sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Prefeitura de Belo Horizonte quer despejar ocupação Rosa Leão e demais ocupações da Mata do Isidoro.

Prefeitura de Belo Horizonte quer despejar ocupação Rosa Leão e demais ocupações da Mata do Isidoro.

Nota de Repúdio do MLB e da Comissão Pastoral da Terra, na noite do dia 27/09/2013.

As ocupações urbanas Rosa Leão (1.400 famílias sem-terra e sem-casa), Vitória (mais de 2 mil famílias sem-terra e sem-casa) e Esperança (800 famílias sem-terra e sem-casa), que nos últimos meses surgiram premidas pela cruz do aluguel e a humilhação que é sobreviver de favor, presentes na região da Mata do Isidoro, Granja Werneck, em Belo Horizonte, MG, são os próximos alvos do ódio que a prefeitura de Belo Horizonte tem dos pobres quando esses se organizam para lutar.
Apesar de ter um déficit habitacional que passa de 100 mil casas em Belo Horizonte, a prefeitura de BH – prefeito Márcio Lacerda -, se caracteriza pela enorme lentidão e falta de compromisso para enfrentar e realmente resolver o gravíssimo problema social que decorre desse imenso déficit habitacional. Exemplo são os números ditos pela própria URBEL que admite ter construído apenas 14.051 moradias de 1994 até agosto deste ano. Pior: são milhares de casas demolidas para dar lugar a avenidas, viadutos, praças, estacionamento etc. E assim, milhares de famílias estão sendo expulsas do município de Belo Horizonte para a periferia da região metropolitana, inclusive com indenização sempre injusta das famílias que são expulsas de suas casas pelo Programa Vila Viva, melhor dizendo, Vila Morta.
Frente a essa enorme omissão e falta de responsabilidade social da prefeitura de Belo Horizonte, mais de 4 mil famílias de baixa renda ser organizaram e ocuparam as áreas onde estão presentes as atuais quatro ocupações – Rosa Leão, Esperança, Vitória e Zilah Spósito/Helena Greco - lutando para se livrar da escravidão do aluguel ou da humilhação que é morar de favor.
Apesar dos moradores da Ocupação Rosa Leão terem participado da ocupação da prefeitura de BH nos dias 29 e 30 de julho último e ter sido acordado entre os movimentos sociais populares (Brigadas Populares, MLB, CPT, Defensoria Pública, Ministério Público) e a prefeitura, que a referida ocupação faria parte do processo de regularização fundiária, o prefeito de BH, Márcio Lacerda, rompeu o acordo e mandou o policial coronel Genedempsey Bicalho, presidente da URBEL, para dizer na reunião de negociação com as ocupações realizada hoje, dia 27 de setembro, que a PBH considera que a única saída para as famílias da Ocupação Rosa Leão é o despejo. O prefeito Márcio Lacerda assinou um ACORDO se comprometendo em suspender por tempo indeterminado os despejos das Ocupações que estão em áreas públicas da prefeitura. Rosa Leão é uma delas. Mas parece que o prefeito não vai honrar o compromisso assinado e trama para despejar a Ocupação Rosa Leão.
A PBH não apresentou nenhuma alternativa digna para realocar as famílias em uma moradia digna, mostrando a face mentirosa dos projetos de construção de moradias que a prefeitura diz fazer. Alertamos: Estamos prestes a viver um novo massacre e um banho de sangue, que será promovido pela prefeitura contra o povo pobre dessa cidade. O poder judiciário, o Governo Estadual do Sr. Antonio Anastasia (PSDB) e a Polícia Militar de MG participará de mais uma tragédia, uma imensa injustiça como essa? Sabemos muito bem que problema social jamais se resolve com repressão, com polícia. Despejo agrava muito o conflito social. Solução verdadeira e justa só podem vir a partir de Política séria, o que passa por ouvir as reivindicações dos pobres que segundo a Constituição Brasileira tem direito a moradia digna e de ser respeitados na sua dignidade.
Lembremo-nos do despejo violento da ocupação Eliana Silva no Barreiro realizado em maio de 2012, quando 350 famílias foram despejadas de forma truculenta e colocadas no olho da rua pela PBH, Governo do Estado e PM com uso de até Caveirão (carro blindado da PM). Três meses depois, a Ocupação Eliana Silva deu a volta por cima e ocupou outra área.
O prefeito Márcio Lacerda passou de todos os limites! Temos que unir todos aqueles que defendem os direitos humanos, a democracia e um país justo e igualitário para se solidarizarem e se juntarem às famílias dessas quatro ocupações e não permitir mais essa covardia da PBH!
Diante do imenso déficit habitacional de BH continuar tratando os sem-casa que ousam lutar como caso de policia é uma injustiça que clama aos céus!
Negociação sim e já! Despejo não! Não vamos permitir esse banho de sangue!

A Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, área de Direitos Humanos, já enviou Recomendação de 15 páginas aos comandantes da Polícia Militar de MG e à juíza Dra. Luzia Divina, da 6ª Vara de Fazenda Prefeitura Municipal Waste
al, o que concedeu liminar de reintegração sobre a Ocupação Rosa Leão, alertando sobre a gravidade da situação e se posicionando contra tentativas de despejo sem diálogo com as lideranças e sem alternativa digna.
Obs.: Anteontem, ônibus da tropa de choque circulou dentro da Ocupação Rosa Leão. Agora à noite, policiais estão na Ocupação Vitória e helicópteros da Polícia estão sobrevoando as ocupações Rosa Leão, Esperança, Vitória e Zilah Sposito-Helena Greco infernalizando o sono merecido de quem trabalhou o dia inteiro funcionando a cidade.

Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas – MLB
Comissão Pastoral da Terra – CPT

Para maiores informações, confira:
www.ocupacaorosaleao.blogspot.com.br
www.ocupacaoesperanca.blogspot.com.br

Ocupação Esperança, na Granja Werneck, em Belo Horizonte, MG: mais de 700 famílias lutam para sair da cruz do aluguel. 27/09/2013


terça-feira, 10 de setembro de 2013

O bom Samaritano (Lc 10,25-37) entre o escriba e o dono da pensão. E a identidade do próximo?, texto de frei Gilvander. 10/09/2013

O bom Samaritano (Lc 10,25-37) entre o escriba e o dono da pensão. E a identidade do próximo?
Gilvander Luís Moreira[1]

Para uma interpretação sensata e libertadora do episódio-parábola do Bom Samaritano (Lc 10,25-37) é preciso, entre vários exercícios, analisar a postura do escriba e a do dono da pensão, a identidade do próximo e as consequências das ações do bom samaritano. Eis o que segue.

O escriba diante do bom samaritano.
Em Lc 10,25-37, Jesus está contando o episódio-parábola para um escriba, que não foi citado no grupo dos não misericordiosos. Ao falar diretamente dos companheiros, Jesus mandou um recado para seu interlocutor: o escriba. Não lhe joga na cara que ele é insensível e não misericordioso, mas dialoga e o faz refletir, com base na prática cheia de compaixão e misericórdia de alguém que se faz próximo gratuitamente, o que desconcerta o escriba. O que coloca em xeque a mentalidade do escriba não é o discurso, mas o testemunho de alguém compassivo e misericordioso, que não é Jesus, nem Deus, mas um samaritano: estrangeiro, considerado herege e impuro, discriminado, tachado de pagão, um “bárbaro”; enfim, um injustiçado.
Esse grupo dos não misericordiosos desconsidera o interesse pedagógico de Jesus no episódio-parábola. Jesus estrategicamente não coloca um escriba no lugar do sacerdote ou do levita para deixar aberta a possibilidade de dialogar com ele, pois seu objetivo é cativá-lo para se tornar um verdadeiro discípulo. Jesus não o exclui a priori.
O dono da pensão tem um papel importante no episódio-parábola, pois é ele quem viabiliza a continuação da viagem do samaritano, possibilita-lhe partir sem deixar nome nem endereço, assim, ser solidário de modo gratuito e libertador, sem criar com o excluído uma relação de dependência que pudesse ter ou esperar recompensa. Sem o dono da pensão, seria difícil para o samaritano deixar o homem semimorto recuperando-se. Sem a continuidade dos cuidados, a “ajuda” do samaritano seria paliativa e poderia resultar insuficiente. Se interrompesse completamente sua viagem até o ferido se recuperar, certamente criaria um laço de dependência entre eles. Jesus e Lucas não defendem “solidariedade paliativa”, que cria dependência. A figura do dono da pensão é uma “ponte” que possibilita ao episódio-parábola ser uma “estrela” indicando como amar de modo verdadeiramente eficaz e desinteressado.
O samaritano não exigiu que o dono da pensão fosse solidário gratuitamente como ele foi. O samaritano tenta cativar o outro para também entrar na dinâmica da compaixão e misericórdia, mas sem impor nada. Ao pagar os dois denários, ele manifesta amor com toda sua “força”. Esta, na interpretação judaica, refere-se aos bens econômicos. O samaritano reconhece a alteridade e a autonomia do dono da pensão, o qual tem o direito de ser e agir de modo diferente. Aqui aparece mais uma qualidade da solidariedade do samaritano: a humildade. Ele não diz para o dono da pensão: “Faça como eu fiz!” ou “Fiz a minha parte; agora é a sua vez”, o que seria arrogância disfarçada de gratuidade. Não faz proselitismo da sua ação e crença religiosa.
Esta identidade não é neutra. Um violentado, que está “entre a vida e a morte”, define a identidade de cada um dos personagens de Lc 10,25-37. Constatamos que o samaritano é um estrangeiro, um desqualificado, segundo a compreensão judaica; não é um familiar; é um viajante. Mesmo assim se comove ao ver a vítima. Enquanto o sacerdote e o levita se distanciam, ele se aproxima do ferido.
O relato não diz as razões que levaram o samaritano a comover-se. Ele apenas se aproximou para cuidar do homem semimorto. “Mas a ausência de motivos para a atitude dos atores não implica ausência de lógica fundamental da ‘postura’ do samaritano”.[2] “Próximo” não é aquele que se aproxima, mas é aquele que se aproxima de imediato, aparentemente sem motivos. Interrompe “a sua viagem”. Sabe onde levar o ferido. Age como quem tem experiência, sem duvidar. Demonstra confiança: “Quando eu voltar vou pagar o que ele tiver gasto a mais” (Lc 10,35). “Entre o samaritano e o dono da pensão reina a confiança”.[3] O dono da pensão não procura conhecer a identidade do ferido.
Os bens que o samaritano põe à disposição do homem para a cura - o óleo, o vinho, sua própria montadura, os dois denários - não aparecem como perda. Não se afirma que o samaritano perdeu tempo, nem quanto tal ação lhe custou. O óleo e o vinho são frutos da terra e do trabalho humano, provavelmente dele. Logo, ele trata o ferido com o fruto do seu próprio trabalho e não se sacrifica nesse processo. O “perdido” será recuperado com seu próprio trabalho.
O samaritano “ordena” que o dono da pensão cuide do ferido, porque para um dono de pensão o desejo de um cliente é uma ordem, mas é sempre remunerado pelo que faz.
O ferido é colocado no caminho para reestruturar a sua identidade pessoal. O samaritano “sabe” chegar e sabe “desaparecer” na hora oportuna. Ele não deixa seu nome nem seu endereço, é uma figura de alteridade; ele impede “uma submissão a sua pessoa e uma fixação no passado”.[4] Não exigindo reconhecimento, evita “sacrificar no altar do seu desejo o homem ferido”, diria a psicanálise. O ferido é restaurado sem sacrifício próprio. O sacerdote e o levita são identificados, em oposição ao samaritano, no episódio-parábola, pela função que exercem no templo: sacrificar e celebrar o culto.
No versículo 36, Jesus redimensiona a pergunta - Quem se fez próximo? E não mais, Quem é meu próximo? Não levanta mais a pergunta de modo absoluto, mas de uma situação concreta, onde a vida de uma pessoa estava em perigo. É com base no “lugar” onde um homem se confronta com outro caído, à margem, excluído, que se pode identificar o próximo.[5]
Jesus diz ao escriba: “Vá, e faça a mesma coisa”. Com esse imperativo, Jesus chama o escriba a uma conversão radical. Ele deve sair de si mesmo, igualar-se ao samaritano e fazer o que este fez.

Belo Horizonte, MG, Brasil, 09 de setembro de 2013.
Facebook: Gilvander Moreira





[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.brwww.gilvander.org.brwww.twitter.com/gilvanderluis - Facebook: Gilvander Moreira
Obs.: Esse texto é a “7ª parte” do artigo “Seguir Jesus, desafio que exige compromisso”, de Gilvander Luís Moreira, publicado no livro  “RECRIAR O CAMINHO com as Comunidades de Lucas, uma leitura do Evangelho de Lucas feita pelo CEBI-MG, São Leopoldo, CEBI, 2013, pp. 48-77.
[2]    Rodet, La Parabole du Samaritain..., cit., p. 25.
[3]    Idem, ibidem, p. 25.
[4]    Idem, ibidem, p. 27.
[5]    Proposta semelhante é apresentada em Mt 25,35.39.43-44, em que se diz que é no confronto com os excluídos que se define a participação no reino dos céus.

domingo, 1 de setembro de 2013

Relato de Bruno Cardoso, conselheiro dos Direitos Humanos do CONEDH-MG, preso simplesmente por defender os direitos humanos. 28/08/2013

Relato de Bruno Cardoso, conselheiro dos Direitos Humanos do CONEDH-MG, preso simplesmente por defender os direitos humanos.


Encaminho para conhecimento o relato de uma triste situação ocorrida nesse sábado, dia 24/08/2013, em Belo Horizonte, MG. A versão da PM de Minas Gerais ficou registrado no REDS 2013-017430118-001. BO 2013-1327736.

Por Bruno Cardoso. 

Eu estava passando uma agradável tarde de sábado, depois de um encontro de jovens onde teve um bom almoço e vimos o filme "Most - The Bridge", (que entre outras coisas diz da fragilidade de vida humana, que num estalar de dedos se encontra em risco). Peguei uma carona e desci na Cristiano Machado pra pegar meu ônibus na altura do Minas Shopping. Estranhei o grande número de adolescentes e do policiamento reforçado, parecia que algum cantor pop tinha passado por ali. Cheguei no ponto que estava cheio, vi um grupo de uns 10 adolescentes (cerca de 14, 15 anos) entrarem num ônibus pela porta traseira. Esses deram azar, pegaram uma trocadora que bem brava mandou eles saírem, e eles, envergonhados  desceram do ônibus. Aí chegaram uns policiais militares, vi um sargento perguntando pra um cabo, pareciam agitados, - “trouxe o gás de pimenta? Hoje vamos ter trabalho.” E o outro respondeu mostrando na cintura, - “sim”. E logo passa uns oito adolescentes, cerca de 14- 15 anos, com estilo pop de periferia , a polícia os aborda, - “mãos na cabeça!”. Eles prontamente colocam as mãos na cabeça e abrem as pernas, já costumados com o procedimento. O cabo não satisfeito com o tanto que um abriu a perna, dá um chute contra a perna desse menino. E eu ali parado vendo tudo disse: - Moço não faz isso, não precisa disso! Aí veio o Sargento em minha direção e me perguntou, - “quem é você? Ponha a mão na cabeça!”. Eu que tinha falado como qualquer cidadão indignado faria, me apresentei mostrando minha carteira funcional, - sou Bruno, membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos, tenho legitimidade pra acompanhar batidas policiais. Ele disse,- “vai com o cabo pra viatura”. Eu disse, - não vou, tenho autoridade pra acompanhar batidas policais. Ele respondeu, - “então você é autoridade, vai pra viatura ou levo você a força”. Respondi: - não vou, vou ficar aqui acompanhando a batida”. Ele pegou forte no braço esquerdo, um outro policial no braço direito, me levaram até a viatura e me colocaram na parte de trás, no camburão onde se encontravam outros três adolescentes. No caminho eles diziam, - “vamos ver então se tem autoridade mesmo, foi fazer graça, se ferrou”. Diante dessa terrível situação peguei o celular, pensei em ligar pro comandante do GATE, ou pra algum deputado da Comissão de DH da ALMG, ou membro do Ministério Público, que fazem parte do mesmo Conselho, mas quando  peguei o celular, um de fora viu e disse “tá ligando!”, abriram rapidamente a porta da viatura, me tomaram a força o celular e me algemaram. Situação em que arranharam o meu pescoço. Vi que, propositadamente, apertaram mais forte a algema do braço esquerdo, que ficou dolorida. Colocaram-me novamente na viatura e liberaram os três adolescentes que ali estavam. Entra e sai um, depois outro policial na parte de trás falando de modo provocativo e ameaçador. Sozinho ali fiquei tentando chamar alguém que passava perto, mas ninguém me atendia. Viram minha intenção, mas  antes que conseguissem entraram no carro e arrancaram a viatura. Pensei por todo ocorrido, vão me fazer um mal pior. Vi ali o quanto fica fragilizado e vulnerável alguém que está sob o poder de outros. Pensei, “quantos devem sofrer por esses caminhos!” Lembrei do Amarildo desaparecido nas mãos da polícia do Rio.  Seguiram pela Cristiano Machado, depois entraram numa área mais favelizada, “vão me entregar pra alguém, será que já estou pronto?” No meio do caminho outra batida policial, o sargento para, desce e acompanha. Ficou alguns minutos que pareceu uma eternidade. Nesse tempo fui tentado dialogar com os outros que de fato estava fazendo minha função, um respondeu, - “função, controlar o trabalho de polícia?” Continuei, “o Conselho é feito por lei Estadual”, “nem o Governador pode fazer isso...” “Peça por favor ao sargento pra vir folgar a algema que está apertada.” Depois o sargento voltou pra viatura, seguiu adiante olhou um lugar e retornou. Voltando pra Cristiano Machado, avistaram um motoqueiro, outra abordagem policial, mais alguns minutos, perguntei, “Pra onde estamos indo?” Pra um hospital, ver esse seu ferimento aí”. Esperei que fosse verdade, pedi novamente ao soldado, por favor peça ao sargento pra vir folgar a algema. “Não estou com a chave”. Mas, foi e passou o recado. O sargento depois da abordagem, abriu a porta da viatura, folgou um pouco a algema, o soldado me revistou, pegou minha identidade e a carteira funcional. Fecharam a porta, voltaram pra viatura e continuaram o caminho. Algumas pessoas no trânsito me viam na viatura, não sentia vergonha mas a vontade de que algum conhecido me identificasse ali. Nesse tempo o soldado ligou pro 190 e passou meus dados. Não tinha muita certeza se de fato ligava, mas comecei a me sentir mais aliviado. Continuando o caminho me levaram pra UPA Nordeste. Ao descer pedi que retirassem as algemas mas não o fizeram. Entrei lá como tantos outros na mesma situação já devem ter por ali passado. Se dirigindo ao funcionário da UPA o soldado perguntou “Tem médico cirurgião?” , “cirurgião?” respondi assustado. “Sim”, com ironia, “pra mudança de sexo”, respondeu o soldado. Fui encaminhado, o funcionário da primeira abordagem me perguntou, “o que houve?” Disse, sou dos Direitos Humanos, fui acompanhar uma abordagem policial, houve um desentendimento e”, “vai contar essa história pro delegado, me cortou o soldado”, “ e pronto, machuquei o pescoço”. Fui encaminhado pra uma médica, repeti a mesma história pra que fosse por mais pessoas identificado, ela viu o machucado, passou um remédio e disse que não era nada grave. Quase perguntei, “você faria uma ligação pra mim?” Mas não tive coragem de pedir o que extrapolava o ofício dela. Voltando pra viatura só aí me retiraram as algemas, fiquei um pouco mais confortável. Pedi, me dê meu telefone, me deixe falar com um advogado, responderam, “não, você liga na delegacia”. No caminho pararam pra comprar um refrigerante, mais uns minutos de espera. No rádio começava um jogo de futebol tocando antes o hino nacional que me pareceu tedioso. Voltando o sargento a viatura prosseguiu até a delegacia da Andradas. Começaram a fazer o B.O. que nunca terminava, ficaram até as 20:00 e nada. Vi uma senhora indo embora, pensei poderia ser a delegada. “Sra. por favor, a sra é a delegada?”, “sim, me respondeu.” Perguntei, a Sra. poderia me autorizar a dar um telefonema pra um advogado? “Não posso, só se tivesse sido entregue a mim, você ainda está sob guarda deles.” E foi embora. Voltei pro sargento e pedi novamente, “me deixe falar com um advogado”. Depois que eu terminar aqui você liga. Peguei o telefone em cima da mesa, a bateria quase acabando. Demorou mais um pouco, “pode, liga.” Liguei pra uma advogada competente e de confiança do Coletivo Margarida Alves. Me atendeu, me orientou e encaminhou um outro advogado do mesmo Coletivo pra delegacia onde seria levado. Mandei uma mensagem pra presidente do Conselho de Direitos Humanos dizendo do ocorrido, e pra uma pessoa querida que me esperava. Acaba a bateria. Mais um passeio na viatura até a outra delegacia onde cheguei mais tranqüilo, logo chegou o advogado popular pra me acompanhar. E aliviado lembrei da poesia e da inconstância dos momentos: “De repente da calma fez-se o vento E das mãos espalmadas fez-se o espanto. Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente.” Prestei o depoimento pra escrivã, pedi a guia de exame de corpo delito. Sai da delegacia  por volta da 23:30 com  certeza de que a Defesa dos Direitos Humanos deve ser cada vez mais forte. Continuemos!

Bruno Cardoso, 27/08/2013.

Reportagem do Jornal BRASIL DE FATO MG sobre a Ocupação Rosa Leão, em Belo Horizonte, MG. 28/08/2013.

Reportagem do Jornal BRASIL DE FATO MG sobre a Ocupação Rosa Leão, em Belo Horizonte, MG. 28/08/2013.

Reportagem de Leonardo Dupin.

Milhares de Famílias não tem onde morar.
Na zona norte, 1400 famílias ocupam terreno e constroem comunidade Rosa Leão.

O Brasil Fato começa hoje uma série de reportagens sobre as ocupações urbanas de Belo Horizonte. Nos últimos seis anos pelo menos uma nova ocupação surgiu na cidade por ano. Uma situação que desafia o poder dos ricos e do governo municipal, que criminaliza a luta dos pobres por moradia.
A cada semana será mostrada uma ocupação diferente: Camilo Torres (145 famílias), Dandara (1200 famílias), Rosa Leão (1400 famílias), Vila do Cafezal (90 famílias), Zilah Spósito-Helena Greco (160 famílias), Irmã Dorothy (190 famílias) e Eliana Silva (350 famílias).
A equipe do BF foi conhecer as pessoas que se organizam em ocupações para exigir seus direitos, fugir do aluguel e não morar mais de favor. Ouviu também especialistas em planejamento urbano e militantes que vêm trabalhando com essas ocupações. Eles apontam uma solução para o problema: reforma urbana.

Milhares de famílias não têm onde morar
A falta de moradia é um problema que atinge milhares de famílias no Brasil. Um estudo realizado pela Fundação João Pinheiro, em 2008, revela que o déficit habitacional alcança 6.273 milhões de famílias no país. Em Minas Gerais 474 mil famílias não tem moradia adequada. E na região metropolitana de Belo Horizonte, o estudo fala em 115 mil famílias.  
Porém, os números parecem ser maiores. Na inscrição para o programa Minha Casa, Minha Vida, em 2009, o número de inscritos só em BH chegou a 198.000, indicando que o problema tem se agravado com o alto preço dos imóveis e dos alugueis. Situação que contraria o direito a moradia assegurado pela Constituição.

Viúva com oito filhos e um neto luta por moradia na Ocupação Rosa Leão

“Aqui dormem três: eu, Olavo Júnior e a Diana. Embaixo o Darlan Breno. Do outro lado dormem mais quatro”, conta Neide Borges Pacheco, 44 anos, apontando para dois colchões que divide com oitos filhos e um neto.
Dona Neide, como é conhecida, vive há dois meses em uma barraca de lona amarela, na Ocupação Rosa Leão, no bairro Zilah Spósito, zona norte de BH, próximo a Santa Luzia. A ocupação ganhou destaque nesse período, quando cerca de 1 mil famílias sem-teto, espontaneamente ocuparam o terreno de 350.000 , juntando-se a outras 400 que já viviam no local.

Sem ter onde morar
A história que levou Dona Neide a se juntar à Ocupação Rosa Leão, começou há três anos, com o assassinato do filho de nove anos, em Betim. O marido, deprimido pela perda do filho, morreu em seguida. Sem esposo, tendo que cuidar de oito filhos e mais um neto, Neide não conseguia pagar luz, água e aluguel (que subiu de R$300,00 para R$450,00). Foi despejada.
Ela começou, em seguida, uma peregrinação com a família pelas periferias da região metropolitana Belo Horizonte (Betim, Morro Alto, Vila da Fé, Santa Luzia), nunca tendo dinheiro suficiente para morar e comer. Sem alternativa, ela foi viver na rua com os filhos. Foi então que ela tomou uma decisão: “Eu vou invadir um lugar para morar porque não aguento mais”, lembra. “Quando cheguei aqui (Rosa Leão) as pessoas me apoiaram, trouxeram cestas (alimentos), cobertores e me emprestaram um colchão porque eu não tinha nada”, conta ela.

Um futuro melhor
Na ocupação, as condições são precárias. A água e luz foram improvisadas. Não há banheiros e os moradores utilizam fossas. Porém, há uma perspectiva de futuro melhor, é o que afirma frei Gilvander Moreira, padre carmelita e assessor da Comissão Pastoral da Terra. “Essas ocupações tem um papel importante, além de livrar as pessoas da cruz que é o aluguel. Elas aumentam a autoestima daqueles que, muitas vezes, chegam aqui doentes por não enxergarem um caminho para melhorar de vida”, relata.
Contudo, a situação dos moradores da ocupação continua incerta. Uma parte do terreno onde fica a Ocupação Rosa Leão pertence à Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), que pediu reintegração de posse do terreno. O processo corre na justiça, descumprindo um acordo feio com representantes das ocupações urbanas da cidade. Uma reunião acontecerá até o fim da semana e os moradores esperam que o problema seja resolvido. A Companhia Urbanizadora e de Habitação Belo Horizonte (URBEL) não quis comentar o tema.

Carta anônima espalha o preconceito no bairro Zilah Spósito.

No dia 13 de agosto, começou a circular no bairro Zilah Spósito uma carta anônima acusando as lideranças da Ocupação Rosa Leão pelos problemas de assalto que vem acontecendo na região. “Somos contra uma favela dentro do bairro. O bairro terá que pagar os custos sociais, mais vez como sempre foi com as outras favelas, digo, ocupações dentro do bairro”, afirma texto.
Lideranças da ocupação suspeitam que ela tenha sido elaborada pelos moradores de classe média da região, que temem pela desvalorização de suas propriedades.
O conteúdo da carta é contraditório. Em outro trecho ela afirma o importante papel do bairro na luta por moradia, absorvendo mais de 10.000 famílias nos últimos 20 anos. Ela lembra das quatro grandes ocupações que aconteceram ali: “Estrada Velha, Manilha, Mariquinha, Zilah Spósito”.
Os moradores dessas essas ocupações têm demonstrado apoio à Ocupação Rosa Leão, que contam também com o apoio das Brigadas Populares, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas (MLB) e vários arquitetos (as) da UFMG e da PUC/MINAS, que estão elaborando um plano urbanístico para organizar a comunidade.

Manifestantes ocupam prédio da PBH. Lacerda é obrigado a negociar .

Esperando há anos para serem ouvidos pela Prefeitura, nos dias 29 e 30 de julho, cerca de cem moradores das ocupações urbanas da cidade ocuparam o prédio da PBH. Eles ficaram por horas isolados, sem água e alimentos. Uma manifestante, sem poder ter nos braços a filha de oito meses, que estava do lado de fora do prédio, amamentou a criança pelas grades do portão. O caso repercutiu no país e o prefeito Márcio Lacerda cedeu à pressão e teve que negociar.
Três pontos foram acordados: Foi formada uma comissão para elaborar propostas para cada uma das ocupações de BH. Fazem parte dessa comissão moradores das áreas, integrantes de movimentos sociais, representantes da PBH e órgãos dos direitos humanos da Defensoria Pública e do Ministério Público de Minas Gerais; Os locais ocupados serão decretados como Áreas de Especial Interesse Social, o que facilita a legalização de posse para os novos moradores. No caso de áreas públicas, isso será feito por decreto e, no caso de terrenos particulares, o caminho será a apresentação de projeto de lei à Câmara de Vereadores; Imediata suspensão dos processos de reintegração de posse contra as ocupações em que a PBH é proprietária do terreno, até que a comissão apresente os resultados.

Moradores da Ocupação Rosa Leão e PBH fecham acordo para a preservação de área ambiental.

No início do mês, a PBH solicitou a coordenação da ocupação que algumas famílias sem-teto desocupassem a área ambiental, que fica ao lado do terreno ocupado, ao lado da Av. Atanásio Jardim. O pedido foi aceito e estas famílias foram realocadas em lotes fora da área de preservação ambiental. Na ocasião, foi acertado um esforço conjunto para preservar as áreas de proteção ambiental.
Ademir da Silva Monteiro, 38 anos, é morador antigo da área. Vivendo na região há 31 anos, ele afirma a vegetação estava degradada quando eles entraram no terreno: “Isso aqui nunca foi habitado, era área de pasto grosso, é utilizado por motoqueiros realizarem trilhas no local”, relata.

Grafiteiros fazem arte na ocupação.

Wendell Opdr e Marcos Lago vêm trabalhando na organização das famílias no terreno. Eles são pintores e fazem grafites em paredes do acampamento. A imagem de uma leoa e rosas foi pintada, junto à frase: “Quando morar for um privilégio, ocupar é um direito”. “Pintei a fachada de um salão de beleza e a tinta que sobrou guardei para grafitar aqui no acampamento”, conta Opdr. Os dois esperam pela a construção de um centro cultural no local para começar a realizar oficinas de grafite com jovens e adultos da região.