sábado, 27 de junho de 2015

Minha Casa Minha Vida no Jardim Vitória: Era para ser felicidade. Por frei Gilvander Moreira[1] e Adriano Ventura

Minha Casa Minha Vida no Jardim Vitória: Era para ser felicidade.
Por frei Gilvander Moreira[1] e Adriano Ventura[2]

Minha Casa Minha Vida decepciona no Jardim Vitória, em Belo Horizonte, MG, ao fazer de um programa social um gueto onde os moradores não têm alternativas para sobreviver com dignidade.

Temos que andar quilômetros a pé até pegarmos um ônibus superlotado no bairro vizinho para irmos trabalhar. Há um morro onde o ônibus passa que precisamos descer do ônibus, porque é impossível subir lotado. Algumas pessoas tentam cortar atalho passando nos quintais e portas de casas de uma vila próxima aqui, mas muitas pessoas proibiram a passagem, outras passaram a cobrar um pedágio de 70 centavos pela travessia em quintais de vizinhos. Ruas que poderiam ser abertas para facilitar o acesso à BR 381 não são feitas. Alegam que os terrenos são particulares.”
O relato acima não é uma ficção e acontece em uma das maiores metrópoles do Brasil: Belo Horizonte. Depois de 10, 15, 20 ou mais anos amargando a pesadíssima cruz do aluguel ou a humilhação que é sobreviver de favor nas costas de parentes, ao receber os apartamentos do Minha Casa Minha Vida (MCMV) no Jardim Vitória, em Belo Horizonte, MG, mais de mil famílias ficaram felizes. Mas foi começar a morar nos apartamentos logo descobriram que foram enganados. Começaram a experimentar no próprio corpo que moradia digna é direito humano, mas não é só um apartamento pequeno: inclui muito mais, necessariamente infraestrutura pública existente em um bairro organizado.
Dia 9 de junho último (2015) aconteceu Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vereadores de Belo Horizonte no Conjunto habitacional Canários, no Jardim Vitória. Saímos de lá comovidos e indignados por causa das injustiças perpetradas pela prefeitura da capital contra cerca de 9 mil pessoas que lá residem sem quase nenhuma infraestrutura pública. Aliás, o bairro Jardim Vitória, antes mesmo da vinda do conjunto, já amargurava há anos com a ausência do poder público. Fato facilmente comprovado ao andar pelas ruas do bairro, algumas ainda na terra e sem acesso aos serviços básicos, dignos para qualquer pessoa cidadã da cidade.
Na chegada aos prédios do MCMV, as aparências enganam. Porteiro controlando a entrada e a saída. De longe e à primeira vista prédios bonitos. Mas foi só abrir a palavra para moradores que uma enorme lista de injustiças começou a vir à tona.
São prédios de 5 andares, 50 metros quadrados, sem elevadores, com apenas 30% de vagas para automóveis nos pátios. Além disso, falta quase tudo. Não há transporte coletivo. Não há creche para as crianças. Não há posto médico próximo e nem UPA. Não há segurança pública. Não há espaços culturais. Não há comércio por perto. Não há ruas de bom acesso à BR 381, que passa próximo. A sensação de estar no lugar errado é uma constante para todos. “Nos postos dos bairros vizinhos somos muito mal atendidos. Falta quase tudo: funcionários, remédios e não há como fazer exames. Se alguém passa mal aqui, seja de dia ou de noite, não adianta chamar o SAMU, pois aqui eles não vêm. Há um morador aqui que já recebeu o nome de SAMU, pois com o automóvel dele, bastante surrado, é quem socorre quem está prestes a morrer aqui”, desabafou um dos moradores, ao se recordar da situação vivida recentemente quando teve que socorrer um filho doente e buscar socorro tarde da noite.
A insegurança também é uma realidade. Chamar a policia em uma emergência é ter a certeza de que raramente será atendido. “Muito difícil a PM fazer ronda por aqui. Quando chamada, a polícia militar não aparece. Estranhamente vemos viaturas rondando em um condomínio privado aqui perto, que está sendo construído, onde não há ninguém ainda morando”, conta um senhor, revoltado. Em alguns casos, essa realidade colaborou para mudanças radicais: “Muitas mães tiveram que desistir dos empregos quando passaram a viver aqui, porque precisam ficar cuidando de seus filhos. Como sair daqui de madrugada? Se sair, o risco de ser assaltada antes de chegar ao bairro vizinho para pegar um ônibus é muito grande. Ganhamos apartamentos, mas perdemos o emprego.”
A realidade vivida por esses moradores tende a piorar: é que a prefeitura deve inaugurar mais apartamentos que estão sendo construídos na região do Jardim Vitória, fora os conjuntos particulares, tocados por construtoras, na faixa 2 do MCMV, e que já estão ficando prontos. Bom lembrar que a menos de 3 quilômetros de onde realizamos a audiência, deve ser construído os prédios da região conhecida como Capitão Eduardo, ao lado do bairro Paulo VI. Como garantir respeito à dignidade humana de gente sem boa infraestrutura pública?
A audiência foi mais uma prova de que o sonho da casa própria no Jardim Vitória acabou virando um grande projeto de construção de guetos, onde os mais pobres são levados para morar distante do centro urbano, abandonados à própria sorte. E a prova disso foi que mais uma vez a prefeitura de Belo Horizonte (PBH) sequer se fez representar durante a reunião. Talvez essa gente humilde, que um dia se cadastrou nos programas sociais da PBH, participou dos núcleos de habitação, acompanhou com afinco os sorteios para finalmente ter acesso a casa própria, não sejam contados como pessoas cidadãs para a prefeitura que deveria representá-los.
Assim, o “Minha Casa Minha Vida” foi reduzido a meu pequeno apertamento. Jardim Vitória? Ah! O Jardim murchou e a Vitória continua a ser um desafio. Era para ser felicidade, mas o poder do capital e dos seus vassalos continuam nos aprisionando. Moradia digna continua sendo um sonho ainda não realizado. Moradia digna é condição indispensável para conquistarmos outros direitos, tais como saúde, educação e paz como fruto da justiça. Quem tem ouvidos ouça o que o MCMV do Jardim Vitória está dizendo sobre um dos maiores conflitos fundiários e sociais do Brasil que envolve diretamente cerca de 8 mil famílias das Ocupações da Izidora.

Belo Horizonte, MG, Brasil, 27 de junho de 2015.



[1] Padre carmelita, assessor da Comissão Pastoral da Terra e doutorando em Educação pela FAE/UFMG; email: gilvanderlm@gmail.com
[2] Jornalista, professor da PUCMINAS, vereador em Belo Horizonte pelo PT; email: venturaa@terra.com.br

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