo, enquanto os outros irmãos produziam. Se não brigaram, se continuavam sendo irmãos, por que Antério Mânica não admoestou Norberto Mânica, Hugo Pimenta e José Alberto quando esses tramavam matar o fiscal Nelson?
Uma testemunha amiga do Antério Mânica declarou ter dito ao fiscal Nelson: “Dr. Nelson, essa fiscalização vai deixar muita gente sem emprego.” Nelson retrucou na hora: “Não podemos abrir mão da nossa missão que é fiscalizar.”
Uma testemunha declarou que Antério Mânica disse durante campanha eleitoral: “Bala que mata fiscal também mata candidato.”
Em fevereiro de 2003, o fiscal Nelson apresentou relatório denunciando as ameaças que estava sofrendo.
Uma testemunha declarou: “Antério estava muito insatisfeito com as fiscalizações.”
Dia 17/12/2003, 1 mês e 11 dias antes de ser assassinado, o fiscal Nelson José da Silva fiscalizou e autuou fazenda de Antério Mânica e da filha Márcia, porque havia trabalhadores ganhando abaixo do salário mínimo, sem carteira assinada, além de outras irregularidades.
Uma testemunha de acusação disse que viu Antério Mânica junto com Norberto, Hugo e José Alberto na véspera da chacina.
Os pistoleiros e os mandantes seguiram o fiscal Nelson durante uns dois meses para matá-lo.
O Ministério Público Federal indiciou Antério Mânica após a Polícia Federal fazer uma série de complementação de provas.
Antério Mânica recebeu ligações e ligou duas vezes para a Delegacia Regional do Trabalho em Paracatu na manhã da chacina para confirmar se todos os fiscais tinham sido mortos.
Testemunhas alegaram que Antério Mânica faz assistência social, caridade. Isso me fez recordar Hannah Arendt que afirmava existir cruel caridade. Servir caridade/assistência social e servir agrotóxico e trabalho escravo não combinam. Se em Unaí não tivesse sendo jogado nas lavouras do agronegócio um exagero de agrotóxico, não haveria tanta gente com câncer. Segundo Relatório do padre João Carlos, da Comissão contra o uso de agrotóxico da Câmara Federal, em Unaí, em média, a cada ano cerca de 1.260 pessoas contraem câncer, certamente pelo uso indiscriminado de agrotóxico. Além do Câncer do agrotóxico, o câncer do latifúndio, do trabalho escravo e da falta de reforma agrária seguem, de forma disfarçada, matando trabalhadores. Sobre isso não podemos nos calar.
O julgamento deve durar três dias. Há seis mulheres e um homem no corpo de jurado. Que justiça seja feita ainda que tardia!
Abraço na luta por justiça,
Frei Gilvander Moreira.