Despejar
8 mil famílias das Ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória poderá fazer uma
tragédia de proporções inimagináveis.
Alerta às autoridades
e às pessoas de boa vontade.
Frei Gilvander Luís Moreira
Prefeito,
juíza, governador, comandantes da Polícia, empresários e muitas outras
autoridades estão tão distantes da realidade dos pobres que, mesmo aparentando
terem boa vontade, estão deleitando o “canto da sereia”, mas amarrados no
mastro do navio do sistema do capital (Cf. Canto 12 de Odisseia, de Homero). Diante
dos rumores e vários indícios de que estão preparando para em breve tentar
despejar as 8 mil famílias das Ocupações Rosa Leão (1.500 famílias), Esperança
(2.638 famílias) e Vitória (4.500 famílias) na região do Isidoro, território de
Belo Horizonte e parte de Santa Luzia, MG, faremos aqui vários alertas na
esperança de que possa contribuir para evitar a tragédia de proporções
inimagináveis que poderá ser tentar despejar essas comunidades. Poderão
acontecer massacres maiores do que o de Eldorado dos Carajás, em 17/04/1996,
com 21 mortos e 69 feridos; ou maior do que o massacre do Carandiru, dia
02/10/1992, com 111 presos mortos. Isso não é ameaça, é alerta de quem está
cotidianamente no meio do povo e sente suas angústias, vê suas lágrimas e sabe
que o povo resistirá por necessidade, por não ter outra opção.
Diante desse
gravíssimo conflito social faz bem recordar e não pode ser esquecido que:
1.
O
povo foi para essas ocupações por necessidade, porque não suporta mais
sobreviver debaixo da cruz do aluguel ou da humilhação que é sobreviver de
favor. Pagar aluguel acima de 500 reais para quem ganha salário mínimo de 724
reais se tornou impossível. “A gente toma
café da manhã com aluguel, almoça aluguel, janta aluguel e dorme com aluguel.
Não suportamos mais isso.” Esse é o grito geral no meio do povo.
2.
A
especulação imobiliária está crescendo e com ela, o déficit habitacional e, consequentemente,
as ocupações urbanas. Políticas habitacionais populares estão quase só em
discursos e vãs promessas. Somente na região metropolitana de Belo Horizonte,
MG, já são mais de 25 mil famílias em Ocupações urbanas, umas planejadas e
outras “espontâneas”.
3. Até o presente
momento somente foram construídas em Belo Horizonte 1.427 unidades
habitacionais pelo Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) para famílias de 0 a
3 salários mínimos, em que pese mais de cinco anos de existência de referido
programa. No 1º dia de cadastro para o PMCMV, cinco anos atrás, 199 mil
famílias se inscreveram. A Fundação João Pinheiro atestava um déficit
habitacional de 78 mil casas, em 2010, a partir de dados do IBGE. Quatro anos
após estima-se um déficit habitacional na capital mineira acima de 150 mil
moradias.
4.
Não há programa de construção de
moradias para população pobre em Belo Horizonte diversa do PMCMV. Isso
porque as construções de unidades habitacionais pelas obras do programa Vila
Viva não se prestam a
atender o déficit habitacional de Belo Horizonte. O Ministério Público Federal
informou que, de 7.957 remoções realizadas pelo programa Vila Viva em Belo
Horizonte, somente 3.950 remoções importaram em reassentamento – sem titulação
- em unidade habitacional construída por esse programa. Do restante, 496 dos
removidos conseguiram adquirir a compra de casa com recursos advindo do PROAS –
40 mil reais é o teto - e, a grande maioria dos removidos, 4.310, receberam
indenização pela remoção compulsória. A indenização é sempre injusta, pois não
indeniza o valor do imóvel, mas apenas da casa ou do barraco. Há Relatório da Prefeitura
de Belo Horizonte (PBH), PM, Ministério Público e Polícia civil atestando o
caos que está nos predinhos do Vila Viva.
5.
O
Governo de Minas nos últimos 20 anos não construiu nenhuma casa para famílias
de zero a três salários mínimos em Belo Horizonte e nem na região metropolitana
de BH.
6.
As
Ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória estão seguindo Plano Urbanístico
elaborado com participação de Arquitetos da UFMG e PUC/MG. Essas ocupações não
são e nem serão favelas, aglomerados, mas têm avenidas e ruas com loteamento
planejado. Nas três ocupações já foram construídas ou estão em construção 2.500
casas de alvenaria. Foi investido, em média 7 mil reais em cada casa. 2.500 X
7.000,00 = 17.500.000,00 (17,5 milhões de reais). Mais da metade foi conseguido
via empréstimo. Os aposentados pegaram empréstimos para pagar de 3 a 5 anos,
descontando mensalmente na aposentadoria de salário mínimo. Ou no cartão de
crédito ou outras formas de empréstimo. O fato é que o povo não vai admitir que
suas casas sejam demolidas e, além de ficar sem casa, ficar com uma grande
dívida.
7.
Um
exemplo: A Ocupação das Torres Gêmeas, no bairro Santa Teresa, em Belo
Horizonte, ficou com liminar de reintegração de posse 15 anos sem cumprir. A Polícia
militar fez um laudo que demonstrava ser impossível fazer a desocupação dos
prédios sem ter vários mortos. Sugerimos que a polícia de MG faça um laudo
mostrando a impossibilidade de se fazer um despejo forçado de tal envergadura.
Outro exemplo: Quatro anos atrás, quando havia uma pressão enorme para se
despejar a Ocupação Dandara, no Céu Azul, em Belo Horizonte, o Cel. Sandro Teatini,
então comandante das tropas especializadas e com fama de ser muito duro, bateu
na mesa da Dra. Maria Coeli, secretária da Casa Civil do governo de MG, e disse
com firmeza: “Não despejo a Ocupação Dandara
sem ter alternativa digna, sem ter para onde levar mil famílias.” Dandara
segue firme sendo já um bairro organizado faltando apenas o poder público
chegar e colocar sistemas de água, energia, esgotamento e arrumar as ruas.
8.
Estamos
na era pós-junho de 2013. O povo das Ocupações se uniu, está organizado e
jamais se dispersará. Se por um milagre, massacres não acontecerem, após os
despejos, Belo Horizonte vai virar um caos. E a luta por moradia vai continuar,
pois é uma necessidade, um direito humano fundamental. Ninguém vai baixar a
cabeça.
9.
As
Ocupações de Belo Horizonte e Região metropolitana estão unidas e irmanadas na
luta. Mexer com uma significa mexer com todas as ocupações. Logo, o caminho
sensato é diálogo, negociação até chegarmos a soluções justas e pacíficas.
10.
Há
uma série de ilegalidades na decisão liminar da Juíza Luzia Divina Peixoto, da
6ª Vara de Fazenda Pública Municipal, que mandou despejar o povo e reintegrar
na posse Granja Werneck S/A e outros empresários. A juíza de plantão não tinha
concedido liminar de reintegração de posse, pois “faltava a comprovação da
posse”. A juíza Luzia Divina não deixou ainda o Ministério Público e a
Defensoria Pública terem vista na íntegra dos processos. Cadê o devido processo
legal? Por isso também o Ministério Público de Minas Gerais, por meio da
Promotoria de Justiça Especializada em Direitos Humanos, ajuizou, dia
15/07/2014, uma Ação Civil Pública (ACP) em que pede que seja assegurado o
direito à moradia das famílias das Ocupações do Isidoro. Na ACP fica claro que
há a necessidade de se fazer: 1) Um novo cadastro socioeconômico das famílias;
2) Uma perícia técnica judicial para esclarecer os limites entre as ditas
propriedades do município de Belo Horizonte, dos particulares envolvidos: 3)
Identificar os limites dos municípios envolvidos no conflito (BH e Santa
Luzia); 4) qual o limite da Zona Especial de Interesse Social (SEIS) inscrita
na área da Ocupação Rosa Leão; 5) Definir dimensão e território em que as
ocupações estão inseridas; 6) Esclarecer se o Estado de Minas Gerais, por via
da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana, exerceu poder de polícia
fiscalizatória no processo de parcelamento e desmembramento da Granja Werneck; 7)
Reunir à ACP os quatro processos de reintegração de posse em trâmite na 6ª Vara
de Fazenda Pública Municipal, evitando-se, dentre outras situações, decisões
contraditórias por parte do Judiciário e a continuidade do descumprimento do
Decreto Estadual nº 44.646/2007 e Decreto Municipal nº 10.483/2001. Muito
estranho também uma ACP que coloca inclusive o Governo de Minas no banco dos réus
e tem pedidos muito mais amplos do que os processos de reintegração de posse
continuar em uma Vara pública Municipal. O correto é que a ACP seja analisada
em uma Vara de fazenda pública ESTADUAL, como foi o caso da ACP no processo da
Ocupação Dandara. Todas essas ilegalidades precisam ser corrigidas.
11.
Se
a Constituição for respeitada, nenhuma reintegração de posse em ocupações
coletivas pode ser feita. Concordo 100% com a professora Delze dos Santos
Laureano ao dizer: "Se fossem mesmo levados a sério os direitos humanos
fundamentais, nenhuma reintegração de posse poderia ser feita nas ocupações
coletivas, pois esses atos ferem de morte o direito à dignidade da pessoa
humana, o direito à alimentação e à moradia. Afrontam, violentamente, tais
decisões contra a democracia, os direitos das crianças, dos idosos, dos
deficientes. Todos estes que recebem, por força da própria constituição, ainda
que formalmente, a proteção do Estado."
12.
A
história nos mostra que despejo jamais é solução justa para grave problema
social como o que envolve diretamente cerca de 25 mil famílias hoje na região
metropolitana de Belo Horizonte. Despejo só piora mil vezes o problema social.
Acirra os ânimos, cria condições para se fazer massacres, o que é abominável. A
solução justa para superar de forma justa esses conflitos sociais passa
necessariamente por Política – não por polícia -, por diálogo, por negociação,
por política de habitação séria, popular e massiva, com participação popular.
Jamais polícia – repressão - vai resolver de forma justa o problema que as
ocupações urbanas e rurais estão desvelando.
13.
Temos
em Belo Horizonte, dois exemplos que devem ensinar muito a todas as
autoridades. Primeiro, em 2010, a tropa de choque da Polícia Militar de MG
acompanhou guardas municipais da prefeitura de BH, seus fiscais e gerentes e, sem
decisão judicial, demoliram 27 casas de alvenaria na Ocupação Zilah
Spósito/Helena Greco. Jogaram gás de pimenta no povo, inclusive em criança de
quatro anos. Fizeram um terror. Mas, a Rede de Apoio chegou rápido e, sob a
liderança da Defensoria Pública de MG da área de Direitos Humanos, conquistamos
uma Liminar judicial que impediu demolir as 11 casas que resistiam em pé. Moral
da história: Após três anos estão lá 170 casas de alvenaria construídas, com 170
famílias fora da cruz do aluguel ou da sobrevivência de favor. Após aquela
agressão, conquistamos a retirada do secretário da prefeitura de BH, da
regional Norte, que comandou a operação. O Ministério Público da área de
Direitos Humanos denunciou 11 soldados que estão respondendo processos. E o
povo está lá firme na luta. Segundo, no Barreiro, em BH, dias 11 e 12 de maio
de 2012, cumprindo decisão judicial a pedido da Prefeitura de BH, liminar concedida
pela juíza Luzia Divina Peixoto (a mesma que ordenou os despejos das ocupações
do Isidoro), um verdadeiro aparato de guerra – 400 policiais, cavalaria,
helicóptero da PM, caveirão – em uma ação militar que durou 36 horas, despejou
350 famílias da Ocupação Eliana Silva, do MLB, aterrorizando as crianças que,
abraçadas às mães, gritavam: “Mãe, a polícia vai nos matar.” Traumas
indeléveis. Mas três meses depois, a Ocupação Eliana Silva “ressuscitou”
ocupando outro terreno a um quilômetro de distância e hoje, após 1,5 ano, já
estão com 300 casas de alvenaria construídas e a Comunidade segue, de cabeça erguida,
sob a guia do MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas), movimento
popular respeitado e admirável.
14.
É
um erro grave pensar que polícia vai resolver problema social. Polícia é para
resolver crimes. As lutas coletivas do povo pobre - que se expressam nas
ocupações - são lutas por direitos constitucionais e como tais devem ser
respeitadas. Aos policiais recordamos: Vocês são também trabalhadores da classe
trabalhadora e não estão obrigados a cumprir ordens que são contrárias à lei
maior de Deus, que diz: Não matarás!
15.
Dia 31 de julho de 2014, o novo
presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Dr. Pedro Bitencourt,
e o 3º Vice-presidente do TJMG, Wander Paulo Marotta, responsável pela área de
mediação de conflitos em 2ª instância, se reuniram com representantes das
ocupações de BH e RMBH, das Brigadas
Populares, MLB, Comissão Pastoral da Terra e Coletivo Margarida Alves. A
reunião foi acompanhada pela procuradora do Ministério Público de Minas Gerais,
Dra. Gisela Potério Saldanha, por Dr. Manoel dos Reis Morais, juiz auxiliar da
presidência do TJMG.
Após
ouvir os representantes dos movimentos sociais e das ocupações, o Dr. Pedro
Bitencourt e o 3º Vice-Presidênte do TJMG assumiram compromisso de mediação
para os conflitos sociais e urbanos que envolvem as ocupações da região do Isidoro
(Vitória, Esperança e Vitória) e as Ocupações William Rosa e Guarani Kaiowá, de
Contagem, MG.
Em nome da verdade e por respeito
à dignidade humana, por essa Mediação sob a coordenação da 3ª vice-presidência
do TJMG estamos esperando. Esse é o caminho justo e sensato para se chegar à
paz social com respeito aos direitos dos pobres.
Contatos para maiores
informações:
com
Isabela (cel.: 31 8629 0189), Rafael Bittencourt (cel.: 31 9469 7400) ), com
Charlene (cel.: 31 9338 1217 ou 31 8500 3489), com Edna (cel.: 31 9946 2317),
com Elielma (cel.: 31 9343 9696), com Bruno Cardoso (cel.: 31 9250 1832);
Poliana (cel. 31 9523 0701) ou com Leonardo MLB (cel.: 91330983).
Maiores informações também nos
blogs das Ocupações, abaixo: