14º Intereclesial das
CEBs: realidade e perguntas que incomodam
Com
o Tema “CEBs e os desafios do mundo urbano” e o Lema: “Eu vi ..., eu ouvi o
clamor do meu povo (os oprimidos) e desci para libertá-los” (Ex 3,7), de 23 a
27 de janeiro de 2018, acontece em Londrina, no Paraná, o 14º Intereclesial das
CEBs (Comunidades Eclesiais de Base). “Lá
vem o trem das CEBs ...” há 43 anos percorrendo o Brasil, desde 1975, em
Vitória, no Espírito Santo, quando aconteceu o 1º Intereclesial das CEBs. 1975
é também o ano de nascimento da CPT (Comissão Pastoral da Terra). Com 43 anos
de caminhada, de marcha e história libertadora, o Trem das CEBs chega pela 1ª
vez ao Paraná, em Londrina, no 14º Intereclesial das CEBs. Desde já agradecemos
a todas/os que se empenharam na preparação durante os últimos 4 anos e a
calorosa acolhida em Londrina.
O
tema do 14º intereclesial é “CEBs e os desafios do mundo urbano”. A principal
característica das cidades não é a pluralidade, mas a desigualdade: poucos com
muito e a maior parte do povo com quase nada. As cidades capitalistas são
constituídas por oásis de muito luxo, rodeados por povos empurrados para as
periferias ocupadas, onde está a força de trabalho que constrói a cidade – a
força de trabalho dos pobres é querida e necessária -, mas, discriminados e
criminalizados, têm a dignidade humana violentada. Salvo raras exceções, não
temos cidades justas e ecológicas, mas cidades com desigualdades
socioterritoriais, onde 46% do povo constroem suas casas em regime de autoconstrução
de forma improvisada e como joão-de-barro, um pouco a cada semana. “Cidades
profundamente desiguais. O contraste entre os bairros nobres ou condomínios de
luxo, e as favelas ou zonas deterioradas das periferias das metrópoles é o
melhor exemplo disso: moradores de bairros nobres deslocam-se em ônibus
exclusivos, automóveis blindados ou até helicópteros; já os moradores da
periferia, por vezes, têm que andar a pé no barro para chegar à estação de trem
ou ao ponto de ônibus que os levará ao local de trabalho” (Cf. Texto-Base do
14º Intereclesial da CEBs).
O
arcebispo da arquidiocese de Londrina, Dom Geremias Steinmetz, em entrevista
para o 14º Intereclesial das CEBs, dia 21/01/2018, afirmou que os desafios
urbanos em Londrina também são graves. Disse Dom Geremias: “Em Londrina, cidade
com quase 600 mil habitantes, há um déficit habitacional para além de 60 mil
moradias, enquanto há muitos imóveis ociosos na cidade. Mais de 15 mil pessoas
estão passando fome diariamente em Londrina, onde a violência também está muito
alta”. Em Londrina, um empreendimento do Programa Minha Casa Minha Vida foi paralisado
pela construtora e pelo Governo Federal. As casas e sobrados inacabados foram
ocupados por famílias que não suportam mais a pesadíssima cruz do aluguel ou a
humilhação que é sobreviver de favor. Próximo a Londrina, no município de
Tamarana, (r)existe o povo indígena Kaingang em seu território conquistado com
muita luta. Entretanto, desterrados, muitos indígenas Kaingang estão nas ruas
de Londrina, principalmente na Via Expressa (Av. 10 de dezembro), pedindo ajuda
para a sobrevivência.
Nas
cidades brasileiras há mais de 30 tipos de famílias. Não dá mais para falar em
“famílias estruturadas” e “famílias desestruturadas”. Essa classificação
discrimina a imensa pluralidade de famílias existentes na atualidade. Segundo
Dom Geremias, o papa Francisco “está jogando a bola lá na frente”, à esquerda,
no meio dos oprimidos e injustiçados, acrescentamos. Feliz quem ouvir os
clamores dos injustiçados no campo e na cidade e com eles se comprometer na
luta por justiça social, agrária, urbana e socioambiental.
Muitas
perguntas precisam incomodar a nossa consciência no 14º Intereclesial das CEBs
e no pós-encontro. Em espírito de diálogo e para provocar a reflexão, ciente de
que há uma imensa pluralidade entre as CEBs no Brasil, ousamos levantar 10
perguntas. Ei-las: 1) Nas décadas de 1970 e 1980, as CEBs foram sementeiras de
movimentos populares. E agora, na segunda década do século XXI? 2) No Trem das
CEBs, as CEBs deixaram de ser locomotiva para ser vagão? 3) Os movimentos
populares e as Ocupações urbanas e do campo, atualmente, são na prática quem
fazem o que as CEBs faziam no passado? 4) Quais os desafios espinhosos que não
podem ser esquecidos, mas precisam ser encarados no - e a partir do - 14º
Intereclesial das CEBs, tanto internamente na igreja quanto na sociedade? 5) Cadê
o povo das CEBs participando das Ocupações urbanas e do campo? 6) As Ocupações,
tanto na cidade quanto no campo, são na prática CEBs sem rótulo? 7) Será que se
a maioria dos membros das CEBs e dos/as participantes das igrejas estivessem
sendo fieis ao evangelho de Jesus Cristo, os capitalistas e golpistas estariam
amputando tantos direitos sociais? 8) Quantos por cento do povo das igrejas votaram
em parlamentares que compõem o atual congresso nacional golpista? 9) Qual a
responsabilidade das igrejas e das CEBs diante do 7º golpe contra o povo
brasileiro consumado em 31 de agosto de 2016 e dos golpes nos direitos sociais?
10) O/a bom pastor/a conduz seu rebanho do redil (curral) para campo aberto –
reino de vida e liberdade - ou retira o povo das ruas e conduz para dentro das
igrejas? Que a narrativa do bom pastor (Jo 10) nos inspire. Quais outras
perguntas e apelos precisam ser respondidos?
A
história das CEBs demonstra que o DNA das CEBs está na Opção pelos Pobres, na
profecia, no compromisso com a luta dos explorados pelos seus direitos e em uma
espiritualidade libertadora e ecumênica. CEBs é igreja na base. Se não for na
base da sociedade e das igrejas, não é CEBs. Não basta construir e participar
de Comunidades. É preciso que as Comunidades sejam Eclesiais e de Base. Não se
pode esquecer o Eclesial e nem a Base, sob pena de traição ao evangelho de
Jesus Cristo e das primeiras comunidades cristãs que eram inculturadas,
proféticas, ecumênicas, com protagonismo das mulheres e dos leigos, com opção
pelos pobres, eram de fato luz no mundo e fermento na massa. A luz incomoda as
trevas e o fermento incomoda a massa. Só solidariedade não incomoda os opressores.
A luta por justiça, sim, incomoda os podres poderes, mas é o que de fato supera
corrupções e superexplorações. Os Bispos do Brasil reconhecem que “as CEBs são
uma forma de vivência comunitária, de inserção na sociedade, de exercícios do
profetismo e de compromisso com a transformação da realidade, sob a luz do
Evangelho” (cf. Doc. 105, nº 146).
A
realidade de Londrina e do Brasil e as perguntas acima decorrem da certeza de
que sem luta por justiça, só com solidariedade não se supera os gravíssimos
desafios do mundo urbano. Paróquias hierarquizadas são um grande obstáculos à
vida das CEBs. Atualmente muitas lideranças de CEBs estão exiladas, excluídas
de paróquias onde padres, como sumo-sacerdotes, em tom arrogante e
antievangélico, dizem: “aqui quem manda sou eu. Quem não gostar, pode sair”. Entretanto,
mesmo no meio de tantas trevas – corrupção (10% da violência), opressão e
superexploração/mais valia (90% da violência) – as CEBs e todas as outras forças
vivas da sociedade estão construindo uma nova aurora de justiça e paz. O
Espírito do Deus da vida, sempre profético, está soprando e sempre soprará. O
14º Intereclesial das CEBs entrará para a história como mais um pentecostes na
vida da igreja e na sociedade brasileira. Felizes os que tiverem com corações acolhedores
e ouvidos atentos, pois o Deus solidário e libertador vai falar no 14º
Intereclesial. Que o 14º Intereclesial das CEBs seja uma beleza espiritual e profética!
Londrina,
PR, 22/01/2018.
Obs.: O vídeo, abaixo,
ilustra o texto, acima.
Plenária “CEBs e os Desafios no Mundo
Urbano”, com Celso Pinto Carias