Bíblia: Revisões Judaicas da Tradução da LXX. Por frei Gilvander Moreira[1]
Os manuscritos originais da Bíblia judaica e cristã se
perderam. Temos vários manuscritos posteriores. Muitas traduções da Bíblia
foram feitas até chegar à Bíblia que lemos hoje, no Brasil, em mais de vinte
traduções atuais. Muitas revisões
foram feitas nas traduções, entre as quais as Revisões judaicas motivadas
pelo desejo que os judeus helenistas tinham de ter o seu texto grego e que se
aproximasse o mais possível do texto hebraico em uso pelos judeus de língua
judaica. Por outro lado, tinham consciência de que seria muito difícil suprimir
a tradução da Setenta (LXX), em sua grande difusão. Também porque era a
tradução de estimação por ser a única, além da polêmica que havia entre judeus
e cristãos, pois os cristãos começavam a reler textos do Primeiro Testamento na
ótica da messianidade de Jesus, o que influenciou na revisão dos textos,
sobretudo, messiânicos.
Houve Revisões judaicas anônimas, pois no
deserto de Judá foram encontrados fragmentos de uma tradução grega dos profetas
menores, em 1952. Sua tradução foi feita pelos rabinos judeus, por volta do I
século da Era Cristã e parece ter sido uma correção ao texto da Tradução da LXX,
com base no texto hebraico. Esta revisão anônima é lembrada pelo teólogo de
Roma, Justino (110-165, do II século), como texto oficial dos judeus helenistas
e é muito provável que corresponda à versão conhecida como a “quinta”, citada
por Orígenes e Jerônimo, pilares da Patrística na Igreja.
Tradução de Áquila, Teodozião e Símaco: a
tradução de Áquila foi feita por um
convertido ao Judaísmo, que conhecia o grego da cidade do Ponto, na atual
região da Turquia. Ele fez a tradução de palavra por palavra do texto hebraico
para o grego, por volta do ano 140 da Era Cristã. Correu o risco de cometer
alguns erros de gramática e de sintaxe da língua grega, como o fato de colocar
após os numerais o substantivo no singular, como no hebraico. Essa tradução
teve boa acolhida entre os judeus pela sua fidelidade ao hebraico até mesmo nas
construções e expressões mais características desta língua.
A tradução do hebraico para o grego de Teodozião foi feita por um judeu, mas
de Éfeso, que também cuidou da edição no ano 180 Era Cristã. Algumas citações
do Primeiro Testamento bíblico são retomadas no Segundo Testamento (1Cor 15,55; Jo
19,37; Ap 1,7), cujas semelhanças são
maiores com a tradução de Teodozião do que com a Tradução da LXX.
Símaco é igualmente um judeu da Samaria, que se converteu
à fé cristã, por volta do ano 200 da Era Cristã, cuidou da edição do texto
grego do Primeiro Testamento. O seu objetivo era o de tornar o texto hebraico
em uma obra literária para um grego elegante e o conseguiu.
A Esapla de Orígenes (185-253) – Orígenes é
teólogo cristão, de Alexandria no Egito. Ele tentou responder às acusações dos
judeus contra os cristãos, pois eles afirmavam que os cristãos não tinham um
texto grego confiável das Escrituras hebraicas. Então ele fez um texto grego
uniforme e exato do Primeiro Testamento e, para atingir os seus objetivos,
compôs a Esapla, colocando a Bíblia hebraica em colunas com as versões
conhecidas na época:
·
Na primeira coluna colocou o texto hebraico
com os caracteres hebraicos;
·
Na segunda coluna colocou o texto hebraico
com caractéres gregos;
·
Na terceira coluna colocou o Primeiro
Testamento grego de Áquila;
·
Na quarta coluna colocou o Primeiro
Testamento grego de Símaco;
·
Na quinta coluna colocou o Primeiro
Testamento do texto grego revisado da Tradução da LXX;
·
Na sexta coluna colocou o Primeiro Testamento grego de Teodozião.
Nem sempre Orígenes reproduziu na íntegra o texto da Tradução da LXX,
quando as lições dos códigos não eram uniformes ou corrompidas, substituindo-as
por lições de outras versões gregas do Primeiro Testamento.
No século IV da Era Cristã,
o exemplar original da Esapla passou para a Biblioteca de Cesareia, onde ela
foi consultada por Jerônimo, o grande tradutor da Bíblia para o latim, a
Vulgata. Com a ocupação dos muçulmanos no século VII, ela foi perdida; nunca
foi copiada integralmente, apenas pequenas partes.
Houve a revisão do texto
da Tradução da LXX pelo padre Luciano de Antioquia, pouco depois do ano 300 Era
Cristã. Ele confrontou o texto grego da LXX com o texto hebraico e foi
corrigindo as possíveis falhas que ele encontrava.
Ter noção das muitas traduções e Revisões pelas
quais a Bíblia Judaica e a Cristã passaram é fundamental para não cairmos na
armadilha das leituras fundamentalistas que levam muitas pessoas a ler ao pé da
letra versículos bíblicos e, se projetando nestes, criar conclusões que muitas
vezes são até absolutamente contraditórias com a finalidade do texto bíblico e
o seu sentido mais profundo. Para quem acredita em Deus, a Bíblia é inspirada,
mas não foi ditada por Deus. A Bíblia é palavra divina, porém envolvida por
todas as ambiguidades humanas. O sentido dos textos bíblicos precisa ser
peneirado como se peneira para encontrar ouro ou recolher o feijão e o arroz
sem os rejeitos que os envolvem.
Uma característica básica e fundamental da Bíblia é a revelação segundo a qual Deus não é neutro, mas fez opção de classe ao ouvir os clamores dos povos escravizados sob as agruras do Imperialismo dos faraós no Egito, desceu para libertá-los e se tornou companheiro de caminhada rumo a Terra Prometida (Ex 3,7-9). Os profetas e profetisas sempre denunciam os projetos de morte e apontam os caminhos de libertação integral. Portanto, quem usa a Bíblia para tentar justificar posturas racistas, discriminatórias, homofóbicas, de aporofobia (aversão aos pobres), tentando emplacar a ideologia da prosperidade comete um pecado religioso grave, pois acaba torturando textos bíblicos para fazê-los falar o contrário do que eles querem afirmar. Para compreendermos a Bíblia de forma sensata e justa é necessário ler os textos na companhia dos clamores dos empobrecidos e injustiçados da sociedade capitalista, máquina de moer vidas. Quem lê a Bíblia a partir da pequena burguesia (classe média) ou, pior, da classe dominante, irá torturar os textos bíblicos para não ter a consciência incomodada. Analisar o texto, sim, mas no seu pré-texto e contexto à luz das lutas libertárias dos empobrecidos/as de hoje. Eis um caminho libertador.
01/02/2024
Obs.: As
videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 – Um Tom de resistência - Combatendo o
fundamentalismo cristão na política
2 - Bíblia:
privatizada ou lida de forma crítica libertadora? Por frei Gilvander, no
Palavra Ética
3
- Deram-nos a Bíblia. “Fechem os olhos!” Roubaram nossa terra. Xukuru-Kariri,
Brumadinho/MG. Vídeo 5
4 - Agir ético
na Carta aos Efésios: Mês da Bíblia de 2023. Por frei Gilvander (Cinco vídeos
reunidos)
5 - Andar no
amor na Casa Comum: Carta aos Efésios segundo a biblista Elsa Tamez e CEBI-MG -
Set/2022
6 - Toda a
Criação respira Deus: Carta aos Efésios segundo o biblista NÉSTOR MIGUEZ e
CEBI-MG, set 2022
7 - Chaves de
leitura da Carta aos Efésios, segundo o biblista PEDRO LIMA VASCONCELOS e
CEBI/MG –Set./22
8 - Estudo:
Carta aos Efésios. Professor Francisco Orofino
9 - Carta aos
Efésios: Agir ético faz a diferença! - Por frei Gilvander - Mês da Bíblia/2023 -02/07/2023
10 - Bíblia,
Ética e Cidadania, com Frei Gilvander para CEBI Sudeste
11 - Contexto
para o estudo do Livro de Josué - Mês da Bíblia 2022 - Por frei Gilvander -
30/8/2022
12 - CEBI: 43
anos de história! Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos lendo Bíblia com Opção
pelos Pobres
[1] Frei e padre da
Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT,
CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e
Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. Autor de livros e artigos. E
“cineasta amador” (videotuber) com mais de 6.000 vídeos de luta por direitos no
youtube, canal “Frei Gilvander luta pela terra e por direitos”. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
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