CARTA ABERTA DE REPÚDIO AO DECRETO Nº 48.893/2024, DO ZEMA, E EM DEFESA DOS DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Belo Horizonte, 15 de setembro de 2024.
VII Colóquio Internacional Povos e Comunidades Tradicionais na Comunidade Quilombola da Lapinha, em Matias Cardoso, no norte de MG. Foto reprodução CAA.NMEm meio à seca histórica e às fumaças
que cobrem os céus do Brasil, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, em mais
um ato perverso de ataque aos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais e
da Natureza, publicou, no dia 11 de setembro de 2024, o Decreto nº 48.893/2024,
que viola o direito dos Povos e Comunidades Tradicionais à Consulta Livre,
Prévia, Informada e de Boa-fé, e, favorece o avanço dos grandes projetos do
capital que causam morte e devastação nos territórios tradicionais e compromete
as condições de vida de toda a sociedade e da biodiversidade. O Decreto em si já é uma aberração jurídica,
uma vez que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) não
precisa de regulamentação para ser plenamente aplicada. Um Decreto semelhante a
este editado pelo Governador do Pará já foi anulado. Desde 2003, quando entrou
em vigor no Brasil o Tratado Internacional da Convenção 169 da OIT, suas
disposições são obrigatórias e nenhum órgão governamental pode descumpri-la ou
limitar os direitos nela abarcados. Além disso, não houve nenhuma participação
ou consulta às Comunidades, violando o artigo 6° da mencionada Convenção. O
teor deste decreto é praticamente o mesmo da Resolução Conjunta SEDESE/SEMAD Nº
1, de 4 de abril de 2022, que foi revogada, após muita pressão dos Movimentos
Sociais, Povos e Comunidades Tradicionais. Este Decreto eivado de ilegalidades
e de inconstitucionalidades busca amordaçar e aniquilar os direitos dos Povos e
Comunidades Tradicionais protegidos pela Convenção 169 da OIT.
Destacamos outros pontos críticos e
inaceitáveis do Decreto:
1.
Limita
o direito à Consulta Prévia somente aos Povos Indígenas, Comunidades
Quilombolas e Comunidades e Povos Tradicionais certificadas, pela Fundação
Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Fundação Cultural Palmares ou pela
Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais de MG. De forma similar, cria nova definição de territórios
tradicionais condicionada à sua efetiva titulação e reconhecimento pelo Estado,
violando mais uma vez o direito à autodeterminação dos Povos e Comunidades
Tradicionais.
2.
Nega
o direito de Consulta às Comunidades e Povos Tradicionais, cujos Territórios
estejam localizados em áreas urbanas consolidadas. Isso afeta diretamente
centenas de comunidades localizadas em zonas urbanas, como Povos de Terreiro,
Indígenas em situação urbana, Acampamentos Ciganos e Comunidades Carroceiras.
Particularmente, esse aspecto do Decreto favorece o avanço do licenciamento do
Rodoanel (o famigerado Rodominério!) na Região Metropolitana de Belo Horizonte,
afetando imediatamente o direito e os territórios de centenas de comunidades.
3.
Transfere
às empresas a responsabilidade de realização da Consulta, no caso de projetos
da iniciativa privada. Além de ser uma grave violação ao que determina a
Convenção 169, isto poderá aumentar ainda mais a violência e assédio das
empresas sobre os territórios.
4.
O
Decreto também condiciona a exigência da realização de Consulta às situações em
que os territórios estejam no máximo a 3 Km de distância dos empreendimentos,
ignorando os impactos sistêmicos e difusos dos empreendimentos, seja pela
circulação e fluxos do ar, das águas e das espécies nos territórios.
Não se pode ignorar a relação do Decreto
com o contexto atual da política do Governo Zema, no qual o Governo apoia o
avanço da mineração predatória, que tem por alvo, em grande medida, explorar
áreas de Territórios Tradicionais, em diversas regiões do estado. Este Decreto
é para “passar a boiada”.
Diante de tantas violações, reafirmamos
nosso compromisso em garantir que os Povos e Comunidades Tradicionais tenham
acesso à informação e possam participar ativamente dos processos que impactam
seus modos de vida e exigimos a imediata
revogação do Decreto Nº 48.893/2024, garantindo de forma plena o Direito
das Comunidades e Povos Tradicionais à sua autodeterminação. Neste momento, em
que a “terra geme em dores de parto” (Cf. Rm 8,22), é urgente avançarmos nas
lutas concretas nos territórios, em defesa dos Povos e Comunidades Tradicionais
e de todos os seres vivos que formam a comunidade que nutre nossa mãe Terra.
Portanto, é absurdo um Decreto como este em tempos de Emergência Climática. As
sirenes dos eventos extremos estão gritando de forma estridente. Revogação e Anulação do Decreto
48.893/2024, JÁ! Apelamos a todas as autoridades compromisso com a
derrubada deste brutal Decreto.
Assinam esta carta:
1.Comissão Pastoral da Terra - Minas Gerais
(CPT/MG)
2.Conselho Pastoral dos Pescadores - Minas
Gerais (CPP/MG)
3.Pastoral da Juventude Rural - Minas
Gerais (PJR)
4.Conselho Indigenista Missionário - Regional
Leste (CIMI)
5.Cáritas Brasileira –Regional Minas
Gerais
6.Rede Igrejas e Mineração - Minas
Gerais
7.Centro de Documentação Eloy Ferreira
da Silva (CEDEFES)
8.Irmãs Franciscanas Missionárias
Diocesanas da Encarnação
9.Ação Franciscana de Ecologia e
Solidariedade (AFES)
10.Serviço Interfranciscano de Justiça,
Paz e Ecologia (SINFRAJUPE)
11.Sociedade Brasileira de Etnobiologia
eEtnoecologia
12.Grupo de Pesquisa de Educação Popular
PluriEtnoDecolonial-UNIMONTES
13.Núcleo de Estudos e Pesquisas
Regionais e Agrários - UNIMONTES
14.Observatório dos Vales e do Semiárido
Mineiro - UFVJM
15.Observatório Fundiário do Vale do
Jequitinhonha - UEMG Diamantina
16.Kaipora-Laboratório de Estudos Bioculturais
- UEMG Ibirité
17.Movimento dos Trabalhadores e
Trabalhadoras do Campo (MTC)
18.Movimento pela Soberania Popular na
Mineração (MAM)
19.Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST/MG)
20.Movimento de Ressurgência Purí-MRP
Serra dos Purí
21.Povos e Comunidades Tradicionais de
Religião Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA)
22.Associação Nacional de Ação
Indigenista (ANAI)
23.Terra de Direitos
24.“Escola” de Direito Agrariambientale
da Jusdiversidade–Montes Claros
25.Legião de Assistência Recuperadora
-LAR
26.Setor Ambiental do vicariato
Episcopal para ação social, política e ambiental da Arquidiocese de Belo
Horizonte – VEASPAM
27. Outras “organizações, entidades e Movimentos
Sociais que quiserem assinar esta Carta Aberta de Repúdio, favor enviar nome e e-mail
para frei Gilvander – gilvanderlm@gmail.com