Carta aberta em defesa dos Sem-casa de Barão de Cocais.
“Uma
pessoa sem casa é como um pássaro sem ninho: voa, voa, mas não tem onde se
assentar”, disse uma mãe, com lágrimas nos olhos, na ex-favela Massari, em
São Paulo, SP.
Eu, frei Gilvander Luís Moreira, assessor da
Comissão Pastoral da Terra (CPT), comovido e indignado com a violação dos
direitos humanos das famílias sem-terra e sem-casa de Barão de Cocais, MG,
venho em Carta Aberta defender os Sem-casa de Barão de Cocais.
Considerando duas notícias, além do que ouvi sobre
injustiça que ocorrem em Barão de Cocais: 1ª) “Em outubro do ano passado (2013),
agentes da Subsecretaria de Administração Prisional (Suapi), a mando da
Prefeitura de Barão de Cocais, e armados com escopetas, estiveram no bairro para
realizar a reintegração de posse do terreno, sem ordem judicial. Detentos
seriam utilizados para fazer a retirada das famílias, mas a “operação” foi
abortada após a reportagem do Diário de
Barão chegar ao local.”; e a 2ª)
Reportagens do Diário de Barão, dos dias 8 e 8/05/2014 informando que Prefeito
de Barão de Cocais, MG, Armando Verdolin (PSDB), conquistou liminar de
reintegração de posse de área pública municipal ocupada por cerca mais de 100
famílias sem-terra e sem-casa. E que o juiz Felipe Alexandre Vieira deu 10 dias
para o povo deixar o local, alertamos e ponderemos o que segue.
Em Belo Horizonte, um juiz autorizou despejar
175 famílias das Torres Gêmeas com a condição de que a Prefeitura de BH oferecesse
bolsa moradia às famílias e dentro de 1 ano reassentasse todas as famílias. Já
se passaram 3 anos e nem uma família foi reassentada. Pior: 70% das famílias só
conseguiram alugar uma casinha ou barraco na periferia da região metropolitana.
Moral da história: o povo foi expulso de BH e está sobrevivendo nas periferias
da região metropolitana. Esse exemplo me diz que dificilmente o prefeito de
Barão de Cocais construirá casas para as famílias dentro de 1 ano. Ou seja, é
muito grande o risco da determinação judicial de entregar casas para as
famílias dentro de um ano não ser cumprida. Outro exemplo: O juiz federal, Dr.
Francisco Alves, de Pernambuco, só autoriza reintegração de posse com
reassentamento prévio, o que é alternativa digna. Enviar para abrigo público ou
oferecer bolsa moradia não é alternativa digna.
A Defensoria Pública de MG (DPE/MG) e o Ministério
Público de MG (MPE) já estão atuando no processo na defesa das famílias da
Ocupação do Garcia? Pode-se e deve-se entrar com Ação Civil Pública (ACP) em
defesa das famílias. Não podemos admitir despejo sem alternativa digna, que é,
reafirmo, reassentamento prévio. Assim está acontecendo no Rio Grande do Sul e
em Pernambuco. Não podemos admitir despejo antes do TJMG julgar Agravo de
Instrumento impetrado por advogados da Ocupação, ou pela Defensoria Público ou
pelo MP. Despejar apenas com Liminar, que é algo precário, é injustiça. Deve-se
esperar a decisão colegiada no TJMG, pois um Agravo em 2ª instância, no TJMG,
ou uma ACP pode derrubar uma liminar.
Em
uma Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos, na Assembleia
Legislativa de Minas Gerais, uma senhora de uma Ocupação urbana, ameaçada de
despejo, no microfone, gritou: “Queremos moradia e não apenas o direito à
moradia.” Esse grito nos faz pensar. Políticas habitacionais populares estão quase
somente em discursos e vãs promessas. Direitos fundamentais, como o de morar
com dignidade, vêm sendo há muito tempo violados.
O povo, sem-terra e
sem-casa, não tolera mais sobreviver sob a cruz do aluguel, que é veneno diário
no seu prato. O povo não aguenta mais a cruz da humilhação que é sobreviver de
favor: peso nas costas de parentes, chateação cotidiana e perda de liberdade.
Muitos conservadores ainda criticam a promiscuidade com que vivem muitas
famílias. Ora, como não expor crianças às cenas íntimas ou indesejáveis que
ocorrem nas casas se o espaço de convivência é totalmente inadequado?
Três fatores, dentre
outros, estão movendo os oprimidos para a luta, para ocupações de terrenos
abandonados:
a) A necessidade,
melhor dizendo, a injustiça social e com ela o imenso déficit habitacional que campeia. O velho capitalismo, que com o
neoliberalismo, acentuou ainda mais a concentração de riquezas em poucas mãos e
esfola sem piedade a classe trabalhadora. O empobrecimento dos/as
trabalhadores/ras está se acelerando de forma vertiginosa. Salários e condições
análogas à de escravidão é o que mais se vê no mundo do capital atualmente.
Muitos jovens hoje sequer terão a oportunidade de exercer atividade bem
remunerada e estável. Terão de se sujeitar aos call centers ou aos trabalhos temporários nos grandes
empreendimentos;
b) As jornadas das
manifestações populares de junho de 2013 inocularam um bom colírio nos olhos de
muita gente que está acordando para a necessidade e justeza das lutas
coletivas. O descrédito na política partidária e a precariedade na prestação
dos serviços públicos legitimaram diversos gritos nas ruas;
c) O exemplo
positivo, em Belo Horizonte, da Ocupação-comunidade Dandara – e de outras
ocupações exitosas. Muita gente oprimida está dizendo assim: “Se o povo da Dandara está conquistando mil casas
e vários outros direitos, nós também podemos conquistar. Por isso vamos para a
luta coletiva.”
Se a Constituição
brasileira de 1988 for respeitada, nenhuma reintegração de posse em ocupações
coletivas pode ser feita. Se fossem mesmo levados a sério os direitos humanos
fundamentais nenhuma reintegração de posse poderia ser feita nas ocupações
coletivas, porque fere de morte o direito à dignidade da pessoa humana, o
direito à alimentação e à moradia. Afrontam, violentamente, tais decisões
contra a democracia, os direitos das crianças, dos idosos, dos deficientes.
Todos estes que recebem, por força da própria Constituição, ainda que
formalmente, a proteção do Estado e da sociedade. As desocupações somente
seriam aceitáveis se fossem realocações decididas pela via do diálogo e
conforme critérios éticos, assegurando-se às pessoas o respeito aos seus
direitos constitucionais, o que exige alternativa digna para o bem não apenas
daquelas pessoas, mas de toda a sociedade. Afinal, o direito à moradia não é um
direito social?
A experiência tem
mostrado como o despejo e as reintegrações nas ações coletivas jamais podem ser
a solução justa para esse grave problema social que envolve milhões de famílias
sem-terra e sem-casa hoje no Brasil. Despejo só piora o problema social. Acirra
os ânimos, cria as condições indesejáveis dos massacres, o que é abominável e
marca de forma indelével as vítimas.
A solução justa para
superar de forma justa esses conflitos sociais passa necessariamente por
Política – não por polícia -, por diálogo, por negociação, por política de
habitação séria, popular e massiva, com participação popular. Jamais polícia –
repressão – irá resolver de forma justa o problema que as ocupações urbanas e
rurais trazem à tona. O direito aplicável deve ter como premissa a justiça e
não a exacerbação da violência.
Na véspera da COPA despejo é inadmissível. O povo deve
aumentar sua organização, buscar apoio e seguir lutando de forma coletiva pelos
seus direitos. Aos que alegam ter joio no meio do trigo, digo: deixem crescer
juntos, pois não hora da colheita, quando o poder público de fato resolver atuar
em favor dos oprimidos, o trigo se salvará e o joio será queimado.
Belo Horizonte, MG, 15 de maio de 2014.