quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Barragem de Jequitaí/MG, da CODEVASF: Frei Gilvander e Irmã Etelvina, d...

Barragem de Jequitaí, no norte de Minas
Gerais, da CODEVASF: frei Gilvander conversa com Irmã Etelvina, da CPT/MG,
sobre os direitos dos Atingidos pela Barragem.
Entrevista
gravada dia 21/11/2017. Mais uma vez milhares de atingidos serão violentados
nos seus direitos?

Nota
da CPT/MG, de 29/11/2017, denuncia: “Governo Federal e de Minas atropelam
atingidos em Jequitaí, no norte de Minas Gerais.

CODEVASF E SEAPA/MG não estão respeitndo os direitos dos atingidos pela
barragem de Jequitaí. Não estão cumprindo acordo com Conselho Estadual de
Assistência Social (CEAS/MG). Não estão acatando orientações do Ministério
Público Estadual e nem do Ministério Público Federal (MPE e MPF). Não estão reunindo
com a Comissão de Atingidos da Barragem de Jequitaí. Não tem um cadastro que
envolva todos os atingidos. Pressionam o povo a assinar contratos com valores
defasados, que além de registrar a terra no nome do Governo do Estado de MG, as
famílias não sabem onde serão reassentadas. Os empreendedores não têm terra para
reassentar os atingidos. Até quando o Governo de Minas, aliado ao Governo
Federal, vai continuar com esse massacre ao atingidos pela barragem de
Jequitaí? Agora promovem Audiência Pública para legitimar a injustiça.

Assina essa Nota Pública:
Comissão
Pastoral da Terra de Minas (CPT/MG), em 29/11/2017.”



Obs.:
Inscreva no you tube no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no
link: https://www.youtube.com/user/fgilvander . E assista a outros vídeos de
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Seminário Ecoteologia e Mineração - Mariana/MG - Professora Shirley Kren...





Seminário
Ecoteologia e Mineração, em Mariana/MG: testemunho da professora Shirley Krenak
(Djukurnã), dia 05/11/ 2017.


Foi realizado em Mariana/MG, de 05 a 07/11/2017, o Seminário “Espiritualidades,
Resistências e Alternativas em Defesa dos Territórios”, no marco celebrativo
dos dois anos do maior crime ambiental da história do Brasil. O evento,
promovido pela Rede Igrejas e Mineração, reuniu cerca de 40 pessoas, entre
agentes pastorais, ativistas que trabalham em áreas de extrativismo,
representantes de povos indígenas e quilombolas, teólogos e estudiosos da
questão minerária. Nesse vídeo, a participação da Professora Indígena Shirley
Krenak, “Djukurnã”, do povo Krenak, integrante da Mesa 1 do Seminário, que teve
como tema: “Mineração: Disputas e Resistências nos Territórios”.

*Registro de frei Gilvander Luís Moreira, da CPT e do CEBI. Mariana/MG,
05/11/2017.



Obs.: Inscreva no you
tube no Canal Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos, no link:
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A luta pela terra deixa nua a violência do poder

A luta pela terra deixa nua a violência do poder
Por frei Gilvander Moreira[1]

A opressão do latifúndio, dos latifundiários e do capitalismo tem levado, de alguma forma, a um emudecimento dos sem-terra e ao desejo de libertar-se da experiência de ser expropriado e ignorado nos seus direitos; tem levado à banalização da existência humana, à perda de valores. Entretanto, na contramão da ordem estabelecida, no Brasil, a experiência da luta pela terra marca indelevelmente quem dela participa e suscita o ímpeto de contá-la na busca de caminhos emancipatórios. Isso constatamos na nossa pesquisa de doutorado sobre Luta pela terra enquanto pedagogia de emancipação humana, na FAE/UFMG, defendida em maio de 2017. Para que o tempo volte a ser qualitativo e gere experiências com significações e valores, urge resgatarmos a memória de lutas que subvertem a banalização do sentido da existência humana. A experiência humana de luta pela terra se torna mediação necessária entre o ser social e a consciência social que influencia na atuação do sujeito social Sem Terra. Concordamos com Thompson, quando ele afirma que “é a experiência (muitas vezes a experiência de classe) que dá cor à cultura, aos valores e ao pensamento: é por meio da experiência que o modo de produção exerce uma pressão determinante sobre outras atividades...” (THOMPSON, 1981, p. 112).
A experiência de ser camponês Sem Terra, expulsando o medo e participando de uma ocupação de terra, resistindo na terra e participando de todas as lutas inerentes à luta pela terra, é algo que marca indelevelmente a vida de um camponês. Mesmo que este camponês deixe de ser um militante do MST, jamais será a mesma pessoa de antes. Há nessa experiência algo de emancipatório que contribui para a superação do capitalismo, uma vez que não podemos esquecer o que Walter Benjamim afirmou: “a experiência de nossa geração: o capitalismo não morrerá de morte natural” (BENJAMIN, 2006, p. 708).
A Constituição de 1824, do Brasil imperial, determinava acerca do Direito de Propriedade em seu artigo 179, inciso XXII, nos seguintes termos, com grafia da língua portuguesa da época:
“Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. XXII. É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação” (PORTO, 1985, p. 37).
Na prática muitas decisões do poder judiciário no Brasil relativos aos conflitos agrários e urbanos -pedidos de reintegração de posse - são julgados como se estivéssemos ainda regidos pela Constituição de 1824 do Brasil imperial, a que prescrevia direito absoluto de propriedade. Esquecem geralmente os magistrados que a Constituição de 1988 prescreve que a Propriedade tem que cumprir sua função social, coluna mestra da propriedade. Ou seja, se a propriedade não cumpre sua função social ela deixa de existir juridicamente.
Após as revoluções do século XVIII – a francesa e a dos Estados Unidos -, acolhendo os interesses liberais da burguesia nascente na Europa, a Constituição do Brasil, de 1824, garantiu juridicamente o interesse individual absoluto do proprietário, em detrimento dos direitos sociais da coletividade. Ao proprietário ficou assegurada a plena liberdade de ‘uso, gozo e disposição do proprietário’[2], sem função social da propriedade da terra e, com uma única exceção: a utilização do seu imóvel pelo Estado, mediante indenização prévia. Esse conceito de propriedade plena ficou conhecido como “absolutização” do Direito de Propriedade. Afirmava-se, assim, a individualidade de cada proprietário e o direito civil de propriedade inviolável e não mais o centralismo monárquico. O caput do artigo 179 da Constituição de 1824 garantia a propriedade como fundamento dos direitos civis dos cidadãos brasileiros, ao expressar, na grafia da língua portuguesa da época: “A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio”.
Aqui cabe recordar a função dupla do poder como violência na instituição do Direito, conforme nos ensina Walter Benjamin. “A função do poder como violência na instituição do Direito é dupla, na medida em que essa instituição se propõe ser aquilo que se institui como Direito, como seu fim, usando a violência como meio; mas, por outro lado, no momento da aplicação dos fins em vista como Direito, a violência não abdica, mas transforma-se, num sentido rigoroso e imediato, em poder instituinte do Direito, na medida em que estabelece como Direito, em nome do poder político, não um fim livre e independente da violência, mas um fim necessária e intimamente a ela ligado” (BENJAMIN, 2012, p. 77).
Ao analisar a evolução histórica do Direito de Propriedade nas constituições brasileiras, Figueira comenta sobre a Constituição de 1824: “A Constituição do Império garantiu a propriedade de modo absoluto e aos moldes das Constituições Francesa e Portuguesa” (FIGUEIRA, 2007, p. 29). E, os Sem Terra, na luta pela terra, exigem que a Constituição de 1988 seja respeitada pelo poder judiciário e não a prescrita Constituição de 1824.

Referências.
BENJAMIN, Walter. BENJAMIN, Walter. O anjo da história. Organização e tradução de João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
____. Passagens. Organização da edição brasileira Willi Bolle. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
FIGUEIRA, Lúcia Valle. Função social da propriedade urbana e o plano diretor. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
PORTO, Walter Costa. A Constituição de 1824. Brasília: Institutos dos Advogados do Brasil, 1985.
THOMPSON, Edward Palmer. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

Belo Horizonte, MG, 28/11/2017.

Obs.: Eis, abaixo, vídeo que ilustra a luta pela terra questionando a violência do poder: “Palavra Ética na TVC/BH: Acampamento Andreia dos Santos, do MST, em Unaí, MG. Luta pela terra. 19/7/2017”





[1] Padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, CEBs, SAB e Ocupações Urbanas; professor de “Direitos Humanos e Movimentos Populares” em curso de pós-graduação do IDH, em Belo Horizonte, MG. e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.freigilvander.blogspot.com.br -  www.gilvander.org.br  – www.twitter.com/gilvanderluis  – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Conceitos do Direito Romano sobre a propriedade: jus utendi, fruendi et abutendi (Direito de usar, fruir e abusar).

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Seminário - Ecoteologia e Mineração - Mariana/ MG - Frei Gilberto Teixe...

Depoimento de Marino (2a Parte): Ecoteologia e Mineração - Crime da Vale...

AS FAMÍLIAS DA COMUNIDADE CABECEIRA DA PIABANHA, EM SALTO DA DIVISA, MG, SOFREM VIOLÊNCIAS FÍSICAS E SIMBÓLICAS CONSTANTES.

AS FAMÍLIAS DA COMUNIDADE CABECEIRA DA PIABANHA, EM SALTO DA DIVISA, MG, SOFREM VIOLÊNCIAS FÍSICAS E SIMBÓLICAS CONSTANTES. 
Nota denúncia: a vida está ameaçada. BH, 28/11/2017.



A Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG), por meio desta nota, vem denunciar as diversas formas de ameaças, intimidações e violências que os moradores e moradoras da Comunidade Tradicional da Cabeceira da Piabanha vêm sofrendo, desde o ano 2014, quando foi iniciada a tramitação, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) de um Projeto de Lei de autoria do Deputado Estadual Carlos Pimenta – PL 1480/2015 (antigo PL 4.743/2013) - propondo alteração nos limites do Parque Estadual Alto Cariri – Salto da Divisa e Santa Maria do Salto. O referido Projeto de Lei afeta diretamente o território da Comunidade Tradicional da Cabeceira da Piabanha. Na época, (2014), os comunitários procuraram a CPT/MG e relataram que estavam sendo pressionados com frequência para saírem das terras onde moram desde meados do século passado e o motivo de tal pressão era que tal área seria destinada à mineração pela mineradora Nacional do Grafite. As ameaças contra a comunidade se tornaram mais acirradas quando o referido PL foi suspenso devido a um pedido de vista do Deputado Rogério Correia. Ressaltamos que tal projeto voltou a tramitar na ALMG.
Segundo os comunitários, devido às ameaças e agressões, dezenas de Boletins de Ocorrência já foram registrados contra o fazendeiro Olinto Herculano Pimenta, que, por sua vez, alega ter documento das terras, ocupadas há dezenas de anos pelas famílias. São tantas ameaças que o Ministério Público de Minas Gerais moveu uma Medida Cautelar em favor da comunidade, sendo que na medida, datada de 25/8/2017, o Juiz de Direito da Comarca de Jacinto – André Luiz Alves - determinou que o fazendeiro Olinto Herculano Pimenta e outros ameaçadores ficassem proibidos de se aproximarem a menos de 150 metros das famílias, bem como os proibiu de manterem qualquer tipo de contado, pessoalmente ou por qualquer outro meio com os moradores.
No entanto, segundo as famílias, o fazendeiro Olinto tem descumprido tal decisão e tem ido à comunidade ameaçar os moradores. Em duas ocasiões, as famílias registraram Boletim de Ocorrência na Polícia Militar em Salto da Divisa.  No dia 15/9/2017 o Sr. Olinto Herculano Pimenta e seu cunhado Renato Pimenta foram à comunidade e aproximaram-se a menos de 10 metros das vítimas, como forma de intimidação, como pode ser confirmado no BO Nº M2246-2017-00000893. Segundo os moradores, de modo reiterado, no dia 24/11/2017 o Sr. Olinto Herculano Pimenta, descumprindo novamente a decisão judicial voltou na comunidade e passou a menos de 01 metro da comunitária Marinez e a menos de 40 metros de Luzeni. Além disso, passou também a menos de 10 metros da casa de Nivaldo, deixando as famílias apavoradas e indignadas. Diante disso, os moradores registraram novamente o BO de Nº M 2246-2017-0001118.
Não bastasse o descumprimento da decisão judicial e as ameaças, acima narradas, no início de outubro do corrente ano, o fazendeiro Olinto colocou mais de 100 vacas no território da Comunidade, dando prejuízos aos moradores, pois o gado tem entrado nas roças e destruído as plantações, além de pisotear as nascentes da comunidade e sujar a água com fezes e urina, deixando a água sem condições de uso, pois além do odor derivado das fezes e urina, a água está barrenta.
Além disso, o gado do Sr. Olinto, segundo os moradores, está causando outros prejuízos ecológicos ao Parque Estadual do Alto Cariri. Já foi feito denúncias junto a Polícia Ambiental de Salto da Divisa e para o IEF (Instituto Estadual de Florestas), mas o gado ainda permanece no território. As famílias ficam indignadas, pois as mesmas não criam gado porque o IEF disse para a comunidade que é proibido criar gado dentro do Parque e as famílias tem acatado e concordam que o gado causa muitos danos ecológicos. Em Audiência Pública na ALMG a Defensoria Pública de MG alertou o Sr. Olinto de que não era permitido colocar gado dentro do Parque, onde está há muitas décadas a Comunidade Tradicional da Cabeceira do Piabanha.
 A comunidade afirma que há décadas nenhum dos fazendeiros que alegam ter documento da terra não exerce nenhuma atividade no local e só a partir de outubro do corrente ano é que veio a criar gado na localidade numa tentativa desesperada de exercer posse e ameaçar as famílias.
Além de repudiar e denunciar as violências impetradas contra a comunidade Cabeceira da Piabanha e os danos ambientais ao Parque Estadual Alto Cariri, a Comissão Pastoral da Terra também vem pedir ao Poder Judiciário, ao Ministério Público de Minas Gerais e aos Órgãos de Governo de Minas que tomem providências urgentes no sentido de fazer valer o direito das famílias da Comunidade Tradicional da Cabeceira da Piabanha. Exigimos do Governo de Minas Gerais e de seus Secretários/as as providências cabíveis para que não ocorra um massacre na comunidade como tem ocorrido em outras localidades por todo país. Exigimos que a ALMG, por uma questão ética, arquive imediatamente o PL 1480/2015. Tal projeto é “um crime” que está em curso contra o Parque e contra as famílias da Comunidade Tradicional da Cabeceira da Piabanha. É um projeto que está a serviço da mineração e tem aflorado a cobiça de fazendeiros da região que historicamente têm utilizado a “violência física e simbólica” contra os camponeses/as da região.     
Belo Horizonte, 28 de novembro de 2017
Assina essa Nota:
Comissão Pastoral da Terra – CPT/MG

Obs.: Nos seis links, abaixo, estão vídeos disponibilizados na internet fazendo as denúncias das violações aos direitos dos Moradores da Comunidade Tradicional Cabeceira da Piabanha, em Salto da Divisa, MG, inclusive vídeos da Audiência Pública ocorrida na ALMG em Belo Horizonte, dia 12/7/2016:


segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Tributo a frei Henri des Roziers: continuaremos sua luta.

Tributo a frei Henri des Roziers: continuaremos sua luta.
Por Sônia Maria Alves da Costa[1]

O falecimento do frei Henri Gui Emile Burin des Roziers, neste domingo, 26 de novembro de 2017, deixa muita tristeza pela perda de um grande mestre e excepcional amigo, exemplo de vida para muitas/os lutadoras/es do povo, cuja vida foi dedicada de maneira abnegada à luta contra todas as formas de injustiça e grande parte de sua vida  empenhada à defesa das classes trabalhadora e camponesa no norte do Brasil, inicialmente em 1979 no antigo norte de Goiás, na cidade de Porto Nacional e em seguida no município de Gurupi, atual estado de Tocantins e também no Sul do Pará, nos últimos anos, uma das regiões emblemáticas e de intensa injustiça agrária e existência de trabalho escravo, uma das mais violentas do país, de onde ele saiu em 2013, muito a contragosto, para fazer um tratamento de saúde, já gravemente doente e retornou ao seu país de origem, sua cidade Natal, Paris. A cada visita de uma brasileira ou de um brasileiro ele repetia que “queria voltar para morrer no Pará”! Eu me recordo muito bem dessa frase firme dele, com a mesma firmeza com que conduziu sua luta pelos Direitos Humanos, na Europa, na América Central e em muitas outras fronteiras de luta e especialmente no Brasil, onde dedicou décadas de luta ao povo injustiçado do Norte do nosso país, onde ele se sentia muito realizado, mesmo diante das graves e constantes ameaças de morte que recebia. Foi uma grande luta para ele aceitar a proteção da Polícia Federal 24 horas por dia em um dos momentos mais críticos de sua permanência no Pará. Ele alegava que se o povo a quem defendia não tinha o mesmo tipo de proteção, por que ele deveria merecê-la?  
Eu não tenho o dom da poesia, mas penso que um poema de Bertolt Brecht ilustra a missão exercida pelo frei Henri: “Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis”. Frei Henri se tornou uma pessoa imprescindível para os camponeses, para os milhares de trabalhadores submetidos ao trabalho escravo contemporâneo, para a CPT, para a RENAP, enfim, para o povo lutador brasileiro e de muitos outros países.
Frei Henri era extremamente comprometido com a luta, muito exigente, mas de uma humanidade indescritível, daquelas pessoas que te proporcionava muito prazer em dividir uma taça de vinho e discutir sobre a vida e a conjuntura do país e, com a mesma determinação, segui-lo andando a pé por diversos quilômetros até uma ocupação de camponeses Sem Terra, no meio da mata ou virar a noite elaborando peças processuais ou ainda escrevendo notas de repúdio para autoridades pelo tombamento de mais uma vítima pelo braço armado dos latifundiários e pela omissão-cumplicidade do Estado! Egresso da Sorbonne, Doutor pela Universidade de Cambridge, recebeu dezenas de prêmios nacionais e internacionais, em Direitos Humanos, mas valorizava muito mais cada vitória resultante da sua luta em defesa do povo empobrecido a quem defendia na condição de incansável advogado, porque era uma pessoa muito simples.
Ele foi inspiração para muitas pessoas e eu tive a felicidade de conhecê-lo na minha adolescência, por uma feliz coincidência de morar vizinha ao escritório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), na cidade de Gurupi, onde, inicialmente participei de reuniões organizadas por ele com as pessoas da vizinhança para celebrar e para conversar sobre a realidade, em algumas noites, para conhecer um pouco a realidade local e compartilhar sua vida e luta. Dessa forma, alguns anos depois, inspirada pelo seu exemplo de vida, decidi estudar Direito. Resumidamente, por pertencer a uma família nobre da França, frei Henri abdicou da vida naquele país, para se dedicar à luta pelos Direitos Humanos e chegou ao Brasil no fim do ano de 1978, ainda durante a Ditadura Militar e permaneceu por aqui até o ano de 2013.
Sua história de compromisso com os camponeses injustiçados inspirou a mim e a muitas outras/os lutadoras/es do povo e eu tive a felicidade de trabalhar quase uma década ao lado dele e foi o melhor estágio que eu poderia ter tido na vida para o exercício da advocacia popular, mas sei que não interessa a minha vida, apenas cumpre registrar essa importante e valiosa contribuição na minha formação jurídica, desde a escolha do curso e a opção da atuação profissional, que poderia ter trilhado outros caminhos, mas eu tenho imensa satisfação e serei eternamente grata por essa oportunidade na vida. 
No escritório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Araguaia-Tocantins, onde fui trabalhar alguns anos após conhecê-lo, foi onde tive acesso à livros importantes, tais como “Brasil: Nunca Mais”, “1968: o ano que não terminou”, “Olga” e muitos outros, mas especialmente foi onde conheci a dureza dos conflitos agrários e a sangrenta e implacável perseguição aos trabalhadoras/res rurais do norte do então Estado de Goiás, Sul do Pará e Sul do Mato Grosso, grande região abrangida pela atuação da CPT Araguaia-Tocantins naquela época. Ali fiz descobertas sobre a gravidade da violência perpetrada pelo latifúndio contra aquelas famílias de posseiras e posseiros centenários, cujos pais ou avós já viviam por ali, forjando sua sobrevivência da maneira possível, sem a presença do Estado, sem nenhuma política pública, pessoas simples que viviam em uma região isolada, mas que foram marcadas de maneira indelével pela violência do Estado, dos latifundiários e dos grileiros que pela ganância ceifaram centenas de vidas e tornaram outras tantas escravas em nome do “desenvolvimento”, apenas para um reduzido grupo de exploradores violentos, para quem a vida dessas pessoas não importava.
Nesse cenário de verdadeiro massacre durante décadas sem trégua e sem poderem se defender diretamente, frei Henri, advogado lutador e extremamente corajoso e comprometido com as causas do povo violentado daquela região de intenso conflito agrário, proporcionava, de maneira incansável, todos os dias da semana, alguma esperança de justiça, ainda que temporária para continuar a luta. Muitas vitórias importantes foram conquistadas, muitos assentamentos de Reforma Agrária, mesmo tendo que computar nessa luta desigual muitas vidas ceifadas, mas sem perder a capacidade de indignação e retirando energia no combate intenso e incansável de lutar pela justiça.
Esse legado de compromisso com causa do povo camponês expropriado da região norte do nosso país, fez com que o frei Henri des Roziers se tornasse exemplo para o seguimento de muitas advogadas e muitos advogados populares que entraram e seguiram na luta, mesmo com a mudança de cenário, sem mudar a difícil realidade dessa população que permanece na luta incansável até os dias atuais, inspiradas e inspirados nos seus ideais de luta, cujo exemplo não nos deixa perder a capacidade de indignação e seguir na luta sem desanimar e tentando também envolver outras lutadoras e lutadores nessa difícil – mas necessária - missão de lutar pela justiça, ainda que ela continue extremamente seletiva e classista, mas proporcionando as esses sujeitos de direito uma esperança e força para continuar lutando pelo justo, com o Direito que lhes pertence, na luta pela dignidade, embora seja difícil alcançá-lo, em face da imensa desigualdade social e a nefasta estrutura agrária e injusta concentração de riqueza e renda em nosso país capitalista, que não permite esquecer que os constantes golpes políticos e de outras variadas formas nos atingem, mas pelo seu exemplo de luta frei Henri e de tantas outras e outros lutadoras e lutadores, continuamos o nosso embate, com coragem e determinação para construir o nosso país e defender “todos os direitos para todos”! 

Brasília, Brasil, 26/11/2017.



[1] Advogada Popular, membro da RENAP (Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares – www.renap.org.br ), do Coletivo Feminista Marietta Baderna, IPDMS, FIAN e Doutoranda em Direito na UnB e advogada voluntária no Projeto Maria da Penha/NPJ/UnB; email: soniacosta0807@gmail.com