Gilvander é frei e padre da Ordem dos carmelitas, Doutor em Educação pela FAE/UFMG; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas, em Minas Gerais.
terça-feira, 28 de novembro de 2017
AS FAMÍLIAS DA COMUNIDADE CABECEIRA DA PIABANHA, EM SALTO DA DIVISA, MG, SOFREM VIOLÊNCIAS FÍSICAS E SIMBÓLICAS CONSTANTES.
AS FAMÍLIAS DA COMUNIDADE CABECEIRA DA
PIABANHA, EM SALTO DA DIVISA, MG, SOFREM VIOLÊNCIAS FÍSICAS E SIMBÓLICAS
CONSTANTES.
Nota denúncia: a vida está ameaçada. BH, 28/11/2017.
A
Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG), por meio desta nota, vem denunciar as
diversas formas de ameaças, intimidações e violências que os moradores e
moradoras da Comunidade Tradicional da Cabeceira da Piabanha vêm sofrendo,
desde o ano 2014, quando foi iniciada a tramitação, na Assembleia Legislativa
de Minas Gerais (ALMG) de um Projeto de Lei de autoria do Deputado Estadual
Carlos Pimenta – PL 1480/2015 (antigo PL 4.743/2013) - propondo alteração nos
limites do Parque Estadual Alto Cariri –
Salto da Divisa e Santa Maria do Salto. O referido Projeto de Lei afeta
diretamente o território da Comunidade Tradicional da Cabeceira da Piabanha. Na
época, (2014), os comunitários procuraram a CPT/MG e relataram que estavam
sendo pressionados com frequência para saírem das terras onde moram desde meados
do século passado e o motivo de tal pressão era que tal área seria destinada à
mineração pela mineradora Nacional do Grafite. As ameaças contra a comunidade se
tornaram mais acirradas quando o referido PL foi suspenso devido a um pedido de
vista do Deputado Rogério Correia. Ressaltamos que tal projeto voltou a tramitar
na ALMG.
Segundo
os comunitários, devido às ameaças e agressões, dezenas de Boletins de Ocorrência
já foram registrados contra o fazendeiro Olinto Herculano Pimenta, que, por sua
vez, alega ter documento das terras, ocupadas há dezenas de anos pelas
famílias. São tantas ameaças que o Ministério Público de Minas Gerais moveu uma
Medida Cautelar em favor da comunidade, sendo que na medida, datada de 25/8/2017,
o Juiz de Direito da Comarca de Jacinto – André Luiz Alves - determinou que o
fazendeiro Olinto Herculano Pimenta e outros ameaçadores ficassem proibidos de se
aproximarem a menos de 150 metros das famílias, bem como os proibiu de manterem
qualquer tipo de contado, pessoalmente ou por qualquer outro meio com os
moradores.
No
entanto, segundo as famílias, o fazendeiro Olinto tem descumprido tal decisão e
tem ido à comunidade ameaçar os moradores. Em duas ocasiões, as famílias
registraram Boletim de Ocorrência na Polícia Militar em Salto da Divisa. No dia 15/9/2017 o Sr. Olinto Herculano
Pimenta e seu cunhado Renato Pimenta foram à comunidade e aproximaram-se a
menos de 10 metros das vítimas, como forma de intimidação, como pode ser
confirmado no BO Nº M2246-2017-00000893. Segundo os moradores, de modo
reiterado, no dia 24/11/2017 o Sr. Olinto Herculano Pimenta, descumprindo
novamente a decisão judicial voltou na comunidade e passou a menos de 01 metro
da comunitária Marinez e a menos de 40 metros de Luzeni. Além disso, passou também
a menos de 10 metros da casa de Nivaldo, deixando as famílias apavoradas e
indignadas. Diante disso, os moradores registraram novamente o BO de Nº M
2246-2017-0001118.
Não
bastasse o descumprimento da decisão judicial e as ameaças, acima narradas, no
início de outubro do corrente ano, o fazendeiro Olinto colocou mais de 100
vacas no território da Comunidade, dando prejuízos aos moradores, pois o gado
tem entrado nas roças e destruído as plantações, além de pisotear as nascentes
da comunidade e sujar a água com fezes e urina, deixando a água sem condições
de uso, pois além do odor derivado das fezes e urina, a água está barrenta.
Além
disso, o gado do Sr. Olinto, segundo os moradores, está causando outros
prejuízos ecológicos ao Parque Estadual do Alto Cariri. Já foi feito denúncias
junto a Polícia Ambiental de Salto da Divisa e para o IEF (Instituto Estadual
de Florestas), mas o gado ainda permanece no território. As famílias ficam
indignadas, pois as mesmas não criam gado porque o IEF disse para a comunidade
que é proibido criar gado dentro do Parque e as famílias tem acatado e
concordam que o gado causa muitos danos ecológicos. Em Audiência Pública na
ALMG a Defensoria Pública de MG alertou o Sr. Olinto de que não era permitido
colocar gado dentro do Parque, onde está há muitas décadas a Comunidade
Tradicional da Cabeceira do Piabanha.
A comunidade afirma que há décadas nenhum dos
fazendeiros que alegam ter documento da terra não exerce nenhuma atividade no
local e só a partir de outubro do corrente ano é que veio a criar gado na
localidade numa tentativa desesperada de exercer posse e ameaçar as famílias.
Além de
repudiar e denunciar as violências impetradas contra a comunidade Cabeceira da
Piabanha e os danos ambientais ao Parque Estadual Alto Cariri, a Comissão
Pastoral da Terra também vem pedir ao Poder Judiciário, ao Ministério Público
de Minas Gerais e aos Órgãos de Governo de Minas que tomem providências
urgentes no sentido de fazer valer o direito das famílias da Comunidade Tradicional
da Cabeceira da Piabanha. Exigimos do Governo de Minas Gerais e de seus
Secretários/as as providências cabíveis para que não ocorra um massacre na
comunidade como tem ocorrido em outras localidades por todo país. Exigimos que
a ALMG, por uma questão ética, arquive imediatamente o PL 1480/2015. Tal
projeto é “um crime” que está em curso contra o Parque e contra as famílias da
Comunidade Tradicional da Cabeceira da Piabanha. É um projeto que está a
serviço da mineração e tem aflorado a cobiça de fazendeiros da região que
historicamente têm utilizado a “violência física e simbólica” contra os
camponeses/as da região.
Belo
Horizonte, 28 de novembro de 2017
Assina
essa Nota:
Comissão
Pastoral da Terra – CPT/MG
Obs.: Nos seis links, abaixo, estão vídeos
disponibilizados na internet fazendo as denúncias das violações aos direitos
dos Moradores da Comunidade Tradicional Cabeceira da Piabanha, em Salto da
Divisa, MG, inclusive vídeos da Audiência Pública ocorrida na ALMG em Belo
Horizonte, dia 12/7/2016:
segunda-feira, 27 de novembro de 2017
Tributo a frei Henri des Roziers: continuaremos sua luta.
Tributo a frei Henri des
Roziers: continuaremos sua luta.
Por Sônia Maria Alves da Costa[1]
O falecimento do frei Henri Gui
Emile Burin des Roziers, neste domingo, 26 de novembro de 2017, deixa muita
tristeza pela perda de um grande mestre e excepcional amigo, exemplo de vida
para muitas/os lutadoras/es do povo, cuja vida foi dedicada de maneira abnegada
à luta contra todas as formas de injustiça e grande parte de sua vida
empenhada à defesa das classes trabalhadora e camponesa no norte do Brasil,
inicialmente em 1979 no antigo norte de Goiás, na cidade de Porto Nacional e em
seguida no município de Gurupi, atual estado de Tocantins e também no Sul do
Pará, nos últimos anos, uma das regiões emblemáticas e de intensa injustiça
agrária e existência de trabalho escravo, uma das mais violentas do país, de
onde ele saiu em 2013, muito a contragosto, para fazer um tratamento de saúde,
já gravemente doente e retornou ao seu país de origem, sua cidade Natal, Paris.
A cada visita de uma brasileira ou de um brasileiro ele repetia que “queria
voltar para morrer no Pará”! Eu me recordo muito bem dessa frase firme dele,
com a mesma firmeza com que conduziu sua luta pelos Direitos Humanos, na
Europa, na América Central e em muitas outras fronteiras de luta e
especialmente no Brasil, onde dedicou décadas de luta ao povo injustiçado do
Norte do nosso país, onde ele se sentia muito realizado, mesmo
diante das graves e constantes ameaças de morte que recebia. Foi uma
grande luta para ele aceitar a proteção da Polícia Federal 24 horas por dia em
um dos momentos mais críticos de sua permanência no Pará. Ele alegava que se o
povo a quem defendia não tinha o mesmo tipo de proteção, por que ele deveria
merecê-la?
Eu não tenho o dom da poesia, mas
penso que um poema de Bertolt Brecht ilustra a missão exercida pelo frei
Henri: “Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano
e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que
lutam toda a vida e estes são imprescindíveis”. Frei Henri se tornou uma pessoa
imprescindível para os camponeses, para os milhares de trabalhadores submetidos
ao trabalho escravo contemporâneo, para a CPT, para a RENAP, enfim, para o povo
lutador brasileiro e de muitos outros países.
Frei Henri era extremamente
comprometido com a luta, muito exigente, mas de uma humanidade indescritível,
daquelas pessoas que te proporcionava muito prazer em dividir uma taça de vinho
e discutir sobre a vida e a conjuntura do país e, com a mesma determinação,
segui-lo andando a pé por diversos quilômetros até uma ocupação de camponeses
Sem Terra, no meio da mata ou virar a noite elaborando peças processuais ou
ainda escrevendo notas de repúdio para autoridades pelo tombamento de mais uma
vítima pelo braço armado dos latifundiários e pela omissão-cumplicidade do
Estado! Egresso da Sorbonne, Doutor pela Universidade de
Cambridge, recebeu dezenas de prêmios nacionais e internacionais, em Direitos
Humanos, mas valorizava muito mais cada vitória resultante da sua luta em
defesa do povo empobrecido a quem defendia na condição de incansável advogado,
porque era uma pessoa muito simples.
Ele foi inspiração para muitas
pessoas e eu tive a felicidade de conhecê-lo na minha adolescência, por uma
feliz coincidência de morar vizinha ao escritório da Comissão Pastoral da Terra
(CPT), na cidade de Gurupi, onde, inicialmente participei de reuniões organizadas por ele com as pessoas da vizinhança para
celebrar e para conversar sobre a realidade, em algumas noites, para conhecer
um pouco a realidade local e compartilhar sua vida e luta. Dessa forma, alguns
anos depois, inspirada pelo seu exemplo de vida, decidi estudar Direito.
Resumidamente, por pertencer a uma família nobre da França, frei Henri abdicou
da vida naquele país, para se dedicar à luta pelos Direitos Humanos e chegou ao
Brasil no fim do ano de 1978, ainda durante a Ditadura Militar e permaneceu por
aqui até o ano de 2013.
Sua história de compromisso com
os camponeses injustiçados inspirou a mim e a muitas outras/os lutadoras/es do
povo e eu tive a felicidade de trabalhar quase uma década ao lado dele e foi o
melhor estágio que eu poderia ter tido na vida para o exercício da advocacia
popular, mas sei que não interessa a minha vida, apenas cumpre registrar essa
importante e valiosa contribuição na minha formação jurídica, desde a escolha
do curso e a opção da atuação profissional, que poderia ter trilhado outros
caminhos, mas eu tenho imensa satisfação e serei eternamente grata
por essa oportunidade na vida.
No escritório da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Araguaia-Tocantins, onde fui trabalhar alguns anos após conhecê-lo, foi onde
tive acesso à livros importantes, tais como “Brasil: Nunca Mais”, “1968: o ano
que não terminou”, “Olga” e muitos outros, mas especialmente foi onde conheci a
dureza dos conflitos agrários e a sangrenta e implacável perseguição aos
trabalhadoras/res rurais do norte do então Estado de Goiás, Sul do Pará e Sul
do Mato Grosso, grande região abrangida pela atuação da CPT Araguaia-Tocantins
naquela época. Ali fiz descobertas sobre a gravidade da violência perpetrada
pelo latifúndio contra aquelas famílias de posseiras e posseiros
centenários, cujos pais ou avós já viviam por ali, forjando sua sobrevivência
da maneira possível, sem a presença do Estado, sem nenhuma política pública, pessoas
simples que viviam em uma região isolada, mas que foram marcadas de maneira
indelével pela violência do Estado, dos latifundiários e dos grileiros que pela
ganância ceifaram centenas de vidas e tornaram outras tantas escravas em nome
do “desenvolvimento”, apenas para um reduzido grupo de exploradores violentos,
para quem a vida dessas pessoas não importava.
Nesse cenário de verdadeiro massacre durante
décadas sem trégua e sem poderem se defender diretamente, frei Henri, advogado
lutador e extremamente corajoso e comprometido com as causas do povo violentado
daquela região de intenso conflito agrário, proporcionava, de maneira
incansável, todos os dias da semana, alguma esperança de justiça, ainda que temporária
para continuar a luta. Muitas vitórias importantes foram conquistadas, muitos
assentamentos de Reforma Agrária, mesmo tendo que computar nessa luta desigual
muitas vidas ceifadas, mas sem perder a capacidade de indignação e retirando
energia no combate intenso e incansável de lutar pela justiça.
Esse legado de compromisso com causa do povo camponês
expropriado da região norte do nosso país, fez com que o frei Henri des Roziers
se tornasse exemplo para o seguimento de muitas advogadas e muitos advogados
populares que entraram e seguiram na luta, mesmo com a mudança de cenário, sem
mudar a difícil realidade dessa população que permanece na luta incansável até
os dias atuais, inspiradas e inspirados nos seus ideais de luta, cujo exemplo
não nos deixa perder a capacidade de indignação e seguir na luta sem desanimar
e tentando também envolver outras lutadoras e lutadores nessa difícil – mas
necessária - missão de lutar pela justiça, ainda que ela continue extremamente
seletiva e classista, mas proporcionando as esses sujeitos de direito uma
esperança e força para continuar lutando pelo justo, com o Direito que lhes
pertence, na luta pela dignidade, embora seja difícil alcançá-lo, em face da
imensa desigualdade social e a nefasta estrutura agrária e injusta concentração
de riqueza e renda em nosso país capitalista, que não permite esquecer que os
constantes golpes políticos e de outras variadas formas nos atingem, mas pelo
seu exemplo de luta frei Henri e de tantas outras e outros lutadoras e
lutadores, continuamos o nosso embate, com coragem e determinação para construir
o nosso país e defender “todos os direitos para todos”!
Brasília,
Brasil, 26/11/2017.
[1] Advogada Popular, membro da RENAP (Rede Nacional de
Advogadas e Advogados Populares – www.renap.org.br
), do Coletivo Feminista Marietta Baderna, IPDMS, FIAN e Doutoranda em Direito
na UnB e advogada voluntária no Projeto Maria da Penha/NPJ/UnB; email: soniacosta0807@gmail.com
domingo, 26 de novembro de 2017
sexta-feira, 24 de novembro de 2017
quinta-feira, 23 de novembro de 2017
Concentrar terra para crescer o capital e a violência
Concentrar
terra para crescer o capital e a violência
Por frei Gilvander
Moreira[1]
Segundo o Sistema
Nacional de Cadastro Rural (SNCR), do INCRA, de 2012, as propriedades rurais,
com áreas com menos de 10 hectares, são 34,1% do total e ocupam somente 1,5% da
área total do Brasil, com média de 4,7 hectares, enquanto os imóveis com mais
100.000 hectares (apenas 225 propriedades, menos de 1%) ocupam 13,4% da área
total, com média de 361.426,60 hectares. Trata-se de uma das maiores injustiças
agrárias do mundo essa estrutura fundiária pautada no latifúndio. A Comissão
Pastoral da Terra (CPT) e a Via Campesina têm feito campanhas para inserir na
legislação fundiária brasileira um limite para o tamanho da propriedade
fundiária, mas “o céu continua sendo o limite” para isso no Brasil enquanto que
em muitos países algo já foi estabelecido limites no arcabouço legal, como por
exemplo, em países do Oriente Médio. “Há no Oriente Médio países que
estabeleceram limites ao tamanho mínimo e máximo da propriedade individual da
terra, como por exemplo, o Iraque, onde a área mínima é de 0,9 hectare, nas
áreas irrigáveis, e de 23,4 hectares nas áreas de sequeiro, sendo que a área
máxima é de 250 hectares nas áreas irrigadas e 500 hectares nas de sequeiro; a
Jordânia, que regulou a área mínima em 3 hectares, e a máxima em 30 hectares.
Na Síria, a área mínima possui 8 hectares, nas terras irrigadas, e 30 hectares
nas terras secas, e a área máxima é de 80 hectares nas terras irrigadas, e 300
hectares nas terras secas. No Egito, foi estabelecido como área mínima 2
hectares, e como área máxima 40 hectares. A Tunísia, por sua vez, definiu como
área mínima 4 hectares” (OLIVEIRA, 2007, p. 88).
Ainda, segundo o
SNCR, os proprietários com imóveis com menos de 100 hectares (84,6%) ocupam 16,2%
da área total de propriedades, enquanto, os com mais de 1.000 hectares (2%)
detêm 52,3% da área total. Os imóveis com posse com menos de 100 hectares
(90,0%) ocupam 21,6% da área total de posse, enquanto os com mais de 1.000
hectares (1,1%) têm em poder 53,4% da área total. O censo agropecuário de 2006
apontou que dos 5,17 milhões de propriedades rurais existentes, 84,4% (4,36
milhões) eram da agricultura camponesa. Este contingente de produtores ocupava
uma área de 80,25 milhões de hectares, que representava 24,3% da área ocupada
pelas propriedades agropecuárias. Por conseguinte, as grandes propriedades –
latifúndios -, apesar de representarem somente 15,6% das propriedades, ocupavam,
em 2006, 75,7% da área. A agricultura camponesa ocupava, em 2006, somente 25%,
enquanto a patronal, 75% da área total das propriedades rurais, confirmando que
o predomínio fundiário da economia patronal contrasta com o predomínio
demográfico da camponesa. Apesar da defasagem temporal dos dados do Censo
Agropecuário de 2006, esse quadro fundiário rural é atual e está se
concentrando. Provavelmente o Censo agropecuário de 2016 apontará maior
concentração de propriedades, o que acentuará a necessidade de reforço na luta
pela terra.
De acordo com o IBGE,
a concentração da propriedade privada fundiária no Brasil vem aumentando década
após década. As propriedades rurais de menos de 10 hectares ocupam menos de
2,7% da área total ocupada por elas, enquanto a área ocupada pelas propriedades
acima de 1000 hectares concentra mais de 43% da área total (Dados do Censo
Agropecuário 2006). Isso coloca o Brasil como um dos países com maior
concentração fundiária do mundo. De 2010 a 2014, no governo da presidenta Dilma
Rousseff, houve um aumento da ordem de 2,5% na concentração de terras das grandes
propriedades, “totalizando 66,7%, ou, mais 97,9 milhões de hectares para as
grandes propriedades” (OLIVEIRA, 2015, p. 33). A “banda podre dos funcionários
do cadastro do INCRA” foi cúmplice de parte dessa concentração fundiária, o que
foi confirmado pela Operação Terra Prometida da Polícia Federal realizada no
final de 2014 (Cf. OLIVEIRA, 2015, p. 32-32). Assim, mais seis milhões de
hectares passaram para as mãos de grandes proprietários, quase três vezes o
território do estado de Sergipe. O estoque das terras públicas aumentou muito
no Cadastro do INCRA de 2014, pois “somavam 68 milhões de hectares em 2003, e,
em 2010 chegaram a 80 milhões de hectares. Porém, em 2014, totalizaram 159,2
milhões de hectares, ou seja, praticamente o dobro de 2010” (OLIVEIRA, 2015, p.
33). Segundo o SNCR, as grandes propriedades privadas saltaram de 238 milhões
para 244 milhões de hectares (Dados do Cadastro do INCRA). Há 130 mil grandes
imóveis rurais que concentram 47,23% de toda a área cadastrada no INCRA. Para
se ter uma ideia do que esse número representa, os 3,75 milhões de minifúndios
(propriedades mínimas de terra) equivalem, somados, a quase um quinto disso:
10,2% da área total registrada. O Atlas da Terra Brasil 2015, feito pelo
CNPq/USP, mostra que 175,9 milhões de hectares são improdutivos no
Brasil. Segundo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, um dos principais
pesquisadores da questão agrária no Brasil, em 2010, das grandes propriedades
privadas e públicas (130,5 mil), 66 mil imóveis foram considerados improdutivos,
não atendendo aos critérios de função social da propriedade da terra. Eles
somam 175,9 milhões dos 318 milhões de hectares. Os minifúndios caíram de 8,2%
para 7,8% da área total de imóveis; as pequenas propriedades, de 15,6% para
14,7%; e as médias, de 20% para 17,9%. As grandes propriedades privadas e
públicas foram de 56,1% para 59,6% da área total.[2] O
estado de Minas Gerais segue a regra nacional, com alta concentração fundiária.
Os dados acima demonstram que “a propriedade latifundista da terra se propõe
como sólida base de uma orientação social e política que freia, firmemente, as
possibilidades de transformação social profunda e de democratização do País”
(MARTINS, 1999, p. 12).
Segundo dados do
INCRA, baseados em declarações dos proprietários, existem no Brasil 54.761
imóveis rurais classificados como grandes propriedades improdutivas, portanto
desapropriáveis, que somam nada menos que 120 milhões de hectares - uma Europa
em espaços vazios! Segundo Estatísticas Cadastrais do INCRA, dados de 2014, o estado
de Minas Gerais possui área de terras potencialmente públicas
devolutas 13.398.101 hectares (22,8%), quase todas elas griladas por
fazendeiros, grandes empresas ‘reflorestadoras’ - na verdade, eucaliptadoras. “Entre
1967/1978, os latifúndios no Brasil ampliaram sua área em 69,9 milhões de
hectares. Foi o período da denominada modernização da agricultura da ditadura
militar de 1964, que trouxe consigo o crescimento da concentração fundiária nas
grandes propriedades latifundistas (OLIVEIRA, 2015, p. 30).
A ditadura
militar-civil-empresarial de 1964 fomentou também a repressão e o assassinato
de lideranças camponesas, conforme um integrante da Comissão Nacional da
Verdade (CNV). “A ditadura “terceirizou” mortes e desaparecimentos forçados de
pelo menos 1.196 camponeses e apoiadores com financiamento do latifúndio. O
Estado se omitiu, acobertou e terceirizou a repressão política e social no
campo, executada por jagunços, pistoleiros, capangas e capatazes a serviço de
alguns fazendeiros, madeireiros, empresas rurais, grileiros e senhores de
engenhos, castanhais e seringais” (GILNEY VIANA, ex-coordenador do Projeto
Memória e Verdade da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da
República).[3]
“Com governos
petistas – dois mandatos de Lula e um de Dilma – se esperava avanço na reforma
agrária, mas as Estatísticas de 2010 [...] mostravam que entre 2003/2010, o
número dos imóveis rurais chegava a 5,1 milhões, enquanto que a área total a
568,2 milhões de hectares. Já as grandes propriedades de particulares haviam
aumentado absurdamente sua área em 92,1 milhões de hectares, ou seja, passaram
de 146,8 milhões de hectares em 2003 para 238,9 milhões de hectares em 2010”
(OLIVEIRA, 2015, p. 32). Assim, “no Brasil a concentração da propriedade
privada da terra atua como processo de concentração da riqueza e, portanto, do
capital” (OLIVEIRA, 2010, p. 287) e gera males paradoxais[4]:
violências agrária, urbana, ambiental, geracional etc.
Referências.
MARTINS, José de Souza. O poder do atraso: ensaios de Sociologia da História Lenta. 2ª
edição. São Paulo: HUCITEC, 1999.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Camponeses,
indígenas e quilombolas em luta no campo: a barbárie aumenta. In: Conflitos no Campo Brasil 2015.
Goiânia: CPT Nacional, p. 28-42, 2015.
______. A questão agrária no Brasil: não
reforma e contrarreforma agrária no governo Lula. In: Vv.Aa. Os anos Lula: contribuições para um balanço
crítico 2003-2010. Rio de janeiro: Garamond, p. 287-328, 2010.
_____. Modo
de Produção Capitalista, Agricultura e Reforma Agrária. São Paulo: Labur
Edições, 2007. Disponível em http://www.geografia.fflch.usp.br/graduacao/apoio/Apoio/Apoio_Valeria/Pdf/Livro_ari.pdf
.
Belo Horizonte, MG, 21 de novembro de 2017.
Obs.: Vídeo no link,
abaixo, ilustra o texto acima:
[1] Padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências
Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação
pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, CEBs, SAB e Ocupações Urbanas; professor
de “Direitos Humanos e Movimentos Populares” em curso de pós-graduação do IDH,
em Belo Horizonte, MG. e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.freigilvander.blogspot.com.br
- www.gilvander.org.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
[3] Jornal A Verdade,
dez./jan./2017, n. 190, ano 17, p. 5.
[4] Cf. PROUDHON, Pierre Joseph. O que é a propriedade? Lisboa: Editorial Estampa, 1975. E ROUSSEAU,
Jean Jacques. Discurso sobre a origem e
os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Nova Cultural,
1999.
sexta-feira, 17 de novembro de 2017
quinta-feira, 16 de novembro de 2017
quarta-feira, 15 de novembro de 2017
Estrutura fundiária iníqua e luta pela terra
Estrutura fundiária iníqua e luta pela terra
Por
frei Gilvander Moreira[1]
“A
população do território hoje conhecido como Brasil em 1500 era, calcula-se, de
mais de cinco milhões[2] de
pessoas distribuídas por centenas de povos, com línguas, religiões, organizações
sociais e jurídicas diferentes” (MARÉS, 2003, p. 49). Há mais de cinco séculos
o latifúndio continua sendo a estrutura básica fundiária no Brasil e,
ultimamente, sob a hegemonia do agronegócio, a luta pela terra necessita de
crítica permanente, isso para diminuir, no mínimo, os riscos de perdurar e
repetir ad infinitum a estrutura
latifundiária, um dos fundamentos da sociedade do capital, “estruturalmente
incapaz de dar solução às suas contradições” (MÉSZÁROS, 2007, p. 116).
Como
pode o Brasil continuar desde 22 de abril de 1500, há 517 anos, sem fazer
reforma agrária, sem democratizar o acesso à terra? “Desde o século XIX, com a
ascensão da burguesia em vários países, foi a reforma do direito de propriedade
e a democratização do acesso à propriedade, de maneira a abolir privilégios
nele baseados, dinamizar o mercado e incrementar a igualdade jurídica que
dinamizaram a economia capitalista e acentuaram o papel transformador do
mercado” (MARTINS, 1999, p. 75).
Segundo
dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no livro anual que edita, desde 1979,
Conflitos no Campo Brasil, nos
últimos anos, as ocupações de terra tem acontecido em menor número, tanto na
atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) quanto em outros
movimentos camponeses, diante da avalanche do agronegócio e sob o governo do
Partido dos Trabalhadores (PT) no plano federal, que findou com o golpe
parlamentar-jurídico e midiático de 31 de agosto de 2016. Depois de ter
atingido 79065 famílias em ocupações no ano de 1999, iniciou-se um decréscimo
no número de famílias que vão para ocupações no campo anualmente. Em 2004,
tivemos 76.000 famílias e depois foi reduzindo o número até chegar a apenas 16.858
famílias no ano de 2010, apresentando de 2011 a 2014 pouco mais de 23 mil famílias
por ano, em 2015 um ligeiro aumento com 32.927 famílias e, em 2016, em uma
grande queda, foram para ocupações apenas 21.776 famílias sem-terra, o que é
muito pouco em relação às 79.065 famílias do ano de 1999.
O número
de conflitos agrários no Brasil tem sido muito alto desde o ano de 1500, com
momentos de forte questionamento da ordem estabelecida da propriedade privada
capitalista nas épocas das lutas camponesas de Canudos (1896-1897), do
Contestado (1912-1916), de Trombas e Formoso (1950-1957) e das Ligas Camponesas
(1955-1964). “De 1985 a 2014 contabilizou-se mais de 19 milhões de pessoas
envolvidas em conflitos no campo brasileiro” (MATOS; CUNHA; GOMES DE ALENCAR,
2014, p. 68). A luta pela terra no Brasil é histórica e continua acirrada sob
múltiplas formas.
Ocupar
latifúndio é algo radical, que envolve graves riscos, mas já está sedimentado
no imaginário dos Sem Terra que “se os Sem Terra não ocupam, o governo não faz
nada!” Melhor dizendo, faz tudo para o fortalecer a propriedade capitalista da
terra, eixo essencial do capitalismo no Brasil. O Estado, no Brasil, tem
permanecido nas mãos de partidos que garantem a reprodução e ampliação do
capital. Martins assinalava isso em 1989. “Os partidos que realmente
representam uma alternativa democrática e transformadora são ainda fracos – e são impedidos de crescer,
acrescentamos - e não têm condições de interferir significativamente nesse
círculo vicioso do poder. No Brasil o Estado tem o seu partido, o que empurra o
processo político contra qualquer tendência democrática real” (MARTINS, 1989,
p. 65).
O Estado
brasileiro faz o pior: investe pesado no agronegócio e no fortalecimento do
iníquo regime da posse e do domínio da terra - estrutura fundiária - no Brasil,
baseado no latifúndio. Referindo-se à luta de mil mulheres da Via Campesina,
que em 08 de março de 2006, destruíram um viveiro de mudas de eucalipto de uma
transnacional no Rio Grande do Sul, Plínio de Arruda Sampaio comentou: “A ação
das Mulheres da Via Campesina, na sede da Aracruz Celulose, está em consonância
com as ações de Gandhi e Martin Luther King Jr., mártires dos oprimidos. Elas e
eles fizeram desobediência civil: desafio a leis injustas sem agredir pessoas.
Como gesto extremo, querem acordar consciências anestesiadas que são cúmplices de
sistemas opressivos. A não violência de Gandhi e Luther King não diz respeito
às coisas, mas, sim, às pessoas humanas” (FSP, 24/3/2006, p.
A3).
O
boicote do sal e do tecido inglês na Índia, o dos ônibus segregacionistas no
Sul dos Estados Unidos e tantos outros movimentos de desobediência civil em
todo o mundo causaram grandes prejuízos materiais aos capitalistas, mas
trouxeram conquistas para a humanidade. Vivemos dias muito sombrios, para não
dizer dramáticos. Ficou natural encarcerar pessoas em massa que, tratadas como
gado, sucumbiram ante o brilho do ouro dos tolos: as mercadorias produzidas
pelo capital à custa da dignidade e da liberdade de tantas pessoas e da vida do
nosso Planeta. Tornou-se natural violentar pessoas apenas porque lutam por moradia,
transporte decente, contra a homofobia ou por um pedaço de terra para cultivar
e morar. Vivemos dias tenebrosos por sentir na própria pele as consequências de
condutas tão contrárias à ética nos espaços públicos e privados.
Referências.
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o estado: pesquisa de
antropologia política. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978.
MARÉS, Carlos Frederico. A
função social da terra. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003.
MARTINS,
José de Souza. O poder do atraso: ensaios
de Sociologia da História Lenta. 2ª edição. São Paulo: HUCITEC,
1999.
______. Caminhada no chão da noite: emancipação
política e libertação nos movimentos sociais do campo. São Paulo: HUCITEC,
1989.
MATOS,
Helaine Saraiva; CUNHA, Gabriela Bento; GOMES DE ALENCAR, Francisco Amaro.
Panorama dos conflitos e da violência no espaço agrário brasileiro de
1985-2014. In: Conflitos no Campo Brasil
2014. Goiânia: CPT Nacional, p. 68-73, 2014.
MÉSZÁROS,
István. O desafio e o fardo do tempo
histórico: o socialismo do século XXI. São Paulo: Boitempo, 2007.
Vídeo que
ilustra o texto, acima:
Palavra
Ética, na TVC/BH: frei Gilvander - Acampamento Dom Luciano/MST, Salto da
Divisa/MG. 22/09/2014
Belo Horizonte,
MG, 14/11/2017.
[1] Padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências
Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação
pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, CEBs, SAB e Ocupações Urbanas; professor
de “Direitos Humanos e Movimentos Populares” em curso de pós-graduação do IDH,
em Belo Horizonte, MG. e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.freigilvander.blogspot.com.br
- www.gilvander.org.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
[2]
Estimativa fruto de pesquisa demográfica parcial apresentada no livro CLASTRES,
Pierre. A sociedade contra o estado:
pesquisa de antropologia política. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978.
terça-feira, 14 de novembro de 2017
Movimento dos Pescadores e Vazanteiros continua pelo 2º dia acampado na sede da SPU em Belo Horizonte, MG - 14/11/2017.
Movimento dos Pescadores e
Vazanteiros continua pelo 2º dia acampado na sede da SPU em Belo Horizonte, MG - 14/11/2017.
"Ai de vós, que
ajuntais casa a casa, e que acrescentais campo a campo, até que não haja mais
lugar para os pobres, e sejais os únicos proprietários da terra" (Isaías 5,8).
As sete comunidades
tradicionais vazanteiras/pesqueiras vindas das barrancas do Alto e Médio São
Francisco (Canabrava, Caraíbas, Croatá, Venda, Maria Preta, Barrinha e
Cabaceiras), no norte Minas Gerais, continuam acampadas desde a madrugada de
ontem, dia 13/11/2017 na sede da Superintendência do Patrimônio da União (SPU),
em Belo Horizonte, MG, à Av. Afonso Pena, 1316. O acampamento iniciou na
madrugada de ontem, dia 13 de novembro, e continua hoje, dia 14/11/2017, no 2º dia.
As comunidades tradicionais pesqueiras/vazanteiras reivindicam a regularização
dos seus Territórios Tradicionais, parte deles localizados nas áreas da União e,
por isso, são de responsabilidade da SPU. Ontem, durante todo o dia, as
comunidades reuniram-se com o Superintendente da SPU em Minas Gerais, Vicente
de Paulo Diniz, e em função dos poucos resultados decidiram manter por tempo
indeterminado a mobilização e o acampamento. Uma das reivindicações principais
é a TAUS (Termo de Autorização de Uso Sustentável) da Comunidade Tradicional
Cana Brava, em Buritizeiro, MG, que foi expulsa do seu território pela
brutalidade de fazendeiros na região e cumplicidade do Estado de Minas chegando
a fazer um dos despejos sem após um Liminar de reintegração de posse ter sido
derrubada por um desembargador do TJMG. As famílias estão precariamente acampadas
na Ilha da Esperança e na Ilha Manuel Redeiro, que estão sendo submersas pela
águas do São Francisco com a chegada das chuvas. Hoje está marcada nova reunião
com a SPU às 10 horas da manha.
As comunidades tradicionais denunciam
a morosidade do Estado em regularizar seus territórios, o que está acirrando
conflitos e violando direitos básicos das famílias. Alertamos às autoridades
dos poderes Executivo Federal e Estadual, ao Poder Judiciário estadual e
Federal, à SPU que caso não atenda as legítimas reivindicações das Comunidades
Tradicionais com rapidez, podemos estar nos aproximando de massacres e mais
violência. Conflito social e agrário jamais se supera de forma justa e pacífica
com repressão, mas se supera é com Política e Negociação séria. Por isso,
continuamos na luta. E afirmamos que só levantaremos o Acampamento com
resultados concretos!!!
Assinam essa Nota Pública:
Conselho de Pastoral dos
Pescadores (CPP)
Comissão Pastoral da Terra
(CPT/MG)
Movimento Nacional dos
Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil.
Comunidade tradicional pesqueira/vazanteira
de Canabrava, em Buritizeiro, MG.
Mais informações com:
Irmã Neusa (Conselho de Pastoral
dos Pescadores - CPP) - (38) 99129-6021
Alexandre Gonçalves
(Comissão Pastoral da Terra - CPT) - (38) 99736-7979
Belo Horizonte, MG, 14 de
novembro de 2017.
Obs.: Daqui a pouco soltaremos
mais informações COMO COMPREENDER O GRAVÍSSIMO CONFLITO SOCIAL E AGRÁRIO QUE
ENVOLVE A COMUNIDADE CANABRAVA E MUITAS OUTRAS COMUNIDADES NA BEIRA DO RIO SÃO
FRANCISCO EM MG.
domingo, 12 de novembro de 2017
COMUNICADO DE FREI RODRIGO PERET (da CPT), MARIA JÚLIA E JARBAS (do MAM), que foram presos no ZIMBÁBUE.
COMUNICADO DE FREI RODRIGO PERET (da CPT), MARIA JÚLIA E
JARBAS (do MAM), que foram presos no ZIMBÁBUE na África.
JARBAS (do MAM), que foram presos no ZIMBÁBUE na África.
Comunicamos aos companheiros e companheiras, que após julgamento na Corte Criminal de Pequenas em Mutare, no Zimbábue, fomos libertados no meio da tarde do dia 11 de novembro. Contudo, estamos ainda apreensivos em relação ao retorno das pessoas que foram presas (24 pessoas, de 8 países). Preocupa-nos a segurança e integridade físicas das mesmas ao retornarem para os seus países de origem. A conjuntura é delicada e exige que se mantenha a mobilização e solidariedade internacional até a finalização total da situação.
Fomos presos durante uma missão de solidariedade internacional às comunidades atingidas pela mineração no Zimbábue, convocada pela Rede Diálogo com os Povos. Enquanto participávamos de um encontro com 2.000 pessoas na região de Marange, cuja pauta era a discussão sobre os impactos da atividade mineraria de diamante na área e a criação de um fundo comunitário para a melhoria das condições de vida das comunidades atingidas. Todos os estrangeiros foram presos logo ao início do encontro, no começo da manhã do dia 10. Fomos conduzidos para o posto policial de Marange, de lá levados para a Delegacia Central de Polícia de Mutare, onde fomos fichados e encarcerados.
Para a nossa libertação foi fundamental a pressão internacional e o apoio de muitas organizações que se solidarizaram com a situação. Destacamos o trabalho dos advogados e advogadas da Zimbabwean Lawyers for Human Rights, que se mobilizaram desde o primeiro momento e acompanharam todo o grupo ao longo do processo. Ressaltamos também a atuação firme da Embaixada Brasileira no Zimbábue, que colaborou muito na mediação da resolução.
Agradecemos muito toda a articulação e apoio! E reafirmamos a necessidade de que continuemos atentos até a chegada de todos e todas aos seus países.
Abraços fraternos,
Frei Rodrigo Peret - Comissão Pastoral da
Terra (CPT) e Diálogo dos Povos
Jarbas Vieira - Movimento pela Soberania
Popular na Mineração (MAM)
Maria Júlia - Movimento pela Soberania
Popular na Mineração (MAM)
Zimbábue, tarde do dia 11/11/2017.
sexta-feira, 10 de novembro de 2017
domingo, 5 de novembro de 2017
Tributo à historiadora Emília Viotti da Costa
Tributo
à historiadora Emília Viotti da Costa
Por frei Gilvander
Moreira[1]
Fiquei comovido ao
receber a notícia de que no dia 02 de novembro de 2017 tinha falecido a
historiadora Emília Viotti da Costa (1928-2017), aos 89 anos. Para uns, Emília
se encantou. Para outros, ela passou para o segundo andar. Para outros ainda, Viotti
da Costa entrou para a vida plena. Para dona Maria Resende, da Comunidade Vila
Nova, em Belo Horizonte, “morreu a pessoa e ficou o nome”. Perdemos a presença
física de Emília Viotti da Costa, uma intelectual de rara grandeza teórica,
política e ética, mas os seus escritos ganham maior eloquência e são agora de
leitura imprescindível para toda pessoa comprometida com a construção de uma
sociedade justa e solidária, que supere o capitalismo e o sistema do capital.
A historiadora
marxista Emília Viotti da Costa é autora de livros clássicos da historiografia
brasileira, entre os quais, Da senzala à
colônia (1966), A abolição
(1982), Coroas de glória, lágrimas de
sangue: a rebelião dos escravos de Demerara em 1823 (1994), Brasil: de la monarquía a la república
(1995), Da monarquia à república:
momentos decisivos (1999), O Supremo
Tribunal Federal e a construção da cidadania (2001), A dialética invertida e outros ensaios (2014) e Brasil: história, textos e contextos
(2015).
Viotti da Costa foi estudiosa
do tema da escravidão e racismo. Militante, atuou firme contra a ditadura de
1964. Feminista convicta, sempre lutou pelo reconhecimento das mulheres. Foi
uma de nossas grandes historiadoras. Estudiosa do tema da escravidão, com
compromisso teórico e engajamento crítico, orientados pelo materialismo
histórico-dialético, Viotti da Costa lecionou no Departamento de História da
Universidade de São Paulo entre 1964 e 1969, quando foi compulsoriamente
aposentada da Universidade de São Paulo (USP), por imposição do AI 5 – Ato
Institucional n. 5 -, o quinto de dezessete Atos da ditadura
militar-civil-empresarial, assinado pelo ditador Artur da Costa e Silva, dia 13
de dezembro de 1968.
Durante minha pesquisa
de doutorado na FAE/UFMG, intitulada A
luta pela terra em contexto de injustiça agrária: pedagogia de emancipação
humana? Experiências de luta da CPT e do MST, tive a grande alegria de
encontrar e me ancorar em escritos de Emília Viotti. Eis, abaixo, como
aperitivo, algumas referências inspiradoras da historiadora marxista Emília
Viotti que incluí na minha tese.
Com a invasão dos
europeus portugueses, o Brasil colonial foi organizado como uma empresa
comercial para a produção de commodities
para a exportação. Daí a exploração do pau-brasil, a produção de açúcar e café
até os dias de hoje com as monoculturas da soja, do eucalipto e minério, quase
tudo para exportação. “O Brasil colonial foi organizado como uma empresa
comercial resultante de uma aliança entre a burguesia mercantil, a Coroa e a
nobreza” (VIOTTI DA COSTA, 1999, p. 173).
Durante o Brasil
colonial, quem recebia certa área de terra em sesmaria tinha o direito de
usufruto sobre a terra, vender/repassar para outro, mas a propriedade da terra
continuava sendo da Coroa portuguesa. Os que recebiam a terra da Coroa, antes
da Lei de Terras, não recebiam a propriedade da terra, apenas o direito de
usufruto e tinham o dever de cultivar a terra, senão poderiam perder o direito
de usufruto, conforme a Lei de 26 de junho 1375. “Aqueles para os quais a terra
era doada tinham apenas o usufruto: a propriedade era reservada à Coroa”
(VIOTTI da COSTA, 1999, p. 173).
O contexto de
crescimento do capitalismo internacional no século XIX colocou em relação
direta a propriedade da terra e o trabalho como meios de acumulação do capital.
Terra e trabalho se tornaram mercadorias, fontes de acumulação capitalista, de
poderes econômico e político. A historiadora Emília Viotti da Costa, no livro Da monarquia à república: momentos decisivos,
dedica o quarto capítulo a uma abordagem sobre a política de terras no Brasil e
nos Estados Unidos. A autora aponta uma série de mudanças que estavam
acontecendo ancoradas, obviamente, nas condições históricas materiais,
objetivas e sociais do capitalismo: “No século XIX, a expansão dos mercados e o
desenvolvimento do capitalismo causaram uma reavaliação das políticas de terras
e do trabalho em países direta ou indiretamente atingidos por esse processo. O
crescimento da população, as migrações internas e/ou internacionais, os
melhoramentos nos meios de transporte, a concentração populacional nos centros
urbanos, o desenvolvimento da indústria e a acumulação de capital estimularam a
incorporação da terra e do trabalho à economia comercial e industrial. Consequentemente
houve uma expansão das áreas cultivadas para fins comerciais e uma redução da
agricultura de subsistência. Nos lugares onde a terra tinha sido explorada
apenas parcialmente, a expansão do mercado provocou a intensificação do uso da
terra e do trabalho, resultando frequentemente na expulsão de arrendatários e
meeiros ou na expropriação das pequenas propriedades e das terras comunitárias”
(VIOTTI DA COSTA, 1999, p. 169-170).
No Brasil, após 1850,
com a Lei de Terras, sob o regime de compra, o poder político que deveria ser
público, perdeu seu poder de impor certas condições ao sistema do capital. Quem
tinha poder econômico passou a ter condições irrestritas para ir se apropriando
de grandes extensões de terra. Nesse sentido, assevera Viotti da Costa: “Quando
a terra era uma doação real, o rei tinha o direito de impor certas condições,
regulamentando seu uso e sua ocupação e limitando o tamanho do lote e o número
de doações recebidas por pessoa. Quando a terra tornou-se uma mercadoria
adquirida por indivíduos, as decisões concernentes à sua utilização passaram a
ser tomadas por esses mesmos indivíduos” (VIOTTI DA COSTA, 1999, p. 172).
Aconteceu também um
deslocamento do poder político para o poder econômico. Antes da Lei de Terras, a
Coroa Portuguesa doava propriedades rurais segundo méritos do beneficiário, o
que lhe conferia prestígio social. Receber uma doação de terra da Coroa era uma
forma de obter reconhecimento político e prestígio social. Mas com a Lei de
Terras, passou a ter prestígio social quem tinha poder econômico para comprar a
terra. E, “ao comprar a terra compra-se o direito de auferir a renda da terra”
(OLIVEIRA, 2007, p. 57). Assim, a Lei de Terras fortaleceu a estratificação
social, a desigualdade social e estimulou a propriedade capitalista da terra.
“Na primeira fase, a propriedade da terra conferia prestígio social, pois
implicava o reconhecimento pela Coroa dos méritos do beneficiário. Na segunda
fase, a propriedade da terra representa prestígio social porque implica poder
econômico. No primeiro caso, o poder econômico derivava do prestígio social; no
segundo, o prestígio social deriva do poder econômico” (VIOTTI DA COSTA, 1999,
p. 172).
Com a moribunda
escravidão legal do povo negro, com seus dias contados, em um país gigante em
extensão territorial e com baixa população, o único meio de manter os
trabalhadores trabalhando de forma compulsória era o aprisionamento da terra,
isso para continuar arrancando deles mais-valia e extorquindo-lhes a dignidade
humana. Somente a instituição jurídica do cativeiro
da terra asseguraria a exploração da força de trabalho, seja dos escravos
que seriam libertados juridicamente, seja dos imigrantes que estavam chegando
com sede de melhoria das condições de vida. “Numa região onde o acesso à terra
era fácil, seria impossível obter pessoas para trabalhar nas fazendas, a não
ser que elas fossem compelidas pela escravidão. A única maneira de obter
trabalho livre, nessas circunstâncias, seria criar obstáculos à propriedade
rural, de modo que o trabalhador livre, incapaz de adquirir terras, fosse
forçado a trabalhar nas fazendas” (VIOTTI DA COSTA, 1999, p. 176).
O tributo maior a
Emília Viotti da Costa será seguirmos militando em prol da construção de uma
sociedade justa e solidária, superando todo tipo de escravidão, colonialismo e
mandonismo, orientados pelo legado de história libertadora – leituras do
passado desde a perspectiva dos injustiçados -, um farol aceso contra as
opressões. Obrigado, Emília Viotti. Você continuará vivendo em nós também!
Referências.
OLIVEIRA,
Ariovaldo Umbelino de. Modo de Produção Capitalista, Agricultura e
Reforma Agrária. São Paulo: Labur Edições, 2007. Disponível em http://www.geografia.fflch.usp.br/graduacao/apoio/Apoio/Apoio_Valeria/Pdf/Livro_ari.pdf
, acesso em 14/9/2016 às 15h27.
VIOTTI DA COSTA, Emília. Da monarquia à república: momentos decisivos. 6ª edição. São Paulo:
Fundação Editora da UNESP, 1999.
Obs.: A perspicácia intelectual
e política de EMÍLIA VIOTTI DA COSTA pode ser conhecida pela entrevista que ela
concedeu, em 02/4/2001, ao Programa REDE VIVA da TV Cultura, no link https://www.youtube.com/watch?v=KRELCvaqCrY
[1] Padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências
Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação
pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, CEBs, SAB e Ocupações Urbanas; professor
de “Direitos Humanos e Movimentos Populares” em curso de pós-graduação do IDH,
em Belo Horizonte, MG. e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.freigilvander.blogspot.com.br
- www.gilvander.org.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
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