terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Deus e a chuva não são culpados. Por frei Gilvander Moreira

Deus e a chuva não são culpados.
Frei Gilvander Luís Moreira[1]

Diante dos deslizamentos de terra e das inundações, é nojento ouvir jornalistas na grande imprensa dizerem: “a chuva está castigando ...”. “A chuva está causando estragos ...” Não é a chuva e nem Deus que deve ser condenado. Colocar a culpa na chuva e em Deus é encobrir o real – ideologia –, é criar uma cortina de fumaça que ofusca a realidade beneficiando somente os adoradores do capitalismo – grandes empresários, políticos profissionais (uma corja) e ingênuos sustentadores da engrenagem que continua a trucidar vidas em progressão geométrica.
A chuva é benfazeja, cai sobre justos e injustos, diz o evangelho de Mateus (Mt 5,45). A chuva é reflexo da bondade de Deus, que é infinito amor. Deus rega com a chuva a terra que deu como herança ao seu povo (I Rs 8,36). “Mandarei chuva no tempo certo e será uma chuva abençoada (Ez 34,26)”, assim o profeta Ezequiel consola o povo em tempos de imperialismo e de exílio, em tempos de escassez de chuva. A sabedoria do povo da Bíblia reconhece que Deus, solidário e libertador, “através da chuva, alimenta os povos, dando-lhes comida abundante (Jó 36,31).” Na Bíblia se fala de chuva mais de cem vezes. Até no dilúvio, a chuva é vista como purificadora (cf. Gênesis 6 a 9). Sob o imperialismo dos faraós no Egito, a chuva de granizo é vista como uma praga que fustiga os opressores, ao mesmo tempo que é uma dádiva de Deus que liberta da opressão (cf. Gênesis 9 e 10).
A chuva não castiga e nem desabriga ninguém, apenas revela uma injustiça socioeconômica e política existente anteriormente. Dizer que “a chuva castiga” é mentira, é reducionismo que esconde o maior responsável por tanta dor e tanto pranto: o sistema capitalista e a classe dominante, que descartam as pessoas e as condenam a sobreviverem em encostas e áreas de risco. Quem é atingido quando a chuva chega exageradamente, salvo exceções, são as famílias que tiveram seus direitos humanos fundamentais – direito à moradia, ao trabalho, à educação, a um salário justo, ao meio ambiente equilibrado e à dignidade – desrespeitados pelo capitalismo neoliberal e por pessoas que adoram o deus capital, o maior ídolo da atualidade.
Logo, gratidão eterna à chuva e ao Deus da vida, mas ira santa e rebeldia diante dos que de fato desabrigam e golpeiam os injustiçados.



[1] Padre da Ordem dos Carmelitas. Bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia, mestre em Exegese Bíblica, doutorando em Educação na FAE/UFMG. Assessor de CEBs, CPT, CEBI e SAB. E-mail: gilvanderlm@gmail.comwww.freigilvander.blogspot.com.br – face: Gilvander Moreira


sábado, 16 de janeiro de 2016

OPTAR PELOS POBRES E PELA POBREZA TAMBÉM, por Dom Pedro Casaldáliga

OPTAR PELOS POBRES E PELA POBREZA TAMBÉM
Dom Pedro Casaldáliga

A opção pelos pobres é uma opção sempre atual, pelo menos para um cristianismo que mereça este nome. Atual e essencial. Por dois motivos: porque é a opção do Deus de Jesus e porque é uma opção que afeta estruturalmente a vida da sociedade humana e a missão da Igreja.
É justo reconhecer que a Igreja, genericamente falando, sempre optou pelos pobres em termos de caridade beneficente, de assistência pontual, às vezes também de misericórdia heroica. Comblin, sempre incisivo e lucidamente demolidor, como um profeta bíblico, escreve que “a opção pelos pobres ainda é uma invenção a ser posta em prática”; e que “não podemos imaginar toda a transformação que implica para uma Igreja habituada a se adaptar às classes dominantes”. Acrescenta ainda, duro e veraz: “Como é sabido, a fórmula opção pelos pobres foi imediatamente corrigida pelo magistério. Disseram: “Opção preferencial, não exclusiva, pelos pobres”. O que se quer dizer com a expressão não exclusiva? Na prática se quer dizer; Não até o ponto de que tenhamos que mudar nossos comportamentos, nossas estruturas fundamentais, que são de classe média”. “Fazer a opção pelos pobres é hoje um desafio quase impossível, porque supõe uma ruptura com a cultura dominante e não há nenhum signo de que a Igreja católica queira se distanciar da cultura dominante.”
Hoje a opção pelos pobres deveria ser mais provocativamente atual, porque a pobreza é maior e mais globalmente estruturada. Porque os pobres são pobres como pessoas e como povos, vivem na pobreza e estão sem poderes e são sempre mais empobrecidos e despojados. Já não são apenas pobres, são também excluídos, sobrantes, não existem para o sistema.
A tentação, que Comblin aponta como pecado real, é forte mesmo e consiste em relativizar essa opção e fazer dela uma entre outras opções cristãs.
É interessante observar, em vários textos de Comblin, como ele faz questão de proclamar, com o Evangelho na mão, que os ricos também podem se salvar. Jesus, vem dizer Comblin, não ignorou os ricos nem os condenou simpliciter: apenas ... lhes exigiu, lhes exige e lhes exigirá sempre que deixem de ser ricos privilegiados e excluidores. Conjugar isso honestamente, na vida prática, eis a questão! Coração de pobre e vida de rico, isso parece uma contradição nos termos, evangelicamente falando.
Trata-se então de firmar a opção pelos pobres; de retoma-la, lucidamente, atualizadamente, mundialmente, estruturadamente.
E essa estruturação da opção pelos pobres, essa sua mundialização, exige optar-se também pela pobreza. Para a Humanidade, submetida hoje como nunca a tentação do ter e do consumir, do lucro e do privilégio, se impõe uma virada radical: da civilização do capital para a civilização do trabalho, da civilização acumulação para a civilização da partilha, da civilização do privilégio para a civilização da igualdade fraterna. Desta civilização, que chamamos ocidental ( e às vezes “ocidental-cristã”), para a “Civilização da pobreza”, como pedia o teólogo mártir Ellacuría, nos tempos heroicos de El Salvador. Ou a “Civilização da sobriedade”, para ajudar a entender a pobreza sem a acusação – desculpa de “pauperismo”.
Evidentemente, não estamos a favor da pobreza dos pobres. Estamos contra sua pobreza injusta e contra a riqueza iníqua dos ricos. Optamos pelo testemunho de vida e morte do pobre Jesus de Nazaré. Optamos pela pobreza do Reino, proclama feliz no código das bem – aventuranças.
A opção pela pobreza que o Evangelho nos exige inclui necessariamente uns valores profeticamente contestatários. Rafael Aguirre, em seu livro Ensayo sobre los Orígenes Del cristianismo, destaca três grandes valores centrais preconizados por Jesus, que simultaneamente contestavam e contestam antivalores de seu tempo e de todos os tempos. Diante do prurido da honra, a simplicidade e “o último lugar”; diante da paixão pelo poder, a constante disponibilidade para o serviço; da cobiça do ter, o despojamento e a partilha; diante da lógica da força, o instinto divino da doação e do amor desinteressado.
Optar pelos pobres e pela pobreza, assim entendido, é lutar pela justiça, pela fraternidade, pela paz. Quando se proclama nos fóruns alternativos que “um outro mundo é possível”, quer se dizer que é possível e necessário um mundo significativamente “outro”. Sem agressões à natureza, tão brutalmente depauperada por esta nossa civilização industrial; sem prepotências pessoais, ou nacionais, ou imperiais, para possibilitar o concerto dialogante e pacífico dos povos e das culturas; sem consumismo desenfreados que necessariamente produzem a fome e a exclusão. Um mundo sem Lázaros e sem Epulões. “Uma família de mais ou menos todos iguais”, como pedia generosamente o patriarca sertanejo da ilha do Bananal.
Deve-se lutar pela justiça, pela paz, “pobremente”, com a simplicidade do coração e com meios popularmente e evangelicamente pobres. Não se vence a riqueza injusta com uma militância rica! A própria evangelização não justifica o poderio, a ostentação, o marketing.
A tentação, dizíamos, é encostar a opção pelos pobres, como uma opção secundária, opcional. E é mais tentação ainda, por mais sofisticadamente apresentada, a tentação de considerar anacrônica antimoderna, desfuncional, a opção pela pobreza evangélica – nas pessoas cristãs, nas famílias cristãs, nas congregações religiosas, nas cúrias e nas excelências eclesiásticas. São tentações muito atuais e sedutoramente formuladas. Teria passado a época do Evangelho “sem glosa” , a época dos entusiasmos de Medellín e a época dos martírios pelo Reino. Agora estamos na modernidade pós – moderna e no carismatismo apaziguador. Não estão na moda nem os grandes relatos, nem os grandes paradigmas, nem as grandes opções ...
Bernhard Häring, depois de ter revolucionado a visão e o ensino da moral cristã, nos deixou, em seu livro Rezo porque vivo, vivo porque rezo, este pedido testamentário: “Não temos outra alternativa, se queremos ser cristãos: devemos fazer nossas as opções do pobre de Javé, esposar a pobreza e estar atentos a todos os pobres que vivem ao nosso redor, depois de termos traçado uma vida em virtude da qual se suavize a miséria em todas as partes do mundo”.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Ordenação sacerdotal de frei Gilvander Moreira, em Arinos, MG, dia 30/07...

Ordenação sacerdotal de frei Gilvander Moreira, Arinos, dia 30/07/1994 (...

Carlos Campos, o Carlinhos do PSOL/MG, ex-presidente da CUT/MG partiu para a vida em plenitude.

Carlos Campos, o Carlinhos do PSOL/MG, ex-presidente da CUT/MG partiu para a vida em plenitude.
Ontem, dia 12/01/2016, de surpresa, a irmã morte levou nosso com-panheiro de muitas lutas por justiça social: Carlos Campos, o Carlinhos do PSOL/MG, ex-presidente da CUT/MG e companheiro de vida, de amor e de luta da nossa grande guerreira e lutadora Maria da Consolação Rocha.
Vai aqui, em nome das Ocupações urbanas de BH e RMBH, e em nome da CPT, a expressão de nossa eterna gratidão ao Carlinhos e à Maria da Consolação. Em todas nossas lutas, Carlinhos e Maria da Consolação sempre estiveram presentes comprometidos também com a luta por moradia digna, própria e adequada, por reforma urbana também.
Eu, frei Gilvander, tive a alegria de gravar alguns depoimentos do Carlinhos no calor das lutas das ocupações urbanas. Estão no youtube. Carlos Campos, presente, sempre em nós, na luta!
Obrigado, irmão de luta! Você continuará vivo em nós na luta!
Pelas ocupações urbanas de BH e RMBH e pela CPT, frei Gilvander Moreira.
P.S.: Na foto, abaixo, Carlinhos marcha ao lado de sua grande companheira e lutadora Maria da Consolação Rocha.