CASA-LAR DOS CEGOS DE MG: linda comunidade ameaçada de despejo! Por frei Gilvander Moreira[1]
Nossa atuação no meio dos empobrecidos na luta
pelos seus direitos se inspira no Deus da vida, que ouviu os clamores dos
escravizados sob as garras do imperialismo dos faraós no Egito e em Jesus
Cristo, que cresceu na periferia da Palestina sofrendo todas as injustiças e as
discriminações que se abatiam sobre os Povos colonizados pelo Império Romano e
discriminados pela religião oficial, o judaísmo ritualista e moralista. Neste
contexto, por amor, Jesus Cristo se esmerava em empatia e, por isso, abraçou a
causa dos considerados impuros: os empobrecidos, os adoecidos, os cegados, os
paralisados e os jogados para fora da convivência social. Ao optar pelos
“impuros” consolava-os e incomodava os exploradores.
Ao fazermos opção pelos empobrecidos, primeiro nos
comovemos e ficamos indignados diante das injustiças que se abatem sobre
pessoas e grupos que, geralmente, sozinhos, têm mais dificuldade de se
defender. Aproximamos para conhecer, nos fazemos solidários e tentamos
entabular lutas que levem à superação das injustiças reinantes. Pelas primeiras
impressões vemos a carência e as necessidades das pessoas. Entretanto, com a
convivência e o aprofundamento da luta por direitos, na convivência com as
pessoas injustiçadas, ficamos encantados ao descobrir e perceber a existência
de belezas e maravilhas que revelam um poço de humanidade, de sabedoria e força
de resistência infinita que o povo injustiçado tem.
Assim
está acontecendo na luta para impedirmos o despejo da Casa-Lar dos Cegos de
Minas Gerais, no bairro Santa
Tereza, em Belo Horizonte, MG, onde a sede única da Associação filantrópica
União Auxiliadora dos Cegos de Minas Gerais está com despejo decretado por um
desembargador do Tribunal Regional Federal 6ª Região (TRF6)[2],
decisão que violenta a dignidade humana
e todos os direitos humanos fundamentais dos cegos que moram na Casa-Lar dos
Cegos de MG, vários há mais de 45 anos, vários negros e sem parentes ou qualquer
vínculo afetivo fora do ambiente em que vivem e, portanto, sem rede de apoio
para além da União Auxiliadora.
O
prédio da União Auxiliadora dos Cegos de MG, em decisão injusta, foi leiloado
por 720 mil reais, sendo que, se fosse para vender, o prédio vale mais de 5
milhões de reais. Esta decisão precisa ser revista. Clamamos ao desembargador
do TRF6 para que reveja esta decisão. Já enviamos Ofício à Ministra Macaé
Evaristo, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, reivindicando que
o Governo Federal abra uma Mesa de Negociação que exclua a decisão de leilão do
prédio e o despejo dos Cegos do seu histórico lar no bairro Santa Tereza em
Belo Horizonte. Esperamos que o Governo Federal – Lula, Haddad e Macaé – tenha
sensibilidade humana e perdoe a dívida de INSS de 50 anos atrás e deixe a
Associação Filantrópica União Auxiliadora dos Cegos de MG em paz, melhor
dizendo, que destine à União Auxiliadora dos Cegos de MG recursos necessários
para ela ser revitalizada para voltar a ser espaço de acolhida de centenas de
cegos que clamam por apoio em BH, Região Metropolitana, MG e Brasil.
Toda
vez que volto à Casa-lar dos Cegos da União Auxiliadora aprendo muito com eles
e experimento os valores que nutrem o dia-a-dia de uma verdadeira comunidade. O
Sr. Renato Leonardo, presidente da União Auxiliadora dos Cegos de MG, cuida com
muito carinho e dedicação de todos. Há sete anos, mensalmente, Renato doa
sangue para colher plaquetas que são vitais para dez pessoas que precisam
melhorar a saúde. “Somos cegos, mas não
somos mendigos. Não aceitaremos migalhas. Lutamos pelo nosso direito de
continuar na nossa Casa-Lar. Não aceitamos despejo jamais”, pontua Renato.
Trabalhando
em um notebook no quarto dele, encontrei o Edson, cego natural de Barbacena,
MG, que mora há 9 anos na Casa-Lar dos Cegos de MG, Além do braile, é formado
em massoterapia e Tecnologia da Informação. Ele trabalha produzindo livro em
áudio. Revelando profundo amor pela Casa-Lar União dos Cegos de MG, Edson nos contou
que muitos cegos que foram acolhidos e moraram na casa enquanto estudavam, hoje
são profissionais trabalhando no Ministério Público, no Tribunal de Justiça e
em outros órgãos públicos. São advogados, massoterapeutas, muitos trabalham com
tecnologia da informação. “Cheguei nesta
casa 9 anos atrás sem eira e nem beira. Aqui é um cego ajudando o outro. Minha
vida se transformou depois que fui acolhido nesta casa-lar. Nas Décadas de 50 e
60 do século XX, os cegos que aqui chegavam saíam pedindo ajuda para construir
esta casa. O esforço e o trabalho de todos que contribuíram para construir esta
casa precisa ser considerado. Não se pode pisar na memória de todos que
batalharam para construir esta casa. Esta casa, nosso lar, tem sido mãe para
muitos cegos de MG e de outros estados. Todos que passaram por aqui, mais de
mil em sete décadas, construíram aqui mais de mil sonhos que não podem jamais
serem destruídos. Dói muito pensar nesta decisão judicial que poderá devastar
vidas e sonhos,” diz emocionado Edson, enquanto produz mais um audiolivro.
O Sr.
Juvenal, 80 anos, nascido em Itagi, no sul da Bahia, chegou cego e como mendigo
em Belo Horizonte dia 30 de novembro de 1971 – ele não esquece a data que
chegou em BH! Sobreviveu 1,5 ano em um abrigo público em BH. Depois foi para um
barraco na favela no morro da Serra. Mora na sede da União Auxiliadora dos
Cegos de MG há 44 anos. Faz questão de dizer: “Nosso companheiro Zé Dias mora
aqui há 50 anos. Ele foi para a igreja agora, como vai toda semana.” “Foi aqui nesta nossa casa-lar que aprendi a
andar nas ruas da cidade. Antes eu só ficava sentado. Uma professora que tinha
aqui durante um mês me ensinou a andar nas ruas. Agora, se precisar, ando para
qualquer lugar. Se eu encontrasse o desembargador que decidiu leiloar nossa
casa e nos expulsar daqui, eu diria para ele: “Coloque-se no lugar de nós,
cegos!” Eu ajudei na grande campanha para arrecadar dinheiro para construir
esta casa. Todos os cegos que faziam parte da Associação União Auxiliadora dos
Cegos saíam pedindo e o povo na época era solidário e ajudava. Esta nossa
casa-lar foi construída com dinheiro do povo, “tijolo a tijolo. Como pode tomar
algo que foi construído pelos cegos com apoio do povo e entregar para um grande
empresário?! Não é justo tirar nossa casa-lar de nós que precisamos para entregá-la
para quem não precisa,” diz indignado Juvenal, revelando profunda
sabedoria.
Feliz
vendo a luta contra o despejo crescer, o Sr. Elvécio, 74 anos, diz: “Esta é nossa casa-mãe, um presente que caiu
do céu, pois eu, cego, morava em um barraco na favela no Alto do bairro Vera
Cruz, mas, com uma doença nas pernas, eu não conseguia subir mais o morro. Fui
acolhido aqui e ganhei vida nova. Aqui somos uma família. Vivemos uns ajudando
os outros.”
Amanda,
tesoureira e secretária da Casa-Lar dos Cegos de MG, revela o carinho e o amor
com que organiza a documentação, o bazar e uma sala de visita, “o cantinho do
sonho”, com sofás e ornamentação em uma sala espaçosa reservada para os cegos
receberem visitas e conviver à vontade. “Aqui
não é apenas uma associação. Somos uma família. Todos aqui são cuidado com
muito amor. Aqui é o lar dos cegos de MG. Retire esta decisão de despejo, por
favor”, pede Amanda. A cozinheira Maria prepara com muito amor e dedicação
as refeições de todos da casa.
Murilo,
cego que veio de Fortaleza, no Ceará, e mora na Casa, nos mostra como os cegos
aprendem a ler e a escrever em braile, e alerta: “A União Auxiliadora dos Cegos de MG é também uma escola, que tem
garantido para centenas de cegos a possibilidade de escudar e se desenvolver na
vida”.
Como o profeta Zacarias, clamamos: “Administrem a verdadeira justiça, mostrem misericórdia e compaixão uns para com os outros” (Zc 7,9). Reverter a decisão de despejo dos cegos da Casa-Lar dos Cegos de Minas Gerais é praticar justiça social, é praticar empatia, demanda constante do Deus da vida.
31/10/2024.
Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o
assunto tratado, acima.
1 -
DESPEJO?
SEDE DA UNIÃO AUXILIADORA DOS CEGOS DE MG com decisão do TRF6 p despejo de 8
cegos. Vídeo 1
2 - “Se nos despejar daqui, nos porá no
caixão." Há 70 anos UNIÃO AUXILIADORA DOS CEGOS DE MG. Vídeo 2
3 - “DAQUI SÓ SAÍMOS NO CAIXÃO. NÃO ACEITAMOS
SER DESPEJADOS. UNIÃO AUXILIADORA DE CEGOS DE MG Vídeo 3
4 - “Aqui, nosso lar. 70 anos de história.
Despejo, JAMAIS!” UNIÃO AUXILIADORA DOS CEGOS DE MG. Vídeo 4
5 - “TRF6, Lula, Macaé Evaristo e empresário,
pelo amor de Deus, não nos despeje. Somos cegos”. Vídeo 5
6 - CEGOS de MG: “JOGAR NÓS PRA RUA..?"
UNIÃO AUXILIADORA DOS CEGOS DE MG sob ameaça de despejo. Vídeo 6
7 -
CASA-LAR
DOS CEGOS DE MG, DESPEJO por TRF6: ““TIRAR DE QUEM PRECISA?” Santa Tereza,
BH/MG. Vídeo 7
8
- POR DENTRO DA CASA-LAR DOS CEGOS DE MG AMEAÇADA DE DESPEJO em BH/MG. Não pode
ser destruída. Vídeo 8
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela
UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP;
mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália;
doutor em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, Movimentos Sociais e
Ocupações.
E-mail:
gilvanderlm@gmail.com – www.freigilvander.blogspot.com.br –
www.gilvander.org.br
www.twitter.com/gilvanderluis –
Face book: Gilvander Moreira III
– Canal no you tube: Frei Gilvander luta pela terra e por direitos
[2]
Processo n. 0036885-69.2015.4.01.3800