Minha Casa Minha Vida
no Jardim Vitória: Era para ser felicidade.
Minha Casa Minha Vida decepciona no Jardim Vitória, em
Belo Horizonte, MG, ao fazer de um programa social um gueto onde os moradores
não têm alternativas para sobreviver com dignidade.
“Temos que andar quilômetros a pé até
pegarmos um ônibus superlotado no bairro vizinho para irmos trabalhar. Há um
morro onde o ônibus passa que precisamos descer do ônibus, porque é impossível subir
lotado. Algumas pessoas tentam cortar atalho passando nos quintais e portas de
casas de uma vila próxima aqui, mas muitas pessoas proibiram a passagem, outras
passaram a cobrar um pedágio de 70 centavos pela travessia em quintais de
vizinhos. Ruas que poderiam ser abertas para facilitar o acesso à BR 381 não
são feitas. Alegam que os terrenos são particulares.”
O
relato acima não é uma ficção e acontece em uma das maiores metrópoles do
Brasil: Belo Horizonte. Depois de 10, 15, 20 ou mais anos amargando a pesadíssima
cruz do aluguel ou a humilhação que é sobreviver de favor nas costas de
parentes, ao receber os apartamentos do Minha Casa Minha Vida (MCMV) no Jardim
Vitória, em Belo Horizonte, MG, mais de mil famílias ficaram felizes. Mas foi
começar a morar nos apartamentos logo descobriram que foram enganados.
Começaram a experimentar no próprio corpo que moradia digna é direito humano,
mas não é só um apartamento pequeno: inclui muito mais, necessariamente infraestrutura
pública existente em um bairro organizado.
Dia
9 de junho último (2015) aconteceu Audiência Pública da Comissão de Direitos
Humanos da Câmara de Vereadores de Belo Horizonte no Conjunto habitacional Canários,
no Jardim Vitória. Saímos de lá comovidos e indignados por causa das injustiças
perpetradas pela prefeitura da capital contra cerca de 9 mil pessoas que lá
residem sem quase nenhuma infraestrutura pública. Aliás, o bairro Jardim
Vitória, antes mesmo da vinda do conjunto, já amargurava há anos com a ausência
do poder público. Fato facilmente comprovado ao andar pelas ruas do bairro,
algumas ainda na terra e sem acesso aos serviços básicos, dignos para qualquer pessoa
cidadã da cidade.
Na
chegada aos prédios do MCMV, as aparências enganam. Porteiro controlando a
entrada e a saída. De longe e à primeira vista prédios bonitos. Mas foi só abrir
a palavra para moradores que uma enorme lista de injustiças começou a vir à
tona.
São
prédios de 5 andares, 50 metros quadrados, sem elevadores, com apenas 30% de vagas
para automóveis nos pátios. Além disso, falta quase tudo. Não há transporte
coletivo. Não há creche para as crianças. Não há posto médico próximo e nem
UPA. Não há segurança pública. Não há espaços culturais. Não há comércio por
perto. Não há ruas de bom acesso à BR 381, que passa próximo. A sensação de
estar no lugar errado é uma constante para todos. “Nos postos dos bairros vizinhos somos muito mal atendidos. Falta quase
tudo: funcionários, remédios e não há como fazer exames. Se alguém passa mal
aqui, seja de dia ou de noite, não adianta chamar o SAMU, pois aqui eles não
vêm. Há um morador aqui que já recebeu o nome de SAMU, pois com o automóvel
dele, bastante surrado, é quem socorre quem está prestes a morrer aqui”,
desabafou um dos moradores, ao se recordar da situação vivida recentemente
quando teve que socorrer um filho doente e buscar socorro tarde da noite.
A
insegurança também é uma realidade. Chamar a policia em uma emergência é ter a
certeza de que raramente será atendido. “Muito
difícil a PM fazer ronda por aqui. Quando chamada, a polícia militar não
aparece. Estranhamente vemos viaturas rondando em um condomínio privado aqui
perto, que está sendo construído, onde não há ninguém ainda morando”, conta
um senhor, revoltado. Em alguns casos, essa realidade colaborou para mudanças
radicais: “Muitas mães tiveram que
desistir dos empregos quando passaram a viver aqui, porque precisam ficar
cuidando de seus filhos. Como sair daqui de madrugada? Se sair, o risco de ser
assaltada antes de chegar ao bairro vizinho para pegar um ônibus é muito
grande. Ganhamos apartamentos, mas perdemos o emprego.”
A
realidade vivida por esses moradores tende a piorar: é que a prefeitura deve
inaugurar mais apartamentos que estão sendo construídos na região do Jardim
Vitória, fora os conjuntos particulares, tocados por construtoras, na faixa 2
do MCMV, e que já estão ficando prontos. Bom lembrar que a menos de 3
quilômetros de onde realizamos a audiência, deve ser construído os prédios da
região conhecida como Capitão Eduardo, ao lado do bairro Paulo VI. Como garantir
respeito à dignidade humana de gente sem boa infraestrutura pública?
A
audiência foi mais uma prova de que o sonho da casa própria no Jardim Vitória
acabou virando um grande projeto de construção de guetos, onde os mais pobres
são levados para morar distante do centro urbano, abandonados à própria sorte.
E a prova disso foi que mais uma vez a prefeitura de Belo Horizonte (PBH)
sequer se fez representar durante a reunião. Talvez essa gente humilde, que um
dia se cadastrou nos programas sociais da PBH, participou dos núcleos de
habitação, acompanhou com afinco os sorteios para finalmente ter acesso a casa
própria, não sejam contados como pessoas cidadãs para a prefeitura que deveria
representá-los.
Assim,
o “Minha Casa Minha Vida” foi reduzido a meu pequeno apertamento. Jardim
Vitória? Ah! O Jardim murchou e a Vitória continua a ser um desafio. Era para
ser felicidade, mas o poder do capital e dos seus vassalos continuam nos
aprisionando. Moradia digna continua sendo um sonho ainda não realizado.
Moradia digna é condição indispensável para conquistarmos outros direitos, tais
como saúde, educação e paz como fruto da justiça. Quem tem ouvidos ouça o que o
MCMV do Jardim Vitória está dizendo sobre um dos maiores conflitos fundiários e
sociais do Brasil que envolve diretamente cerca de 8 mil famílias das Ocupações
da Izidora.
Belo
Horizonte, MG, Brasil, 27 de junho de 2015.
[1] Padre carmelita, assessor da Comissão
Pastoral da Terra e doutorando em Educação pela FAE/UFMG; email: gilvanderlm@gmail.com
[2] Jornalista, professor da PUCMINAS,
vereador em Belo Horizonte pelo PT; email: venturaa@terra.com.br