terça-feira, 24 de junho de 2014

Nova Ocupação em terreno do CEASA, em Contagem, MG, ao lado da Ocupação William Rosa, com cerca de 600 famílias sem-terra e sem-casa.

Nova Ocupação em terreno do CEASA, em Contagem, MG, ao lado da Ocupação William Rosa, com cerca de 600 famílias sem-terra e sem-casa.
Parabéns ao Povo da Ocupação William Rosa e a outras 600 famílias que ocuparam hoje outro terreno "do CEASA", em Contagem, MG, terreno abandonado há séculos, sem cumprir função social, servindo para especulação. Só na luta coletiva a casa própria e digna, um direito constitucional, sai do papel e se constrói. A tensão é grande no local, pois a PM está no local. Sem decisão judicial de reintegração e sem alternativa digna não é admissível despejo. Pátria Livre! Venceremos! Abraço na luta. Frei Gilvander Luís Moreira

Cf. Nota no link, abaixo:


segunda-feira, 23 de junho de 2014

Grandes projetos, um tormento na vida dos pobres, texto de frei Gilvander. BH, 23/06/2014.

Grandes projetos, um tormento na vida dos pobres[1]
Gilvander Luís Moreira[2]

Vivemos um tempo perigoso. O capitalismo, máquina de moer vidas, está funcionando a todo vapor triturando vidas de bilhões de pessoas e de outros seres da biodiversidade. Estamos em tempos de fundamentalismos, de céus povoados de anjos e entidades, de demônios por todos os lados, de gritaria de deuses, de promessas, de busca insaciável de bênçãos, de procissões, de peregrinações, de necessidade de expiação, de moralismos, de religiões sem Deus, de salvações sem escatologia, de cristianismos light, de libertações que não vão muito além da autoestima. Enfim, tempos de autoajuda, de dar um jeitinho para ir empurrando a vida.
Clamores ensurdecedores brotam dos porões da humanidade. A mãe Terra clama para ser salva, pois está sendo crucificada impiedosamente pelos grandes projetos capitalistas. Medo, insegurança e instabilidade atingem a todos. Atualmente insiste em imperar uma mística anti-evangélica do descompromisso com os pobres. Estes, além de empobrecidos, são marginalizados, injustiçados e acusados de serem os responsáveis primeiros pela sua situação de miséria. Inverte-se a realidade: os verdugos tentam parecer bons samaritanos. As vítimas são consideradas vagabundas, irresponsáveis e bagunceiras.
A estrutura de violência e de exclusão fragmenta multidões, deixando as pessoas em cacos. É hora de recompor os cacos em um grande e articulado mosaico.  É hora de reintegrar as nossas forças e energias vitais.
Em 2014 no Brasil, e na maioria dos países do mundo, o povo vive sob as agruras e o tormento dos grandes projetos. Por aqui estes são executados em nome do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento -, no Nordeste, apelidado de Programa de Ameaça às Comunidades. Dentre os grandes projetos do PAC, os de maior impacto são: as grandes barragens e usinas hidrelétricas, como as de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia; a barragem e hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, em Altamira, no Pará; a Transposição das águas do rio São Francisco; construção de vários portos e aeroportos e ampliação e modernização de outros; fusão de grandes empresas que concentram cada vez mais o capital e vão matando as pequenas empresas. Exemplos não faltam nas áreas de telecomunicações, de aviação, das construtoras, dos grandes supermercados, dentre muitos outros. Muitos pensam que esses projetos beneficiam todo o povo, mas, na realidade, tratam-se de infraestrutura para viabilizar o crescimento do capital, hoje primordialmente nas garras de empresas transnacionais. Quase sempre esses grandes projetos são realizados por grandes empresas, mas por meio de financiamento público, via BNDES[3].
A chegada de um grande projeto é sempre envolvida por campanha publicitária espetacular que anuncia estar chegando à região uma alavanca de desenvolvimento social, geradora de emprego e que não irá causar grandes males à já tão sofrida natureza, a biodiversidade e às pessoas. Chefes da política, da economia e até da religião são cooptados e muita gente seduzida. Assim, a massa acolhe esses projetos como se fossem benfeitores que trarão emprego e melhorias sociais, mas, logo, descobre que se gera poucos empregos e, muitas vezes, em condições análogas à de escravidão. Acontece o que ensina a fábula do Escorpião e o Sapo, que diz: um escorpião pede a um sapo que o leve através de um rio. O sapo tem medo de ser picado durante a viagem, mas o escorpião argumenta que não há motivo para o sapo temer tal traição, pois se picar o sapo, esse afundaria e o escorpião da mesma forma iria junto afogar.  O sapo concorda e começa a carregar o escorpião, mas no meio do caminho, o escorpião, de fato, aferroa o sapo, condenando ambos. Quando perguntado por que, o escorpião responde que esta é a sua natureza. Isso mesmo: a natureza do capitalismo é aferroar vidas o tempo todo e cada vez com mais veneno. O funcionamento do capitalismo exige expansão, crescimento sem limites. Isso é impossível pois a natureza precisa de tempo para se recuperar das agressões. A mercadoria, base da acumulação do capital, destrói o ambiente e explora os trabalhadores. Portanto, não dá mais para acreditar que na nossa caminhada na vida o capitalismo seja a melhor companhia.
Por tudo isso, é um imenso desafio enfrentar o poder opressivo do capital diante desses mega projetos. Voltando o nosso olhar atentamente para as narrativas bíblicas, percebemos que o povo da Bíblia também experimentou na própria pele as agruras de grandes projetos. Resgatar um pouco do que foram esses grandes projetos e como o povo bíblico resistiu diante deles, talvez possa inspirar em nós táticas e estratégias para o enfrentamento aos grandes projetos de hoje. Isso é o que veremos nas próximas partes do Artigo “Grandes projetos na Bíblia e a Resistência do Povo”.
Belo Horizonte, 23 de junho de 2014.




[1] Eis aqui a 1ª parte do Artigo publicado na Revista Estudos Bíblicos, Vol. 30, n. 120, out/dez 2013, pp. 339-358.
[2] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Minas Gerais – CONEDH. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.brwww.freigilvander.blogspot.com.br - http://www.twitter.com/gilvanderluis -    facebook: Gilvander Moreira  

[3] Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Mas o “social” está esquecido, desenvolve-se o econômico às custas do social.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Carta aberta aos juízes: o preço de um despejo sem alternativa digna. BH, 13/06/2014.

Carta aberta aos juízes:
o preço de um despejo sem alternativa digna.
Gilvander Luís Moreira[1]

Belo Horizonte, MG, Brasil, 13 de junho de 2014.

Srs. Juízes, desembargadores e ministros do poder judiciário brasileiro, já que é tão difícil falar com vocês diretamente, o jeito é escrever-lhes uma Carta Aberta, pois o que está ocorrendo é muito grave. Espera-se de um juiz que ele faça justiça, mas as decisões judiciais - regra geral - estão abarrotando as prisões com jovens, negros e pobres. Prisão em massa de uma só classe: a trabalhadora. É direito penal máximo para os pobres e direito civil empresarial máximo para os enriquecidos. Cadê os direitos fundamentais da pessoa humana? Virou lugar comum juízes apressadamente conceder liminares de reintegração de posse sobre Ocupações coletivas urbanas ou do campo. Só em Minas Gerais há mais de 250 liminares de reintegração de posse para serem cumpridas, na quase totalidade versando sobre propriedades que estavam abandonadas, ociosa, sem cumprir função social.
Simplesmente a regra é “reintegre-se ficando autorizado o uso da força policial.” Isso sem garantir os inúmeros direitos fundamentais de milhares de pessoas. A Constituição Federal de 1988 não tem como fundamento a dignidade humana (art.1º)? Não prescreve a Constituição a função social para propriedades do campo e na cidade? (art. 5º. XXIII, art. 283 e 286 da CF)? Não determina direito à moradia, à saúde, à educação, a paz? Não é objetivo da CF/88 superar a miséria e as desigualdades (Art. 3º)?
Mas, muitos juízes estão tão distantes da realidade dos pobres que mandam retirar centenas de pessoas de uma ocupação coletiva como se fossem entulho que lá estivesse.
Considerando que a maioria dos juízes “não tem tempo” para ir visitar as ocupações, ouvir os clamores dos pobres, vamos descrever um pouco o preço de um despejo sem alternativa digna. Vale recordar que alternativa digna não é levar as famílias para abrigo público, ou para bolsa moradia, ou inscrever as famílias em uma fila de política habitacional que não existe ou se existe, não anda.
Tomemos como exemplo o despejo de 300 famílias da Ocupação Santa Cruz, em Montes Claros, MG, dia 05 de junho de 2014. Usaram 250 policiais da tropa de choque e de vários outros batalhões da Polícia Militar de Minas Gerais; quatro tratores, inclusive um de esteira; vários caminhões, mais de quarenta viaturas, helicóptero, cavalaria, cães, inúmeros aparelhos de comunicação etc.
Senhores juízes, quanto custa preparar e realizar uma operação como essa? Quanto em alimento, água, combustível e arsenal bélico? Não sabemos quanto custa, mas sabemos que quem paga é o povo, através de uma pesadíssima carga tributária jogada principalmente nas costas da classe trabalhadora. É daqui que vem orçamento para custear o Estado que golpeia quem o sustenta financeiramente: o povo injustiçado. Quantos milhares de famílias ficaram sem segurança pública, porque um enorme contingente policial foi deslocado para despejar quem luta para sair da cruz do aluguel?
Só na Ocupação Santa Cruz, destruíram 80 casas de alvenaria. Em média as famílias tinham investido cerca de 8 mil reais em cada casa. 80 casas vezes 8 mil reais é igual 640.000,00 (Seiscentos e quarenta mil reais), valor equivalente ao que os turistas da COPA gastarão em Belo Horizonte. Mais da metade desse dinheiro, cerca de 400 mil reais, foi conseguido em empréstimo para descontar durante 4 ou 5 anos na aposentadoria de um salário mínimo. Ou seja, 80 famílias perderam 640 mil reais e perderam suas casas. Ficaram sem casas e com uma dívida que durante uns 4 ou 5 anos comerá parte da migalha de aposentadoria que recebem. Se o povo tivesse uma aposentadoria equivalente à dos juízes e desembargadores, o prejuízo seria menor.
Mas não é só esse o preço de um despejo sem alternativa digna, que é reassentamento prévio, conforme já vem sendo feito por determinação de alguns juízes em Pernambuco e no Rio Grande do Sul.
Centenas de famílias foram jogadas novamente na cruz do aluguel, que é furto diário no prato dos pobres. Ou foram jogadas nas costas de parentes que normalmente já pagam aluguel também. É cruz em cima de cruz. “A gente toma café da manhã com aluguel, almoça aluguel, janta aluguel e dorme com aluguel. Não suportamos mais isso”, desabafou dona Maria, da Ocupação Tomás Balduíno, de Ribeirão das Neves, MG.
Não esqueçamos que há um preço muito maior do que o prejuízo econômico: um despejo sem alternativa digna mata o sonho de conquistar moradia própria e digna, sonho de décadas. Imaginem quantas lágrimas! Quanta decepção nas autoridades! Quanta frustração diante do poder representado pelos governantes. Onde fica a legitimidade da força do Estado brasileiro? Quantos traumas indeléveis nas centenas de crianças que veem um exército armado até os dentes diante de si derrubando suas casinhas e expulsando-as do lugar onde elas brincavam e corriam à vontade?
Após um despejo, com a indignação gerada, como em uma encruzilhada, duas estradas se abrem: Por um lado, a maioria do povo despejado se reúne e trata de organizar a luta para dar a volta por cima, assim como fizeram a Ocupação Zilah Sposito/Helena Greco, que, após ter 15 casas demolidas inclusive com gás lacrimogêneo em crianças, reergueu-se e, hoje, já tem mais de 170 casas de alvenaria construídas. Ou como a Ocupação Eliana Silva, no Barreiro, em Belo Horizonte, que, três meses após ser despejada por 400 policiais reocupou outro terreno e hoje já tem mais de 300 casas de alvenaria construídas. Ou ainda como as duas Ocupações da Fazenda Baixa Funda, em Manga, MG, que já passou por 12 despejos e sempre o povo volta a reocupar a terra. Mas por outro caminho, outras pessoas ficam revoltadas e são jogadas na criminalidade. Assim, despejos forçados fomentam a violência social.
Quem puder ler e ouvir, que veja, que ouça e faça diferente dentro e fora do Poder Judiciário!
Mas assino embaixo do que afirma um juiz justo: Gerivaldo Neiva, no poema ao povo do Pinheirinho, Não os perdoem: eles sabem o que fazem!
“... Ei, Justiça, cadê você que não responde e aceita impassível tantos absurdos?
Não percebes o que estão fazendo com teu nome santo?
Em teu nome, atiram, ferem, tiram a casa e roubam os sonhos e nada dizes?
Tira esta venda, vai!
Veja o que estão fazendo em teu nome! Revolte-se!
E o pior dos absurdos: estão dizendo teus os atos do Juiz e do Poder que ele representa!
Vais continuar impassível?
E mais absurdos: estão te transformando em merdas de leis.
Acorda, vai!
Chama o povo, chama o Direito das ruas e todos os oprimidos do mundo e brada bem alto:
- Não blasfemem mais com meu nome! Não sou o arbítrio e nem a ganância! Não sou violenta, nem cínica e nem hipócrita! Não sou o poder, nem leis, nem sentenças e nem acórdãos de merda!
Diz mais, vai! Brada mais alto ainda:
- Eu sou o sonho, sou a utopia, sou o justo, sou a força que alimenta a vida, sou pão, sou emprego, sou moradia digna, sou educação de qualidade, sou saúde para todos, sou meio ambiente equilibrado, sou cultura, sou alegria, sou prazer, sou liberdade, sou a esperança de uma sociedade livre, justa e solidária e de uma nação fundada na cidadania e dignidade da pessoa humana.
Diz mais, vai! Conforta-nos:
- Creiam em mim. Um dia ainda estaremos juntos. Deixarei de ser o horizonte inatingível para reinar no meio de vós! Creiam em mim. Apesar da lei, do Poder Judiciário e das sentenças dos juízes, creiam em mim e não perdoem jamais os que matam e roubam os sonhos em meu nome, pois eles sabem o que fazem!”




[1] Frei e padre carmelita; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutorando em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB, PJR e Via Campesina, em Minas Gerais; e-mail: gilvanderlm@gmail.com  –www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br - www.twitter.com/gilvanderluis - facebook: Gilvander Moreira