quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Capitalismo no campo dizima os cerrados e atiça os conflitos agrários

Capitalismo no campo dizima os cerrados e atiça os conflitos agrários
Frei Gilvander Moreira[1]

No Brasil, os agronegociantes seguem invadindo de forma obsessiva os Cerrados com “uma prática agrária/agrícola energívora, ou seja, voraz consumidora de energia, que vê a planura das imensas chapadas como uma bênção da natureza, pois seus tratores, não tendo que subir e descer, poupam energia, um dos insumos mais importantes que, para eles, significa menor custo em dinheiro e, logo, maiores lucros acumulados” (PORTO GONÇALVES, 2014, p. 93).
Da monocultura da cana-de-açúcar e do café, no regime do colonato e depois da parceria, surge o boia-fria, que se submete a longas jornadas de trabalho, sem carteira assinada e sem segurança no seu transporte até às áreas de trabalho. As extensas plantações de soja contaminam com agrotóxicos as nascentes dos córregos e dos rios, além de serem também responsáveis pelo confinamento dos pequenos agricultores nos grotões das encostas dos gerais – o que era de todos -, os “encurralados” pelas monoculturas – cultura do UM[2] - da soja ou do eucalipto. “Os pivôs, “pivôs da Discórdia”, como os chamaram os camponeses do Riachão, na região de Montes Claros, norte de Minas Gerais, secam rios, lagos, lagoas, pântanos, varjões e várzeas pelo uso intensivo e pelo enorme desperdício por evaporação da água que é captada para plantar grandes monoculturas de soja, de eucalipto, de milho, de girassol, de algodão” (PORTO GONÇALVES, 2014, p. 94).
A destruição é tamanha que hoje não existe mais nenhuma faixa contínua de cerrados.  Por exemplo, em Minas Gerais, de Sete Lagoas à Chapada do Norte, por 486,4 km, o que existe é monocultura do eucalipto, um deserto verde sem fim. Por agronegócio, entende-se a produção em larga escala, feita em grandes extensões de terra – latifúndio -, com sofisticada tecnologia em quase monopólio de empresas transnacionais, uso indiscriminado de agrotóxico e, muitas vezes, com mão de obra em condições análogas à escravidão. Após o desmatamento da maior parte dos cerrados, implantada onde existiam os cerrados, a monocultura de eucalipto resseca a terra, seca nascentes, escorraça os pássaros, expulsa os camponeses para as periferias das cidades, pois são obrigados a vender suas pequenas propriedades por falta d’água. Na região noroeste de Minas Gerais, no município de Unaí, onde é forte a monocultura do feijão, do milho e da soja, após a pulverização de herbicidas, inseticidas e praguicidas, feita por aviões em voos rasantes, balaios e mais balaios de pássaros mortos podem ser recolhidos, vítimas dos venenos altamente tóxicos, tais como o Roud up. “No município de Unaí, nas estradas no meio das lavouras, é preciso andar com os vidros do carro fechados, porque é insuportável o mau cheiro dos venenos aplicados”, nos informa Helba Soares da Silva, viúva do fiscal Nelson José da Silva, assassinado na Chacina de Unaí em 28/01/2004. Há muitos municípios, em Minas Gerais, onde a monocultura do eucalipto já invadiu e devastou mais de 70% do seu território.
Dia 22 de fevereiro de 2002, em Andrequicé, no município de Três Marias, MG, visitamos Manuel Nardi, conhecido como Manuelzão, o grande inspirador e personagem de João Guimarães Rosa, homem dos cerrados. Perguntamos ao Manuelzão se o mundo estava melhorando. Como resposta, obtivemos: “Cinquenta anos atrás não tinha asfalto rasgando os cerrados. As estradas eram de chão batido. A gente via fileiras de caminhões carregados de feijão, milho, arroz e mandioca indo para a capital para matar a fome do povo lá de Belo Horizonte. Hoje, cinquenta anos depois, a estrada está asfaltada e o que a gente vê? Um caminhão atrás do outro, carretas e mais carretas cheias de carvão indo para a região de Belo Horizonte para matar a fome das caldeiras das siderúrgicas. Queimaram quase todos os cerrados. Pensam que eucalipto é salvação pra tudo. Quem ganha com a devastação dos cerrados? Desrespeitar os cerrados é desrespeitar o próximo, a Deus e a si mesmo”.
Mais do que omisso ou conivente, o Estado brasileiro tem sido cúmplice, sustentador e fomentador da iníqua estrutura fundiária reinante no Brasil. Grande parte dos conflitos de terra em Minas Gerais acontece nos mais de 14 milhões de hectares de terras devolutas do estado (OLIVEIRA, 2010, p. 299). Além das demandas das famílias sem-terra, existem no estado de Minas Gerais cerca de 800 áreas de remanescentes de quilombos que estão em processo de autorreconhecimento, reivindicando titulação e demarcação de suas terras. Apenas entre 2004 e 2007 foram reconhecidas pela Fundação Palmares, em Minas Gerais, 81 comunidades quilombolas.[3] Os conflitos envolvendo comunidades quilombolas – do movimento quilombola, outro movimento socioterritorial - na luta pela terra estão crescendo.
O estado de Minas Gerais poderia ser também chamado de Águas Gerais, porque minas de água, ou de minério – que estão sempre juntos -, é o que tinha em abundância nas minas e nos gerais. Ainda tem, mas milhares de nascentes têm sido dizimadas pelo agronegócio com hidronegócio e pelas mineradoras nas últimas décadas em uma progressão geométrica.
Em 2015, existiam no Brasil apenas 9290 assentamentos, em uma área de 88.269.706,92 de hectares, com 969.640 famílias assentadas (Dados do INCRA/2015).[4] As regiões Norte e Nordeste concentravam 73,6% do total das famílias assentadas (41,0% e 32,6%, respectivamente). Mas, enquanto o Norte conformava 76,4% da área total dos projetos de assentamento, o Nordeste, apenas 12%. Nas demais regiões do País estavam os restantes 24,6% de famílias assentadas, em menos de 11,6% da área reformada.
A destruição crescente do bioma cerrado é gravíssima e coloca em xeque o futuro das próximas gerações. É preciso, urgentemente, conter o capitalismo, sistema satânico que ganha forma e velocidade no agronegócio e no hidronegócio e segue desrespeitando e dizimando vidas. Esse modelo de uso abusivo da mãe terra e da irmã água já mostrou a que veio, e tem que ser questionado e combatido até às últimas consequências.  O campo é extenso e pode ser cenário de vida com qualidade e fartura para todas e todos, desde que as terras e as águas sejam utilizadas com justiça agrária e hídrica, além de responsabilidade socioambiental.

Referências

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Os anos Lula: contribuições para um balanço crítico 2003-2010. Rio de janeiro: Garamond, p. 287-328, 2010.
PORTO GONÇALVES, Carlos Walter; CUIN, Danilo Pereira; LEAL, Leandro Teixeira; NUNES SILVA, Marlon. Dos Cerrados e de suas riquezas. In: Conflitos no Campo Brasil 2014. Goiânia: CPT Nacional, p. 88-95, 2014.

Belo Horizonte, MG, 16/01/2018.

Obs. 1: O vídeo, abaixo, ilustra o texto, acima.

Palavra Ética na TVC/BH: Pré-romarias da 20ª Romaria das águas/terra de MG de 2017. Desertificação?



[1] Padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália;; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. 
www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Expressão de Carlos Walter Porto-Gonçalves (PORTO-GONÇALVES, 2014: 93).
[3] Cf. https://www.achetudoeregiao.com.br/mg/quilombolas.htm. Sobre história e resistência dos quilombolas em Minas Gerais, cf. CEDEFES (Org.). Comunidades quilombolas de Minas Gerais no século XXI: história e resistência. Belo Horizonte: Autêntica/CEDEFES, 2008.

Palavra Etica com Vicente Gonçalves, o Vicentão, Adv. dos favelados em B...



terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Luta une o povo das Ocupações Vila Esperança/Betânia e Carolina Maria de...

A luta unindo o povo das Ocupações Vila Esperança, no Betânia e Carolina Maria de Jesus, ambas do MLB, em Belo Horizonte/MG, dia 12/1/2018.

A luta por moradia está unindo o povo das Ocupações Vila Esperança, no Betânia, e Carolina Maria de Jesus, à Av. Afonso Pena, 2.300, ambas do MLB, em Belo Horizonte/MG. Dia 12/1/2018, experimentamos isso. Ocupações-Comunidades Vila Esperança e Carolina Maria de Jesus/MLB unem-se em solidariedade e se fortalecem na luta e resistência contra despejos. Movidas pelo mesmo sonho de libertação da pesada cruz do aluguel ou da humilhação de moradia de favor ou da sobrevivência nas ruas, lutam pelo direito à moradia digna, própria e adequada. Sabem que um povo unido se torna mais forte e, na solidariedade, vivenciam o espírito fraterno dessa luta.
Nesse vídeo, o registro da visita de apoio de moradores da Ocupação Vila Esperança/MLB, no Betânia, após reunião no MPF, à Ocupação Carolina Maria de Jesus, também do MLB, no centro de Belo Horizonte, que os acolheu com um saboroso almoço.

https://www.facebook.com/freigilvander/videos/1806959156004312

*Reportagem em vídeo de frei Gilvander Moreira, da CPT e do CEBI. Belo Horizonte/MG, 12/1/2018.

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Ocupação Vila Esperança, no Betânia, em BH/MG – Despejo, não. Todos são ...

Ocupação Vila Esperança, no Betânia, em Belo Horizonte/MG: Despejo, não. Todos são responsáveis. 07/1/18.

Moradores e apoiadores da Ocupação-Comunidade Vila Esperança, ao lado do Bairro Betânia, em Belo Horizonte/MG, mantêm-se firmes na luta e resistência contra o injusto e inconstitucional despejo determinado pela juíza Gabriela Alvarenga , da 8ª Vara Cível Federal. Decisão inconstitucional, uma vez que não apresenta alternativa prévia e digna de moradia e desrespeita o princípio da dignidade humana. A indignação é ainda maior com a informação dada pelo Defensor Público Federal, Dr. João Márcio Simões, de que a Empresa Concessionária Via 040 tem, firmado em contrato, 39 milhões de reais disponíveis para reassentamento das famílias que moram na beira da BR 040.
Nesse vídeo, a indignação de frei Gilvander Moreira, da Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG), que chama a atenção para a responsabilidade social que toda a sociedade deve assumir em relação a esse conflito, em especial a Empresa Concessionária Via 040, que afirmou em Nota Pública não ter compromisso com moradia das famílias. Tal situação motivou o comovente depoimento de uma mãe moradora da Ocupação, também registrado nesse vídeo.

https://www.facebook.com/freigilvander/videos/1806187626081465

*Reportagem de frei Gilvander Moreira, da CPT e do CEBI. Belo Horizonte/MG, 07/1/2018.

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domingo, 14 de janeiro de 2018

Ocupação Nelson Mandela, Contagem/MG: até jagunços?/ 2ª Parte/Luta por m...

Ocupação Nelson Mandela, em Contagem/MG: até jagunços?/ 2ª Parte – 150 famílias na luta por moradia. 06/1/2018.

Há quase um ano, cerca de 150 famílias ocupam terreno até então abandonado, sem cumprir função social, no Bairro Liberdade II, em Contagem/MG. Em busca do sonho da casa própria, sem condições de suportar a pesada cruz do aluguel ou a humilhação de morar de favor ou nas ruas, as famílias estão na luta pelo sagrado direito à moradia. Nos depoimentos e relatos dos moradores, o testemunho da resistência diante dos abusos de poder e autoridade e de violência a que têm sido submetidos: jagunços com ameaças e uso de armas de grosso calibre, Guarda Municipal que já queimou e demoliu moradias, advogados que chegam com ameaças... Tudo isso sem nenhuma ordem judicial. Moradores seguem unidos na luta coletiva, com espírito solidário, construindo suas casas de alvenaria, organizando-se como comunidade. Numa cidade como Belo Horizonte e na região metropolitana, onde o déficit habitacional é grande, e faltam políticas públicas para solucionar esse grave problema, ocupar áreas que não cumprem sua função social é um direito e um dever.

https://www.facebook.com/freigilvander/videos/1805316056168622

*Reportagem em vídeo de frei Gilvander Moreira, d CPT e do CEBI. Contagem/MG, 06/1/2018.





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sábado, 13 de janeiro de 2018

Ocupação-Comunidade Nelson Mandela – Bairro Liberdade II – Contagem/MG –...

Ocupação-Comunidade
Nelson Mandela, no Bairro Liberdade II, em Contagem/MG: 150 famílias na luta
por moradia. 1ª Parte. Dia 06/1/2018.
A Ocupação-Comunidade Nelson
Mandela, no Bairro Liberdade II, em Contagem, MG, nasceu há um ano, quando
famílias ocuparam um terreno totalmente abandonado, sem cumprir função social,
por já não suportarem mais a pesadíssima cruz do aluguel ou a humilhação de
morar de favor. Hoje, cerca de 150 famílias moram na Ocupação e, aos poucos,
vão se organizando, construindo suas casas de alvenaria, se fortalecendo na
união do trabalho solidário e coletivo. Nesse período, já foram vítimas de
violência, de tentativa de intimidação por representantes da Prefeitura de
Contagem, da Guarda Municipal e sofreram ataques de jagunços a mando quem quer
o despejo da comunidade. Moradias já foram demolidas sem ordem judicial, de
forma arbitrária e truculenta. Moradores seguem na luta e resistência pelo
sagrado direito à moradia digna. Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um
direito e um dever.

Nesse vídeo, a manifestação inspiradora do Sr. Gérson, 78 anos, o "Pai Abraão
da Comunidade"; sabedoria e fraternidade enternecendo a luta. 
*Reportagem em vídeo de frei
Gilvander Moreira, da CPT e do CEBI. Contagem/MG, 06/1/2018.


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quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

COM MUITA LUTA E GARRA, OCUPAÇÃO VILA ESPERANÇA, EM BELO HORIZONTE, CONQUISTA A SUSPENSÃO DO DESPEJO!


Nota pública. Belo Horizonte, MG, 10 de janeiro de 2018.


            Com muita alegria e satisfação, recebemos a notícia de que o despejo da Ocupação Vila Esperança – no Betânia, região oeste de Belo Horizonte, MG, entre o Anel Rodoviário (BR 040) e a Av. Tereza Cristina -, que estava marcado para acontecer a qualquer momento, a partir do dia 11/01/2018, foi suspenso por decisão liminar do Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), no recurso apresentado pelo Defensor Público Federal da Defensoria Pública da União (DPU), Dr. João Márcio Simões, (Agravo de Instrumento número 1013837-47.2017.4.01.0000), que representa juridicamente as cerca de 140 famílias.
O Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian escreveu na decisão: “não me parece razoável que os agravantes tenham que desocupar a área por força de medida judicial de urgência ou sem a garantia de um plano de remoção e realocação das famílias. [...] DEFIRO, por ora, o pedido tão somente para atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento, devendo a agravada se abster de reintegrar-se na posse daquela área, tampouco usar de força policial para obrigar a desocupação”.
            Em sua decisão, o Desembargador Federal não aceitou o fato das famílias serem despejadas e verem suas casas sendo demolidas, o que foi reconhecido como uma medida irreversível, além do fato de entender ser não razoável a juíza Gabriela Alvarenga Silva Lipienki, da 8ª Vara Cível Federal de Minas Gerais, determinar, a título de liminar, decisão cujo caráter se baseia na urgência, o despejo de famílias, cuja presença no terreno onde construíram a Ocupação-Comunidade Vila  Esperança se data pelo menos no ano de 2011 - “O início da Ocupação foi em 2009”, diz o desembargador Jirair Aram -, e mais ainda, sem que haja qualquer remoção e realocação das famílias de forma digna e prévia.
            Mais uma vez, expressamos nossa indignação com a decisão injusta, covarde, imoral e inconstitucional da juíza Gabriela Alvarenga Silva Lipienki, da 8ª Vara Cível Federal, que não levou em consideração a dignidade da pessoa humana e o direito à moradia – princípio e direito constitucional - e a repercussão socioeconômica dramática de um eventual despejo, que só acrescentaria mais 140 famílias, em extrema vulnerabilidade social, ao já gigante déficit habitacional de Belo Horizonte – cerca de 120 mil moradias faltam em BH -, além de usar de argumento falacioso de “defesa da vida humana”, uma vez que ninguém logrou êxito em provar nos autos que qualquer morador da Ocupação Vila Esperança tenha sequer se machucado no Anel Rodoviário de BH nos últimos 6 anos. Se assim fosse, as demais 37 ocupações/vilas que margeiam o Anel Rodoviário deveriam ser despejadas imediatamente! “Uma ordem judicial não pode valer uma vida humana”, como já disse o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, em decisão de relatoria do Ministro Og Fernandes, que suspendeu o despejo das 8 mil famílias das ocupações urbanas da Izidora, em BH e Santa Luzia (RMS 48.316).
Além disso, merece mais indignação e repúdio os dizeres da juíza Gabriela, que dentre outras falas, diz que a mesma “compareceu ao local por 2 vezes, uma antes da primeira audiência de conciliação, em 10/08/2017 e outra em 20/10/2017, tendo visto uma substituição dos barracões de madeira por tijolos, todos ao mesmo tempo e claramente visando alterar a situação de fato, certamente financiados por alguém”. Ora, quer dizer então que as pessoas que resolvem construir suas casas, para não mais se submeter à pesada cruz do aluguel ou humilhação de morar de favor, substituem barracões de madeira por tijolos ao mesmo tempo para claramente alterar uma situação de fato? As pessoas ocupam porque precisam morar! E quem as financiam, são elas mesmas, com o o suor de seu trabalho digno que constrói “como João de Barro”, pouco a pouco, e coloca esse país em funcionamento!
            E também merece nosso repúdio e indignação a postura dos entes públicos. Conforme já denunciamos, até o presente momento, onde estão as autoridades constituídas para resolverem o problema do direito à moradia das famílias? O prefeito de BH, Alexandre Kalil, não está honrando a sua promessa de campanha de não deixar despejar as ocupações urbanas, e, além disso, a URBEL, companhia municipal responsável pela urbanização e políticas públicas de direito à moradia, mais uma vez, cumpriu seu papel ao fazer relatórios com informações inverídicas e antipovo. Escreveu a URBEL/PBH em relatório: “é possível verificar que várias pessoas mudaram para o local quando ficaram sabendo que a área estava sendo invadida e que poderiam obter uma indenização. Muitas moradias eram ocupadas por apenas um jovem do sexo masculino e que antes morava com os pais. Ou seja, o que se percebe é que não há necessidade destas pessoas estarem neste local, apenas criou-se uma forma fácil de obter uma indenização do poder público. Poucas famílias realmente necessitam de uma ajuda estatal, porém é certo que muitas outras que também necessitam estão aguardando na fila dos programas assistenciais governamentais”. Esse relatório da URBEL não fala a verdade, violenta a dignidade das 140 famílias que estão lutando para se libertarem da cruz do aluguel e conquistar moradia própria e digna. Portanto, URBEL fez relatório que criminaliza o povo em uma luta justa e legítima. Governador Fernando Pimentel, onde está a Mesa de Negociações que até agora não apareceu? Se o desembargador federal não tivesse tido sensatez, você enviaria mais uma vez as tropas da Polícia Militar para junto com a polícia Federal realizarem o despejo? E o Governo Federal, através do golpista Michel Temer, que nada fez além de prever orçamento zero para moradia popular em 2018? E quanto ao DNIT e Concessionária 040, que, mesmo tendo 39 milhões de reais para realizar reassentamento de famílias que moram na beira do ANEL e para dar função social a suas áreas de domínio, por que nada fazem além de se esquivar e requerer judicialmente o despejo? As 140 famílias são seres humanos e têm direito à moradia digna, não são lixo e nem descartáveis.
            A decisão do Desembargador Jirair Aram é digna de aplausos, pois os movimentos populares, comunidades e juristas populares sempre insistem que, em geral, nas lutas pelo acesso ao sagrado e humano direito para acessar a terra (seja para viver e trabalhar no campo, ou seja, para morar e trabalhar na cidade), não pode haver despejos por meio de liminar cujo cumprimento acarretará na irreversibilidade do despejo (já que as casas estarão demolidas) e de que, acaso o poder público entenda por retirar famílias de seus locais de moradia, isso não pode ser feito sem alternativa de moradia digna e prévia às famílias, sob pena de se aumentar mais ainda a violação dos direitos humanos fundamentais, a violência social, o problema do enorme déficit habitacional ao se jogar mais famílias nas ruas (lembrando o que já disse o desembargador Newton Teixeira, da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, “as pessoas ao serem despejadas não viram pó, elas não somem”).
            Aliás, não podemos esquecer que no início da semana, ao ser questionada pela imprensa acerca do despejo, a empresa Concessionária Via 040 informou que tinha deixado a cargo da Prefeitura de Belo Horizonte realizar o despejo, e que, após a Justiça Estadual impedir a sua realização por meio de decisão da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), sob relatoria da Desembargadora Heloisa Combat (recurso de número 1.0000.15.0489961/001), resolveu entrar na Justiça Federal (claramente uma atitude de litigância de má fé, descumprindo ordem da Justiça Estadual de 2ª instância, agora reforçada por uma decisão da Justiça Federal de 2ª instância, O TRF1, em Brasília)
Abaixo, confiram um trecho da referida decisão da 4° Câmara Cível do TJMG:
"(...) Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pela Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais contra a r. decisão da MMª. Juíza da 6ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Municipal da Comarca de Belo Horizonte que, nos autos da Ação Cautelar Preparatória de Ação Civil Pública com Pedido de Liminar em caráter de Urgência, indeferiu a liminar para que o ente federativo se abstenha de demolir as moradias construídas entre o anel rodoviário da BR 040 e o a Avenida Tereza Cristina, em Frente a RRPV, CEP: 30.390-085, sem a ordem judicial correspondente. (...) O cerne da questão trazida a esta sede recursal cinge-se em verificar a possibilidade de concessão de liminar, nos autos da Ação Cautelar Preparatória de Ação Civil Pública, que consiste na determinação que o Município de Belo Horizonte se abstenha de demolir as moradias construídas entre o anel rodoviário da BR 040 e a Avenida Tereza Cristina, em frente a RRPV, CEP: 30.390-085. A d. Magistrada a quo indeferiu a liminar, baseando-se, em síntese, no poder de polícia conferido à Municipalidade e na ausência de recurso administrativo pelos notificados.
Depreende-se dos autos que fiscais da Prefeitura de Belo Horizonte juntamente com Policiais Militares compareceram ao local, em 14 de maio de 2015, por volta das 05 da manhã, e iniciaram a demolição de cercas e muros, tendo apenas cessado a demolição após a intervenção da Assistente Social da Regional Oeste. Novamente em 12 de junho de 2015, por volta das 09 horas da manhã, compareceram novos fiscais acompanhados de três viaturas da Polícia Militar e procederam com a demolição de 5 (cinco) residências. Sabe-se que em casos como o dos autos, a prudência deve permear a decisão, mormente por ser a demolição medida drástica e irreversível. Posto isso, vislumbro os requisitos necessários para concessão da medida de urgência pleiteada.
Tenho que a manutenção da r. decisão agravada, nesse momento processual, poderá causar às famílias residentes no local imenso dano, uma vez que terão suas residências demolidas antes mesmo da fase de instrução da Ação Civil Pública já ajuizada, conforme documento ordem 39. (...) À luz de tais considerações, na esteira do parecer ministerial, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, para determinar que o Município de Belo Horizonte se abstenha de realizar demolições das moradias existentes no local entre o anel rodoviário da BR 040 e a Avenida Tereza Cristina, em frente à RRPV, CEP:30.390-085, sem a ordem judicial correspondente. Custas ex lege. DESA. ANA PAULA CAIXETA - De acordo com a Relatora. DES. RENATO DRESCH. V O T O. “Os atos da administração pública no exercício do poder de polícia somente podem recair sobre bens. As ações contra pessoas, como a demolição de imóveis habitados dependem de autorização judicial. Voto de acordo com a relatora. SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO".
            Por fim, conclamamos as forças vivas e democráticas a se manterem em alerta, pois por ser uma decisão liminar, ela pode, ao menos em tese, ser revista. Portanto, devemos continuar atentos na defesa ao direito sagrado e humano à moradia das famílias da Ocupação-Comunidade Vila Esperança e reiteramos que nossos direitos somente virão com muita luta coletiva!

            Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito e um dever! Resiste, Vila Esperança!

Belo Horizonte/MG, 10 de janeiro de 2018.

Assinam essa nota:
Coordenação da Ocupação-Comunidade Vila  Esperança
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB)
Associação de Moradores da Vila da Luz

Obs.: Assistam também aos videorreportagens de frei Gilvander, na Ocupação Vila Esperança, dia 04/01/2018, nos links, abaixo:

1)    Ocupação Vila Esperança/Betânia/BH/MG: Despejo - Injustiça que clama aos céus . 1ª Parte – 04/1/2018


2)   Ocupação Vila Esperança/Betânia/BH/MG: NEGOCIAÇÃO, SIM. DESPEJO, NÃO. 2ª Parte – 04/1/2018


3)Ocupação Vila Esperança/Betânia/BH/MG: LUTA E RESISTÊNCIA CIONTRA DESPEJO. 3ª Parte – 04/1/2018