Primeiro grito da XX
Romaria das águas e da Terra de Minas Gerais, no Noroeste, vem da prisão, em Carta
de um militante preso: Carta a um amigo.
O
autor é Jorge Augusto Xavier de Almeida, o Jorjão Sem Terra, preso em Unaí, MG.
“O amigo” são as nascentes, os córregos, os rios e os povos do Noroeste de
Minas Gerais, tão violentados pelo agronegócio e pelo hidronegócio. O poema clama
em defesa das águas, da vida e da dignidade humana e socioambiental.
A XX Romaria das águas e da
Terra de Minas Gerais será realizada no Noroeste de MG, na Diocese de Paracatu,
com celebração final dia 23 de julho de 2017, um domingo, em Unaí. Terá como Tema: Povos da Cidade e do Sertão Clamando por
Água, Terra e Pão. E Lema: Povos,
Rios, Veredas e Nascentes são Dons de Deus em Romaria e Resistência.
Leia devagarinho refletindo
sobre o que diz o poema, abaixo. Se você se comover, compartilhe-o.
Carta a um amigo –
Carta de um militante preso.
De Jorge Augusto Xavier de Almeida, o Jorjão, preso em
Unaí, MG.
Meu amigo barriguda
Escrevo para te dizer
Que não esqueço de ti
Mas nada posso fazer
Porque também vivo preso
Me resta só te escrever
Estimado companheiro
Quero aqui reafirmar
O compromisso que eu fiz contigo
Numa noite de luar
De lutar sem cansaço
Pra poder te libertar
E quando eu sair daqui
Vou logo te visitar
Nessa terrível prisão
E quero te confirmar
Que tu tens advogados
E o alvará vai chegar
Os teus irmãos Taquaril
Bebedouro e Confins
Tiveram sentença igual
E levam vida ruim
Vivendo prisioneiros
Num cativeiro sem fim
Extrema e veredinha?
Eu nem sei s’indá tem jeito
Só poeira e sequidão
Existe dentro do leito
Isso só aumenta a angústia
Que trago dentro do peito
Quem chora por tu também?
É a Gralha e o Juriti
Que bebiam tua água
E descansavam ali
Mas da sombra d´tuas
margens
Foram obrigados a sair
E o cantar de tristeza
Dos passarinhos é notório
Afinada orquestra fúnebre
Tocando em um velório
Eles velam o leito seco
Quem me contou foi Honório
Não quero te deixar triste
Mas seu Gonçalo falou
Que as famílias de Lontras
Que você alimentou
Morreram de fome e sede
Quando teu leito secou
Naquele teu leito seco
Urubus fez festa ali
Com a morte de tantos peixes
Não sobrou nem um Acari
E do Vida Nova abaixo
Não existe um Lambari
E como fica o Urucuia
Com essa ausência sua?
A água que ele tem hoje
Mal abastece a rua
O povo já reclamou
E o estado não atua
O Urucuia está enfermo
É um rio sem alegria
Pois sente a degradação
Que viola a sua bacia
As águas diminuindo
E a morte é questão de
dias
E quando o rio morre
Também morre a esperança
Só no campo da memória
Conservamos a lembrança
De um ambiente perfeito
Destruído por ganância
Velho Chico sente falta
De vocês fazendo a festa
Contribuindo com ele
Organizando a seresta
Para uma grande piracema
E compondo aquela
orquestra
A festa ficou foi triste
Não tem mais alegria
D’quando vocês iam juntos
De Minas para a Bahia
Até chegar a Sergipe
Viajando noite e dia
Sei que você foi detido
Por força de liminar
E a ordem veio d’um juiz
Para te aprisionar
Foi um mandato de prisão
Que fez teu leito secar
Quem assinou a sentença
E mandou te executar
Foi o juiz Adriano
Trabalha em BH
Na 5ª vara da fazenda
A ordem partiu de lá
Você é um caso a parte
Precisamos muita sorte
Esta sentença pesada
Embora a lei comporte
Você já foi condenado
A uma pena de morte
Se teus opressores dessem
Uma saída temporária
Pra passar o Natal conosco
É meu desejo, tomara
Vai ser o melhor presente
Será uma jóia rara
Nessa prisão minha e sua
Eu penso todo segundo
São poucas as semelhanças
O meu pensar é profundo
Me deter afeta pouco
Te prender afeta o mundo
Na luta por liberdade
Você não está sozinho
São milhares de pessoas
Que te tem muito carinho
E o carrasco é um só
Mora perto e é teu vizinho
Barriguda eu termino
Todo cheio de saudade
Desejo que tenha forças
Pra enfrentar a maldade
Confesso que me orgulho
De ter a vossa amizade.
Presídio de Unaí, MG, véspera de Natal de 2016.
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