terça-feira, 22 de agosto de 2023

Rodoanel na RMBH: ilegalidades e violências. Por frei Gilvander

 Rodoanel na RMBH: ilegalidades e violências. Por frei Gilvander Moreira[1]


Em contexto de emergência climática com eventos extremos cada vez mais frequentes e letais, a realidade de uma sociedade capitalista como a nossa, com seus conflitos e contradições, pode ser iluminada por textos sagrados, como a Bíblia, que, se lida a partir da classe trabalhadora injustiçada, pode nos inspirar a assumir posturas de combate às injustiças atuais que se reproduzem cotidianamente. Uma parábola do Evangelho de Lucas narra: “Havia em uma cidade um juiz que não temia a Deus e não tinha consideração para com as pessoas (injustiçadas). Nessa mesma cidade, existia uma viúva que vinha a ele, dizendo: ‘Faz-me justiça contra o meu adversário!’” Pergunta o Evangelho: “Deus não faria justiça a seus eleitos que clamam a ele dia e noite?” (Lc 18,2-3.7). Essa parábola está acontecendo também nos últimos três anos em Minas Gerais com o desgovernador Zema insistindo em empurrar goela abaixo uma obra faraônica, ecocida, hidrocida, cavalo de troia, dragão do Apocalipse, que é o projeto do Rodoanel na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), que se for construído, será na prática um RODOMINÉRIO, infraestrutura para a mineradora Vale S/A e outras mineradoras subalternas a ela continuarem ampliando mineração em Belo Horizonte e RMBH, o que é insuportável. Já passou da hora de termos Mineração Zero na capital mineira e RMBH, após 300 anos de devastação socioambiental apunhalando as montanhas e arrancando das suas entranhas minério, jogando-o no “trem da morte” ou nos minerodutos das mineradoras todos os dias, levando para os portos do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, deixando um rastro de devastação inominável nos territórios vítimas da exploração minerária. Já são 170 bilhões de reais de prejuízo ao erário público mineiro o valor que as mineradoras deixaram de pagar de ICMS, por causa da Lei Kandir, agora incorporada na Constituição através da “reforma tributária”, que dispensa o pagamento de ICMS sobre as commodities para exportação. Commodities são mercadorias primárias, entre as quais está o minério.



Em quase três anos de luta contra este famigerado Rodoanel, já fizemos dezenas de Atos Públicos, Marchas, panfletagem, audiências públicas, giros com carro de som em dezenas de bairros denunciando as ilegalidades, as injustiças e as violências socioambientais que esta megaobra absurda e desnecessária trará aos povos e a toda a biodiversidade de Belo Horizonte e da RMBH. Dia 20 de agosto de 2023 realizamos mais uma Marcha contra o Rodoanel/RODOMINÉRIO na RMBH, a 2ª Marcha no bairro Nascentes Imperiais, em Contagem, MG. Lideranças populares de dezenas de Movimentos Sociais e de partidos políticos de esquerda participaram, sob coordenação da Comissão de Nascentes. Ecoaram alto e em bom som as denúncias necessárias contra o Rodominério. Como a viúva do evangelho que não se cansou de ir todos os dias ao tribunal e cobrar insistentemente justiça, não repousaremos em paz até conquistarmos o impedimento do Rodoanel/RODOMINÉRIO na RMBH.



Nós do Movimento Social “Somos Todos Contra o Rodoanel na RMBH” criticamos de forma contundente a construção do Rodoanel na RMBH e temos propostas alternativas para resolver de forma justa, ética e democrática os problemas de trânsito e de mobilidade em Belo Horizonte e RMBH. Para impedir a agudização das injustiças socioambientais, econômicas e políticas reinantes em Belo Horizonte e RMBH propomos quatro alternativas à construção do Rodoanel: 1) Ampliação do Metrô de Belo Horizonte para as várias cidades da RMBH, que volte a ser público e com tarifa a mais barata possível; 2) Resgate do transporte de passageiros/as através de trens entre as 34 cidades da RMBH e Belo Horizonte, realidade que existia até por volta da década de 1970. Existem estudos avançados inclusive no âmbito da própria Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (SEINFRA) do Governo de Minas Gerais e na Comissão de Ferrovias da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que corroboram estas alternativas; 3) Melhoria do transporte público de ônibus em Belo Horizonte e RMBH; 4) Revitalização, ampliação e duplicação do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, o que é viável tecnicamente e será muito menos oneroso e não trará as brutais violações aos direitos socioambientais, históricos e arqueológicos de Belo Horizonte e 13 municípios da RMBH. Sobre esse ponto, deve-se observar que o anteprojeto detalhado de reforma do Anel Rodoviário foi realizado pelo Governo de Minas Gerais e está pronto desde 2016, tendo sido realizado pela empresa Tectran, do grupo Systra. Esse anteprojeto foi total e injustificadamente desconsiderado pelo desgovernador Zema, que optou pelo nocivo projeto do Rodoanel.

Todas essas propostas, por óbvio, devem ser submetidas à Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-fé de Povos e Comunidades Tradicionais que sejam impactadas por elas, conforme prescreve o Tratado Internacional Convenção 169 da OIT[2] da ONU[3]. A apresentação de propostas alternativas cumpre o propósito de demonstrar que existem caminhos menos danosos ao meio ambiente, às pessoas e ao patrimônio histórico e cultural da Região Metropolitana de Belo Horizonte, que devem ser estudados e divulgados antes da implantação do Rodoanel, grande obra que somente irá beneficiar as mineradoras.

O projeto do Rodoanel está eivado de ilegalidades, injustiças e violências socioambientais e econômicas. Eis algumas delas: a) O desgovernador Zema fez leilão do projeto do Rodoanel na Bolsa de Valores de São Paulo, B3, sem discutir o projeto com o povo, sem participação popular, pois as “audiências públicas” realizadas durante a pandemia da covid-19, a toque de caixa, foram farsas de audiências públicas. O princípio da participação popular foi violado; b) O leilão e a assinatura do contrato com uma empresa multinacional italiana, a INC S.P.A., ligada à extrema direita na Itália, foram feitos SEM Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-Fé aos Povos e Comunidades Tradicionais, conforme prescreve o Tratado Internacional da Convenção 169 da OIT da ONU. Nos 13 municípios da RMBH que estão na mira para serem rasgados brutalmente pelo Rodoanel existem dezenas de Comunidades Quilombolas e dezenas de outras Comunidades Tradicionais, tais como: carroceiros, ciganos, agricultores familiares, povos de terreiros etc.; c) Não foi feito o licenciamento ambiental antes do leilão e da assinatura do contrato. Isto ao arrepio de leis que exigem que primeiro deve-se fazer o licenciamento ambiental, antes de se fazer leilão e assinar contrato. E se o licenciamento ambiental com os necessários estudos de impactos ambientais demonstrar que é inviável a construção do Rodoanel? Em cláusula leonina do contrato para caso de necessidade de romper o contrato, o Governo de Minas Gerais garante pagar uma multa de cinco bilhões de reais, o que, segundo juristas, fere a Lei de Responsabilidade Fiscal; d) E os direitos das mais de 15 mil famílias que serão desapropriadas e terão suas casas demolidas recebendo uma indenização que não cobrirá mais do que 30% do valor justo pelo terreno e construções? Sendo mais de 95% das propriedades sem escritura e sem registro de propriedade, mas só com “Contrato de Compra e Venda”, a indenização será menor e mais injusta ainda. Isso agravará brutalmente a injustiça urbana e metropolitana na RMBH, porque aumentará muito o déficit habitacional, o que eleva a desigualdade social de forma violenta; e) E a brutal devastação de muitos mananciais, áreas de proteção ambiental, sítios históricos e arqueológicos e as dezenas de Comunidades Quilombolas, centenas de Terreiros, outros Povos Tradicionais da RMBH e milhares de famílias de agricultores familiares que há mais de cem anos produzem alimento no chamado “cinturão verde” da RMBH? A Comunidade Quilombola de Pinhões e o Cemitério dos Negros escravizados serão rasgados ao meio; f) O Rodoanel não será uma estrada pública, será pedagiada com pedágio mais caro do Brasil, o que proibirá o povo pobre de passar por ela.

Suspeitamos que atualização do Plano Diretor da RMBH está sendo feita agora, a mando do Zema, para se gerar uma pretensa segurança jurídica. É previsível que nos 13 municípios que serão rasgados brutalmente pelo Rodoanel um grande número de ações judiciais serão impetradas no poder judiciário para impedir tantos crimes anunciados.

Enfim, se o Rodoanel for construído na RMBH, teremos um crime mil vezes mais greve do que o sepultamento de 272 pessoas vivas pela mineradora Vale S/A em Brumadinho dia 25 de janeiro de 2019, às 12H28. E continuaremos marchando rumo ao abismo de desertificação da RMBH, conurbação desenfreada, extinção de muitos mananciais necessários para o abastecimento público. Fome e sede imperarão na RMBH! Estamos avisando. Feliz quem ouvir este aviso e se engajar na luta popular para barrarmos o Rodominério antes que seja tarde.

22/08/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - 1a parte da 2a Marcha contra Rodoanel na RMBH no Nascentes Imperiais, Contagem/MG: "RODOANEL, NÃO!"

2 - Frei Gilvander: Ilegalidades e violências do Rodoanel. 2ª Marcha no Nascentes Imperiais, Contagem/MG

3 - 2a Marcha contra o Rodoanel na RMBH, no Nascentes/Contagem/MG: Zema c Rodoanel faraônico e brutal

4 - Frei Gilvander: “Plano Diretor da RMBH deve excluir Rodoanel, garantir preservação ambiental”. Víd 2

5 - Audiência Pública Plano Diretor da RMBH (PDDI). “Rodoanel vai demolir mais de 15 mil casas na RMBH!”

6 - José Carlos, Cassimiro, Tarcísio e Antonio do Pomar BH: injustiças do Rodoanel, RODOMINÉRIO na RMBH

7 - Keity e Glaucon denunciam as brutalidades do Rodoanel, RODOMINÉRIO na RMBH. Fora, Rodoanel! Vídeo 7


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Organização Internacional do Trabalho.

[3] Organização das Nações Unidas.

terça-feira, 15 de agosto de 2023

Minerar em AREDES: golpear a história, matar águas! Por frei Gilvander

 Minerar em AREDES: golpear a história, matar águas! Por frei Gilvander Moreira[1]

Fotos feitas durante Visita Técnica da Dep. Bella Gonçalves, Dep. Tito e Dep. Ricardo Campos à Estação Ecológica AREDES, em Itabirito, MG, dia 10/08/23: Reprodução/Mov. SOMOS AREDES

Para atender aos interesses capitalistas e particulares da mineradora Minar, o deputado estadual João Magalhães (PMDB) apresentou o PL 387/23, que está tramitando na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Mesmo eivado de inverdades, ilegalidades e inconstitucionalidade, de forma muito estranha e suspeita, este projeto de lei, muito mal escrito, aliás, já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da ALMG e está agora sendo apreciado pela Comissão de Meio Ambiente da ALMG. Projetos semelhantes ao PL 387/23 para retomar mineração em Aredes já foram arquivados nas últimas legislaturas na ALMG. É a terceira vez que a mineradora Minar insiste em tentar sacrificar de forma brutal e assustadora a Estação Ecológica de AREDES, no município de Itabirito, MG.



Dia 10 de agosto de 2023 aconteceu Visita Técnica da Comissão de Meio Ambiente à Estação Ecológica de Aredes. Participaram a deputada Bella Gonçalves, que defende que o PL 387/23 deve ser arquivado, e os deputados Tito Torres (PSD) e Ricardo Campos (PT). Aredes está distante de Belo Horizonte uns 50 Km. Após deixar a BR 040 e entrar em estrada de terra para chegar à Estação Ecológica de Aredes, assustado, tive a impressão de estar adentrando em uma zona de guerra: carretas de mineração, que são verdadeiros tanques de guerra, em trânsito frenético, indo e voltando; caminhões-pipas molhando a estrada – Haja água para abrandar tanta poeira! Enquanto milhares de bairros sobrevivem com migalhas de água nas 34 cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), caminhões-pipas de mineradoras jogam água em estradas, desperdiçando este bem precioso para auferir acumulação de capital para mineradoras com ganância sem fim. Até quando esta injustiça perdurará?



Atento para não ser atropelado por carretas de mineração, vi barragens e crateras de mineração ao longo de todo o caminho até Aredes. Barragem da mineradora Herculano, que, em 2014, matou três trabalhadores durante o seu rompimento, que inundou de lama tóxica o córrego Silva, afluente do rio Itabirito, vale do rio das Velhas; avista-se a mina Várzea do Lopes, da mineradora Gerdau na Serra da Moeda. Muito difícil chegar a Aredes sem guia que conheça a região, pois a estrada se mistura com muitos outros acessos exclusivos da mineração. No sítio histórico e arqueológico de Cata Branca, próximo a Aredes, aconteceu uma tragédia eufemisticamente chamado de acidente por volta do ano de 1844, no qual dezenas de trabalhadores, a maioria negros escravizados, foram mortos, sepultados vivos com o desabamento de uma galeria subterrânea de mineração. Quem não morreu no desabamento da rocha, morreu afogado, depois que os administradores ingleses desistiram dos trabalhos de resgate e desviaram um curso d’água para inundar a mina. O local é considerado até hoje assombrado devido ao terror causado pela mineração.



Ao chegar à Estação Ecológica de Aredes, somos tomados por uma emoção indescritível por ver e caminhar em um espaço histórico e arqueológico sagrado. Interiormente ouvi a voz de Deus que disse a Moisés no monte Horeb: “Tire as sandálias, pois este lugar é sagrado” (Êxodo 3,5). O ar, as paredes, as portas e os inumeráveis testemunhos históricos e arqueológicos ali existentes gritam exigindo respeito, reverência e cuidado. Uma maravilha histórica e arqueológica rodeada por mineradoras que de forma impiedosa e com ganância sem fim transformam aquele território em “zona de guerra”, território que está sendo sacrificado no altar do ídolo mercado há 300 anos. Sem ser técnica no assunto, uma pessoa sensata, ao contemplar a maravilha da Estação Ecológica Aredes e o entorno já tão brutalmente mutilado pelas mineradoras, conclui que é inadmissível permitir que a mineradora Minar retome mineração em Aredes! Basta de mineração devastadora!



Sob direção de Mauro Souza, foi apresentada uma Peça de Teatro de São Gonçalo do Bação, inspirada na robusta obra “Aredes - recuperação ambiental e valorização de um sítio histórico-arqueológico”, publicada em 2016, pela arqueóloga Alenice Baeta. Emocionante ver e ouvir o resgate da história de Aredes, local que foi o marco zero do município de Itabirito. Também em uma performance magistral denunciando a atrocidade que seria retomar mineração em Aredes, o artista Carlos do Carmo bradou: “Não nos calaremos na defesa das montanhas e das águas de Aredes, do ambiente com todo seus valores históricos culturais. Se nos calarmos, as montanhas gritarão!”



A professora Alenice Baeta, pós-doutora em arqueologia, deu uma aula magna ao narrar um pouco da exuberante história de Aredes, as sucessivas pesquisas e recuperação ambiental desenvolvidas na localidade, indicando o cuidado permanente de vários multiprofissionais com a Estação Ecológica de Aredes.

Foi inesquecível ver também muitas pessoas de Itabirito defendendo com intrepidez que o PL 387/23 precisa ser arquivado urgentemente na ALMG. A Mineradora Minar deixou três crateras de mineração abertas em Aredes, um brutal passivo ambiental. O Ministério Público de Minas Gerais por meio de parcerias e acordos desenvolveu vários projetos de reabilitação e valorização na área; um de reconversão de território, que realizou o preenchimento das três grandes crateras que tinham sido deixadas pela Mineradora Minar no entorno das estruturas arqueológicas; uma delas situava-se rente a trecho de muro da antiga Fazenda Aredes, ameaçando a sua integridade. Este local precioso remanescente tornou-se parte da Unidade de Conservação Estação Ecológica Aredes, em 2010. Se não fosse feita esta reconversão de território com o preenchimento da grande cava/cratera, possivelmente parte do muro histórico e arqueológico já teria desabado.

Agora, em 2023, pela terceira legislatura consecutiva, a mineradora Minar insiste, de forma absurda e injustificável, em voltar a minerar em território já pertencente à Estação Ecológica de Aredes, em uma montanha de campos rupestres e ferruginosos, que está apenas a poucos metros de distância de estruturas históricas e arqueológicas de Aredes. Este PL 387 é um desrespeito, uma violação de várias leis ambientais e patrimoniais e uma agressão infame à história de Aredes  e à sua população.

Além da devastação histórica, paisagística e arqueológica, retomar mineração em Aredes afetará de forma mortal os córregos Silva e Aredes, que são afluentes do rio Itabirito, que abastece a cidade de Itabirito e fundamental para o abastecimento público de Belo Horizonte e Região RMBH por ser um dos principais afluentes do rio das Velhas. Portanto, retomar mineração em Aredes reduzirá ainda mais as já escassas fontes de água que abastecem 6 milhões de pessoas em Belo Horizonte e RMBH.

Os argumentos da mineradora Minar que alegam ser possível compatibilizar retorno de mineração no aquífero de Aredes são falácias, cria mineriodependência e mata muitos empregos que a diversificação econômica e sustentável pode gerar.

Portanto, inadmissível alterar os limites da Estação Ecológica de Aredes já integrados e conectados, para que a mineradora Minar possa de novo sacrificar e mutilar territórios que compõem Aredes, imprescindíveis para a conservação ambiental de Itabirito e da Reserva da Biosfera. Arquive já o PL 387/23 e deixe Aredes em paz!

15/08/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Alenice Baeta: violência da MINAR sobre a E.E. AREDES e sítio arqueológico, Itabirito/MG. 15/4/19

2 - Visita Técnica de deputados/a à Estação Ecológica de AREDES, em Itabirito/MG. Arquive o PL 387/23!

3 - Peça de Teatro sobre História de AREDES, Itabirito/MG: Arquive PL 387/23 que visa minerar em AREDES!

4 - Trabalho arqueológico na Estação Ecológica de AREDES, em Itabirito/MG: Arquive o PL 387/23 na ALMG!

5 - Exposição AREDES na Estação Ecológica de AREDES, Itabirito/MG: Arquive o PL 387/23, que visa minerar

6 - No interior de uma das ruínas da Estação Ecológica de AREDES, em Itabirito/MG: Arquive o PL 387/23!

7 - Crateras deixadas pela Minar foram convertidas ambientalmente: Estação Ecológica AREDES/Itabirito/MG

8 - Em região já sacrificada por mineradoras, Minar insiste em minerar na Estação Ecológica AREDES. NÃO!



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

terça-feira, 8 de agosto de 2023

Plano Diretor da RMBH para quem? Por frei Gilvander

 Plano Diretor da RMBH para quem? Por frei Gilvander Moreira[1]



Ferramenta constitucional para o planejamento metropolitano, prevista no artigo 46, inciso III da Constituição do Estado de Minas Gerais de 1989, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), MG, foi feito, de 2009 a 2011, com intensa participação popular, envolvendo pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Por ser bom para o povo e democrático, este PDDI da RMBH não foi aprovado e não virou lei na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Composta de 34 cidades, a RMBH é a terceira maior região metropolitana do país, já com seis milhões de habitantes e intenso processo de conurbação. Nos últimos 12 anos, as desigualdades socioeconômicas e as injustiças socioambientais na RMBH se agravaram muito. Por iniciativa do atual desgovernador de Minas Gerais, parece que buscando segurança jurídica para o famigerado projeto de Rodoanel na RMBH, o desgovernador Zema contratou uma empresa do Paraná para fazer a atualização do PDDI da RMBH, que não foi colocado em prática por ter sido arquivado pela ALMG. De 31 de julho a 24 de agosto deste ano de 2023, estão acontecendo 17 audiências públicas, uma para cada dois municípios. Na última semana, cinco “audiências públicas” foram feitas em cinco cidades da RMBH: Brumadinho, Vespasiano, Contagem, Pedro Leopoldo e Lagoa Santa.

Começou bem mal. Com escassa divulgação, a participação popular está sendo irrisória. Em Brumadinho, apenas três pessoas usaram o microfone para dar alguma sugestão. Ninguém das cinco Comunidades Quilombolas e das duas Retomadas Indígenas (Aldeia Arapowã Kakyá do Povo Xukuru-Kariri e Aldeia Kamakã Mongoió do povo Kamakã e outros povos) de Brumadinho participaram, o que significa que não houve consulta às Comunidades e Povos Tradicionais; grave erro. Pelo município de Nova Lima, ninguém do povo estava presente. Em Vespasiano, só três pessoas usaram o microfone. Ninguém de Santa Luzia participou. Longe demais para ir participar. Em Contagem, a audiência pública iniciou com 45 minutos de atraso, autoridades falaram outros 45 minutos e uma pessoa da empresa do Paraná apresentou um diagnóstico preliminar em outros 45 minutos, o que tem sido feito em todas as “audiências”. Resultado: metade do povo que lotava um salão foi embora antes de poder falar ou ouvir a participação popular. Em Pedro Leopoldo e Lagoa Santa, também, pouquíssimas pessoas participaram, em um auditório praticamente vazio. Se continuar nesta toada, confirmará nossa suspeita de que as audiências públicas foram planejadas apenas para dar o verniz de que houve participação popular. Sem divulgação intensa e envolvimento dos Movimentos Sociais Populares, serão arremedos de audiências públicas.

Outro grave problema, melhor dizendo, outra grave injustiça, é o jeito como foi feito o “diagnóstico preliminar” e está sendo apresentado. Diz-se que está no site da Agência Metropolitana de Minas Gerais um diagnóstico de mais de 630 páginas, e se apresenta uma “síntese” em 45 minutos. De forma sutil se prioriza e dá um desmedido tempo para se falar de problemas de mobilidade, dando a entender que é um jeito de tornar palatável e justificável a construção do Rodoanel na RMBH, melhor dizendo, Rodominério, infraestrutura para as mineradoras continuarem ampliando mineração em Belo Horizonte e na RMBH, o que é insuportável. Alegando análise técnica, mas sendo na prática um tecnicismo político, pois se abordam os problemas basicamente através de porcentagem, o que esconde a brutal violência que está por trás das porcentagens. Por exemplo, não basta dizer que 85% das Pessoas em Situação de Rua da RMBH estão em Belo Horizonte. É preciso dizer que são mais de 12 mil pessoas, número maior que a população de muitas cidades da RMBH e maior do que 400 cidades de Minas Gerais. Número que vem crescendo muito. Não há nem uma palavra no “diagnóstico preliminar” que mostra que nenhum passageiro na RMBH é transportado através de trens. Existe apenas um trem da Vale para turista que vai de Belo Horizonte para Vitória, Espírito Santo. Não mostra que até 50 anos atrás, 1970, existia transporte de passageiros através de trens entre todas as 34 cidades da RMBH.

Em Belo Horizonte, segundo o Projeto Manuelzão, mais de 200 córregos e rios foram sepultados para construir sobre eles ruas e avenidas. Não é por acaso que em todo início de ano, com as chuvas, surgem inundações em Belo Horizonte. Se o caminho das águas é obstruído, óbvio que a força das águas se manifestará. Somente nos últimos 15 anos a prefeitura de Belo Horizonte demoliu mais de 40 mil moradias para “construir moradias para automóveis”: alargar avenidas, construir viadutos e estacionamentos. Até quando se respeitará mais a dignidade dos automóveis que a dignidade humana?

Nas cinco “Audiências Públicas” da 1ª semana, as lideranças populares foram enfáticas e denunciaram com veemência que a causa maior das injustiças que campeiam na RMBH está sendo o conluio entre o poder público estadual e o municipal para favorecer as grandes mineradoras. Mineração que já carcomeu a Serra do Curral de forma brutal. Em voo aéreo se vê a RMBH toda esburacada com dezenas de crateras de mineração e 32 barragens de rejeitos tóxicos da mineração com riscos graves de romper. Técnicos dizem que todas as barragens vão se romper; só não se sabe o dia e a hora, pois são gigantes montes de rejeitos minerários sem estruturas de contenção seguras. Está sendo violada a lei Mar de Lama, que exige que as mineradoras resolvam os riscos gravíssimos das barragens com descaracterização. Vários mananciais de abastecimento público de Belo Horizonte e RMBH já foram dizimados pela mineração devastadora e muitos outros estão sendo sacrificados no altar do ídolo capital da mineradora Vale S/A e outras mineradoras. Foi sacrificado o rio Paraopeba, que respondia por 50% do abastecimento público de Belo Horizonte e RMBH. Neste contexto brutal de insegurança hídrica e de emergência climática, reivindicamos por responsabilidade social, ecológica, geracional, que o PDDI da RMBH exija a redução drástica da mineração em Belo Horizonte e RMBH, o que exige excluir e proibir a construção do Rodoanel na RMBH, pois não resolverá a injustiça de mobilidade reinante e será na prática um rodominério, obra faraônica, ecocida, hidrocida, eleitoreira, autoritária, estrada da morte, dragão do Apocalipse.

O projeto do Rodoanel está eivado de ilegalidades e injustiças: a) sem participação popular, pois as “audiências públicas” realizadas durante a pandemia da covid-19, a toque de caixa, foram farsas de audiências públicas; b) O leilão e a assinatura do contrato com uma empresa multinacional ligada à extrema direita na Itália foram feitos SEM Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-Fé, conforme prescreve o Tratado Internacional da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) da ONU[2]; c) Não foi feito o licenciamento ambiental antes do leilão e da assinatura do contrato. E se o licenciamento ambiental com os necessários estudos de impactos ambientais assegurar que é inviável a construção do Rodoanel? Em cláusula leonina do contrato para caso de necessidade de romper o contrato, o Governo de Minas Gerais garante pagar uma multa de cinco bilhões de reais, o que, segundo juristas, fere a Lei de Responsabilidade Fiscal; d) E os direitos das mais de 15 mil famílias que serão desapropriadas e terão suas casas demolidas recebendo uma indenização que não cobrirá mais do que 30% do valor justo pelo terreno e construções? Sendo mais de 95% das propriedades sem escritura e sem registro de propriedade, mas só com “Contrato de Compra e Venda”, a indenização será menor e mais injusta ainda. Isso agravará brutalmente a injustiça urbana e metropolitana na RMBH, porque aumentará muito o déficit habitacional; e) E a brutal devastação de muitos mananciais, áreas de proteção ambiental, sítios históricos e arqueológicos e as mais de 45 Comunidades Quilombolas, centenas de Terreiros, outros Povos Tradicionais (ciganos, carroceiros ...) da RMBH e milhares de famílias de agricultores familiares que há mais de cem anos produzem alimento no chamado “cinturão verde” da RMBH? Enfim, se o Rodoanel for construído na RMBH, continuaremos marchando rumo ao abismo de desertificação da RMBH, conurbação desenfreada, extinção de muitos mananciais necessários para o abastecimento público. Fome e sede imperarão na RMBH!

Pelo tamanho e importância da metrópole, o desenvolvimento do Plano Diretor Metropolitano (PDDI) deve ser um processo que fortaleça a institucionalidade da RMBH e o histórico de planejamento que a Região Metropolitana desenvolveu, principalmente ao longo dos últimos 20 anos, o processo participativo, para além dos ritos previstos como audiências públicas, é fundamental para garantir a governança metropolitana. A Agência Metropolitana tem papel fundamental neste processo. Os interesses metropolitanos devem ser priorizados, bem como todo o escopo de diagnóstico já produzido no PDDI há 10 anos. Plano Diretor este produzido em um ambiente que envolveu milhares de pessoas no processo participativo e que ficou engavetado e não foi aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, frisamos.

Garantir preservação ambiental, frear drasticamente a mineração devastadora, apostar nos meios multimodais de mobilidade e implementar políticas públicas de moradia popular adequada são questões imprescindíveis na atualização do PDDI da RMBH, o que implica em abortar o famigerado rodoanel, que, se construído, será de fato Rodominério, infraestrutura para se ampliar mineração em Belo Horizonte  e Região Metropolitana de Belo Horizonte, o que não é mais suportável. Urge decretarmos Mineração Zero em Belo Horizonte e RMBH. Do contrário, estaremos construindo a desertificação da RMBH com a exaustão hídrica e o sufocamento da agricultura familiar. Sem água e alimento não há como viver.

Para impedir a agudização das injustiças socioambientais, econômicas e políticas reinantes em Belo Horizonte e RMBH propomos que se conste do PDDI da RMBH a exclusão do projeto do Rodoanel/RODOMINÉRIO e que existem propostas alternativas à construção do Rodoanel, entre as quais destacamos: a) Ampliação do Metrô de Belo Horizonte para as várias cidades da RMBH; b) Resgate do transporte de passageiros/as através de trens entre as 34 cidades da RMBH e Belo Horizonte. Existem estudos avançados inclusive no âmbito da própria Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (SEINFRA) do Governo de Minas Gerais e na Comissão de Ferrovias da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que corroboram estas alternativas; c) Melhoria do transporte público de ônibus em Belo Horizonte e RMBH; d) Revitalização e ampliação do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, o que é viável tecnicamente e será muito menos oneroso e não trará as brutais violações aos direitos socioambientais, históricos e arqueológicos de Belo Horizonte a 13 municípios da RMBH. Sobre esse ponto, deve-se observar que o anteprojeto detalhado de reforma do Anel Rodoviário foi realizado pelo Governo de Minas Gerais e está pronto desde 2016, tendo sido realizado pela empresa Tectran, do grupo Systra. Esse projeto poderá ser atualizado, se necessário, e realizado com a verba acima citada, proveniente da tragédia-crime de Brumadinho. Esse anteprojeto foi total e injustificadamente desconsiderado pelo Estado, que optou pelo nocivo projeto do Rodoanel[3].

Todas essas propostas, por óbvio, devem ser submetidas à Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-fé de Povos e Comunidades Tradicionais que sejam impactadas por elas. A apresentação de propostas alternativas cumpre o propósito de demonstrar que existem caminhos menos danosos ao meio ambiente, às pessoas e ao patrimônio histórico e cultural da Região Metropolitana de Belo Horizonte, que devem ser estudados e divulgados antes da implantação de uma grande obra que somente irá beneficiar as mineradoras.

Portanto, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), MG, precisa ser feito com Participação Popular, ouvindo, acolhendo e incluindo no PDDI da RMBH diretrizes que de fato serão para o bem do povo e do ambiente e não do grande capital (FIEMG e mineradoras).

08/08/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

 1 - Frei Gilvander: “Não pode ser PDDI p FIEMG, mineradoras e Zema lucrarem, mas p bem do povo/ambiente"

2 - Povo se revolta e diz como deve ser o Plano Diretor da RMBH (PDDI) de BH/MG: “PDDI para FIEMG, NÃO!

3 - Irmã Idalina em Audiência Pública Plano Diretor da RMBH (PDDI): Povo de Brumadinho/MG está adoecido

4 - Audiência Pública Plano Diretor da RMBH (PDDI). “Rodoanel vai demolir mais de 15 mil casas na RMBH!”


5 - Frei Gilvander em Audiência Pública discussão Plano Diretor da RMBH (PDDI). “Fora, mineradoras!" V.2

6 - Plano Diretor da RMBH (PDDI) em discussão: QUE PLANO DIRETOR da RMBH QUEREMOS e será JUSTO? vídeo 1



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Organização das Nações Unidas.

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Ocupações resgatam história profunda de Belo Horizonte. Por frei Gilvander

 Ocupações resgatam história profunda de Belo Horizonte. Por frei Gilvander Moreira[1]

Ocupação Maria do Arraial, do MLB, à rua da Bahia, 1065, no hipercentro de Belo Horizonte, MG. Foto: Edinho, do MLB

Lutar pelo resgate da história profunda das cidades é imprescindível. Na madrugada do dia 28 de julho último (2023), o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), com cerca de 250 famílias, ocupou um prédio de dez andares abandonado há muitos anos, à rua da Bahia, 1065, no hipercentro da capital mineira. A Ocupação foi batizada de Maria do Arraial. Por que e para quê? Para resgatar a história real e profunda da capital mineira. Dona Maria do Arraial foi mulher negra escravizada, conhecida como “Maria Papuda”, que teve seu rancho demolido e sua família expulsa para se construir na localidade o suntuoso Palácio da Liberdade, sede do governo de Minas Gerais, e o conjunto de prédios públicos e palacetes que compõem a Praça da Liberdade e arredores. Foi um grave ato de racismo ambiental no antigo Arraial do Curral Del Rey, que infelizmente reverbera até os dias de hoje de várias maneiras na cidade e que marca o plano inicial de instalação da cidade Belo Horizonte.

Rancho Velho da doma Maria Papuda em 1894. Foto: Museu Histórico Abílio Barreto, de Belo Horizonte, MG

Belo Horizonte surgiu onde se assentava o antigo Curral Del Rey, destruindo os seus antigos casarios, arruamentos, largos e benfeitorias, incluindo os territórios ocupados por quilombolas, camponeses, ciganos e carroceiros. O antigo Largo do Rosário, composto por antiga igreja, cemitérios e casarios, que existia em um sítio onde hoje se situa o cruzamento das ruas Bahia com Timbiras, teve o seu território invadido e demolido no final do século XIX, e a Irmandade do Rosário e o povo negro que ali viviam foram expulsos do seu território sagrado e ancestral.

Largo do Rosário em 1895 no Curral Del Rey, com capela que era lindíssima e dois partidos. Ao fundo, a Serra do Curral estava intacta: Foto: Museu Abílio Barreto, de Belo Horizonte, MG

Os denominados “Quilombos Urbanos” de Belo Horizonte – Mangueiras, Luízes, Manzo Ngunzo Kaiango e Souza e outros em processo de autorreconhecimento – eram na verdade Quilombos camponeses ou rurais, que com o crescimento de Belo Horizonte e a especulação imobiliária, foram invadidos, sendo os quilombolas expropriados de seus territórios e expulsos para as vilas e favelas na periferia. Os carroceiros, agora perseguidos e criminalizados, têm sido imprescindíveis desde o início da capital mineira para carregar mercadorias e pessoas nas carroças, a partir da Estação do Trem, para transportar pedras para calçar ruas, limpeza urbana etc. Entretanto, uma lei racista, higienista e desumana foi aprovada e sancionada em Belo Horizonte, em 2021, proibindo o trabalho de quase dez mil carroceiros/as na capital mineira. Brutal violência que ignora e pisoteia nos direitos do Povo Carroceiro, que é Povo e Comunidade Tradicional, presente e atuante em todas as cidades do Brasil, prestando serviços imprescindíveis, tais como recolhimento de pequenas quantidades de resíduos e limpeza do ambiente, gerando renda para famílias oriundas do campo, evitando dengue, chikungunha etc.

Dona Vilma, mulher negra que nasceu no bairro Santo Antônio, enfrentou durante muitos anos processo de reintegração de posse movido pela prefeitura de Belo Horizonte, porque o casebre dela ficou ilhado por prédios de todos os lados. Foi preciso muita luta popular para convencer a Prefeitura de Belo Horizonte e o Poder Judiciário a compreenderem e reconhecerem que o marido da dona Vilma tinha sido um dos construtores de várias ruas de Belo Horizonte.

A escritora Conceição Evaristo nasceu e cresceu em uma favela no alto da Avenida Afonso Pena, onde hoje é o bairro Anchieta. Enfim, Belo Horizonte foi construída com trabalho e suor do povo negro e tradicional, severamente perseguidos e discriminalizados.

Atualmente, segundo dados da Prefeitura de Belo Horizonte, no centro da cidade, dentro do perímetro da Avenida do Contorno, existem cerca de 80 prédios abandonados. Por outro lado, segundo a Fundação João Pinheiro, em Belo Horizonte há um déficit habitacional quantitativo e qualitativo que ultrapassa 100 mil moradias. Em Belo Horizonte, mais de 10 mil irmãos e irmãs nossos estão em situação de rua. Portanto, está de parabéns o MLB por ter ocupado dois prédios ociosos e abandonados há muitos anos e por estar resgatando a história real e profunda da capital mineira. Vivam as Ocupações Carolina Maria de Jesus e Maria do Arraial!

Como “nem tudo que reluz é ouro”, em todas as capitais e grandes cidades muitos prédios e ambientes luxuosos são construídos em cima de trabalho escravo, à custa de muito suor e até sangue. O Rio de Janeiro, por exemplo, foi construído em cima de massacre de vários povos indígenas. Em Brasília, vários trabalhadores foram sepultados com concreto nas fundações de prédios da Esplanada dos Ministérios. Muitos trabalhadores foram mortos por se rebelar diante das violências que sofriam.

Resgatar a história real e profunda de todas as cidades é imprescindível para construirmos cidades realmente sustentáveis e democráticas. Em Belo Horizonte, segundo o Projeto Manuelzão, mais de 200 córregos e rios foram sepultados para construir sobre eles ruas e avenidas. Não é por acaso que em todo início de ano, com as chuvas surgem inundações em Belo Horizonte. Se o caminho das águas é obstruído, óbvio que a força das águas se manifestará. Somente nos últimos 15 anos a prefeitura de Belo Horizonte demoliu mais de 40 mil moradias para “construir moradias para automóveis”: alargar avenidas, construir viadutos e estacionamentos. Até quando se respeitará mais a dignidade dos automóveis que a dignidade humana?

Segundo estudos da Comissão que planejava a nova instalação da capital de Minas Gerais, após Ouro Preto, havia mananciais na região do Curral Del Rey capaz de abastecer uma cidade de até 3.000.000 de pessoas. Belo Horizonte tem hoje cerca de 2,4 milhões de habitantes, mas com as 34 cidades que compõem a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), a população chega a 5,9 milhões de habitantes. Muitos mananciais que abasteceram Belo Horizonte e outras cidades da RMBH já foram dizimados, tais como os mananciais da Pampulha, de Águas Claras e o rio Paraopeba, que era responsável por 50% da água que abastecia Belo Horizonte e foi sacrificado pela mineradora Vale S/A, com o crime ocorrido em Brumadinho.

Os movimentos sociais e ambientais apontam o caminho a ser seguido para que as cidades não continuem reproduzindo políticas de violência e de perseguição cada vez mais brutais contra o seu povo, suas águas e os demais seres viventes.

Em tempo: Iniciou-se dia 31/07/2023, uma série de 17 Audiências Públicas para se fazer atualização do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte (PDDI da RMBH). Pelo tamanho e importância da metrópole, o desenvolvimento do Plano Metropolitano PDDI deve ser um processo que fortaleça a institucionalidade da RMBH e o histórico de planejamento que a Região Metropolitana desenvolveu, principalmente ao longo dos últimos 20 anos, o processo participativo, para além dos ritos previstos como audiências públicas, é fundamental para garantir a governança metropolitana. A Agência Metropolitana tem papel fundamental neste processo. Os interesses metropolitanos devem ser priorizados, bem como todo o escopo de diagnóstico já produzido no PDDI há 10 anos. Plano Diretor este produzido em um ambiente que envolveu milhares de pessoas no processo participativo e que ficou engavetado e não foi aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Garantir preservação ambiental, frear drasticamente a mineração devastadora, apostar nos meios multimodais de mobilidade e implementar políticas públicas de moradia popular adequada são questões imprescindíveis na atualização do PDDI da RMBH, o que implica em abortar o famigerado rodoanel, que, se construído, será de fato Rodominério, infraestrutura para se ampliar mineração em Belo Horizonte  e Região Metropolitana de Belo Horizonte, o que não é mais suportável. Urge decretarmos Mineração Zero em Belo Horizonte  e RMBH. Do contrário, estaremos construindo a desertificação da RMBH com a exaustão hídrica e sufocamento da agricultura familiar. Sem água e alimento não há como viver.

02/08/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Nasce Ocupação Maria do Arraial no Centro de BH/MG em um grande prédio abandonado: luta por moradia

2 - “Ocupação Maria do Arraial, do MLB, no centro de BH/MG, resgata história profunda de BH." (Alenice)

3 - Mães e crianças: Ocupação Maria do Arraial, do MLB, à Rua da Bahia, 1065, centro de BH/MG: SOCORRO!

4 - No Centro de BH/MG, Ocupação Maria do Arraial, do MLB: 250 famílias ocupam prédio abandonado

5 - Leo Péricles/UP na luta da Ocupação Maria do Arraial do MLB no centro de BH/MG: luta por moradia v.2

6 - Cresce Rede de Apoio à Ocupação Maria do Arraial, do MLB, à Rua da Bahia, 1065, centro de BH/MG. v.4

7 - Leo Péricles, Edinho e Coord. do Pingo D’Água apoiando a Ocupação Maria do Arraial, do MLB, de BH/MG

8 - Adrian do RJ apoiando a Ocupação Maria do Arraial, do MLB, no centro de BH/MG: “Só c luta coletiva!"



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III