terça-feira, 15 de agosto de 2023

Minerar em AREDES: golpear a história, matar águas! Por frei Gilvander

 Minerar em AREDES: golpear a história, matar águas! Por frei Gilvander Moreira[1]

Fotos feitas durante Visita Técnica da Dep. Bella Gonçalves, Dep. Tito e Dep. Ricardo Campos à Estação Ecológica AREDES, em Itabirito, MG, dia 10/08/23: Reprodução/Mov. SOMOS AREDES

Para atender aos interesses capitalistas e particulares da mineradora Minar, o deputado estadual João Magalhães (PMDB) apresentou o PL 387/23, que está tramitando na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Mesmo eivado de inverdades, ilegalidades e inconstitucionalidade, de forma muito estranha e suspeita, este projeto de lei, muito mal escrito, aliás, já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da ALMG e está agora sendo apreciado pela Comissão de Meio Ambiente da ALMG. Projetos semelhantes ao PL 387/23 para retomar mineração em Aredes já foram arquivados nas últimas legislaturas na ALMG. É a terceira vez que a mineradora Minar insiste em tentar sacrificar de forma brutal e assustadora a Estação Ecológica de AREDES, no município de Itabirito, MG.



Dia 10 de agosto de 2023 aconteceu Visita Técnica da Comissão de Meio Ambiente à Estação Ecológica de Aredes. Participaram a deputada Bella Gonçalves, que defende que o PL 387/23 deve ser arquivado, e os deputados Tito Torres (PSD) e Ricardo Campos (PT). Aredes está distante de Belo Horizonte uns 50 Km. Após deixar a BR 040 e entrar em estrada de terra para chegar à Estação Ecológica de Aredes, assustado, tive a impressão de estar adentrando em uma zona de guerra: carretas de mineração, que são verdadeiros tanques de guerra, em trânsito frenético, indo e voltando; caminhões-pipas molhando a estrada – Haja água para abrandar tanta poeira! Enquanto milhares de bairros sobrevivem com migalhas de água nas 34 cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), caminhões-pipas de mineradoras jogam água em estradas, desperdiçando este bem precioso para auferir acumulação de capital para mineradoras com ganância sem fim. Até quando esta injustiça perdurará?



Atento para não ser atropelado por carretas de mineração, vi barragens e crateras de mineração ao longo de todo o caminho até Aredes. Barragem da mineradora Herculano, que, em 2014, matou três trabalhadores durante o seu rompimento, que inundou de lama tóxica o córrego Silva, afluente do rio Itabirito, vale do rio das Velhas; avista-se a mina Várzea do Lopes, da mineradora Gerdau na Serra da Moeda. Muito difícil chegar a Aredes sem guia que conheça a região, pois a estrada se mistura com muitos outros acessos exclusivos da mineração. No sítio histórico e arqueológico de Cata Branca, próximo a Aredes, aconteceu uma tragédia eufemisticamente chamado de acidente por volta do ano de 1844, no qual dezenas de trabalhadores, a maioria negros escravizados, foram mortos, sepultados vivos com o desabamento de uma galeria subterrânea de mineração. Quem não morreu no desabamento da rocha, morreu afogado, depois que os administradores ingleses desistiram dos trabalhos de resgate e desviaram um curso d’água para inundar a mina. O local é considerado até hoje assombrado devido ao terror causado pela mineração.



Ao chegar à Estação Ecológica de Aredes, somos tomados por uma emoção indescritível por ver e caminhar em um espaço histórico e arqueológico sagrado. Interiormente ouvi a voz de Deus que disse a Moisés no monte Horeb: “Tire as sandálias, pois este lugar é sagrado” (Êxodo 3,5). O ar, as paredes, as portas e os inumeráveis testemunhos históricos e arqueológicos ali existentes gritam exigindo respeito, reverência e cuidado. Uma maravilha histórica e arqueológica rodeada por mineradoras que de forma impiedosa e com ganância sem fim transformam aquele território em “zona de guerra”, território que está sendo sacrificado no altar do ídolo mercado há 300 anos. Sem ser técnica no assunto, uma pessoa sensata, ao contemplar a maravilha da Estação Ecológica Aredes e o entorno já tão brutalmente mutilado pelas mineradoras, conclui que é inadmissível permitir que a mineradora Minar retome mineração em Aredes! Basta de mineração devastadora!



Sob direção de Mauro Souza, foi apresentada uma Peça de Teatro de São Gonçalo do Bação, inspirada na robusta obra “Aredes - recuperação ambiental e valorização de um sítio histórico-arqueológico”, publicada em 2016, pela arqueóloga Alenice Baeta. Emocionante ver e ouvir o resgate da história de Aredes, local que foi o marco zero do município de Itabirito. Também em uma performance magistral denunciando a atrocidade que seria retomar mineração em Aredes, o artista Carlos do Carmo bradou: “Não nos calaremos na defesa das montanhas e das águas de Aredes, do ambiente com todo seus valores históricos culturais. Se nos calarmos, as montanhas gritarão!”



A professora Alenice Baeta, pós-doutora em arqueologia, deu uma aula magna ao narrar um pouco da exuberante história de Aredes, as sucessivas pesquisas e recuperação ambiental desenvolvidas na localidade, indicando o cuidado permanente de vários multiprofissionais com a Estação Ecológica de Aredes.

Foi inesquecível ver também muitas pessoas de Itabirito defendendo com intrepidez que o PL 387/23 precisa ser arquivado urgentemente na ALMG. A Mineradora Minar deixou três crateras de mineração abertas em Aredes, um brutal passivo ambiental. O Ministério Público de Minas Gerais por meio de parcerias e acordos desenvolveu vários projetos de reabilitação e valorização na área; um de reconversão de território, que realizou o preenchimento das três grandes crateras que tinham sido deixadas pela Mineradora Minar no entorno das estruturas arqueológicas; uma delas situava-se rente a trecho de muro da antiga Fazenda Aredes, ameaçando a sua integridade. Este local precioso remanescente tornou-se parte da Unidade de Conservação Estação Ecológica Aredes, em 2010. Se não fosse feita esta reconversão de território com o preenchimento da grande cava/cratera, possivelmente parte do muro histórico e arqueológico já teria desabado.

Agora, em 2023, pela terceira legislatura consecutiva, a mineradora Minar insiste, de forma absurda e injustificável, em voltar a minerar em território já pertencente à Estação Ecológica de Aredes, em uma montanha de campos rupestres e ferruginosos, que está apenas a poucos metros de distância de estruturas históricas e arqueológicas de Aredes. Este PL 387 é um desrespeito, uma violação de várias leis ambientais e patrimoniais e uma agressão infame à história de Aredes  e à sua população.

Além da devastação histórica, paisagística e arqueológica, retomar mineração em Aredes afetará de forma mortal os córregos Silva e Aredes, que são afluentes do rio Itabirito, que abastece a cidade de Itabirito e fundamental para o abastecimento público de Belo Horizonte e Região RMBH por ser um dos principais afluentes do rio das Velhas. Portanto, retomar mineração em Aredes reduzirá ainda mais as já escassas fontes de água que abastecem 6 milhões de pessoas em Belo Horizonte e RMBH.

Os argumentos da mineradora Minar que alegam ser possível compatibilizar retorno de mineração no aquífero de Aredes são falácias, cria mineriodependência e mata muitos empregos que a diversificação econômica e sustentável pode gerar.

Portanto, inadmissível alterar os limites da Estação Ecológica de Aredes já integrados e conectados, para que a mineradora Minar possa de novo sacrificar e mutilar territórios que compõem Aredes, imprescindíveis para a conservação ambiental de Itabirito e da Reserva da Biosfera. Arquive já o PL 387/23 e deixe Aredes em paz!

15/08/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Alenice Baeta: violência da MINAR sobre a E.E. AREDES e sítio arqueológico, Itabirito/MG. 15/4/19

2 - Visita Técnica de deputados/a à Estação Ecológica de AREDES, em Itabirito/MG. Arquive o PL 387/23!

3 - Peça de Teatro sobre História de AREDES, Itabirito/MG: Arquive PL 387/23 que visa minerar em AREDES!

4 - Trabalho arqueológico na Estação Ecológica de AREDES, em Itabirito/MG: Arquive o PL 387/23 na ALMG!

5 - Exposição AREDES na Estação Ecológica de AREDES, Itabirito/MG: Arquive o PL 387/23, que visa minerar

6 - No interior de uma das ruínas da Estação Ecológica de AREDES, em Itabirito/MG: Arquive o PL 387/23!

7 - Crateras deixadas pela Minar foram convertidas ambientalmente: Estação Ecológica AREDES/Itabirito/MG

8 - Em região já sacrificada por mineradoras, Minar insiste em minerar na Estação Ecológica AREDES. NÃO!



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

terça-feira, 8 de agosto de 2023

Plano Diretor da RMBH para quem? Por frei Gilvander

 Plano Diretor da RMBH para quem? Por frei Gilvander Moreira[1]



Ferramenta constitucional para o planejamento metropolitano, prevista no artigo 46, inciso III da Constituição do Estado de Minas Gerais de 1989, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), MG, foi feito, de 2009 a 2011, com intensa participação popular, envolvendo pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Por ser bom para o povo e democrático, este PDDI da RMBH não foi aprovado e não virou lei na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Composta de 34 cidades, a RMBH é a terceira maior região metropolitana do país, já com seis milhões de habitantes e intenso processo de conurbação. Nos últimos 12 anos, as desigualdades socioeconômicas e as injustiças socioambientais na RMBH se agravaram muito. Por iniciativa do atual desgovernador de Minas Gerais, parece que buscando segurança jurídica para o famigerado projeto de Rodoanel na RMBH, o desgovernador Zema contratou uma empresa do Paraná para fazer a atualização do PDDI da RMBH, que não foi colocado em prática por ter sido arquivado pela ALMG. De 31 de julho a 24 de agosto deste ano de 2023, estão acontecendo 17 audiências públicas, uma para cada dois municípios. Na última semana, cinco “audiências públicas” foram feitas em cinco cidades da RMBH: Brumadinho, Vespasiano, Contagem, Pedro Leopoldo e Lagoa Santa.

Começou bem mal. Com escassa divulgação, a participação popular está sendo irrisória. Em Brumadinho, apenas três pessoas usaram o microfone para dar alguma sugestão. Ninguém das cinco Comunidades Quilombolas e das duas Retomadas Indígenas (Aldeia Arapowã Kakyá do Povo Xukuru-Kariri e Aldeia Kamakã Mongoió do povo Kamakã e outros povos) de Brumadinho participaram, o que significa que não houve consulta às Comunidades e Povos Tradicionais; grave erro. Pelo município de Nova Lima, ninguém do povo estava presente. Em Vespasiano, só três pessoas usaram o microfone. Ninguém de Santa Luzia participou. Longe demais para ir participar. Em Contagem, a audiência pública iniciou com 45 minutos de atraso, autoridades falaram outros 45 minutos e uma pessoa da empresa do Paraná apresentou um diagnóstico preliminar em outros 45 minutos, o que tem sido feito em todas as “audiências”. Resultado: metade do povo que lotava um salão foi embora antes de poder falar ou ouvir a participação popular. Em Pedro Leopoldo e Lagoa Santa, também, pouquíssimas pessoas participaram, em um auditório praticamente vazio. Se continuar nesta toada, confirmará nossa suspeita de que as audiências públicas foram planejadas apenas para dar o verniz de que houve participação popular. Sem divulgação intensa e envolvimento dos Movimentos Sociais Populares, serão arremedos de audiências públicas.

Outro grave problema, melhor dizendo, outra grave injustiça, é o jeito como foi feito o “diagnóstico preliminar” e está sendo apresentado. Diz-se que está no site da Agência Metropolitana de Minas Gerais um diagnóstico de mais de 630 páginas, e se apresenta uma “síntese” em 45 minutos. De forma sutil se prioriza e dá um desmedido tempo para se falar de problemas de mobilidade, dando a entender que é um jeito de tornar palatável e justificável a construção do Rodoanel na RMBH, melhor dizendo, Rodominério, infraestrutura para as mineradoras continuarem ampliando mineração em Belo Horizonte e na RMBH, o que é insuportável. Alegando análise técnica, mas sendo na prática um tecnicismo político, pois se abordam os problemas basicamente através de porcentagem, o que esconde a brutal violência que está por trás das porcentagens. Por exemplo, não basta dizer que 85% das Pessoas em Situação de Rua da RMBH estão em Belo Horizonte. É preciso dizer que são mais de 12 mil pessoas, número maior que a população de muitas cidades da RMBH e maior do que 400 cidades de Minas Gerais. Número que vem crescendo muito. Não há nem uma palavra no “diagnóstico preliminar” que mostra que nenhum passageiro na RMBH é transportado através de trens. Existe apenas um trem da Vale para turista que vai de Belo Horizonte para Vitória, Espírito Santo. Não mostra que até 50 anos atrás, 1970, existia transporte de passageiros através de trens entre todas as 34 cidades da RMBH.

Em Belo Horizonte, segundo o Projeto Manuelzão, mais de 200 córregos e rios foram sepultados para construir sobre eles ruas e avenidas. Não é por acaso que em todo início de ano, com as chuvas, surgem inundações em Belo Horizonte. Se o caminho das águas é obstruído, óbvio que a força das águas se manifestará. Somente nos últimos 15 anos a prefeitura de Belo Horizonte demoliu mais de 40 mil moradias para “construir moradias para automóveis”: alargar avenidas, construir viadutos e estacionamentos. Até quando se respeitará mais a dignidade dos automóveis que a dignidade humana?

Nas cinco “Audiências Públicas” da 1ª semana, as lideranças populares foram enfáticas e denunciaram com veemência que a causa maior das injustiças que campeiam na RMBH está sendo o conluio entre o poder público estadual e o municipal para favorecer as grandes mineradoras. Mineração que já carcomeu a Serra do Curral de forma brutal. Em voo aéreo se vê a RMBH toda esburacada com dezenas de crateras de mineração e 32 barragens de rejeitos tóxicos da mineração com riscos graves de romper. Técnicos dizem que todas as barragens vão se romper; só não se sabe o dia e a hora, pois são gigantes montes de rejeitos minerários sem estruturas de contenção seguras. Está sendo violada a lei Mar de Lama, que exige que as mineradoras resolvam os riscos gravíssimos das barragens com descaracterização. Vários mananciais de abastecimento público de Belo Horizonte e RMBH já foram dizimados pela mineração devastadora e muitos outros estão sendo sacrificados no altar do ídolo capital da mineradora Vale S/A e outras mineradoras. Foi sacrificado o rio Paraopeba, que respondia por 50% do abastecimento público de Belo Horizonte e RMBH. Neste contexto brutal de insegurança hídrica e de emergência climática, reivindicamos por responsabilidade social, ecológica, geracional, que o PDDI da RMBH exija a redução drástica da mineração em Belo Horizonte e RMBH, o que exige excluir e proibir a construção do Rodoanel na RMBH, pois não resolverá a injustiça de mobilidade reinante e será na prática um rodominério, obra faraônica, ecocida, hidrocida, eleitoreira, autoritária, estrada da morte, dragão do Apocalipse.

O projeto do Rodoanel está eivado de ilegalidades e injustiças: a) sem participação popular, pois as “audiências públicas” realizadas durante a pandemia da covid-19, a toque de caixa, foram farsas de audiências públicas; b) O leilão e a assinatura do contrato com uma empresa multinacional ligada à extrema direita na Itália foram feitos SEM Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-Fé, conforme prescreve o Tratado Internacional da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) da ONU[2]; c) Não foi feito o licenciamento ambiental antes do leilão e da assinatura do contrato. E se o licenciamento ambiental com os necessários estudos de impactos ambientais assegurar que é inviável a construção do Rodoanel? Em cláusula leonina do contrato para caso de necessidade de romper o contrato, o Governo de Minas Gerais garante pagar uma multa de cinco bilhões de reais, o que, segundo juristas, fere a Lei de Responsabilidade Fiscal; d) E os direitos das mais de 15 mil famílias que serão desapropriadas e terão suas casas demolidas recebendo uma indenização que não cobrirá mais do que 30% do valor justo pelo terreno e construções? Sendo mais de 95% das propriedades sem escritura e sem registro de propriedade, mas só com “Contrato de Compra e Venda”, a indenização será menor e mais injusta ainda. Isso agravará brutalmente a injustiça urbana e metropolitana na RMBH, porque aumentará muito o déficit habitacional; e) E a brutal devastação de muitos mananciais, áreas de proteção ambiental, sítios históricos e arqueológicos e as mais de 45 Comunidades Quilombolas, centenas de Terreiros, outros Povos Tradicionais (ciganos, carroceiros ...) da RMBH e milhares de famílias de agricultores familiares que há mais de cem anos produzem alimento no chamado “cinturão verde” da RMBH? Enfim, se o Rodoanel for construído na RMBH, continuaremos marchando rumo ao abismo de desertificação da RMBH, conurbação desenfreada, extinção de muitos mananciais necessários para o abastecimento público. Fome e sede imperarão na RMBH!

Pelo tamanho e importância da metrópole, o desenvolvimento do Plano Diretor Metropolitano (PDDI) deve ser um processo que fortaleça a institucionalidade da RMBH e o histórico de planejamento que a Região Metropolitana desenvolveu, principalmente ao longo dos últimos 20 anos, o processo participativo, para além dos ritos previstos como audiências públicas, é fundamental para garantir a governança metropolitana. A Agência Metropolitana tem papel fundamental neste processo. Os interesses metropolitanos devem ser priorizados, bem como todo o escopo de diagnóstico já produzido no PDDI há 10 anos. Plano Diretor este produzido em um ambiente que envolveu milhares de pessoas no processo participativo e que ficou engavetado e não foi aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, frisamos.

Garantir preservação ambiental, frear drasticamente a mineração devastadora, apostar nos meios multimodais de mobilidade e implementar políticas públicas de moradia popular adequada são questões imprescindíveis na atualização do PDDI da RMBH, o que implica em abortar o famigerado rodoanel, que, se construído, será de fato Rodominério, infraestrutura para se ampliar mineração em Belo Horizonte  e Região Metropolitana de Belo Horizonte, o que não é mais suportável. Urge decretarmos Mineração Zero em Belo Horizonte e RMBH. Do contrário, estaremos construindo a desertificação da RMBH com a exaustão hídrica e o sufocamento da agricultura familiar. Sem água e alimento não há como viver.

Para impedir a agudização das injustiças socioambientais, econômicas e políticas reinantes em Belo Horizonte e RMBH propomos que se conste do PDDI da RMBH a exclusão do projeto do Rodoanel/RODOMINÉRIO e que existem propostas alternativas à construção do Rodoanel, entre as quais destacamos: a) Ampliação do Metrô de Belo Horizonte para as várias cidades da RMBH; b) Resgate do transporte de passageiros/as através de trens entre as 34 cidades da RMBH e Belo Horizonte. Existem estudos avançados inclusive no âmbito da própria Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (SEINFRA) do Governo de Minas Gerais e na Comissão de Ferrovias da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que corroboram estas alternativas; c) Melhoria do transporte público de ônibus em Belo Horizonte e RMBH; d) Revitalização e ampliação do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, o que é viável tecnicamente e será muito menos oneroso e não trará as brutais violações aos direitos socioambientais, históricos e arqueológicos de Belo Horizonte a 13 municípios da RMBH. Sobre esse ponto, deve-se observar que o anteprojeto detalhado de reforma do Anel Rodoviário foi realizado pelo Governo de Minas Gerais e está pronto desde 2016, tendo sido realizado pela empresa Tectran, do grupo Systra. Esse projeto poderá ser atualizado, se necessário, e realizado com a verba acima citada, proveniente da tragédia-crime de Brumadinho. Esse anteprojeto foi total e injustificadamente desconsiderado pelo Estado, que optou pelo nocivo projeto do Rodoanel[3].

Todas essas propostas, por óbvio, devem ser submetidas à Consulta Prévia, Livre, Informada, Consentida e de Boa-fé de Povos e Comunidades Tradicionais que sejam impactadas por elas. A apresentação de propostas alternativas cumpre o propósito de demonstrar que existem caminhos menos danosos ao meio ambiente, às pessoas e ao patrimônio histórico e cultural da Região Metropolitana de Belo Horizonte, que devem ser estudados e divulgados antes da implantação de uma grande obra que somente irá beneficiar as mineradoras.

Portanto, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), MG, precisa ser feito com Participação Popular, ouvindo, acolhendo e incluindo no PDDI da RMBH diretrizes que de fato serão para o bem do povo e do ambiente e não do grande capital (FIEMG e mineradoras).

08/08/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

 1 - Frei Gilvander: “Não pode ser PDDI p FIEMG, mineradoras e Zema lucrarem, mas p bem do povo/ambiente"

2 - Povo se revolta e diz como deve ser o Plano Diretor da RMBH (PDDI) de BH/MG: “PDDI para FIEMG, NÃO!

3 - Irmã Idalina em Audiência Pública Plano Diretor da RMBH (PDDI): Povo de Brumadinho/MG está adoecido

4 - Audiência Pública Plano Diretor da RMBH (PDDI). “Rodoanel vai demolir mais de 15 mil casas na RMBH!”


5 - Frei Gilvander em Audiência Pública discussão Plano Diretor da RMBH (PDDI). “Fora, mineradoras!" V.2

6 - Plano Diretor da RMBH (PDDI) em discussão: QUE PLANO DIRETOR da RMBH QUEREMOS e será JUSTO? vídeo 1



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Organização das Nações Unidas.

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Ocupações resgatam história profunda de Belo Horizonte. Por frei Gilvander

 Ocupações resgatam história profunda de Belo Horizonte. Por frei Gilvander Moreira[1]

Ocupação Maria do Arraial, do MLB, à rua da Bahia, 1065, no hipercentro de Belo Horizonte, MG. Foto: Edinho, do MLB

Lutar pelo resgate da história profunda das cidades é imprescindível. Na madrugada do dia 28 de julho último (2023), o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), com cerca de 250 famílias, ocupou um prédio de dez andares abandonado há muitos anos, à rua da Bahia, 1065, no hipercentro da capital mineira. A Ocupação foi batizada de Maria do Arraial. Por que e para quê? Para resgatar a história real e profunda da capital mineira. Dona Maria do Arraial foi mulher negra escravizada, conhecida como “Maria Papuda”, que teve seu rancho demolido e sua família expulsa para se construir na localidade o suntuoso Palácio da Liberdade, sede do governo de Minas Gerais, e o conjunto de prédios públicos e palacetes que compõem a Praça da Liberdade e arredores. Foi um grave ato de racismo ambiental no antigo Arraial do Curral Del Rey, que infelizmente reverbera até os dias de hoje de várias maneiras na cidade e que marca o plano inicial de instalação da cidade Belo Horizonte.

Rancho Velho da doma Maria Papuda em 1894. Foto: Museu Histórico Abílio Barreto, de Belo Horizonte, MG

Belo Horizonte surgiu onde se assentava o antigo Curral Del Rey, destruindo os seus antigos casarios, arruamentos, largos e benfeitorias, incluindo os territórios ocupados por quilombolas, camponeses, ciganos e carroceiros. O antigo Largo do Rosário, composto por antiga igreja, cemitérios e casarios, que existia em um sítio onde hoje se situa o cruzamento das ruas Bahia com Timbiras, teve o seu território invadido e demolido no final do século XIX, e a Irmandade do Rosário e o povo negro que ali viviam foram expulsos do seu território sagrado e ancestral.

Largo do Rosário em 1895 no Curral Del Rey, com capela que era lindíssima e dois partidos. Ao fundo, a Serra do Curral estava intacta: Foto: Museu Abílio Barreto, de Belo Horizonte, MG

Os denominados “Quilombos Urbanos” de Belo Horizonte – Mangueiras, Luízes, Manzo Ngunzo Kaiango e Souza e outros em processo de autorreconhecimento – eram na verdade Quilombos camponeses ou rurais, que com o crescimento de Belo Horizonte e a especulação imobiliária, foram invadidos, sendo os quilombolas expropriados de seus territórios e expulsos para as vilas e favelas na periferia. Os carroceiros, agora perseguidos e criminalizados, têm sido imprescindíveis desde o início da capital mineira para carregar mercadorias e pessoas nas carroças, a partir da Estação do Trem, para transportar pedras para calçar ruas, limpeza urbana etc. Entretanto, uma lei racista, higienista e desumana foi aprovada e sancionada em Belo Horizonte, em 2021, proibindo o trabalho de quase dez mil carroceiros/as na capital mineira. Brutal violência que ignora e pisoteia nos direitos do Povo Carroceiro, que é Povo e Comunidade Tradicional, presente e atuante em todas as cidades do Brasil, prestando serviços imprescindíveis, tais como recolhimento de pequenas quantidades de resíduos e limpeza do ambiente, gerando renda para famílias oriundas do campo, evitando dengue, chikungunha etc.

Dona Vilma, mulher negra que nasceu no bairro Santo Antônio, enfrentou durante muitos anos processo de reintegração de posse movido pela prefeitura de Belo Horizonte, porque o casebre dela ficou ilhado por prédios de todos os lados. Foi preciso muita luta popular para convencer a Prefeitura de Belo Horizonte e o Poder Judiciário a compreenderem e reconhecerem que o marido da dona Vilma tinha sido um dos construtores de várias ruas de Belo Horizonte.

A escritora Conceição Evaristo nasceu e cresceu em uma favela no alto da Avenida Afonso Pena, onde hoje é o bairro Anchieta. Enfim, Belo Horizonte foi construída com trabalho e suor do povo negro e tradicional, severamente perseguidos e discriminalizados.

Atualmente, segundo dados da Prefeitura de Belo Horizonte, no centro da cidade, dentro do perímetro da Avenida do Contorno, existem cerca de 80 prédios abandonados. Por outro lado, segundo a Fundação João Pinheiro, em Belo Horizonte há um déficit habitacional quantitativo e qualitativo que ultrapassa 100 mil moradias. Em Belo Horizonte, mais de 10 mil irmãos e irmãs nossos estão em situação de rua. Portanto, está de parabéns o MLB por ter ocupado dois prédios ociosos e abandonados há muitos anos e por estar resgatando a história real e profunda da capital mineira. Vivam as Ocupações Carolina Maria de Jesus e Maria do Arraial!

Como “nem tudo que reluz é ouro”, em todas as capitais e grandes cidades muitos prédios e ambientes luxuosos são construídos em cima de trabalho escravo, à custa de muito suor e até sangue. O Rio de Janeiro, por exemplo, foi construído em cima de massacre de vários povos indígenas. Em Brasília, vários trabalhadores foram sepultados com concreto nas fundações de prédios da Esplanada dos Ministérios. Muitos trabalhadores foram mortos por se rebelar diante das violências que sofriam.

Resgatar a história real e profunda de todas as cidades é imprescindível para construirmos cidades realmente sustentáveis e democráticas. Em Belo Horizonte, segundo o Projeto Manuelzão, mais de 200 córregos e rios foram sepultados para construir sobre eles ruas e avenidas. Não é por acaso que em todo início de ano, com as chuvas surgem inundações em Belo Horizonte. Se o caminho das águas é obstruído, óbvio que a força das águas se manifestará. Somente nos últimos 15 anos a prefeitura de Belo Horizonte demoliu mais de 40 mil moradias para “construir moradias para automóveis”: alargar avenidas, construir viadutos e estacionamentos. Até quando se respeitará mais a dignidade dos automóveis que a dignidade humana?

Segundo estudos da Comissão que planejava a nova instalação da capital de Minas Gerais, após Ouro Preto, havia mananciais na região do Curral Del Rey capaz de abastecer uma cidade de até 3.000.000 de pessoas. Belo Horizonte tem hoje cerca de 2,4 milhões de habitantes, mas com as 34 cidades que compõem a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), a população chega a 5,9 milhões de habitantes. Muitos mananciais que abasteceram Belo Horizonte e outras cidades da RMBH já foram dizimados, tais como os mananciais da Pampulha, de Águas Claras e o rio Paraopeba, que era responsável por 50% da água que abastecia Belo Horizonte e foi sacrificado pela mineradora Vale S/A, com o crime ocorrido em Brumadinho.

Os movimentos sociais e ambientais apontam o caminho a ser seguido para que as cidades não continuem reproduzindo políticas de violência e de perseguição cada vez mais brutais contra o seu povo, suas águas e os demais seres viventes.

Em tempo: Iniciou-se dia 31/07/2023, uma série de 17 Audiências Públicas para se fazer atualização do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte (PDDI da RMBH). Pelo tamanho e importância da metrópole, o desenvolvimento do Plano Metropolitano PDDI deve ser um processo que fortaleça a institucionalidade da RMBH e o histórico de planejamento que a Região Metropolitana desenvolveu, principalmente ao longo dos últimos 20 anos, o processo participativo, para além dos ritos previstos como audiências públicas, é fundamental para garantir a governança metropolitana. A Agência Metropolitana tem papel fundamental neste processo. Os interesses metropolitanos devem ser priorizados, bem como todo o escopo de diagnóstico já produzido no PDDI há 10 anos. Plano Diretor este produzido em um ambiente que envolveu milhares de pessoas no processo participativo e que ficou engavetado e não foi aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Garantir preservação ambiental, frear drasticamente a mineração devastadora, apostar nos meios multimodais de mobilidade e implementar políticas públicas de moradia popular adequada são questões imprescindíveis na atualização do PDDI da RMBH, o que implica em abortar o famigerado rodoanel, que, se construído, será de fato Rodominério, infraestrutura para se ampliar mineração em Belo Horizonte  e Região Metropolitana de Belo Horizonte, o que não é mais suportável. Urge decretarmos Mineração Zero em Belo Horizonte  e RMBH. Do contrário, estaremos construindo a desertificação da RMBH com a exaustão hídrica e sufocamento da agricultura familiar. Sem água e alimento não há como viver.

02/08/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Nasce Ocupação Maria do Arraial no Centro de BH/MG em um grande prédio abandonado: luta por moradia

2 - “Ocupação Maria do Arraial, do MLB, no centro de BH/MG, resgata história profunda de BH." (Alenice)

3 - Mães e crianças: Ocupação Maria do Arraial, do MLB, à Rua da Bahia, 1065, centro de BH/MG: SOCORRO!

4 - No Centro de BH/MG, Ocupação Maria do Arraial, do MLB: 250 famílias ocupam prédio abandonado

5 - Leo Péricles/UP na luta da Ocupação Maria do Arraial do MLB no centro de BH/MG: luta por moradia v.2

6 - Cresce Rede de Apoio à Ocupação Maria do Arraial, do MLB, à Rua da Bahia, 1065, centro de BH/MG. v.4

7 - Leo Péricles, Edinho e Coord. do Pingo D’Água apoiando a Ocupação Maria do Arraial, do MLB, de BH/MG

8 - Adrian do RJ apoiando a Ocupação Maria do Arraial, do MLB, no centro de BH/MG: “Só c luta coletiva!"



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

terça-feira, 25 de julho de 2023

15º Encontro Intereclesial das CEBs: pentecostes de espiritualidade ética e profética. Por frei Gilvander

15º Encontro Intereclesial das CEBs: pentecostes de espiritualidade ética e profética. Por frei Gilvander Moreira[1]

15o Intereclesial das CEBs, em Rondonópolis, MT. Fotos: Jakson Moreira

Celebramos 38 anos do martírio do Padre Ezequiel Ramin dia 24 de julho deste ano de 2023, porque dia 24 de julho de 1985, padre Ezequiel Ramin, sendo missionário comboniano e agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foi brutalmente assassinado com 50 tiros em Cacoal, Rondônia, a mando de fazendeiros que estavam expropriando os posseiros e expulsando-os da terra que pertencia a eles. Dom Pedro Casaldáliga dizia: “Feliz de um povo que não esquece seus mártires!” Para honrar a memória espiritual e profética de Ezequiel Ramin, dia 23 de julho último aconteceu a 8ª Romaria Padre Ezequiel Ramin, em Rondolândia, no Mato Grosso.  Padre Ezequiel Ramin, semente viva na Amazônia! Aconteceu também na noite do dia 21 de julho de 2023, no 4º dia do 15º Intereclesial das CEBs uma Romaria dos Mártires e Defensores da Vida, da Praça dos Carreiros até o Cais do Rio Vermelho, em Rondonópolis, MT. Em estandartes, as fotos de dezenas de mártires nos faziam recordar de tantos/as que, como Jesus Cristo, foram assassinados/as por estarem nas lutas dos/as injustiçados/as do campo e da cidade. O sangue dos/as mártires precisa continuar circulando nas nossas artérias. Temos que honrar o legado de doação e profecia que nos deixaram.



Dia 25 de julho é dia do/a trabalhador/a rural, dia de renovarmos nosso compromisso com os/as trabalhadores/as do campo que, como assalariados, acampados, assentados ou pequenos agricultores, produzem mais de 70% do alimento que chega à mesa do povo brasileiro, enquanto o agronegócio não produz alimento, mas produz: a) commodities para exportação para gerar lucro e acumulação de capital para poucos capitalistas; b) produz desertificação de territórios pelo desmatamento desenfreado, pela irrigação que seca os rios e chupa águas dos lençóis freáticos em poços artesianos que esgotam as águas subterrâneas; c) produz epidemia de câncer e de Alzheimer pelo uso indiscriminado de agrotóxicos como o glifosato e centenas de outros venenos que intoxicam a terra, as águas, o ar e os corpos dos animais, das plantas e dos seres humanos adoecendo-os. Nossa homenagem ao lavrador/a, camponês/a, trabalhador/a do campo, pois “se o campo não planta, a cidade não janta”.



Ainda em ‘estado de graça’ por ter participado do 15º Intereclesial das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base – www.cebsdobrasil.com.br ), em Rondonópolis, MT, de 18 a 22 de julho último (2023), e convicto de que devemos partilhar e socializar as experiências que humanizam, mesmo ciente de que é muito difícil, se não impossível, partilhar o esplendor da espiritualidade ética e profética que vivenciamos no 15º Intereclesial das CEBs, um “Encontro Nacional de representantes de CEBs do Brasil”, vamos lá ...

O tamanho: Participaram cerca de 1.500 lideranças de CEBs de todo o Brasil, entre as quais 60 bispos, uns 130 padres, umas 130 freiras, alguns membros de outras Igrejas Cristãs, dezenas de indígenas, quilombolas, pessoas LGBTQIA+, observadores internacionais etc. Nove grandes Equipes de Trabalho garantiram em um estupendo mutirão a infraestrutura, alimentação e tudo o que precisava para o Intereclesial se desenrolar bem. Os 1.500 participantes foram acolhidos e hospedados em casas de centenas de famílias que graciosamente abriram o coração e hospedaram com alegria todos/as nós. Enfim, milhares de pessoas contribuíram e participaram de um grande mutirão que construiu e realizou o 15º Intereclesial das CEBs.

O tema acolheu o que o papa Francisco vem nos pedindo desde o início do seu pontificado: “CEBs: Igreja em saída na busca da vida plena para todos e todas” e o lema, “Vejam! Eu vou criar novo céu e uma nova terra” (Is 65,17a). Qual Igreja? A que se faz povo de Deus com opção pelos pobres e opção de classe trabalhadora. “Em saída” para onde? Para as periferias geográficas e sociais, na busca e construção de condições objetivas e materiais que garantam vida plena para os humanos e para toda a biodiversidade. “saída” que exige trabalho de base e formação bíblica, teológica, política, ecológica etc.

Os momentos de oração e mística no início de todas as manhãs nos conectaram com a Divina Ruah, o Deus trinitário mistério de infinito amor, com os nossos ancestrais, as luzes e as forças dos/as mártires da caminhada e com as mais diversas formas de vivenciarmos nossa espiritualidade. “Orar faz bem”, melhor ainda quando de forma libertadora envolvemos na nossa oração a comunidade, a sociedade e todos os seres vivos da nossa Casa Comum. A Equipe de animação e cantoria, ao longo dos dias, nos embalava com músicas libertadoras com letras e melodias críticas e entusiasmantes, todas no Cancioneiro do 15º Intereclesial das CEBs. Já dizia Santo Agostinho: “Quem canta uma música boa (libertadora), reza duas vezes”. E ao contrário, quem canta uma música alienante se aliena duas vezes.

Seguindo o método VER, JULGAR/DISCERNIR e AGIR, todos/as tiveram oportunidade de se expressar e ouvir todos/as em grupos pequenos, médios, plenárias/biomas e na plenária-mãe, nossa “Casa Comum”. No 1º dia, para VER a realidade, todos/as os/as participantes foram distribuídos em Plenárias com os nomes de Biomas: Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal, Amazônia, Pampas. No 2º dia, na Plenária-mãe, chamada de “Casa Comum”, foi socializada a reflexão feita em mutirão no dia anterior e adentramos no JULGAR, discernindo como enfrentar as injustiças que ofuscam o reino de Deus no nosso meio. Foram criticados com veemência as relações sociais que geram o clericalismo, o patriarcado, o machismo, o racismo, a homofobia, a devastação ambiental e outras violências que aviltam a dignidade humana e reduzem a mercadorias a terra, as águas e toda a biodiversidade.

Em contexto de efeito dominó dos 34 anos de pontificado dos papas João Paulo II e Bento XVI, disseminando movimentos com espiritualidades intimistas e fundamentalistas, cultivando o clericalismo, muitas pessoas clamavam “basta de muito rito e pouco Cristo” e houve apelo para que as CEBs se tornem autônomas e que não fiquem esperando muito apoio dos padres e dos bispos. Buscar outros areópagos e ser profetas como Eldad e Medad fora da Tenda (Nm 11,26-29 ): nas ocupações urbanas e camponesas, e nas periferias das cidades. A caminhada das CEBs persiste e resiste, apesar de todas as dificuldades, mas deve se enraizar também fora da estrutura das paróquias. As Ocupações de luta pela terra e por moradia são na prática CEBs, mas na maioria das vezes sem rótulo e no geral sem ou com pouco acompanhamento das paróquias onde se encontram. Com Marcelo Barros, sugerimos a continuidade das CEBs, mas “com caráter mais autônomo em relação às paróquias e mesmo às dioceses, ligadas às Igrejas locais, mas com estrutura mais autônoma e mais laical e ecumênica, talvez animada a partir do CONIC[2] e de entidades irmãs que possam junto com as pastorais sociais assumirem junto com Movimentos Sociais Populares a tarefa de dar maior visibilidade e solidez às Comunidades Ecumênicas de Base ou mesmo Comunidades Humanas de Base.”

No julgar e discernir foi enfatizado que cultivar a vida comunitária é um sagrado antídoto ao espírito capitalista que solapa as relações comunitárias e injeta o vírus do individualismo e do egocentrismo. Foi alertado que fazer missão não pode ser reduzido a tentar envolver de forma proselitista “os de fora” na “minha igreja”, mas testemunhar o que Jesus Cristo e os profetas e profetisas ensinaram e testemunharam revelando o que constrói o reino de Deus no nosso meio. Não podemos nos calar! Crucial continua sendo sermos profetas e profetisas, não adivinhadores do futuro, mas quem nas entranhas da trama histórica lê os sinais dos tempos e dos lugares e no meio do povo aponta os caminhos a serem seguidos para superação do capitalismo que em crise aguda segue superexplorando não só a classe trabalhadora, mas também sacrificando no altar do mercado idolatrado os bens naturais – terra, águas, minerais e todo que pode ser transformado em mercadoria nos biomas e ecossistemas.

Três clamores foram destacados: os clamores dos povos negros diante das relações sociais escravocratas que reproduzem cotidianamente racismo estrutural; os clamores dos povos indígenas vítimas de genocídios e de invasão de seus territórios e ainda sob ameaça da brutal tese do Marco Temporal já aprovado na Câmara Federal. Houve um fortíssimo grito para que o inconstitucional e esdrúxulo Marco Temporal não seja aprovado no Senado Federal e nem no Supremo Tribunal Federal; os clamores das Juventudes também vítimas de genocídio e da amputação de oportunidades para desabrochar seu infinito potencial de humanização.

Enfim, na atual conjuntura da Igreja Católica no Brasil, de um retorno à Grande Disciplina, de hegemonia de fundamentalismo, clericalismo, moralismos e de “comunidades entocadas” priorizando ajuntar dízimo e reduzindo a fé cristã a autoajuda, o 15º Intereclesial foi ato público de resistência em que militantes e pessoas da caminhada libertadora das CEBs expressaram de cabeça erguida que as CEBs estão vivas e seus membros mantêm viva e forte a profecia da espiritualidade libertadora ecumênica e inter-religiosa. Vivenciamos dias de verdadeira manifestação do amor de Deus na força e luz da Divina Ruah, fecundando as CEBs! Dom Guilherme Antônio Werlang, bispo da Diocese de Lages, SC, foi aplaudido por todos/as de pé ao bradar: “Quem se deixa levar pela correnteza das maiorias, é como um corpo morto ou um tronco já derrubado e sem vida e que é incapaz de reagir e lutar pela vida sua e dos outros. Nadar contra a correnteza nunca foi fácil, mas essa deve ser a atitude de quem deseja ser cristão ou cristã.”

A caminhada continua e o trem das CEBs segue agora para seu berço, o estado do Espírito Santo, que acolherá e sediará o 16º Intereclesial das CEBs em 2027. Que a Divina Ruah e a Trindade Santa continuem nos guiando com muito amor no coração na utopia do reino de Deus, com olhar e pés no chão das periferias, ao lado dos periferizados, lutando pelos seus direitos e também pelos direitos da natureza. Que os/as que foram sejam multiplicadores, que o XV Intereclesial das CEBs ressoe nas Paróquias e Comunidades... no meio do povo! Apesar de tantas forças contrárias na sociedade e na própria Igreja, sigamos na construção de uma Igreja viva, em saída, sinodal, a partir dos/as pobres, injustiçados/as. 

Em tempo: Registramos em vídeo cerca de 13 horas nos cinco dias do 15º Intereclesial e estamos aos poucos disponibilizando no youtube no canal “Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos”. Assista se quiser e sinta-se à vontade para baixar e republicar em outros canais.

25/07/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - XV Intereclesial das CEBs, Rondonópolis, MT: celebração de abertura, beleza espiritual e profética!

2 - VER de forma crítica a realidade, 1ª parte da manhã 2º dia XV Intereclesial de CEBs, Rondonópolis/MT

3 - Pedro Ribeiro analisa Realidade Eclesial: 2a parte dia 19/7 -XV Intereclesial CEBs, Rondonópolis/MT

4 - Cantoria, Acolhida, Oração e Mística no 2o dia do XV Intereclesial das CEBs, Rondonópolis/MT: luzes!

5 - Destaques do XV Intereclesial das CEBs em Rondonópolis/MT, segundo participantes, CNBB e Rede Vida

6 - https://cebsdeminas.com.br/4774-2/



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – www.conic.org.br