Reportagem do Jornal BRASIL DE FATO MG sobre a
Ocupação Rosa Leão, em Belo Horizonte, MG. 28/08/2013.
Reportagem
de Leonardo Dupin.
Milhares de Famílias não tem onde morar.
Na zona norte, 1400 famílias
ocupam terreno e constroem comunidade Rosa Leão.
O
Brasil Fato começa hoje uma série de reportagens sobre as ocupações urbanas de
Belo Horizonte. Nos últimos seis anos pelo menos uma nova ocupação surgiu na
cidade por ano. Uma situação que desafia o
poder dos ricos e do governo municipal, que criminaliza a luta dos pobres por
moradia.
A cada semana será
mostrada uma ocupação diferente: Camilo Torres (145 famílias), Dandara (1200
famílias), Rosa Leão (1400 famílias), Vila do Cafezal (90 famílias), Zilah
Spósito-Helena Greco (160 famílias), Irmã Dorothy (190 famílias) e Eliana Silva
(350 famílias).
A
equipe do BF foi conhecer as pessoas que se organizam em ocupações para exigir
seus direitos, fugir do aluguel e não morar mais de favor. Ouviu também especialistas
em planejamento urbano e militantes que vêm trabalhando com essas ocupações.
Eles apontam uma solução para o problema: reforma urbana.
Milhares de famílias não têm onde morar
A falta
de moradia é um problema que atinge milhares de famílias no Brasil. Um estudo realizado pela Fundação João Pinheiro, em 2008,
revela que o déficit habitacional alcança 6.273 milhões de famílias no país. Em
Minas Gerais 474 mil famílias não tem moradia adequada. E na região metropolitana
de Belo Horizonte, o estudo fala em 115 mil famílias.
Porém, os números parecem
ser maiores. Na inscrição para o programa Minha Casa, Minha Vida, em 2009, o
número de inscritos só em BH chegou a 198.000,
indicando que o
problema tem se agravado com o alto preço dos imóveis e dos alugueis. Situação
que contraria o direito a moradia assegurado pela Constituição.
Viúva com oito filhos e um neto luta por moradia na
Ocupação Rosa Leão
“Aqui
dormem três: eu, Olavo Júnior e a Diana. Embaixo o Darlan Breno. Do outro lado
dormem mais quatro”, conta Neide Borges Pacheco, 44 anos, apontando para dois
colchões que divide com oitos filhos e um neto.
Dona Neide,
como é conhecida, vive há dois meses em uma barraca de lona amarela, na Ocupação
Rosa Leão, no bairro Zilah Spósito, zona norte de BH, próximo a Santa Luzia. A ocupação ganhou destaque nesse período, quando cerca de 1
mil famílias sem-teto, espontaneamente ocuparam o terreno de 350.000 m², juntando-se a outras
400 que já viviam no local.
Sem ter onde morar
A
história que levou Dona Neide a se juntar à Ocupação Rosa Leão, começou há três
anos, com o assassinato do filho de nove anos, em Betim. O marido, deprimido pela
perda do filho, morreu em seguida. Sem esposo, tendo que cuidar de oito filhos
e mais um neto, Neide não conseguia pagar luz, água e aluguel (que subiu de
R$300,00 para R$450,00). Foi despejada.
Ela começou,
em seguida, uma peregrinação com a família pelas periferias da região
metropolitana Belo Horizonte (Betim, Morro Alto, Vila da Fé, Santa Luzia),
nunca tendo dinheiro suficiente para morar e comer. Sem alternativa, ela foi
viver na rua com os filhos. Foi então que ela tomou uma decisão: “Eu vou
invadir um lugar para morar porque não aguento mais”, lembra. “Quando cheguei
aqui (Rosa Leão) as pessoas me apoiaram, trouxeram cestas (alimentos),
cobertores e me emprestaram um colchão porque eu não tinha nada”, conta ela.
Um futuro melhor
Na
ocupação, as condições são precárias. A água e luz foram improvisadas. Não há
banheiros e os moradores utilizam fossas. Porém, há uma perspectiva de futuro
melhor, é o que afirma frei Gilvander Moreira,
padre carmelita e assessor da Comissão
Pastoral da Terra. “Essas ocupações tem um papel importante, além de livrar as
pessoas da cruz que é o aluguel. Elas aumentam a autoestima daqueles que,
muitas vezes, chegam aqui doentes por não enxergarem um caminho para melhorar
de vida”, relata.
Contudo, a situação dos moradores da ocupação continua
incerta. Uma parte do terreno onde fica
a Ocupação Rosa Leão pertence à Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), que pediu
reintegração de posse do terreno. O processo corre na justiça, descumprindo um
acordo feio com representantes das ocupações urbanas da cidade. Uma reunião
acontecerá até o fim da semana e os moradores esperam que o problema seja
resolvido. A Companhia Urbanizadora e de Habitação Belo Horizonte (URBEL)
não quis comentar o tema.
Carta anônima espalha o preconceito no bairro Zilah
Spósito.
No dia
13 de agosto, começou a circular no bairro Zilah
Spósito uma carta
anônima acusando as lideranças da Ocupação Rosa Leão pelos problemas de assalto
que vem acontecendo na região. “Somos contra uma favela dentro do bairro. O
bairro terá que pagar os custos sociais, mais vez como sempre foi com as outras
favelas, digo, ocupações dentro do bairro”, afirma texto.
Lideranças
da ocupação suspeitam que ela tenha sido elaborada pelos moradores de classe
média da região, que temem pela desvalorização de suas propriedades.
O
conteúdo da carta é contraditório. Em outro trecho ela afirma o importante
papel do bairro na luta por moradia, absorvendo mais de 10.000 famílias nos
últimos 20 anos. Ela lembra das quatro grandes ocupações que aconteceram ali: “Estrada
Velha, Manilha, Mariquinha, Zilah Spósito”.
Os
moradores dessas essas ocupações têm demonstrado apoio à Ocupação Rosa Leão,
que contam também com o apoio das
Brigadas Populares, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas
(MLB) e vários arquitetos (as) da UFMG
e da PUC/MINAS, que estão elaborando um plano urbanístico para organizar a comunidade.
Manifestantes ocupam prédio da PBH. Lacerda é obrigado a
negociar .
Esperando
há anos para serem ouvidos pela Prefeitura, nos dias 29 e 30 de julho, cerca de
cem moradores das ocupações urbanas da
cidade ocuparam o prédio da PBH. Eles ficaram
por horas isolados, sem água e alimentos. Uma manifestante, sem poder ter nos braços a filha de oito
meses, que estava do lado de fora do prédio, amamentou a criança pelas grades
do portão. O caso
repercutiu no país e o prefeito Márcio Lacerda cedeu à pressão e teve que negociar.
Três pontos foram
acordados: Foi formada uma comissão para elaborar propostas para cada uma das
ocupações de BH. Fazem parte dessa comissão moradores das áreas, integrantes de
movimentos sociais, representantes da PBH e órgãos dos direitos humanos da Defensoria Pública e do Ministério Público de Minas Gerais; Os locais
ocupados serão decretados como Áreas de Especial Interesse Social, o que
facilita a legalização de posse para os novos moradores. No caso de áreas
públicas, isso será feito por decreto e, no caso de terrenos particulares, o
caminho será a apresentação de projeto de lei à Câmara de Vereadores; Imediata
suspensão dos processos de reintegração de posse contra as ocupações em que a
PBH é proprietária do terreno, até que a comissão apresente os resultados.
Moradores da Ocupação Rosa
Leão e PBH fecham acordo para a preservação de área ambiental.
No início do mês, a
PBH solicitou a coordenação da ocupação que algumas famílias sem-teto
desocupassem a área ambiental, que fica ao lado do terreno ocupado, ao lado da Av. Atanásio Jardim. O pedido foi
aceito e estas famílias foram realocadas em
lotes fora da área de preservação ambiental. Na ocasião, foi acertado um
esforço conjunto para preservar as áreas de proteção ambiental.
Ademir
da Silva Monteiro, 38 anos, é morador antigo da área. Vivendo na região há 31
anos, ele afirma a vegetação estava degradada quando eles entraram no terreno:
“Isso aqui nunca foi habitado, era área de pasto grosso, é utilizado por motoqueiros realizarem trilhas no
local”, relata.
Grafiteiros
fazem arte na ocupação.
Wendell
Opdr e Marcos Lago vêm trabalhando na organização das famílias no terreno. Eles
são pintores e fazem grafites em paredes do acampamento. A imagem de uma leoa e
rosas foi pintada, junto à frase: “Quando morar for um privilégio, ocupar é um
direito”. “Pintei a fachada de um salão de beleza e a tinta que sobrou guardei
para grafitar aqui no acampamento”, conta Opdr. Os dois esperam pela a
construção de um centro cultural no local para começar a realizar oficinas de
grafite com jovens e adultos da região.
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