terça-feira, 28 de novembro de 2017

Seminário - Ecoteologia e Mineração - Mariana/ MG - Frei Gilberto Teixe...

Depoimento de Marino (2a Parte): Ecoteologia e Mineração - Crime da Vale...

AS FAMÍLIAS DA COMUNIDADE CABECEIRA DA PIABANHA, EM SALTO DA DIVISA, MG, SOFREM VIOLÊNCIAS FÍSICAS E SIMBÓLICAS CONSTANTES.

AS FAMÍLIAS DA COMUNIDADE CABECEIRA DA PIABANHA, EM SALTO DA DIVISA, MG, SOFREM VIOLÊNCIAS FÍSICAS E SIMBÓLICAS CONSTANTES. 
Nota denúncia: a vida está ameaçada. BH, 28/11/2017.



A Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG), por meio desta nota, vem denunciar as diversas formas de ameaças, intimidações e violências que os moradores e moradoras da Comunidade Tradicional da Cabeceira da Piabanha vêm sofrendo, desde o ano 2014, quando foi iniciada a tramitação, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) de um Projeto de Lei de autoria do Deputado Estadual Carlos Pimenta – PL 1480/2015 (antigo PL 4.743/2013) - propondo alteração nos limites do Parque Estadual Alto Cariri – Salto da Divisa e Santa Maria do Salto. O referido Projeto de Lei afeta diretamente o território da Comunidade Tradicional da Cabeceira da Piabanha. Na época, (2014), os comunitários procuraram a CPT/MG e relataram que estavam sendo pressionados com frequência para saírem das terras onde moram desde meados do século passado e o motivo de tal pressão era que tal área seria destinada à mineração pela mineradora Nacional do Grafite. As ameaças contra a comunidade se tornaram mais acirradas quando o referido PL foi suspenso devido a um pedido de vista do Deputado Rogério Correia. Ressaltamos que tal projeto voltou a tramitar na ALMG.
Segundo os comunitários, devido às ameaças e agressões, dezenas de Boletins de Ocorrência já foram registrados contra o fazendeiro Olinto Herculano Pimenta, que, por sua vez, alega ter documento das terras, ocupadas há dezenas de anos pelas famílias. São tantas ameaças que o Ministério Público de Minas Gerais moveu uma Medida Cautelar em favor da comunidade, sendo que na medida, datada de 25/8/2017, o Juiz de Direito da Comarca de Jacinto – André Luiz Alves - determinou que o fazendeiro Olinto Herculano Pimenta e outros ameaçadores ficassem proibidos de se aproximarem a menos de 150 metros das famílias, bem como os proibiu de manterem qualquer tipo de contado, pessoalmente ou por qualquer outro meio com os moradores.
No entanto, segundo as famílias, o fazendeiro Olinto tem descumprido tal decisão e tem ido à comunidade ameaçar os moradores. Em duas ocasiões, as famílias registraram Boletim de Ocorrência na Polícia Militar em Salto da Divisa.  No dia 15/9/2017 o Sr. Olinto Herculano Pimenta e seu cunhado Renato Pimenta foram à comunidade e aproximaram-se a menos de 10 metros das vítimas, como forma de intimidação, como pode ser confirmado no BO Nº M2246-2017-00000893. Segundo os moradores, de modo reiterado, no dia 24/11/2017 o Sr. Olinto Herculano Pimenta, descumprindo novamente a decisão judicial voltou na comunidade e passou a menos de 01 metro da comunitária Marinez e a menos de 40 metros de Luzeni. Além disso, passou também a menos de 10 metros da casa de Nivaldo, deixando as famílias apavoradas e indignadas. Diante disso, os moradores registraram novamente o BO de Nº M 2246-2017-0001118.
Não bastasse o descumprimento da decisão judicial e as ameaças, acima narradas, no início de outubro do corrente ano, o fazendeiro Olinto colocou mais de 100 vacas no território da Comunidade, dando prejuízos aos moradores, pois o gado tem entrado nas roças e destruído as plantações, além de pisotear as nascentes da comunidade e sujar a água com fezes e urina, deixando a água sem condições de uso, pois além do odor derivado das fezes e urina, a água está barrenta.
Além disso, o gado do Sr. Olinto, segundo os moradores, está causando outros prejuízos ecológicos ao Parque Estadual do Alto Cariri. Já foi feito denúncias junto a Polícia Ambiental de Salto da Divisa e para o IEF (Instituto Estadual de Florestas), mas o gado ainda permanece no território. As famílias ficam indignadas, pois as mesmas não criam gado porque o IEF disse para a comunidade que é proibido criar gado dentro do Parque e as famílias tem acatado e concordam que o gado causa muitos danos ecológicos. Em Audiência Pública na ALMG a Defensoria Pública de MG alertou o Sr. Olinto de que não era permitido colocar gado dentro do Parque, onde está há muitas décadas a Comunidade Tradicional da Cabeceira do Piabanha.
 A comunidade afirma que há décadas nenhum dos fazendeiros que alegam ter documento da terra não exerce nenhuma atividade no local e só a partir de outubro do corrente ano é que veio a criar gado na localidade numa tentativa desesperada de exercer posse e ameaçar as famílias.
Além de repudiar e denunciar as violências impetradas contra a comunidade Cabeceira da Piabanha e os danos ambientais ao Parque Estadual Alto Cariri, a Comissão Pastoral da Terra também vem pedir ao Poder Judiciário, ao Ministério Público de Minas Gerais e aos Órgãos de Governo de Minas que tomem providências urgentes no sentido de fazer valer o direito das famílias da Comunidade Tradicional da Cabeceira da Piabanha. Exigimos do Governo de Minas Gerais e de seus Secretários/as as providências cabíveis para que não ocorra um massacre na comunidade como tem ocorrido em outras localidades por todo país. Exigimos que a ALMG, por uma questão ética, arquive imediatamente o PL 1480/2015. Tal projeto é “um crime” que está em curso contra o Parque e contra as famílias da Comunidade Tradicional da Cabeceira da Piabanha. É um projeto que está a serviço da mineração e tem aflorado a cobiça de fazendeiros da região que historicamente têm utilizado a “violência física e simbólica” contra os camponeses/as da região.     
Belo Horizonte, 28 de novembro de 2017
Assina essa Nota:
Comissão Pastoral da Terra – CPT/MG

Obs.: Nos seis links, abaixo, estão vídeos disponibilizados na internet fazendo as denúncias das violações aos direitos dos Moradores da Comunidade Tradicional Cabeceira da Piabanha, em Salto da Divisa, MG, inclusive vídeos da Audiência Pública ocorrida na ALMG em Belo Horizonte, dia 12/7/2016:


segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Tributo a frei Henri des Roziers: continuaremos sua luta.

Tributo a frei Henri des Roziers: continuaremos sua luta.
Por Sônia Maria Alves da Costa[1]

O falecimento do frei Henri Gui Emile Burin des Roziers, neste domingo, 26 de novembro de 2017, deixa muita tristeza pela perda de um grande mestre e excepcional amigo, exemplo de vida para muitas/os lutadoras/es do povo, cuja vida foi dedicada de maneira abnegada à luta contra todas as formas de injustiça e grande parte de sua vida  empenhada à defesa das classes trabalhadora e camponesa no norte do Brasil, inicialmente em 1979 no antigo norte de Goiás, na cidade de Porto Nacional e em seguida no município de Gurupi, atual estado de Tocantins e também no Sul do Pará, nos últimos anos, uma das regiões emblemáticas e de intensa injustiça agrária e existência de trabalho escravo, uma das mais violentas do país, de onde ele saiu em 2013, muito a contragosto, para fazer um tratamento de saúde, já gravemente doente e retornou ao seu país de origem, sua cidade Natal, Paris. A cada visita de uma brasileira ou de um brasileiro ele repetia que “queria voltar para morrer no Pará”! Eu me recordo muito bem dessa frase firme dele, com a mesma firmeza com que conduziu sua luta pelos Direitos Humanos, na Europa, na América Central e em muitas outras fronteiras de luta e especialmente no Brasil, onde dedicou décadas de luta ao povo injustiçado do Norte do nosso país, onde ele se sentia muito realizado, mesmo diante das graves e constantes ameaças de morte que recebia. Foi uma grande luta para ele aceitar a proteção da Polícia Federal 24 horas por dia em um dos momentos mais críticos de sua permanência no Pará. Ele alegava que se o povo a quem defendia não tinha o mesmo tipo de proteção, por que ele deveria merecê-la?  
Eu não tenho o dom da poesia, mas penso que um poema de Bertolt Brecht ilustra a missão exercida pelo frei Henri: “Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis”. Frei Henri se tornou uma pessoa imprescindível para os camponeses, para os milhares de trabalhadores submetidos ao trabalho escravo contemporâneo, para a CPT, para a RENAP, enfim, para o povo lutador brasileiro e de muitos outros países.
Frei Henri era extremamente comprometido com a luta, muito exigente, mas de uma humanidade indescritível, daquelas pessoas que te proporcionava muito prazer em dividir uma taça de vinho e discutir sobre a vida e a conjuntura do país e, com a mesma determinação, segui-lo andando a pé por diversos quilômetros até uma ocupação de camponeses Sem Terra, no meio da mata ou virar a noite elaborando peças processuais ou ainda escrevendo notas de repúdio para autoridades pelo tombamento de mais uma vítima pelo braço armado dos latifundiários e pela omissão-cumplicidade do Estado! Egresso da Sorbonne, Doutor pela Universidade de Cambridge, recebeu dezenas de prêmios nacionais e internacionais, em Direitos Humanos, mas valorizava muito mais cada vitória resultante da sua luta em defesa do povo empobrecido a quem defendia na condição de incansável advogado, porque era uma pessoa muito simples.
Ele foi inspiração para muitas pessoas e eu tive a felicidade de conhecê-lo na minha adolescência, por uma feliz coincidência de morar vizinha ao escritório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), na cidade de Gurupi, onde, inicialmente participei de reuniões organizadas por ele com as pessoas da vizinhança para celebrar e para conversar sobre a realidade, em algumas noites, para conhecer um pouco a realidade local e compartilhar sua vida e luta. Dessa forma, alguns anos depois, inspirada pelo seu exemplo de vida, decidi estudar Direito. Resumidamente, por pertencer a uma família nobre da França, frei Henri abdicou da vida naquele país, para se dedicar à luta pelos Direitos Humanos e chegou ao Brasil no fim do ano de 1978, ainda durante a Ditadura Militar e permaneceu por aqui até o ano de 2013.
Sua história de compromisso com os camponeses injustiçados inspirou a mim e a muitas outras/os lutadoras/es do povo e eu tive a felicidade de trabalhar quase uma década ao lado dele e foi o melhor estágio que eu poderia ter tido na vida para o exercício da advocacia popular, mas sei que não interessa a minha vida, apenas cumpre registrar essa importante e valiosa contribuição na minha formação jurídica, desde a escolha do curso e a opção da atuação profissional, que poderia ter trilhado outros caminhos, mas eu tenho imensa satisfação e serei eternamente grata por essa oportunidade na vida. 
No escritório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Araguaia-Tocantins, onde fui trabalhar alguns anos após conhecê-lo, foi onde tive acesso à livros importantes, tais como “Brasil: Nunca Mais”, “1968: o ano que não terminou”, “Olga” e muitos outros, mas especialmente foi onde conheci a dureza dos conflitos agrários e a sangrenta e implacável perseguição aos trabalhadoras/res rurais do norte do então Estado de Goiás, Sul do Pará e Sul do Mato Grosso, grande região abrangida pela atuação da CPT Araguaia-Tocantins naquela época. Ali fiz descobertas sobre a gravidade da violência perpetrada pelo latifúndio contra aquelas famílias de posseiras e posseiros centenários, cujos pais ou avós já viviam por ali, forjando sua sobrevivência da maneira possível, sem a presença do Estado, sem nenhuma política pública, pessoas simples que viviam em uma região isolada, mas que foram marcadas de maneira indelével pela violência do Estado, dos latifundiários e dos grileiros que pela ganância ceifaram centenas de vidas e tornaram outras tantas escravas em nome do “desenvolvimento”, apenas para um reduzido grupo de exploradores violentos, para quem a vida dessas pessoas não importava.
Nesse cenário de verdadeiro massacre durante décadas sem trégua e sem poderem se defender diretamente, frei Henri, advogado lutador e extremamente corajoso e comprometido com as causas do povo violentado daquela região de intenso conflito agrário, proporcionava, de maneira incansável, todos os dias da semana, alguma esperança de justiça, ainda que temporária para continuar a luta. Muitas vitórias importantes foram conquistadas, muitos assentamentos de Reforma Agrária, mesmo tendo que computar nessa luta desigual muitas vidas ceifadas, mas sem perder a capacidade de indignação e retirando energia no combate intenso e incansável de lutar pela justiça.
Esse legado de compromisso com causa do povo camponês expropriado da região norte do nosso país, fez com que o frei Henri des Roziers se tornasse exemplo para o seguimento de muitas advogadas e muitos advogados populares que entraram e seguiram na luta, mesmo com a mudança de cenário, sem mudar a difícil realidade dessa população que permanece na luta incansável até os dias atuais, inspiradas e inspirados nos seus ideais de luta, cujo exemplo não nos deixa perder a capacidade de indignação e seguir na luta sem desanimar e tentando também envolver outras lutadoras e lutadores nessa difícil – mas necessária - missão de lutar pela justiça, ainda que ela continue extremamente seletiva e classista, mas proporcionando as esses sujeitos de direito uma esperança e força para continuar lutando pelo justo, com o Direito que lhes pertence, na luta pela dignidade, embora seja difícil alcançá-lo, em face da imensa desigualdade social e a nefasta estrutura agrária e injusta concentração de riqueza e renda em nosso país capitalista, que não permite esquecer que os constantes golpes políticos e de outras variadas formas nos atingem, mas pelo seu exemplo de luta frei Henri e de tantas outras e outros lutadoras e lutadores, continuamos o nosso embate, com coragem e determinação para construir o nosso país e defender “todos os direitos para todos”! 

Brasília, Brasil, 26/11/2017.



[1] Advogada Popular, membro da RENAP (Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares – www.renap.org.br ), do Coletivo Feminista Marietta Baderna, IPDMS, FIAN e Doutoranda em Direito na UnB e advogada voluntária no Projeto Maria da Penha/NPJ/UnB; email: soniacosta0807@gmail.com

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Depoimento de Marino - 1a Parte - Seminário Ecoteologia e Mineração - M...

Dr. Edmundo, do MPF, na SPU/MG e Comunidades Pesqueiras/Vazanteiras/MG. ...

Concentrar terra para crescer o capital e a violência

Concentrar terra para crescer o capital e a violência
Por frei Gilvander Moreira[1]


Segundo o Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), do INCRA, de 2012, as propriedades rurais, com áreas com menos de 10 hectares, são 34,1% do total e ocupam somente 1,5% da área total do Brasil, com média de 4,7 hectares, enquanto os imóveis com mais 100.000 hectares (apenas 225 propriedades, menos de 1%) ocupam 13,4% da área total, com média de 361.426,60 hectares. Trata-se de uma das maiores injustiças agrárias do mundo essa estrutura fundiária pautada no latifúndio. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Via Campesina têm feito campanhas para inserir na legislação fundiária brasileira um limite para o tamanho da propriedade fundiária, mas “o céu continua sendo o limite” para isso no Brasil enquanto que em muitos países algo já foi estabelecido limites no arcabouço legal, como por exemplo, em países do Oriente Médio. “Há no Oriente Médio países que estabeleceram limites ao tamanho mínimo e máximo da propriedade individual da terra, como por exemplo, o Iraque, onde a área mínima é de 0,9 hectare, nas áreas irrigáveis, e de 23,4 hectares nas áreas de sequeiro, sendo que a área máxima é de 250 hectares nas áreas irrigadas e 500 hectares nas de sequeiro; a Jordânia, que regulou a área mínima em 3 hectares, e a máxima em 30 hectares. Na Síria, a área mínima possui 8 hectares, nas terras irrigadas, e 30 hectares nas terras secas, e a área máxima é de 80 hectares nas terras irrigadas, e 300 hectares nas terras secas. No Egito, foi estabelecido como área mínima 2 hectares, e como área máxima 40 hectares. A Tunísia, por sua vez, definiu como área mínima 4 hectares” (OLIVEIRA, 2007, p. 88).
Ainda, segundo o SNCR, os proprietários com imóveis com menos de 100 hectares (84,6%) ocupam 16,2% da área total de propriedades, enquanto, os com mais de 1.000 hectares (2%) detêm 52,3% da área total. Os imóveis com posse com menos de 100 hectares (90,0%) ocupam 21,6% da área total de posse, enquanto os com mais de 1.000 hectares (1,1%) têm em poder 53,4% da área total. O censo agropecuário de 2006 apontou que dos 5,17 milhões de propriedades rurais existentes, 84,4% (4,36 milhões) eram da agricultura camponesa. Este contingente de produtores ocupava uma área de 80,25 milhões de hectares, que representava 24,3% da área ocupada pelas propriedades agropecuárias. Por conseguinte, as grandes propriedades – latifúndios -, apesar de representarem somente 15,6% das propriedades, ocupavam, em 2006, 75,7% da área. A agricultura camponesa ocupava, em 2006, somente 25%, enquanto a patronal, 75% da área total das propriedades rurais, confirmando que o predomínio fundiário da economia patronal contrasta com o predomínio demográfico da camponesa. Apesar da defasagem temporal dos dados do Censo Agropecuário de 2006, esse quadro fundiário rural é atual e está se concentrando. Provavelmente o Censo agropecuário de 2016 apontará maior concentração de propriedades, o que acentuará a necessidade de reforço na luta pela terra.
De acordo com o IBGE, a concentração da propriedade privada fundiária no Brasil vem aumentando década após década. As propriedades rurais de menos de 10 hectares ocupam menos de 2,7% da área total ocupada por elas, enquanto a área ocupada pelas propriedades acima de 1000 hectares concentra mais de 43% da área total (Dados do Censo Agropecuário 2006). Isso coloca o Brasil como um dos países com maior concentração fundiária do mundo. De 2010 a 2014, no governo da presidenta Dilma Rousseff, houve um aumento da ordem de 2,5% na concentração de terras das grandes propriedades, “totalizando 66,7%, ou, mais 97,9 milhões de hectares para as grandes propriedades” (OLIVEIRA, 2015, p. 33). A “banda podre dos funcionários do cadastro do INCRA” foi cúmplice de parte dessa concentração fundiária, o que foi confirmado pela Operação Terra Prometida da Polícia Federal realizada no final de 2014 (Cf. OLIVEIRA, 2015, p. 32-32). Assim, mais seis milhões de hectares passaram para as mãos de grandes proprietários, quase três vezes o território do estado de Sergipe. O estoque das terras públicas aumentou muito no Cadastro do INCRA de 2014, pois “somavam 68 milhões de hectares em 2003, e, em 2010 chegaram a 80 milhões de hectares. Porém, em 2014, totalizaram 159,2 milhões de hectares, ou seja, praticamente o dobro de 2010” (OLIVEIRA, 2015, p. 33). Segundo o SNCR, as grandes propriedades privadas saltaram de 238 milhões para 244 milhões de hectares (Dados do Cadastro do INCRA). Há 130 mil grandes imóveis rurais que concentram 47,23% de toda a área cadastrada no INCRA. Para se ter uma ideia do que esse número representa, os 3,75 milhões de minifúndios (propriedades mínimas de terra) equivalem, somados, a quase um quinto disso: 10,2% da área total registrada. O Atlas da Terra Brasil 2015, feito pelo CNPq/USP, mostra que 175,9 milhões de hectares são improdutivos no Brasil. Segundo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, um dos principais pesquisadores da questão agrária no Brasil, em 2010, das grandes propriedades privadas e públicas (130,5 mil), 66 mil imóveis foram considerados improdutivos, não atendendo aos critérios de função social da propriedade da terra. Eles somam 175,9 milhões dos 318 milhões de hectares. Os minifúndios caíram de 8,2% para 7,8% da área total de imóveis; as pequenas propriedades, de 15,6% para 14,7%; e as médias, de 20% para 17,9%. As grandes propriedades privadas e públicas foram de 56,1% para 59,6% da área total.[2] O estado de Minas Gerais segue a regra nacional, com alta concentração fundiária. Os dados acima demonstram que “a propriedade latifundista da terra se propõe como sólida base de uma orientação social e política que freia, firmemente, as possibilidades de transformação social profunda e de democratização do País” (MARTINS, 1999, p. 12).
Segundo dados do INCRA, baseados em declarações dos proprietários, existem no Brasil 54.761 imóveis rurais classificados como grandes propriedades improdutivas, portanto desapropriáveis, que somam nada menos que 120 milhões de hectares - uma Europa em espaços vazios! Segundo Estatísticas Cadastrais do INCRA, dados de 2014, o estado de Minas Gerais possui área de terras potencialmente públicas devolutas 13.398.101 hectares  (22,8%), quase todas elas griladas por fazendeiros, grandes empresas ‘reflorestadoras’ - na verdade, eucaliptadoras. “Entre 1967/1978, os latifúndios no Brasil ampliaram sua área em 69,9 milhões de hectares. Foi o período da denominada modernização da agricultura da ditadura militar de 1964, que trouxe consigo o crescimento da concentração fundiária nas grandes propriedades latifundistas (OLIVEIRA, 2015, p. 30).
A ditadura militar-civil-empresarial de 1964 fomentou também a repressão e o assassinato de lideranças camponesas, conforme um integrante da Comissão Nacional da Verdade (CNV). “A ditadura “terceirizou” mortes e desaparecimentos forçados de pelo menos 1.196 camponeses e apoiadores com financiamento do latifúndio. O Estado se omitiu, acobertou e terceirizou a repressão política e social no campo, executada por jagunços, pistoleiros, capangas e capatazes a serviço de alguns fazendeiros, madeireiros, empresas rurais, grileiros e senhores de engenhos, castanhais e seringais” (GILNEY VIANA, ex-coordenador do Projeto Memória e Verdade da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República).[3]
“Com governos petistas – dois mandatos de Lula e um de Dilma – se esperava avanço na reforma agrária, mas as Estatísticas de 2010 [...] mostravam que entre 2003/2010, o número dos imóveis rurais chegava a 5,1 milhões, enquanto que a área total a 568,2 milhões de hectares. Já as grandes propriedades de particulares haviam aumentado absurdamente sua área em 92,1 milhões de hectares, ou seja, passaram de 146,8 milhões de hectares em 2003 para 238,9 milhões de hectares em 2010” (OLIVEIRA, 2015, p. 32). Assim, “no Brasil a concentração da propriedade privada da terra atua como processo de concentração da riqueza e, portanto, do capital” (OLIVEIRA, 2010, p. 287) e gera males paradoxais[4]: violências agrária, urbana, ambiental, geracional etc.

Referências.
MARTINS, José de Souza. O poder do atraso: ensaios de Sociologia da História Lenta. 2ª edição. São Paulo: HUCITEC, 1999.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Camponeses, indígenas e quilombolas em luta no campo: a barbárie aumenta. In: Conflitos no Campo Brasil 2015. Goiânia: CPT Nacional, p. 28-42, 2015.
______. A questão agrária no Brasil: não reforma e contrarreforma agrária no governo Lula. In: Vv.Aa. Os anos Lula: contribuições para um balanço crítico 2003-2010. Rio de janeiro: Garamond, p. 287-328, 2010.
_____. Modo de Produção Capitalista, Agricultura e Reforma Agrária. São Paulo: Labur Edições, 2007. Disponível em http://www.geografia.fflch.usp.br/graduacao/apoio/Apoio/Apoio_Valeria/Pdf/Livro_ari.pdf .

Belo Horizonte, MG, 21 de novembro de 2017.

Obs.: Vídeo no link, abaixo, ilustra o texto acima:






[1] Padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, CEBs, SAB e Ocupações Urbanas; professor de “Direitos Humanos e Movimentos Populares” em curso de pós-graduação do IDH, em Belo Horizonte, MG. e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.freigilvander.blogspot.com.br -  www.gilvander.org.br  – www.twitter.com/gilvanderluis  – Facebook: Gilvander Moreira III

[3] Jornal A Verdade, dez./jan./2017, n. 190, ano 17, p. 5.
[4] Cf. PROUDHON, Pierre Joseph. O que é a propriedade? Lisboa: Editorial Estampa, 1975. E ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Horta Comunitária na Ocupação Esperança - Região da Izidora - BH/MG - 1...

Estrutura fundiária iníqua e luta pela terra

Estrutura fundiária iníqua e luta pela terra
Por frei Gilvander Moreira[1]


“A população do território hoje conhecido como Brasil em 1500 era, calcula-se, de mais de cinco milhões[2] de pessoas distribuídas por centenas de povos, com línguas, religiões, organizações sociais e jurídicas diferentes” (MARÉS, 2003, p. 49). Há mais de cinco séculos o latifúndio continua sendo a estrutura básica fundiária no Brasil e, ultimamente, sob a hegemonia do agronegócio, a luta pela terra necessita de crítica permanente, isso para diminuir, no mínimo, os riscos de perdurar e repetir ad infinitum a estrutura latifundiária, um dos fundamentos da sociedade do capital, “estruturalmente incapaz de dar solução às suas contradições” (MÉSZÁROS, 2007, p. 116).
Como pode o Brasil continuar desde 22 de abril de 1500, há 517 anos, sem fazer reforma agrária, sem democratizar o acesso à terra? “Desde o século XIX, com a ascensão da burguesia em vários países, foi a reforma do direito de propriedade e a democratização do acesso à propriedade, de maneira a abolir privilégios nele baseados, dinamizar o mercado e incrementar a igualdade jurídica que dinamizaram a economia capitalista e acentuaram o papel transformador do mercado” (MARTINS, 1999, p. 75).
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no livro anual que edita, desde 1979, Conflitos no Campo Brasil, nos últimos anos, as ocupações de terra tem acontecido em menor número, tanto na atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) quanto em outros movimentos camponeses, diante da avalanche do agronegócio e sob o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) no plano federal, que findou com o golpe parlamentar-jurídico e midiático de 31 de agosto de 2016. Depois de ter atingido 79065 famílias em ocupações no ano de 1999, iniciou-se um decréscimo no número de famílias que vão para ocupações no campo anualmente. Em 2004, tivemos 76.000 famílias e depois foi reduzindo o número até chegar a apenas 16.858 famílias no ano de 2010, apresentando de 2011 a 2014 pouco mais de 23 mil famílias por ano, em 2015 um ligeiro aumento com 32.927 famílias e, em 2016, em uma grande queda, foram para ocupações apenas 21.776 famílias sem-terra, o que é muito pouco em relação às 79.065 famílias do ano de 1999.
O número de conflitos agrários no Brasil tem sido muito alto desde o ano de 1500, com momentos de forte questionamento da ordem estabelecida da propriedade privada capitalista nas épocas das lutas camponesas de Canudos (1896-1897), do Contestado (1912-1916), de Trombas e Formoso (1950-1957) e das Ligas Camponesas (1955-1964). “De 1985 a 2014 contabilizou-se mais de 19 milhões de pessoas envolvidas em conflitos no campo brasileiro” (MATOS; CUNHA; GOMES DE ALENCAR, 2014, p. 68). A luta pela terra no Brasil é histórica e continua acirrada sob múltiplas formas.
Ocupar latifúndio é algo radical, que envolve graves riscos, mas já está sedimentado no imaginário dos Sem Terra que “se os Sem Terra não ocupam, o governo não faz nada!” Melhor dizendo, faz tudo para o fortalecer a propriedade capitalista da terra, eixo essencial do capitalismo no Brasil. O Estado, no Brasil, tem permanecido nas mãos de partidos que garantem a reprodução e ampliação do capital. Martins assinalava isso em 1989. “Os partidos que realmente representam uma alternativa democrática e transformadora são ainda fracos – e são impedidos de crescer, acrescentamos - e não têm condições de interferir significativamente nesse círculo vicioso do poder. No Brasil o Estado tem o seu partido, o que empurra o processo político contra qualquer tendência democrática real” (MARTINS, 1989, p. 65).
O Estado brasileiro faz o pior: investe pesado no agronegócio e no fortalecimento do iníquo regime da posse e do domínio da terra - estrutura fundiária - no Brasil, baseado no latifúndio. Referindo-se à luta de mil mulheres da Via Campesina, que em 08 de março de 2006, destruíram um viveiro de mudas de eucalipto de uma transnacional no Rio Grande do Sul, Plínio de Arruda Sampaio comentou: “A ação das Mulheres da Via Campesina, na sede da Aracruz Celulose, está em consonância com as ações de Gandhi e Martin Luther King Jr., mártires dos oprimidos. Elas e eles fizeram desobediência civil: desafio a leis injustas sem agredir pessoas. Como gesto extremo, querem acordar consciências anestesiadas que são cúmplices de sistemas opressivos. A não violência de Gandhi e Luther King não diz respeito às coisas, mas, sim, às pessoas humanas” (FSP, 24/3/2006, p.  A3).
O boicote do sal e do tecido inglês na Índia, o dos ônibus segregacionistas no Sul dos Estados Unidos e tantos outros movimentos de desobediência civil em todo o mundo causaram grandes prejuízos materiais aos capitalistas, mas trouxeram conquistas para a humanidade. Vivemos dias muito sombrios, para não dizer dramáticos. Ficou natural encarcerar pessoas em massa que, tratadas como gado, sucumbiram ante o brilho do ouro dos tolos: as mercadorias produzidas pelo capital à custa da dignidade e da liberdade de tantas pessoas e da vida do nosso Planeta. Tornou-se natural violentar pessoas apenas porque lutam por moradia, transporte decente, contra a homofobia ou por um pedaço de terra para cultivar e morar. Vivemos dias tenebrosos por sentir na própria pele as consequências de condutas tão contrárias à ética nos espaços públicos e privados.

Referências.
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o estado: pesquisa de antropologia política. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978.
MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003.
MARTINS, José de Souza. O poder do atraso: ensaios de Sociologia da História Lenta. 2ª edição. São Paulo: HUCITEC, 1999.
______. Caminhada no chão da noite: emancipação política e libertação nos movimentos sociais do campo. São Paulo: HUCITEC, 1989.
MATOS, Helaine Saraiva; CUNHA, Gabriela Bento; GOMES DE ALENCAR, Francisco Amaro. Panorama dos conflitos e da violência no espaço agrário brasileiro de 1985-2014. In: Conflitos no Campo Brasil 2014. Goiânia: CPT Nacional, p. 68-73, 2014.
MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo do tempo histórico: o socialismo do século XXI. São Paulo: Boitempo, 2007.

Vídeo que ilustra o texto, acima:
Palavra Ética, na TVC/BH: frei Gilvander - Acampamento Dom Luciano/MST, Salto da Divisa/MG. 22/09/2014
Belo Horizonte, MG, 14/11/2017.







[1] Padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, CEBs, SAB e Ocupações Urbanas; professor de “Direitos Humanos e Movimentos Populares” em curso de pós-graduação do IDH, em Belo Horizonte, MG. e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.freigilvander.blogspot.com.br -  www.gilvander.org.br  – www.twitter.com/gilvanderluis  – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Estimativa fruto de pesquisa demográfica parcial apresentada no livro CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o estado: pesquisa de antropologia política. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978.

Pescadores/as /Vazanteiros/as de MG: luta pela regularização dos territó...

terça-feira, 14 de novembro de 2017

MC Emily Roots e Poeta Mari Mari - 4a Parte - Luta, resistência e fé na ...

Movimento dos Pescadores e Vazanteiros continua pelo 2º dia acampado na sede da SPU em Belo Horizonte, MG - 14/11/2017.

Movimento dos Pescadores e Vazanteiros continua pelo 2º dia acampado na sede da SPU em Belo Horizonte, MG - 14/11/2017.
"Ai de vós, que ajuntais casa a casa, e que acrescentais campo a campo, até que não haja mais lugar para os pobres, e sejais os únicos proprietários da terra" (Isaías 5,8).




As sete comunidades tradicionais vazanteiras/pesqueiras vindas das barrancas do Alto e Médio São Francisco (Canabrava, Caraíbas, Croatá, Venda, Maria Preta, Barrinha e Cabaceiras), no norte Minas Gerais, continuam acampadas desde a madrugada de ontem, dia 13/11/2017 na sede da Superintendência do Patrimônio da União (SPU), em Belo Horizonte, MG, à Av. Afonso Pena, 1316. O acampamento iniciou na madrugada de ontem, dia 13 de novembro, e continua hoje, dia 14/11/2017, no 2º dia. As comunidades tradicionais pesqueiras/vazanteiras reivindicam a regularização dos seus Territórios Tradicionais, parte deles localizados nas áreas da União e, por isso, são de responsabilidade da SPU. Ontem, durante todo o dia, as comunidades reuniram-se com o Superintendente da SPU em Minas Gerais, Vicente de Paulo Diniz, e em função dos poucos resultados decidiram manter por tempo indeterminado a mobilização e o acampamento. Uma das reivindicações principais é a TAUS (Termo de Autorização de Uso Sustentável) da Comunidade Tradicional Cana Brava, em Buritizeiro, MG, que foi expulsa do seu território pela brutalidade de fazendeiros na região e cumplicidade do Estado de Minas chegando a fazer um dos despejos sem após um Liminar de reintegração de posse ter sido derrubada por um desembargador do TJMG. As famílias estão precariamente acampadas na Ilha da Esperança e na Ilha Manuel Redeiro, que estão sendo submersas pela águas do São Francisco com a chegada das chuvas. Hoje está marcada nova reunião com a SPU às 10 horas da manha.
As comunidades tradicionais denunciam a morosidade do Estado em regularizar seus territórios, o que está acirrando conflitos e violando direitos básicos das famílias. Alertamos às autoridades dos poderes Executivo Federal e Estadual, ao Poder Judiciário estadual e Federal, à SPU que caso não atenda as legítimas reivindicações das Comunidades Tradicionais com rapidez, podemos estar nos aproximando de massacres e mais violência. Conflito social e agrário jamais se supera de forma justa e pacífica com repressão, mas se supera é com Política e Negociação séria. Por isso, continuamos na luta. E afirmamos que só levantaremos o Acampamento com resultados concretos!!!
Assinam essa Nota Pública:
Conselho de Pastoral dos Pescadores (CPP)
Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG)
Movimento Nacional dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil.
Comunidade tradicional pesqueira/vazanteira de Canabrava, em Buritizeiro, MG.
Mais informações com:
Irmã Neusa (Conselho de Pastoral dos Pescadores - CPP) - (38) 99129-6021
Alexandre Gonçalves (Comissão Pastoral da Terra - CPT) - (38) 99736-7979
Belo Horizonte, MG, 14 de novembro de 2017.
Obs.: Daqui a pouco soltaremos mais informações COMO COMPREENDER O GRAVÍSSIMO CONFLITO SOCIAL E AGRÁRIO QUE ENVOLVE A COMUNIDADE CANABRAVA E MUITAS OUTRAS COMUNIDADES NA BEIRA DO RIO SÃO FRANCISCO EM MG.


domingo, 12 de novembro de 2017

MC Emily Roots e Poeta Mari Mari - 3ª Parte: Assumir o SER, cantar a res...

Emily Roots e Mari Mar-2ª Parte- Luta e resistência na poesia e na músic...

Frei Gilvander, Carlos Farias e Wilson Dias na Rádio Tropical 97,4 FM, e...

Emily Roots e Mari Mari Mari-1ª Parte: Poesia e Música de luta da Ocupa...

COMUNICADO DE FREI RODRIGO PERET (da CPT), MARIA JÚLIA E JARBAS (do MAM), que foram presos no ZIMBÁBUE.

COMUNICADO DE FREI RODRIGO PERET (da CPT), MARIA JÚLIA E
JARBAS (do MAM), que foram presos no ZIMBÁBUE na África.


Comunicamos aos companheiros e companheiras, que após julgamento na Corte Criminal de Pequenas em Mutare, no Zimbábue, fomos libertados no meio da tarde do dia 11 de novembro. Contudo, estamos ainda apreensivos em relação ao retorno das pessoas que foram presas (24 pessoas, de 8 países). Preocupa-nos a segurança e integridade físicas das mesmas ao retornarem para os seus países de origem. A conjuntura é delicada e exige que se mantenha a mobilização e solidariedade internacional até a finalização total da situação.
Fomos presos durante uma missão de solidariedade internacional às comunidades atingidas pela mineração no Zimbábue, convocada pela Rede Diálogo com os Povos. Enquanto participávamos de um encontro com 2.000 pessoas na região de Marange, cuja pauta era a discussão sobre os impactos da atividade mineraria de diamante na área e a criação de um fundo comunitário para a melhoria das condições de vida das comunidades atingidas. Todos os estrangeiros foram presos logo ao início do encontro, no começo da manhã do dia 10. Fomos conduzidos para o posto policial de Marange, de lá levados para a Delegacia Central de Polícia de Mutare, onde fomos fichados e encarcerados.
Para a nossa libertação foi fundamental a pressão internacional e o apoio de muitas organizações que se solidarizaram com a situação. Destacamos o trabalho dos advogados e advogadas da Zimbabwean Lawyers for Human Rights, que se mobilizaram desde o primeiro momento e acompanharam todo o grupo ao longo do processo. Ressaltamos também a atuação firme da Embaixada Brasileira no Zimbábue, que colaborou muito na mediação da resolução.
Agradecemos muito toda a articulação e apoio! E reafirmamos a necessidade de que continuemos atentos até a chegada de todos e todas aos seus países.
Abraços fraternos,
Frei Rodrigo Peret - Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Diálogo dos Povos
Jarbas Vieira - Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)
Maria Júlia - Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)

Zimbábue, tarde do dia 11/11/2017.

domingo, 5 de novembro de 2017

Tributo à historiadora Emília Viotti da Costa

Tributo à historiadora Emília Viotti da Costa
Por frei Gilvander Moreira[1]


Fiquei comovido ao receber a notícia de que no dia 02 de novembro de 2017 tinha falecido a historiadora Emília Viotti da Costa (1928-2017), aos 89 anos. Para uns, Emília se encantou. Para outros, ela passou para o segundo andar. Para outros ainda, Viotti da Costa entrou para a vida plena. Para dona Maria Resende, da Comunidade Vila Nova, em Belo Horizonte, “morreu a pessoa e ficou o nome”. Perdemos a presença física de Emília Viotti da Costa, uma intelectual de rara grandeza teórica, política e ética, mas os seus escritos ganham maior eloquência e são agora de leitura imprescindível para toda pessoa comprometida com a construção de uma sociedade justa e solidária, que supere o capitalismo e o sistema do capital.
A historiadora marxista Emília Viotti da Costa é autora de livros clássicos da historiografia brasileira, entre os quais, Da senzala à colônia (1966), A abolição (1982), Coroas de glória, lágrimas de sangue: a rebelião dos escravos de Demerara em 1823 (1994), Brasil: de la monarquía a la república (1995), Da monarquia à república: momentos decisivos (1999), O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania (2001), A dialética invertida e outros ensaios (2014) e Brasil: história, textos e contextos (2015).
Viotti da Costa foi estudiosa do tema da escravidão e racismo. Militante, atuou firme contra a ditadura de 1964. Feminista convicta, sempre lutou pelo reconhecimento das mulheres. Foi uma de nossas grandes historiadoras. Estudiosa do tema da escravidão, com compromisso teórico e engajamento crítico, orientados pelo materialismo histórico-dialético, Viotti da Costa lecionou no Departamento de História da Universidade de São Paulo entre 1964 e 1969, quando foi compulsoriamente aposentada da Universidade de São Paulo (USP), por imposição do AI 5 – Ato Institucional n. 5 -, o quinto de dezessete Atos da ditadura militar-civil-empresarial, assinado pelo ditador Artur da Costa e Silva, dia 13 de dezembro de 1968.
Durante minha pesquisa de doutorado na FAE/UFMG, intitulada A luta pela terra em contexto de injustiça agrária: pedagogia de emancipação humana? Experiências de luta da CPT e do MST, tive a grande alegria de encontrar e me ancorar em escritos de Emília Viotti. Eis, abaixo, como aperitivo, algumas referências inspiradoras da historiadora marxista Emília Viotti que incluí na minha tese.
Com a invasão dos europeus portugueses, o Brasil colonial foi organizado como uma empresa comercial para a produção de commodities para a exportação. Daí a exploração do pau-brasil, a produção de açúcar e café até os dias de hoje com as monoculturas da soja, do eucalipto e minério, quase tudo para exportação. “O Brasil colonial foi organizado como uma empresa comercial resultante de uma aliança entre a burguesia mercantil, a Coroa e a nobreza” (VIOTTI DA COSTA, 1999, p. 173).
Durante o Brasil colonial, quem recebia certa área de terra em sesmaria tinha o direito de usufruto sobre a terra, vender/repassar para outro, mas a propriedade da terra continuava sendo da Coroa portuguesa. Os que recebiam a terra da Coroa, antes da Lei de Terras, não recebiam a propriedade da terra, apenas o direito de usufruto e tinham o dever de cultivar a terra, senão poderiam perder o direito de usufruto, conforme a Lei de 26 de junho 1375. “Aqueles para os quais a terra era doada tinham apenas o usufruto: a propriedade era reservada à Coroa” (VIOTTI da COSTA, 1999, p. 173).
O contexto de crescimento do capitalismo internacional no século XIX colocou em relação direta a propriedade da terra e o trabalho como meios de acumulação do capital. Terra e trabalho se tornaram mercadorias, fontes de acumulação capitalista, de poderes econômico e político. A historiadora Emília Viotti da Costa, no livro Da monarquia à república: momentos decisivos, dedica o quarto capítulo a uma abordagem sobre a política de terras no Brasil e nos Estados Unidos. A autora aponta uma série de mudanças que estavam acontecendo ancoradas, obviamente, nas condições históricas materiais, objetivas e sociais do capitalismo: “No século XIX, a expansão dos mercados e o desenvolvimento do capitalismo causaram uma reavaliação das políticas de terras e do trabalho em países direta ou indiretamente atingidos por esse processo. O crescimento da população, as migrações internas e/ou internacionais, os melhoramentos nos meios de transporte, a concentração populacional nos centros urbanos, o desenvolvimento da indústria e a acumulação de capital estimularam a incorporação da terra e do trabalho à economia comercial e industrial. Consequentemente houve uma expansão das áreas cultivadas para fins comerciais e uma redução da agricultura de subsistência. Nos lugares onde a terra tinha sido explorada apenas parcialmente, a expansão do mercado provocou a intensificação do uso da terra e do trabalho, resultando frequentemente na expulsão de arrendatários e meeiros ou na expropriação das pequenas propriedades e das terras comunitárias” (VIOTTI DA COSTA, 1999, p. 169-170).
No Brasil, após 1850, com a Lei de Terras, sob o regime de compra, o poder político que deveria ser público, perdeu seu poder de impor certas condições ao sistema do capital. Quem tinha poder econômico passou a ter condições irrestritas para ir se apropriando de grandes extensões de terra. Nesse sentido, assevera Viotti da Costa: “Quando a terra era uma doação real, o rei tinha o direito de impor certas condições, regulamentando seu uso e sua ocupação e limitando o tamanho do lote e o número de doações recebidas por pessoa. Quando a terra tornou-se uma mercadoria adquirida por indivíduos, as decisões concernentes à sua utilização passaram a ser tomadas por esses mesmos indivíduos” (VIOTTI DA COSTA, 1999, p. 172).
Aconteceu também um deslocamento do poder político para o poder econômico. Antes da Lei de Terras, a Coroa Portuguesa doava propriedades rurais segundo méritos do beneficiário, o que lhe conferia prestígio social. Receber uma doação de terra da Coroa era uma forma de obter reconhecimento político e prestígio social. Mas com a Lei de Terras, passou a ter prestígio social quem tinha poder econômico para comprar a terra. E, “ao comprar a terra compra-se o direito de auferir a renda da terra” (OLIVEIRA, 2007, p. 57). Assim, a Lei de Terras fortaleceu a estratificação social, a desigualdade social e estimulou a propriedade capitalista da terra. “Na primeira fase, a propriedade da terra conferia prestígio social, pois implicava o reconhecimento pela Coroa dos méritos do beneficiário. Na segunda fase, a propriedade da terra representa prestígio social porque implica poder econômico. No primeiro caso, o poder econômico derivava do prestígio social; no segundo, o prestígio social deriva do poder econômico” (VIOTTI DA COSTA, 1999, p. 172).
Com a moribunda escravidão legal do povo negro, com seus dias contados, em um país gigante em extensão territorial e com baixa população, o único meio de manter os trabalhadores trabalhando de forma compulsória era o aprisionamento da terra, isso para continuar arrancando deles mais-valia e extorquindo-lhes a dignidade humana. Somente a instituição jurídica do cativeiro da terra asseguraria a exploração da força de trabalho, seja dos escravos que seriam libertados juridicamente, seja dos imigrantes que estavam chegando com sede de melhoria das condições de vida. “Numa região onde o acesso à terra era fácil, seria impossível obter pessoas para trabalhar nas fazendas, a não ser que elas fossem compelidas pela escravidão. A única maneira de obter trabalho livre, nessas circunstâncias, seria criar obstáculos à propriedade rural, de modo que o trabalhador livre, incapaz de adquirir terras, fosse forçado a trabalhar nas fazendas” (VIOTTI DA COSTA, 1999, p. 176).
O tributo maior a Emília Viotti da Costa será seguirmos militando em prol da construção de uma sociedade justa e solidária, superando todo tipo de escravidão, colonialismo e mandonismo, orientados pelo legado de história libertadora – leituras do passado desde a perspectiva dos injustiçados -, um farol aceso contra as opressões. Obrigado, Emília Viotti. Você continuará vivendo em nós também!

Referências.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo de Produção Capitalista, Agricultura e Reforma Agrária. São Paulo: Labur Edições, 2007. Disponível em http://www.geografia.fflch.usp.br/graduacao/apoio/Apoio/Apoio_Valeria/Pdf/Livro_ari.pdf , acesso em 14/9/2016 às 15h27.
VIOTTI DA COSTA, Emília. Da monarquia à república: momentos decisivos. 6ª edição. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999.

Obs.: A perspicácia intelectual e política de EMÍLIA VIOTTI DA COSTA pode ser conhecida pela entrevista que ela concedeu, em 02/4/2001, ao Programa REDE VIVA da TV Cultura, no link https://www.youtube.com/watch?v=KRELCvaqCrY






[1] Padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, CEBs, SAB e Ocupações Urbanas; professor de “Direitos Humanos e Movimentos Populares” em curso de pós-graduação do IDH, em Belo Horizonte, MG. e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.freigilvander.blogspot.com.br -  www.gilvander.org.br  – www.twitter.com/gilvanderluis  – Facebook: Gilvander Moreira III