sexta-feira, 10 de abril de 2020

Espiritualidade da Semana Santa: profecia, lavar os pés uns dos outros, doar-se e cultivar utopias libertárias. Por frei Gilvander


Espiritualidade da Semana Santa: profecia, lavar os pés uns dos outros, doar-se e cultivar utopias libertárias
Por Gilvander Moreira[1]

Foto: depositphotos

“... morar no interior do meu interior para entender ... aonde Deus possa me ouvir ...” (Vander Lee).

Toda semana é santa, sagrada, assim como todos os seres vivos, entre os quais estamos nós, os humanos. Sagrada também é toda a natureza com toda a biodiversidade – flora e fauna -, todos os biomas (Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Amazônia, Pantanal e Pampas). Entretanto, para as pessoas cristãs a Semana Santa, que conclui o tempo litúrgico da Quaresma, é santa com destaque, porque quer propiciar um processo de conversão e de aprimoramento espiritual. O dia em que celebramos nosso aniversário é um dia especial para nós, pode não ser para outros. Se uma árvore que perde suas raízes, morre. Honrar sempre nossas raízes é vital, ciente que para as raízes continuarem fortes é preciso terra fértil, água boa e cuidado. Por isso, cuidar também da nossa dimensão espiritual é vital. Qual é mesmo a mística e espiritualidade da Semana Santa, especialmente em tempos de pandemia do coronavírus?
No ‘Domingo de Ramos’, celebramos a entrada em Jerusalém de Jesus, montado em um jumentinho (Lc 19,35), com seu movimento popular religioso. Quase dois mil anos atrás, na Palestina, após uma longa marcha da Galileia a Jerusalém (Lc 9,51-19,27), da periferia para a capital, Jesus e seu movimento popular e religioso entram em Jerusalém, de forma clandestina, sutil, sem alarde. Se anunciassem que Jesus e seu movimento entrariam em Jerusalém, a entrada seria proibida pelas forças de repressão do governador Pilatos.  A alegria era grande no coração dos discípulos e discípulas, na sua maioria, camponeses. “Bendito o que vem como rei...” (Lc 19,38). O Evangelho de Mateus nos informa que essas pessoas festejavam gritando: “Hosana ao filho de Davi! Hosana no mais alto do céu!” (Mt 21,9). A palavra ‘hosana’, da língua grega, nos soa como uma exclamação, como se fosse ‘Viva! Viva!’, mas conforme o salmo 118,25 a mesma palavra ‘hosana’ significa “Javé, salva-nos!”  Aqui há um trocadilho entre as palavras Javé, Josué e Jesus, que têm a mesma raiz etimológica ‘libertar/salvar’. Portanto, o sentido da aparente exclamação dos discípulos se dirigindo a Jesus significa “Salva-nos!”. Mais do que exclamação, é um pedido, um clamor dos discípulos e discípulas dirigido ao mestre Jesus. Podemos ler nas entrelinhas: 1 - que não é possível auto-salvação; 2 - é uma denúncia contundente dos falsos ‘salvadores da pátria’: governadores, imperador, sumo-sacerdote ou saduceus.
O povo via em Jesus, pobre, desarmado e servo - anunciado pelo profeta Isaías (Is 42,1; 49,3; 52,13) - outro modelo de liderança e de forma de exercer o poder, não mais como dominação, mas como gerenciamento do bem comum. Quem aplaude Jesus entrando em Jerusalém é o povo, grupo organizado que o segue desde a Galileia. O povão que cinco dias após, na sexta-feira da paixão, gritará “crucifica-o” não é o mesmo povo do “Domingo de Ramos”. Trata-se da massa alienada que sobrevivia em torno do grande negócio que era o templo em Jerusalém. Agem insuflados por fariseus que os estimulavam a gritar tendo Jesus como alvo “crucifica-o”. Logo, a partir desses dois relatos dos evangelhos – a entrada de Jesus em Jerusalém e sua crucificação – não se pode concluir que o povo é como folha seca ao vento, um bando de ‘Maria vai com as outras’.
A entrada de Jesus em Jerusalém incomoda parte dos fariseus que tentam sufocar aquele evangelho: ótima notícia para os pobres, mas péssima notícia para os opressores. Hipocritamente chamam Jesus de mestre, mas querem domesticá-lo, domá-lo. “Manda que teus discípulos se calem.”, impunham os que se julgavam salvos – ‘cidadãos de bem’ - e os mais religiosos. “Manda...!” Dentro do paradigma “mandar-obedecer”, eles são os que mandam. Não sabem dialogar, mas só impor. “Que se calem!”, gritam. Quem anuncia a paz como fruto da justiça testemunha fraternidade e luta por justiça verdadeira, o que incomoda o status quo opressor. Mas Jesus, em alto e bom som, com a autoridade de quem vive o que ensina, profetisa: “Se meus discípulos (profetas) se calarem, as pedras gritarão” (Lc 19,40). Esse alerta do galileu virou refrão de música das Comunidades Eclesiais de Base  (CEBs), assim: “Se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão. Se fecharem uns poucos caminhos, mil trilhas nascerão... O poder tem raízes na areia, o tempo faz cair. União é a rocha que o povo usou pra construir...!”
Portanto, a mística bíblica da celebração de Domingo de Ramos é: não calem os profetas e as profetisas, porque, senão, as pedras gritarão! Surdos e obcecados pelo ídolo capital, poderosos do mundo não ouvem os cientistas que estão falando há muito tempo que a devastação da natureza está levando ao aquecimento global e com isso as mudanças climáticas serão cada vez mais dramáticas fazendo surgir doenças cada vez mais perigosas, entre elas a COVID-19. Feliz quem ouve os verdadeiros profetas e as verdadeiras profetisas.
Na ‘quinta-feira santa’ acontece a celebração do lava-pés (Jo 13,1-20), ocasião na qual mais do que instituir a Eucaristia, Jesus se oferece como servo, aquele que presta um serviço gratuito e libertador. Jamais Jesus iria criar algo para reforçar poder de alguns sobre outros.  Jesus se fez servidor, pegou uma bacia e toalha e lavou os pés de seus discípulos, em uma época em que era instituído pela sociedade imperial escravocrata e patriarcal que escravo devia lavar os pés do seu senhor/patrão, mulher devia lavar os pés do marido e as crianças deviam lavar os pés dos adultos. Jesus revoluciona estas estruturas discriminadoras e ensina, pelo testemunho, que só serve para viver quem vive para servir solidariamente de forma libertadora.
Na ‘sexta-feira santa’ celebramos a Paixão de Jesus Cristo e a Paixão de todas as pessoas que são crucificadas por todos os tipos de opressão – econômica, política, religiosa etc. Atualmente vivemos uma grande sexta-feira da paixão marcada pela superexploração do capital e pela pandemia do coronavírus, causada certamente pelo progresso e desenvolvimento econômico capitalista, sistema que só visa o lucro e o acúmulo de riqueza para poucos à custa de devastar toda a natureza e acabar com as condições de vida sobre nossa Casa Comum, o planeta Terra. Jesus Cristo não foi condenado à pena de morte por Deus, pai de infinito amor. O Deus da vida não é sádico e nem masoquista. Também Jesus não foi morto na cruz simplesmente para nos salvar do inferno no pós-morte. Jesus foi condenado à morte pelos podres poderes de um modelo de economia que sacrifica a classe trabalhadora em nome do lucro e da acumulação de capital para alguns, por um poder político imperial e autoritário que sufocava a participação popular, e por um poder religioso ritualista e fundamentalista que usava a religião para oprimir. Jesus foi crucificado para que ninguém mais fosse crucificado. Logo, Jesus condenado à morte denuncia tudo o que gera morte.
Entretanto, Jesus ressuscitou e, com a experiência da ressurreição de Jesus, as pessoas que o amavam também ressuscitaram, ou seja, se encheram de esperança, de amor e de coragem, para seguir sendo discípulas e discípulos de Jesus Cristo e levando para frente seu projeto de fraternidade entre todos e tudo. Por mais escura que seja a noite ela sempre anuncia uma nova aurora. O sentido da Páscoa não pode ser privatizado por expressões religiosas que desencarnam a fé cristã e amputam a dimensão social da fé. A fé na ressurreição de Jesus Cristo não garante apenas vida após a morte. É preciso não esquecer que a Páscoa Judaica, origem da Páscoa Cristã, diz respeito à libertação dos povos escravizados no Egito pelo imperialismo dos faraós. Por isso, Páscoa envolve reunir os injustiçados, atravessar os “mares vermelhos”, marchar rumo à terra prometida – terra partilhada e democratizada – e, enfrentar os grileiros e especuladores lutando para conquistar um pedaço de chão. A Páscoa cristã atesta que Jesus de Nazaré, mesmo sendo inocente e justo, foi condenado pelos podres poderes à pena de morte, mas ressuscitou. O sonho ensinado e testemunhado por Jesus e seus discípulos e discípulas jamais será sepultado.
Há quase 2.000 anos ecoa uma notícia revolucionária dada em primeira mão por Maria Madalena, “apóstola dos apóstolos”, mulher que cultivava o amor, a solidariedade e lutava contra toda e qualquer injustiça. Irradiando alegria, a partir do túmulo de Jesus de Nazaré, Maria Madalena saiu correndo e anunciando por todos os cantos e recantos: “Jesus está vivo, ressuscitou!” Bateram em ferro frio os chefes dos poderosos da religião, da política e da economia, ao pensar que condenando Jesus de Nazaré à pena de morte, poriam fim no movimento popular e religioso de fraternidade real, testemunhado e ensinado pelo Galileu da periferia da Palestina. Celebrar a Páscoa de Jesus de Nazaré é momento oportuno para revigorar nossa fé no Deus da vida, fé na humanidade, fé nos oprimidos, fé na mãe terra, na irmã água e fé em nós mesmos. É também momento propício para celebrarmos todas as lutas do passado e do presente. Lutas por direitos fundamentais. Quem persevera na luta dos Movimentos Populares conquista direitos, mais cedo ou mais tarde.
A partir do testemunho e da mensagem de Jesus de Nazaré, somos todos convidados a reconhecer o poder da ressurreição instalado no coração das pessoas e de todos os seres vivos. Todos nós pertencemos à ordem da transcendência, em que a grandeza divina se faz nossa herança. Que neste tempo de Páscoa, todos nós renasçamos para a missão que Deus mesmo nos reservou: sermos portadores/as de vida plena.
Celebrar a Páscoa judaica e cristã é cantar e dançar a ciranda da Ressurreição, da vida triunfando sobre a morte. Jesus foi condenado à morte, mas ele ressuscitou. Por isso, o ideal de vida e liberdade para todos/as não morre. Com a ressurreição de Jesus ficou decretado que as utopias jamais morrerão, os sonhos de libertação jamais serão pesadelos, a luta dos oprimidos e injustiçados será sempre vitoriosa (ainda que custe muito suor e sangue). As forças da Vida terão sempre a última palavra. Por mais cruéis que sejam, todas as tiranias, opressões, corrupções, guerras e a pandemia do coronavírus passarão! Sejamos expressão de fraternidade e vida uns para os/as outros/as, mesmo em noite escura! Feliz e sublime páscoa para todos/as![2]

10/4/2020.


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.


quinta-feira, 9 de abril de 2020

Quarentena para salvar vidas - 2a Parte - Frei Gilvander Moreira - Rádio Independente FM 104,9 - Ichu - BA - 07/4/2020

Quarentena para salvar vidas - 2a Parte - Frei Gilvander Moreira - Rádio Independente FM 104,9 - Ichu - BA - 07/4/2020



Eliane Brum, uma das melhores jornalistas do Brasil, no artigo O vírus somos nós (ou uma parte de nós), alerta: “O futuro está em disputa: pode ser Gênesis ou Apocalipse (ou apenas mais da mesma brutalidade)”. Brum aponta o rumo: “A pandemia de coronavírus revelou que somos capazes de fazer mudanças radicais em tempo recorde. A aproximação social com isolamento físico pode nos ensinar que dependemos uns dos outros. E por isso precisamos nos unir em torno de um comum global que proteja a única casa que todos temos. O vírus, também um habitante deste planeta, nos lembrou de algo que tínhamos esquecido: os outros existem.”[2] Ouça o áudio na íntegra e, se gostar, compartilhe. Sugerimos.


*Texto e áudio de frei Gilvander Moreira, da CPT, das CEbs, do CEBi, do SAB e da assessoria de Movimentos Sociais.
Edição de Nádia Oliveira.
*Inscreva-se no You Tube, no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no link: https://www.youtube.com/user/fgilvander, acione o sininho, receba as notificações de envio de vídeos e assista a diversos vídeos de luta por direitos sociais. Se assistir e gostar, compartilhe. #FreiGilvandernalutapordireitos #PalavrasdeFécomfreiGilvanderMoreira #XXIIIRomariadasÁguasedaTerraMG

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Brasil-Colônia no século XXI em queda livre. Até quando?


Brasil-Colônia no século XXI em queda livre. Até quando?
Por Alenice Baeta[1] e Gilvander Moreira[2]



Artigo publicado na revista Science demonstra que “o desaparecimento da  biodiversidade global é, atualmente, mil vezes mais veloz do que se ele acontecesse naturalmente, sem o impacto do homem. É uma taxa muito maior do que a estimada anteriormente, em 1995, quando estava em cem vezes”[3]. Não é toda e qualquer pessoa que está impactando o planeta Terra, mas o ‘homem capitalista’, um devastador por ser idólatra do mercado e, consequentemente, da acumulação de capital. Com Bolsonaro incentivando, os madeireiros e ruralistas desmatando e queimando a Amazônia, dizimando o cerrado que existia em 14 estados, com agronegócio e monoculturas com irrigação desenfreada, com uso indiscriminado de agrotóxicos e, como consequência, urbanização sempre crescente, os animais do campo estão ficando sem habitat e estão sendo forçados a migrar também para as cidades, o que já está comprovado por várias pesquisas de doutorado. Este cenário nos diz que o progresso e o desenvolvimento econômico capitalista criaram as condições objetivas para o aparecimento do coronavírus e, pior, se não for interrompido esse modelo ecocida e genocida, outras pandemias mais letais surgirão. Necessário se tornou frearmos o consumismo e a produção industrial e econômica do que for supérfluo. À beira da extinção da espécie humana, tornou-se não apenas ético, mas necessário, cultivar estilo de vida simples e austero. “Viver com o mínimo e ter mais liberdade”, nos ensinam os hippies (Artesãos de rua, Malucos BR).
A pandemia do coronavírus, que causa a COVID-19, tirou todas as máscaras dos capitalistas neoliberais, neocolonialistas, melhor dizendo. As políticas neoliberais de privatização e de redução do Estado o fazem “mínimo” para o povo em termos de políticas públicas, mas ‘máximo’ em termos de repressão.  Com a diminuição dos investimentos públicos em saúde, educação, habitação, transporte e outros, com a privatização das empresas estatais e dos serviços públicos, o Estado ficou incapaz de salvar vidas do povo que agora está com uma espada de Dâmocles sobre a cabeça: o coronavírus que já matou em todo o mundo mais de 70 mil pessoas, no Brasil mais de 700. A idolatria do capital e do mercado está se revelando como arma mortífera que mata milhares de pessoas só no Brasil, todos os anos. Por que o governo federal e o congresso nacional não cancelam a Proposta de Emenda Constitucional n. 95 aprovada - a que congelou os investimentos em saúde, educação e assistência social por 20 anos? Porque praticam a necropolítica, um novo tipo de nazifascismo que mata cotidianamente em uma guerra onde as vítimas são só os empobrecidos, além de pessoas não produtivas, sejam idosos ou com baixa imunidade. Só em 2019, por causa desse covarde congelamento dos investimentos em Saúde Pública, Educação Pública e Assistência Social, 20 bilhões de reais foram sonegados ao SUS. Por isso, faltam leitos, UTIs, respiradores artificiais, máscaras, médicos, enfermeiros etc. Se não for abolida a PEC 95, em 20 anos, quantas pessoas serão mortas por não encontrar acolhida em hospitais? Milhões, certamente.
Sob modelo capitalista neoliberal (neocolonial), o Estado Brasileiro, em 2019, de um orçamento total no valor de R$ 2,711 trilhões, reteve mais de 38% do orçamento (mais de 1 trilhão de reais[4]) para repassar para banqueiros como pagamento de juros e amortizações da infame dívida pública, fruto de agiotagem. Eis mais uma injustiça e covardia contra os pobres no Brasil. Assim se reproduz uma das maiores desigualdades sociais do mundo. Isso comprova que, de fato, temos no Brasil uma elite escravocrata, bélica e geronticida, que tem o deleite em humilhar, torturar e matar, com requintes de crueldade. Por isso, toda a ostentação da elite está enxovalhada de suor e sangue da classe trabalhadora, como os milhões de indígenas e negros escravizados.
Estudo da UFRJ e da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo) analisou 1,2 milhão de tuites a favor do (des)presidente Bolsonaro e concluiu que 55% de publicações pró-Bolsonaro são feitas por robôs. Este dado demonstra de forma inequívoca que as pessoas bolsonaristas são não apenas ingênuas, mas disseminadoras de mentiras que matam e disseminam o ódio. O Evangelho de João afirma: “a verdade liberta” (João 8,32), mas “a mentira mata, é coisa diabólica” (João 8,44), macabra.
Liberar apenas R$600,00 para cada trabalhador, a conta-gotas, é esmola para frear a rebelião popular que a fome trará. As panelas já estão vazias. É injustiça hedionda o repasse imediato de bilhões para os banqueiros salvarem seus bancos que fazem agiotagem com capa de legalidade.
O desgoverno federal está escondendo uma verdade muito perigosa e mortal. Um secretário do Ministro da Saúde, no afã de questionar o prolongamento da quarentena que está sendo feita graças à postura ética e responsável de vários governadores, disse que todos devem se imunizar com o coronavírus, que o contágio comunitário só diminuirá quando pelo menos 50% da população já tiver contraído o vírus. Disse que parte das pessoas nem vai ficar sabendo que contraiu o vírus, pois nem sintomas estas pessoas terão. Outros terão os sintomas e uma porcentagem menor precisará ser internada e precisará de respirador artificial, o que está em escassez nos dois sistemas de saúde no Brasil, no SUS e na rede privada. Além disso, o desgoverno federal está omitindo a informação da Organização Mundial da Saúde (OMS), respaldada por cientistas idôneos, que demonstra que, no mundo, cerca de 2% dos que contraem o coronavírus acabam morrendo. Mais grave: o Ministério da Saúde informou dia 07 de abril que no Brasil a taxa de mortos entre os que contraem o coronavírus está sendo de 4,9%. No Brasil, com 212.000.000 (duzentos e doze milhões) de pessoas, 4,9% significam 10.388.000 (dez milhões e trezentos e oitenta e oito mil) pessoas. Então, se o povo brasileiro aceitar seguir o que o desgoverno federal está propondo, antes dos pesquisadores descobrirem remédio ou vacina, de fato, eficaz, é preciso que saibam desta verdade que está sendo escondida: o número de mortos no Brasil poderá chegar a 10.388.000 pessoas, não apenas pessoas idosas, diabéticas, com câncer, cardíacas, quem está com baixa imunidade, do grupo de risco, mas também pessoas aparentemente saudáveis, que já estão entre os mais de 700 mortos, nesse país continental. Propor seguir um caminho que pode levar à morte mais de mais de dez milhões de pessoas, só no Brasil, é ‘brincar com fogo’, é amar o capital e não a Deus. Por isso, Jesus disse: “Não se pode servir a dois senhores: a Deus e ao capital” (Mateus 6,24). Neste cenário perigoso, ficar em casa, em quarentena, até que se descubra remédio ou vacina capaz de impedir que pessoas morram de COVID-19 é imperativo ético e necessidade vital.
Estamos presenciando um projeto patológico de mentiras ou fakes, também chamado de pseudologia robótica, perpetrado pelos bolsonaristas nazifascistas que adoeceu parte da população brasileira,  com o apoio de partidos políticos aliados, de milícias, militares, ruralistas, e claro, de agentes do Ministério Público em suas instâncias estadual e federal e do Supremo Tribunal Federal (STF) - ou melhor, toda a corja da direita que coaduna com o desmantelamento da democracia e das políticas públicas do país. Presenciamos a destruição da saúde pública, da educação pública e da pesquisa científica. Lembremos da covarde expulsão dos dez mil médicos cubanos, aplaudida por alguns insanos. Tudo promessa de campanha e, acreditem, muitos votaram no atual presidente sabendo que esta catástrofe, entre outras, iria mesmo acontecer.  Não há máscara que tape esta vergonha, nem álcool em gel que apague este ato. O único compromisso destes meliantes é se tornarem subservientes ao desgoverno xenofóbico de Donald Trump[5], fazendo o Brasil se portar como colônia subalterna dos Estados Unidos. De fato, quem se ajoelha aos interesses dos USA não respeita o povo brasileiro. Afinal, quem apoiou todas as conspirações lideradas por Jair Bolsonaro e por Sérgio Moro em 2017 e 2018?  As atuais agressões ao governo chinês fazem parte deste perverso plano de subserviência colonial ao Tio Sam. Por isso, as tais encomendas brasileiras de equipamentos de prevenção ao coronavírus foram retidas por Trump, em clara alusão à prática da pirataria, pois pilhou e interceptou uma carga encomendada por outro país. Agora esta é a especiaria da vez, como já foram a seda, as ervas e o marfim. Claro, primeiro a metrópole, e se sobrar, talvez seja liberada para a colônia, aqui do sul. Não é assim que funcionam as relações coloniais? Parece que estamos mesmo no período da “Nova Colônia”. Mesmo com a ameaça do presidente americano de impor tarifas à China, em declarada guerra comercial, tempos atrás, agora os produtos chineses são ovacionados pelos americanos e suas relações mútuas se incrementam. Tudo pelos americanos! “America First”! Trump se aproxima ardilosamente de Xi Jinping, presidente da China, que almeja acordos vantajosos. 
O Brasil não parece fazer parte dos principais projetos comerciais da China nas Américas, que ainda se encontra empenhada em estreitar relações e negócios na África, Ásia, Oriente Médio e Europa; a Nova Rota da Seda[6], que agora também tem os equipamentos de Saúde como novo produto em rede. Fortalecida política e economicamente,  em tempos de pandemia, a China parece concentrar suas transações e alianças com o Norte Global (Europa, Reino Unido e América do Norte), como sinalizado pelo governo chinês no último Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, mantendo os investimentos na segurança cibernética, política industrial, projetos de transporte e de infraestrutura e controle de portos em vários locais do planeta, além de pesquisas científicas. Segundo a agência de notícias oficial do governo, a China já teria assinado 173 documentos de cooperação com 125 países e 29 organizações internacionais. A soja exportada pelo Brasil, por sua vez, sempre foi utilizada para o consumo animal na China, pois não atinge os seus padrões rígidos de segurança alimentar. Com o aumento progressivo do uso de  agrotóxicos, piorou ainda mais o interesse em adquirir os produtos alimentares brasileiros, e isto ressoa em todo o mundo.  Mas parece que nem para o bichos chineses serve mais a soja brasileira, depois de tanta agressão do filho do Bolsonaro, do atual chanceler, e, por último, do ministro da (des)educação. Sorrateiramente, Trump negocia a venda de soja estadunidense para a China, em substituição da brasileira. O plano sórdido e macabro continua. As relações bilaterais Brasil-China se arrefecem neste momento de verdadeiro caos e pandemia no Brasil.
Considerando que o crescimento do contágio comunitário pelo coronavírus acontece não apenas em uma progressão aritmética (1, 2, 4, 6, 8, 10 ...), mas em uma progressão geométrica (1, 2, 4, 8, 16, 32, 64, 128, 256, 512, 1024 ...), de forma exponencial, se quisermos salvar vidas, temos que agir rápido, antes que aumente muito o número de pessoas infectadas, e colocar em prática todas as medidas que evitam o contágio: ficar em casa, em quarentena, lavar as mãos com frequência, usar máscara quando tiver que sair de casa. Se o contágio não for barrado logo no início, se for disseminado, será quase impossível impedir que todas as pessoas sejam infectadas. 
Apesar dos históricos e insanos bloqueios à  Cuba, em paralelo a este jogo repugnante, os médicos cubanos, de forma solidária e profissional, ajudam de forma heróica o povo italiano a sair de uma grande tragédia epidemiológica e social; muitos, os mesmos que foram expulsos do Brasil no início de 2019. Assim segue o Brasil Colônia no Século XXI... em queda livre. 
Até quando?

08/4/2020.



[1] Doutora em Arqueologia pelo MAE/USP; Pós-Doutorado Arqueologia e Antropologia-FAFICH/UFMG; Mestre em Educação pela FAE/UFMG; Historiadora e Membro do CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva - www.cedefes.org.br - : e-mail: alenicebaeta@yahoo.com.br

[2] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III
[5] Segundo New York Times, Trump é Sócio de empresa que produz a tal da cloroquina. É por isto que Bolsonaro tanto insiste no uso da cloroquina?
[6] A antiga Rota da Seda era composta por inúmeros itinerários que interligavam a Ásia, o Extremo Oriente e a Europa, por onde escoavam produtos e cargas, transportados por caravanas e embarcações oceânicas. Trata-se de antigos territórios comerciais e mercantis onde surgiram diversas cidades e entrepostos (Cf. FRANKOPAN, Peter. As Rotas da Seda – uma nova história do mundo. São Paulo: Ed. Relógio D’Água, 2018).

terça-feira, 7 de abril de 2020

Quando as máscaras caem: política, religiosidade e desavenças entre parentes. Por Gilvander

Quando as máscaras caem: política, religiosidade e desavenças entre parentes
Por Gilvander Moreira[1]



Quem é minha mãe e meus irmãos?” (Mc 3,33), perguntou Jesus Cristo em plena missão no meio do povo. Jesus também brigou com parentes? Desde a última campanha eleitoral, temos ouvido falar de briga entre parentes, em grupos de família no WhatsApp, via telefone ou presencialmente. Como resultado destes embates, parentes se afastam, saem dos grupos de WhatsApp, porque discordam de posturas uns dos outros.  A evolução tecnológica colocou celulares nas mãos da maioria da população. Com isso a comunicação virtual se acelerou e possibilitou revelar o que há de bom nas pessoas, mas também o que há de pior e execrável. Hoje em dia é cada vez mais raro ouvir falar sobre um grupo de família no WhatsApp em que não tenha ocorrido chateação e discórdia entre parentes. Para além do grupo, muitos se bloqueiam definitivamente. 
Ocorre que tudo tem mesmo um limite e diante de tremenda desigualdade social sendo reproduzida cotidianamente, já não dá mais para suportar posturas capitalistas, egoístas, distribuição de fake news (armas de opressão) e a disseminação de visões religiosas absurdas e preconceituosas, que são, na prática, idolátricas.  Difícil tolerar pessoas que usam reiteradamente em vão o nome de Deus e torturam textos bíblicos para tirar conclusões que justificam  discriminação, preconceito e posturas que ofendem os empobrecidos e as maiorias sociais e étnicas no Brasil e no mundo. Não é atitude criminosa e genocida ficar publicando em grupos de WhatsApp de família e em outros lugares fake news e afirmações irresponsáveis e imorais incitando as pessoas a se exporem a se contaminarem e a contaminar outras pessoas com o perigoso coronavírus? Essa atitude diabólica pode levar à morte de milhares de irmãs e irmãos nossos. Isso não pode ser atitude de ser humano e muito menos de quem se diz pessoa cristã. 
Basta de tanta ignorância e analfabetismo político, religioso, econômico, social e ambiental. Não dá para conceber que pessoas possam continuar defendendo o (des)presidente da República diante da realidade que demonstra que ele está desestruturando o país, aumentando a violência e a desigualdade social. Só quem não ama o próximo e está em um oásis ou em uma bolha, longe da realidade dos empobrecidos, ou quem tem como único interesse a manutenção de privilégios ou o usufruto das benesses dessa máquina de moer vidas, que é o capitalismo, pode ainda se apegar em defender o que é indefensável sobre todos os aspectos, como é o caso do     facínora presidente, sua familícia e seus comparsas. 
Causa asco a atitude de quem continua chamando de comunista todos/as aqueles/as que questionam as atrocidades que o (des)presidente vem cometendo diariamente ao longo de seu desgoverno, mas, em especial, no contexto mais recente no qual se espera de qualquer governante o mínimo de competência e humanidade no enfrentamento da pandemia do coronavírus e não atitudes imprudentes e perversas como as que ele vem tomando. Espera-se de um governante, como virtudes essenciais, no mínimo, a prudência, o respeito à imprensa, aos cientistas, em especial, aqueles/as da área da saúde e da infectologia.  Mas, nem isto temos verificado por parte do (des)governo federal no Brasil. Ele e seus asseclas seguem com  ignorância, desmantelando as políticas sociais, educacionais e culturais da plural população brasileira. Ao que tudo indica, a síntese “Quanto pior, melhor” é o retrato fiel do desgoverno e de seus seguidores conhecidos por “gado” que chegam ao limite menosprezando até os nossos anciãos, porque só se interessam pela riqueza que a classe trabalhadora pode produzir para eles.
Não dá para tolerar posturas religiosas alienadas de quem diz que ama a Deus, “Deus acima de tudo”, mas não questiona essa engrenagem de violência que segue matando milhões de pessoas. Muitos falsos pastores, falsos padres, falsos intelectuais e falsos cristãos estão sendo cúmplices de opressores sociais e violências no Brasil, porque reduzem a religião à autoajuda e à idolátrica teologia da prosperidade. Reduzem Deus a um quebra-galho para resolver “o meu problema” ou, no máximo “o problema da minha família”. E os problemas e os sofrimentos dos outros, das outras famílias?  Não devemos ter solidariedade para com quem está sofrendo por ser injustiçado?
O que está matando o povo no Brasil, nos EUA, na Europa, no Japão, na América Latina e na África, é, principalmente, o capitalismo e os capitalistas. Por que não questionar os capitalistas, os banqueiros, a turma do agronegócio? Os donos do agronegócio, por exemplo, com sua ganância desmesurada,  segundo pesquisas científicas, são os responsáveis por mais de 700 mil pessoas contraírem câncer por ano no Brasil, pelo uso indiscriminado de centenas de  agrotóxicos no afã de produzir mais e assim obter maior lucro a qualquer custo, mesmo que este custo seja contabilizado no crescente número de mortes humanas e de outras espécies naturais por doenças diversas que tem nos venenos sua origem. Cegos ou cegados, aqueles/as que levantam essa cortina de fumaça vendo “comunismo” em tudo escondem as verdadeiras causas da injustiça social, da violência e da superexploração do povo e antes, sim, auxiliam a manter o status quo opressor.
Muitos tipos de oração transferem para Deus responsabilidades que são nossas. Rezar ou orar para Deus acudir os desempregados, os doentes ... não pode se tornar uma forma de lavarmos as nossas mãos, como Pilatos, diante das injustiças sociais que causam tantas mazelas e sofrimentos. É contraditório ser capitalista (egoísta, competidor/a, consumista, individualista) e ser pessoa cristã. Ou se é pessoa cristã ou se é capitalista. Não dá para servir a Deus e ao capital, ao mesmo tempo. Segundo o Evangelho de Jesus Cristo, pessoa cristã precisa ser anticapitalista, cultivar estilo de vida simples e austero e ser pessoa que gera fraternidade. Frei Humberto, padre carmelita holandês que trabalhou por mais de 40 anos no noroeste de Minas Gerais, um dia me disse: “A causa principal de todos os sofrimentos do povo é o capitalismo. Por isso, em toda missa que celebro, faço uma prece para que aconteça reforma agrária no Brasil.” Quando entrei para o seminário, em 1981, um frei me disse: “A solução para superar as injustiças sociais no Brasil é acabar com o capitalismo e implantar aqui o socialismo. Só que não podemos dizer isso para o povo, senão seremos considerados subversivos e comunistas”. Por que não podemos discutir o capitalismo, essa máquina de moer vidas? Reproduzir a opressão capitalista sempre pode?
Muitos padres e pastores - pretensos intelectuais também - não questionam o capitalismo e as práticas capitalistas, por ignorância ou porque lhes interessa mentir para o povo para controlá-lo e continuar acumulando riquezas e privilégios por meio de ofertas, como o dízimo, por exemplo. Interessa aos falsos padres e falsos pastores manter o povo na ignorância religiosa e manter postura política covarde, não confessada, mas que apoia quem mata como, por exemplo, aquela adotada pela bancada evangélica no Congresso Nacional, na qual mais de 100 pastores apoiam a bancada ruralista, a do boi, que, pelo agronegócio (monoculturas irrigadas com uso indiscriminado de agrotóxico) está desertificando o Brasil, disseminando doenças diversas, mas, principalmente, o câncer, acabando com as nascentes de água e com espécies animais e vegetais necessárias ao equilíbrio da natureza.
Recordemos sempre: chefes religiosos condenaram Jesus Cristo à morte. Nosso salvador Jesus Cristo foi torturado pelos podres poderes da política, da economia e da religião. Como pode alguém que se diz pessoa cristã defender quem defende tortura, defender quem aplaude milicianos (jagunços), defender quem já liberou mais de 600 tipos de agrotóxicos em 2019, defender quem mente descaradamente e divulga fake news?
Com a quarentena exigida pela pandemia do coronavírus, os capitalistas estão desesperados, porque estão vendo o tanto que dependem da classe trabalhadora. Se os trabalhadores param de trabalhar, o lucro dos patrões se dissolve como castelo de areia na praia. Por isso incitam as pessoas a voltarem ao trabalho e, na prática, a entrar na fila do matadouro, porque sabem que terão prejuízos que querem suprimir, mesmo que a custa de vidas humanas. Isto é necropolítica, é escolher quem deve viver e quem deve ser morto. Não é postura ética, é idolatria do capital e da morte. Quem está alardeando isso ama o ídolo capital.
Ponham o dedo na consciência, por amor às crianças, aos idosos, às pessoas com saúde frágil, ao Deus da vida e às próximas gerações. Parem de distribuir fake news, armas de morte e de insensatez. É preciso conhecer os verdadeiros inimigos e eles estão pousando de “cidadãos de bem”, mas são, sim, cidadãos de bens. Observem o que a Mãe Terra está nos mostrando neste momento tão sensível com a pandemia do coronavírus. O tempo está nos exigindo reflexão, lucidez, conversão e humanização.
Enfim, os véus caíram, as máscaras também. As desavenças entre parentes nos fazem recordar que Jesus Cristo perguntou: “Quem é minha mãe e meus irmãos?” (Mc 3,33). E se voltando para seus discípulos e discípulas, arrematou: “Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3,35). O Evangelho de Lucas explicita: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática” (Lucas 8,21). Ou seja, para além dos laços sanguíneos, devemos nos sentir membros da família humana que luta pela construção de um mundo para além do capitalismo, um mundo justo economicamente, solidário socialmente, ético, plural culturalmente, (macro)ecumênico religiosamente, sustentável ecologicamente e responsável geracionalmente. Em fim, até ser encontrado remédio ou vacina para a COVID-19, ficar em casa em quarentena é defender a vida. Eis um imperativo ético do momento gravíssimo que atravessamos[2].

07/04/2020.

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.
1 - Coronavírus - A importância do uso de máscaras de proteção - Dr. Fabiano Hueb - 06/4/2020



2 - Capitalismo nu, por Wilson Ramos Filho, o Xixo - 27/3/2020



3 - Roda Viva com o biólogo Atila Iamarino - 30/03/2020



4 - COVID-19 e o Capitalismo em Estado Crítico - uma conversa com Ricardo Abramovay





[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Gratidão à Alenice Baeta, pós-doutora em Antropologia e Arqueologia, e à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fizeram a revisão deste texto.

terça-feira, 31 de março de 2020

Quarentena para salvar vidas. Por frei Gilvander


Quarentena para salvar vidas
Por Gilvander Moreira[1]

Ilustração de Rita Wainer e Júlia Gastin sobre o isolamento social causado pelo coronavírus. Divulgação / Rede Virtual

“Fique em casa!”. Esse é o alerta dado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pelas autoridades sanitárias sensatas e pelas jurisdições éticas e responsáveis. “Um grito pode salvar a boiada”, diz a sabedoria popular. Ficar em casa, em quarentena, até debelarmos a transmissão comunitária do coronavírus é necessário, vital e imperativo ético. O despresidente do Brasil, que está desgovernando nosso país, por meio de atitudes deprimentes, irresponsáveis e criminosas, ao desdenhar da ciência e da OMS, continua incitando o povo a entrar na fila do matadouro. Ignorem-no! A história nos mostra que a pandemia que teve início em 1918, a do vírus influenza, chamada erroneamente de “gripe espanhola”, infectou 500 milhões de pessoas e matou mais de 50 milhões de seres humanos, um quarto da população mundial à época, há 102 anos, entre 1918 e 1920. O ex-presidente do Brasil, Rodrigues Alves, morreu, vítima desta pandemia, inclusive.
O conto A Roupa Nova do Rei, de Hans Christian Andersen, de 1837, versa sobre um rei ensimesmado e narcísico, que passava o tempo só trocando de roupas e se exibindo. Se dizendo tecelões, dois artistas chegaram diante do rei e prometeram-lhe fazer a roupa mais maravilhosa do mundo, capaz de lhe tornar invisível diante das pessoas que não fossem capazes de exercer as funções reais e diante dos tolos.  O rei pensou: “Com essa roupa controlarei todo o povo, espionando quem é incompetente e serei temido pelos medrosos e aplaudido pelos tolos.” Após o rei fornecer muita seda pura e uma infinidade de fios de ouro, os dois artistas seguiram ludibriando o rei. Despiram-no e lhe fizeram acreditar que estava vestindo uma roupa imaginária maravilhosa. Após, o rei narcísico saiu em cortejo pela cidade, onde muitos temendo contrariá-lo elogiavam mentirosamente a beleza de sua nova roupa. Diz o conto: “Até que subitamente uma criança, do meio da multidão gritou: O rei está nu!!! “Ouçam! Ouçam o que diz esta criança inocente!” - observou o pai a quantos o rodeavam. Imediatamente o povo começou a cochichar entre si. “0 rei está nu! O rei está nu!!”- começou a gritar o povo”.
Grandes empresários, banqueiros, investidores e capitalistas em geral – elite escravocrata -, tal como no conto A Roupa Nova do Rei estão nus e desesperados. Nunca se demonstrou com tanta evidência que é a classe trabalhadora do campo e da cidade que produz tudo com sua força de trabalho a partir da mãe terra e de toda a natureza.  Cegados e obcecados pela ganância em acumular capital, os capitalistas, como capitães do mato, incitam parte da classe trabalhadora a voltar ao trabalho e a abandonar a quarentena. Não caiam nesta armadilha! Eles dizem que o coronavírus é uma ‘gripezinha”, porque querem continuar lucrando e acumulando capital. Eles sabem muito bem que o coronavírus já matou em todo o mundo mais de 38 mil pessoas e matará milhões, provavelmente. No Brasil já são mais de 200 mortos. É hora de combatermos a ignorância e os interesses escusos de quem, de forma criminosa, incita o desrespeito à quarentena. Estima-se que no Brasil, pelo coronavírus, podem morrer de 50 mil a um milhão de pessoas. Portanto, quem está dizendo que o povo não precisa ficar em quarentena, que não deve se precaver, está maquinando a morte de milhares de seres humanos. Isso é necropolítica, é fascismo, é nazismo, é crime de lesa-humanidade. Se a quarentena não for levada a sério por todo o povo brasileiro agora, sem vacilar, quando a mortandade de pessoas se alastrar, teremos que fazer quarentena aos prantos com uma espada de dor transpassando o coração pela morte de muitos parentes, amigos e outras milhares de pessoas, senão milhões, isso só para falar no nosso querido Brasil.
Segundo a Bíblia, as “pragas” do tempo do Êxodo do povo escravizado pelo imperialismo dos faraós do Egito eram pragas, mas também maravilhas. Para os opressores eram pragas, porque desmascarava a violência perpetrada contra o povo e exigia conversão, mas para o povo escravizado eram maravilhas, porque era caminho para a superação da escravidão. Como Deus solidário e libertador, Javé enviou nas entranhas da história uma praga/maravilha propondo conversão. Como a conversão não veio, tornou-se necessário a segunda praga/maravilha e sucessivamente até a ‘décima’ praga/maravilha até a libertação do povo passando pelo mar vermelho. Além do mais, as tais “pragas”, no mundo antigo, não eram castigo de Deus, mas o resultado de situações críticas naturais ou políticas: a fome era o resultado de toda estiagem prolongada e peste nas plantações, assim como a morte dos jovens era o efeito da ação militarista e beligerante dos governantes. Logo, o coronavírus não é castigo de Deus, pode ser praga ou maravilha para a humanidade, dependendo da forma como o encaramos e das lições que tiraremos dessa pandemia. Eliane Brum, uma das melhores jornalistas do Brasil, no artigo O vírus somos nós (ou uma parte de nós), alerta: “O futuro está em disputa: pode ser Gênesis ou Apocalipse (ou apenas mais da mesma brutalidade)”. Brum aponta o rumo: “A pandemia de coronavírus revelou que somos capazes de fazer mudanças radicais em tempo recorde. A aproximação social com isolamento físico pode nos ensinar que dependemos uns dos outros. E por isso precisamos nos unir em torno de um comum global que proteja a única casa que todos temos. O vírus, também um habitante deste planeta, nos lembrou de algo que tínhamos esquecido: os outros existem.”[2]
Na Bíblia, os profetas e profetisas sabem que a palavra profética conduz, às vezes, à conversão de alguns poucos, mas, na maioria das vezes, leva ao endurecimento de muitos, em um primeiro momento. Os oráculos de condenação no futuro, pronunciados com absoluta segurança, refletem a consciência dos profetas de que a advertência seria inútil. Essa consciência dos profetas e profetisas se apresenta, de modo muito claro, por meio do profeta Isaías, em Is 6,9-11: “Então disse ele: Vai, e dize a este povo: Ouvis, de fato, e não entendeis, e vedes, em verdade, mas não percebeis. Engorda o coração deste povo, e faze-lhe pesados os ouvidos, e fecha-lhe os olhos; para que ele não veja com os seus olhos, e não ouça com os seus ouvidos, nem entenda com o seu coração, nem se converta e seja sarado. Então disse eu: Até quando Senhor? E respondeu: Até que sejam desoladas as cidades e fiquem sem habitantes, e as casas sem moradores, e a terra seja de todo assolada”. Oxalá, o povo e as autoridades ouçam o quanto antes o jeito sábio e necessário de lidarmos com essa pandemia, antes que seja tarde.
Se a quarentena for levada a sério, a pandemia do coronavírus nos trará dores de parto e não estertor de morte. Vivamos com serenidade, paz interior, amor no coração e esperança no olhar, essa noite escura da humanidade transformando, como propõe Carlos Rodrigues Brandão, "quarentena" em "recolhimento", "não sair de casa" em "voar com a imaginação e o sentimento", "isolamento" em "reencontro", "não abraçar" em "comungar", "medo do contágio" em "desejo do contato"... E que tal darmos asas à criatividade que tem sido partilhada e socializada, gratuitamente, pelas redes virtuais por meio de poesias, vídeos instrutivos, ironia que nos faz sorrir, reflexões humanizadoras, denúncias da necropolítica etc. Cultivemos eterna gratidão aos trabalhadores e trabalhadoras das áreas essenciais: da saúde, da limpeza, do transporte, da segurança pública e da produção de alimentos, em especial aqueles que praticam a agroecologia e fazem chegar a nossa mesa alimentos saudáveis. Porém, repudiemos o despresidente do Brasil por decretar que “cultos e celebrações religiosas” e também as atividades de “mineração” são serviços essenciais. Isso é criminoso e revela o quanto o presidente cego está em conluio com falsos pastores idólatras e com o império da mineração no qual se destaca a empresa Vale.
Em sintonia com Tatiana Ribeiro de Souza: “Esperamos que um dos legados do coronavírus seja a percepção de que a existência de ilhas de prosperidade em um oceano de miséria é, além de imoral, insustentável.”[3]. E por falar em poesia, termino com Thiago de Mello: “Faz escuro mas eu canto, / porque a manhã vai chegar. / Vem ver comigo, companheiro/a, / a cor do mundo mudar. / Vale a pena não dormir para esperar / a cor do mundo mudar. / Já é madrugada, / vem o sol, quero alegria, / que é para esquecer o que eu sofria. / Quem sofre fica acordado / defendendo o coração. / Vamos juntos, multidão, / trabalhar pela alegria, / amanhã é um novo dia”. Sim, é noite escura, mas no meio de noite escura pode brilhar uma luz que nos humaniza e poderá impedir o extermínio da humanidade do Planeta Terra, nossa única Casa Comum. Enfim, pelo exposto acima ficarmos em casa, em quarentena, é medida necessária e ética para salvar vidas[4].

31/03/2020, 56 anos da Ditadura militar-civil-empresarial de 1964. Ditadura Nunca Mais!

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Poesia e lutadores da história no V Congresso do MLB em Recife. Vídeo 7 - 14/9/2019



2 - Café com Poesia, Mesa de Thereza, Cantoria de Eda Costa - Armazém do Campo/MST/BH - 26/11/2017



3 - Emily Roots e Mari Mari Mari-1ª Parte: Poesia e Música de luta da Ocupação Rosa Leão/BH/MG. 05/8/17



4 - Emily Roots e Mari Mar-2ª Parte- Luta e resistência na poesia e na música-BH/MG-05/8/2017



5 - Poesia e Música de Luta e Resistência na Abertura do XXII Encontro da RENAP -BH/MG- 06/ 9/ 2017



6 - "Para vocês avião, para nós camburão." Poesia na 39a Romaria da terra e das águas da Bahia. 02/07/16





[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III
[4] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, que fez a revisão deste texto. Carmem é Doutora em Sociologia Política pela UENF.