terça-feira, 11 de abril de 2023

Se há agronegócio, não há cerrado. Por frei Gilvander

 Se há agronegócio, não há cerrado. Por frei Gilvander Moreira[1]

Divulgação:
https://blogdopedlowski.com/2018/02/24/violencia-e-desterritorializacao-no-cerrado-do-piaui-sao-denunciadas-em-nota-publica/ 

Em uma pesquisa de doutorado na Faculdade de Educação (FAE), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisamos a luta pela terra com a seguinte hipótese: a força e a centralidade da luta pela terra na luta coletiva do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT) como um processo de pedagogia de emancipação humana. Vimos que o MST e a CPT politizam a questão da luta pela terra afirmando a força da luta pela terra como força de mobilização emancipatória. Nessa luta, a dimensão religiosa vivenciada pelo povo sem-terra é algo ambíguo, pois pode contribuir nos processos e lutas emancipatórias quando fomentam a organização popular e luta coletiva, mas pode também reforçar processos alienantes quando fomentam o individualismo, o conformismo e a espiritualização de questões sociais. A Teologia da Libertação contribui para unir a perspectiva da fé do povo com as lutas coletivas necessárias para se conquistar justiça agrária e outros direitos humanos fundamentais.

A história da noção de propriedade privada da terra é recente. Na maior parte da história humana a terra não era considerada como algo capaz de ser propriedade privada. Segundo o filósofo Rousseau (1712-1778), em um determinado contexto histórico, alguém teve a ideia e a coragem de cercar certo território e dizer que lhe pertencia: “Isto é meu” (ROUSSEAU, 1999, p. 87).  E os vizinhos, de braços cruzados, aceitaram de forma resignada o início da privatização da terra, algo que era até então bem comum de todos/as. Assim, os vizinhos, por omissão/cumplicidade, aceitaram aquele evento sem prever as graves consequências futuras do que estava acontecendo. Ao dizer “Isto é meu” e cercar um pedaço de terra, em um triste dia, estava nascendo a sociedade civil, a propriedade privada dos meios de produção e com ela a desigualdade entre as pessoas, regiões e países.

Assim, em determinada condição histórica material e objetiva se lançaram as bases da propriedade privada capitalista da terra, legitimada pela criação de leis no âmbito da sociedade civil. “Criaram novos entraves para os fracos e novas forças para o rico” (ROUSSEAU, 1999, p. 222), pois, interrompendo a “independência do homem natural e ampliando a dependência recíproca entre os indivíduos socializados, no quadro de um regime baseado na propriedade privada, a divisão do trabalho criou conflitos e rivalidades entre as pessoas” (COUTINHO, 1996, p. 14).

Para Karl Marx, a pessoa se faz humana trabalhando, pois pelo trabalho produz bens gerais necessários à vida humana. Mas trabalho é uma noção contraditória: tem verso e reverso. Pelo verso, o trabalho é engendrador de riqueza genérica humana, mas pelo reverso é mercadoria que gera acumulação de capital. Marx afirma o trabalho como um fazer criativo (poiesas, em grego, significa poético) e denuncia o trabalho escravizador (doulos, em grego, significa escravo). O trabalho pode se tornar uma matriz de pedagogia de emancipação humana, desde que a classe trabalhadora e a classe camponesa se libertem da exploração do capital que usa a força de trabalho para acumular mais-valia e reproduzir o sistema do capital. O ser humano é criador de si mesmo e não sozinho, mas em comunhão de classe injustiçada, emancipa-se quando conquista condições materiais históricas que possibilitem desenvolver o seu infinito potencial humano. Na sociedade capitalista há um antagonismo, uma contradição, entre o trabalho proletário criador e a concepção capitalista do trabalho.

Ao longo da história humana se constituiu a visão mercantil da terra, produzindo as bases materiais para a apropriação da terra como propriedade privada capitalista. Isso foi feito usando pedagogias cruéis em processos sutis que exigem pedagogias delicadas e complexas. Uma dessas pedagogias foi a desterritorialização de comunidades camponesas para se territorializar projetos agropecuários de interesse do capital, tal como os do agronegócio. O uso de linguagem eufemística tem ocultado a exploração perpetrada pelo capital. Por exemplo, ao dizer ‘expansão da fronteira agrícola’ subentende-se que a ampliação agropecuária se daria em uma região vazia, mas na realidade tem sido dada em cima de regiões cheias de biodiversidade, de Povos Tradicionais e Originários com uma multiplicidade de culturas. Logo, o que se chama de expansão da fronteira agrícola trata-se de invasão de territórios do campesinato. Aufere-se lucro e progresso para uma minoria e uma devastação socioambiental para a maioria. Dizer ‘soja no cerrado’ ou ‘agronegócio no cerrado’ também é contradição, pois para instalar monocultura da soja tem antes que dizimar todos os cerrados. Logo, se há soja, não há cerrado; se há agronegócio, não há cerrado. No momento que se expropria a terra do camponês, se expropria muito mais, não apenas a terra. O camponês desterritorializado perde suas raízes humanas e sua identidade cultural. Assim como toda árvore, “o ser humano precisa de raízes, e somente consegue produzi-las quando participa de uma coletividade” (CALDART, 2012, p. 346). Se a coletividade estiver sempre em movimento e em luta constante, geram-se condições materiais objetivas para se produzirem raízes culturais que se expressam em sujeitos de luta, como os Sem Terra.

 

Referências

CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 4ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

COUTINHO, Carlos Nelson. Crítica e utopia em Rousseau. In: Lua Nova, Revista de Cultura e Política. Rio de Janeiro, nº 38, p. 5-30, 1996.

ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

11/04/2023

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Marco temporal: terra para os Povos Indígenas ou para o agronegócio devastador? Por Frei Gilvander

2 – Geraizeiros denunciam SAM, monocultura de eucalipto e vilipêndio de cemitérios/norte de MG. 04/11/20

3 - Aula Magna sobre Fruta de Leite, Cerrado e Geraizeiros e luta contra monocultura do eucalipto em MG

4 - Soberania Alimentar com Vandana Shiva. Agronegócio e agrotóxicos matam! Dia da alimentação. 16/10/20

5 - Você sabe de onde vem a sua comida? O agronegócio envenena a comida do povo. Episódio 1 – Greenpeace

6 - MST ocupa Ministério da Agricultura, em BH: Luta contra agronegócio; luta por Agroecologia. 30/04/14

7 - Lagoa da Prata/MG: Águas secadas, monocultura e agrotóxicos/XXI Romaria/Águas/Terra/MG/3a parte/9/18


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

terça-feira, 4 de abril de 2023

Rodoanel na RMBH, crime maior que o da Vale em Brumadinho. Por frei Gilvander

 Rodoanel na RMBH, crime maior que o da Vale em Brumadinho. Por frei Gilvander Moreira[1]

Representantes de vários movimentos socioambientais, vindos de diversas cidades da RMBH, participaram da Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos da ALMG para o Lançamento da Frente Parlamentar de Enfrentamento ao Rodoanel. Foto: Henrique Chendes

Seria cômico, se não fosse trágico, o fato de o (des)governador de Minas Gerais, Romeu Zema, com política de extrema direita, ter assinado o contrato para realização do Rodoanel/Rodominério na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), projeto da época da ditadura que já foi refutado várias vezes entre 2005 e 2016, justamente no dia 31 de março de 2023, dia de execrar o que foi a ditadura militar-civil-empresarial instalada no Brasil em 1964 e que durou até 1985.

Nós do Movimento “Somos Todos Contra o Rodoanel na RMBH” e da Frente Parlamentar de Enfrentamento ao Rodoanel defendemos propostas alternativas justas, éticas e democráticas à construção do Rodoanel, dentre as quais destacamos: a) Ampliação do Metrô de Belo Horizonte para as várias cidades da RMBH, metrô público e não privatizado; b) Resgate do transporte de passageiros/as através de trens entre as 34 cidades da RMBH e Belo Horizonte, realidade que existia até a década de 1970. Existem estudos avançados, inclusive no âmbito da própria SEINFRA[2] do Governo de MG e na Comissão de Ferrovias da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), neste sentido; c) Melhoria do transporte público de ônibus em Belo Horizonte e RMBH; d) Revitalização e ampliação do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, o que é viável tecnicamente e será muito menos oneroso e não trará as brutais violações aos direitos socioambientais, históricos e arqueológicos de Belo Horizonte e mais 13 municípios da RMBH. Sobre esse ponto, deve-se observar que o anteprojeto detalhado de reforma do Anel Rodoviário foi realizado pelo Governo de MG e está pronto desde 2016, tendo sido realizado pela empresa Tectran, do grupo Systra. Esse anteprojeto foi total e injustificadamente desconsiderado pelo (des)governador Zema, que optou pelo nocivo projeto do Rodoanel[3].

Temos que denunciar que o leilão realizado dia 12 de agosto de 2022, na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), pelo governo de Minas Gerais, para a construção do Rodoanel/Rodominério na RMBH, aconteceu com farsas de audiências públicas, SEM Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa-Fé aos Povos e Comunidades Tradicionais impactados por esta obra faraônica eleitoreira, ecocida, hidrocida, cavalo de Tróia, dragão do Apocalipse, e SEM estudos técnicos que indiquem a viabilidade e segurança socioambiental desta obra de interesse das mineradoras, considerando os direitos sociais e culturais das comunidades impactadas e o patrimônio ambiental, cultural, histórico e arqueológico das áreas afetadas. Uma Ação Civil Pública da Federação Quilombola de Minas Gerais (N’Golo) tramita na Justiça Federal, no TRF6, exigindo a anulação do leilão do Rodoanel, por ter sido realizado SEM a Consulta Prévia, Livre e Informada aos Povos e Comunidades Tradicionais que direta e indiretamente serão brutalmente impactados por esta obra do grande capital.

Foram ignorados os impactos ambientais do Rodominério sobre as áreas de Mata Atlântica, protegida por Lei Federal 11.428, de 2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica e também os impactos e plano de salvaguarda de bens arqueológicos e imateriais, como por exemplo, o Cemitério dos Escravos de Santa Luzia, MG, o que prescreve a Lei 3.924, de 1961, que dispõem sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos.

Este Rodominério causará a devastação de vários mananciais imprescindíveis para o abastecimento público de Belo Horizonte e para as 34 cidades da RMBH, tais como: mananciais da APA[4] da Lajinha em Ribeirão das Neves, mananciais de Vargem das Flores em Contagem e Betim e quatro mananciais em Ibirité (Taboões, Bálsamo, Rola Moça e Barreirinho).

A autopista do Rodominério implicará em desapropriação de mais de 15 mil moradias e sítios, sendo 50 igrejas, dezenas de terreiros, UPAs[5], cerca de 20 escolas, bairros serão devastados, sitiados e segregados. Como mais de 90% das moradias da RMBH não têm escritura e nem registro, mas apenas contratos de compra e venda, a indenização será profundamente injusta e deverá agravar em muito o déficit habitacional em 13 cidades da RMBH. Além da devastação ambiental, causará também a supressão de áreas rurais, pois como toda grande rodovia sempre induz à povoação nas suas margens, ao final da construção do Rodominério deverão estar mais de 60 mil famílias ocupando as margens desta autopista “privada”. É importante lembrar que ao lado do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, em apenas 26 Km, se assentaram mais de 7.000 famílias em 40 ocupações. A construção de estradas induz à ocupação humana regular e irregular. O “Rodoanel” não será rodoanel, pois não vai passar nas bordas da RMBH, mas vai dividir 13 cidades ao meio e sitiar/segregar centenas de bairros, já que vai rasgar brutalmente a RMBH ao meio, desalojando milhares de famílias que não foram informadas que perderão suas moradias e receberão uma indenização muito injusta.

O principal objetivo da criação do Parque Estadual Serra do Rola Moça na RMBH, o 3º maior em região metropolitana do Brasil, é a proteção dos mananciais de abastecimento público Catarina, Bálsamo, Mutuca, Barreiro, Rola Moça e Taboões. Mananciais estes que abastecem grande parte da população de BH e da RMBH. O projeto do rodoanel/rodominério é passar nas áreas de amortecimento desta Unidade de Conservação, o que dizimará os mananciais.

Este rodominério não será uma estrada pública e democrática, pois será construída no sistema Parceria Público Privado (PPP) e a empresa transnacional italiana INC S.P.A, em 30 anos de concessão, deverá ter um lucro de cerca de 60 bilhões de reais com pedágio mais caro do Brasil: 0,35 centavos por quilômetro rodado, R$70,00 para ir e voltar (preço de 2021). O pedagiamento do rodoanel induzirá o pedagiamento do Anel Rodoviário de BH, o que aumentará a já brutal desigualdade socioeconômica em BH e RMBH.

O sistema de abastecimento de água potável da COPASA[6] em Belo Horizonte e RMBH já perdeu vários mananciais, como o da Pampulha e do rio Paraopeba, que representava 50% da captação de água, mas foi devastado pelo crime da Vale S/A. Hoje há apenas três represas de onde se capta água para os quase seis milhões de habitantes de BH e RMBH: Serra Azul, Rio Manso e Vargem das Flores. As duas primeiras represas podem ser atingidas pelo rompimento de dezenas de barragens de rejeito de minério. Todas as nascentes do manancial Vargem das Flores estão em Contagem, entre BH e Betim. Estudos encomendados pela COPASA indicam que se adensar as áreas verdes na bacia hidrográfica de Vargem das Flores, a represa estará completamente assoreada em 23 anos e será secada.

Para tentar convencer a população de BH e a da RMBH, o governo Zema alega que construirá o rodoanel para acabar com as mortes no anel rodoviário. Isso não passa de falácia desse governo, pois o Rodoanel só aliviará 12% do trânsito do Anel Rodoviário e também não será estrada segura, pois terá curvas fechadas, subidas e descidas íngremes de 14 Km, muito mais do que no anel rodoviário. O rodoanel é uma obra que terá investimento público (dinheiro do povo) e também mais de três bilhões de reais oriundos do acordão do crime da Vale S/A em Brumadinho, que será entregue para a iniciativa privada (uma multinacional ligada à extrema direita na Itália, única empresa que concorreu ao leilão ilegal). 

E o respeito ao Acordo Climático Internacional de investir em projetos de baixo carbono? O projeto do Rodoanel se enquadra nos padrões e exigências desse necessário Acordo? Óbvio que não. Enfim, o Rodoanel visa viabilizar infraestrutura para as mineradoras escoarem o minério explorado, o que nos leva a dizer que o Rodoanel será na prática um Rodominério e crime maior que o que a Vale S/A causou a partir de Brumadinho. Exigimos a anulação do leilão e do contrato do Rodoanel, já.

04/04/2023

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Frei Gilvander: Rodoanel/RODOMINÉRIO na RMBH será crime maior q o da Vale a partir de Brumadinho, MG

2 - Prof. Matheus: Rodoanel é infraestrutura p ampliarem mineração na RMBH. SEM Consulta Prévia, jamais!


3 - Alenice Baeta, do CEDEFES: “Rodoanel em nenhum lugar da RMBH, pois trará brutal devastação na RMBH"


4 - João Pio, do Quilombo dos Arturos: “Rodoanel causará nova diáspora dos Povos Tradicionais. Injusto!"


5 - Makota Kidoialê: "Rodoanel em nenhuma encruzilhada de terreiros, pq tem Exu que deve ser respeitado"

6 - Makota Celinha: “Sem folha e sem água não há orixá. Nós Povos de matriz africana contra o Rodoanel"


7 - Dep. Célia Xakriabá: "Governo Federal é contra o Rodoanel/RODOMINÉRIO, pois causará violações de DH"


 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Secretaria de Estado de Infraestrutura e de Mobilidade do Governo de Minas Gerais.

[4] Área de Proteção Ambiental.

[5] Unidades de Pronto Atendimento do SUS.

[6] Companhia de Saneamento de Minas Gerais.

terça-feira, 21 de março de 2023

Comunidade Quilombola Família Araújo, de Betim, MG: exemplo inspirador. Por frei Gilvander

 Comunidade Quilombola Família Araújo, de Betim, MG: exemplo inspirador. Por frei Gilvander Moreira[1]

Celebração e Festa da conquista da 1a Comunidade Quilombola de Betim, MG: a Comunidade Quilombola Família Araújo, dia 19/03/23. Fotos: Alenice Baeta

Dia 19 de março de 2023, dia de São José, entrará para a história como um dia histórico na Comunidade Quilombola Família Araújo, de Betim, MG, situada à Rua Hum, 77, no Jardim Brasília, atrás do Hospital Regional do SUS. Reunimos mais de 100 lideranças populares para celebrarmos e festejarmos a conquista da 1ª Comunidade Quilombola da cidade de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, MG, que se apresentou como Comunidade Quilombola e já conquistou o Certificado de autorreconhecimento expedido pela Fundação Cultural Palmares (FCP) do Governo Federal.

Na parte da manhã realizamos uma inesquecível celebração de ação de graças interreligiosa ao Deus da vida, aos ancestrais e a todos os bons espíritos que têm guiado nossa luta pelo território. A palavra foi partilhada e várias pessoas do Quilombo Família Araújo e muitas da Rede de Apoio resgataram a maravilha que está sendo a conquista do território, exorcizando a brutal ameaça de despejo suportada pela Comunidade durante os últimos anos. Alegria irradiava em todos os rostos. A fraternidade fluía. Todos/as irmanados/as na luta pelos direitos quilombolas. Foi servida uma saborosa feijoada no almoço comunitário preparado em mutirão, a partir da receita da matriarca Dona Zulmira. Na parte da tarde uma vibrante roda de samba embalou todos/as que festejavam. Houve também um momento solene em que três lideranças das Comunidades Quilombolas de Belo Horizonte (Quilombo Mangueiras, Quilombo Souza e Quilombo Manzo) entregaram “oficialmente” à Comunidade o Certificado de autodefinição expedido pela Fundação Cultural Palmares (FCP), reconhecendo a Comunidade Tradicional como Quilombola. “Quilombo Reconhece Quilombo!” Este lema proporcionou a todos/as presentes uma mística libertadora com partilha de palavra, gestos, sabores e cânticos quilombolas.


O sr. José Preto, de saudosa memória, patriarca da Comunidade Quilombola Família Araújo, após peregrinar por vários municípios trabalhando com sua família em serviço braçal, trabalhou na limpeza urbana da cidade de Betim por quase 40 anos. Dona Zulmira, a matriarca do Quilombo Araújo, mulher de uma sabedoria incrível e de uma fé inabalável, diante das brutais ameaças de despejo, sempre dizia “daqui só saio para ir para o cemitério em um caixão”.

Há quase 40 anos, um ex-prefeito de Betim, autorizou verbalmente o sr. Zé Preto a construir uma humilde casa no terreno, que era ermo e longe do centro da cidade. Entretanto, nos últimos 40 anos, a cidade foi se expandindo e a região se tornou muito valorizada pelo mercado imobiliário. O Hospital Regional do SUS[2] foi construído ao lado da Comunidade e a pressão dos especuladores imobiliários tem crescido de forma vertiginosa. Com isso, nos últimos cinco anos, a “Família Araújo” passou por uma brutal “sexta-feira da paixão”, pois o atual prefeito de Betim, Vitório Mediolli, que governa para atender os interesses dos empresários, subjugando o povo empobrecido cada vez mais, entrou com um processo de reintegração de posse que, em meados do ano de 2022, tinha já transitado em julgado com uma decisão absolutamente inconstitucional e injusta, inclusive com anuência do Ministério Público de Minas Gerais. Ao lado da casa da matriarca dona Zulmira e do patriarca Zé Preto, os filhos e filhas construíram outras seis casas dignas e adequadas para morar, com preocupação ecológica. Quintais bem cuidados, com plantações de árvores frutíferas, hortaliças, piscicultura e preservam há 40 anos a nascente de onde brota sagrada água, fonte de vida.

As sete famílias Araújo, hoje, compondo a Comunidade Quilombola Família Araújo, aflitas com a pressão infernal pelo despejo feita pela prefeitura de Betim, que insistia diariamente para eles saírem das casas, com ameaças de que os tratores poderiam chegar a qualquer momento para demolir as casas, buscaram socorro na vizinha Comunidade do Beco Fagundes, no Jardim Teresópolis, onde estávamos em uma grande Rede de Apoio resistindo às investidas brutais também do prefeito Medioli para demolir mais de 100 moradias, jogar as famílias na rua, para construir shopping, teleférico e cascata de água artificial, ou seja, roubar o território e as moradias das famílias humildes para repassar o terreno para empresários lucrarem. Inadmissível aceitar uma violência como esta.

Ao ver sete famílias, todos membros  negros, morando em sete casas lado a lado, com quintais produtivos e puxar a história da família, foi fácil concluir e dizer que estávamos diante de uma Comunidade Quilombola típica e tradicional, mas que não tinha a informação sobre seus direitos e que, portanto, ainda não tinha se autodeclarado como Comunidade Quilombola Tradicional, como lhe era de direito. Os advogados populares Dr. Ailton Matias e Dr. Edson Soró e nós da Rede de Apoio identificamos um “fato novo” que possibilitou superar a decisão do Tribunal de (in)Justiça de Minas Gerais que já havia transitado em julgado.

A comunidade estava sofrendo cruel processo de violação em seus direitos mais profundos, tendo a sua memória ancestral e a sua história invizibilizadas e apagadas com este injusto processo de despejo e de desterritorialização. Chamamos, assim, a historiadora Ana Cláudia Gomes e a Patrícia Brito, que, com experiência na defesa dos bens culturais e patrimoniais históricos e arqueológicos, e iniciamos uma série de reuniões e estudos que desaguou em um Documento técnico com mais de 100 páginas em que são demonstradas todas as características de uma Comunidade Quilombola.

Em seguida aconteceu Assembleia na qual a Comunidade se autodeclarou na presença do advogado da Federação Quilombola de Minas Gerais N’Golo, Dr. Matheus Mendonça. Reuniões com a Defensoria Pública de Minas (DPE-MG), a Defensoria Pública da União (DPU) e com o Ministério Público Federal (MPF) e reivindicação à Fundação Cultural Palmares (FCP) foi o caminho trilhado para conquistarmos a Certificação da Fundação Palmares. Informamos ao juiz de 1ª instância, que tinha determinado o despejo, e, diante da autodeclaração da “Família Araújo” como Comunidade Quilombola, imediatamente ele abriu mão do processo, pois tinha se tornado “incompetente juridicamente” e remeteu os autos à Justiça Federal, que agora terá que esperar o INCRA[3] titular a comunidade. O Quilombo Araújo poderá inclusive requerer indenização por danos morais e materiais, porque o terror feito pela prefeitura de Betim para despejá-los levou a enormes prejuízos materiais e morais.

Na luta coletiva conquistamos judicialmente, dia 5 de maio de 2022, a suspensão do despejo e da demolição das casas da COMUNIDADE TRADICIONAL QUILOMBOLA FAMÍLIA ARAÚJO. Conquistamos também o envio dos autos (processo) para a JUSTIÇA FEDERAL, a partir da Ação CIVIL COLETIVA - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE - da Defensoria Pública de MG, da lavra da Dra. Ana Cláudia Alexandre, defensora pública da área de Conflitos Agrários e socioambientais, que peticionou alegando que “a área de 1.851,02m² se trata de área ocupada por Comunidade Tradicional Quilombola. Exigimos o procedimento administrativo de REURBs.” Escreveu o juiz: “trata-se de ação em que discutido se a área cuja reintegração de posse é pretendida constituiria comunidade quilombola, portanto, afeta a competência da JUSTIÇA FEDERAL. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou que o julgamento de conflitos sobre posse de terra que envolvam comunidades quilombolas cabe à Justiça Federal. Ressoa evidente que as demandas judiciais as quais envolvam a posse dessas áreas repercutem, de todo o modo, no processo demarcatório de responsabilidade da autarquia federal agrária. Logo é inarredável o interesse federal em tais demandas, razão pela qual deve ser fixada a competência da Justiça Federal para o seu processamento e julgamento, consoante o art. 109, I, da Constituição Federal. Declino da competência para o conhecimento, processo e julgamento do presente feito para a SUBSECÇÃO DA JUSTIÇA FEDERAL DE CONTAGEM/MG, para onde determino redistribuição do processo, em caráter de urgência. E que a União seja arrolada no polo passivo do processo.”

O processo judicial que autorizava o Município de Betim a despejar e demolir as casas da Comunidade Quilombola Família Araújo não levou em consideração o caráter coletivo do litigio, nem a condição de pessoas vulneráveis envolvidas – crianças, adolescentes e idosos - o que torna nulo todo o processo, vez que em nenhum momento a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais foi intimada para atuar no processo, conforme determina a Lei. A decisão de mandar despejar e demolir as casas foi, ainda, proferida sem serem apreciadas provas fundamentais que os membros da Comunidade Quilombola Família Araújo somente obtiveram após o “trânsito em julgado” do processo originário, tais como: a) Termo de doação da área entregue à Família Araújo no ano 2000 pelo então prefeito da cidade Jésus Lima; b) Processo Administrativo, originário do ano de 2002 e não finalizado, que buscava o reassentamento prévio de todas as famílias da comunidade; c) a autodeclaração enquanto Comunidade Quilombola Família Araújo realizada em fevereiro de 2022.

Gratidão a todos/as que estão se somando nesta luta justa, legítima e necessária. Com luta e com garra conquistamos direitos. Só perde quem não luta de forma coletiva por direitos. Quem luta coletivamente conquista direitos. Esta vitória da Comunidade Quilombola Araújo, de Betim, MG, gera esperança para muitas outras Comunidades injustiçadas no campo e na cidade e encorajará muita gente a seguir na luta por direitos e por tudo o que é justo.

Comunidade Quilombola Família Araújo, um exemplo inspirador, em Betim, MG.

21/03/2023

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - 1ª Comunidade Quilombola de Betim, MG: Quilombo Família Araújo: exemplo inspirador. Fé na luta!


2 - Viva a cultura popular!1ª Comunidade Quilombola de Betim, MG: Quilombo Família Araújo. Que beleza!

3 - Despejo por especulação imobiliária? “Não serão despejados!” Quilombo Araújo, Betim, MG. Vídeo 3

4 - “Despejar Quilombo Araújo p doar terreno p empresário é racismo” Quilombo Araújo, Betim/MG. Vídeo 2

5 - “Éramos quilombolas e não sabíamos." Ao resgatar nossa história, Quilombo Araújo, Betim/MG. Vídeo 10

6 - “Já moramos até em cemitério. Já cozinhei em empresa do Medioli". Quilombo Araújo, Betim/MG. Vídeo 9

7 - Muitas ilegalidades da decisão judicial pró despejo do Quilombo Família Araújo, de Betim/MG. Vídeo 8

8 - Apaixonante HISTÓRIA do Quilombo Araújo, Betim/MG. Por Historiadora Ana Cláudia Gomes/UFMG. Vídeo 6


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Sistema Único de Saúde.

[3] Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

quinta-feira, 16 de março de 2023

CPT e MST lutam pela terra, por educação do campo e pelo fim do trabalho escravo. Por frei Gilvander

 CPT e MST lutam pela terra, por educação do campo e pelo fim do trabalho escravo. Por frei Gilvander Moreira[1]

Jornada em defesa da Reforma Agrária em Alagoas, com o lema “Vida digna no campo: essa é a nossa luta!” Foto: Gustavo Marinho

Após abraçarem a luta pelo rompimento das cercas do latifúndio, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), desde 1975, e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), desde 1984, perceberam que lutar por educação pública de qualidade, especificamente Educação do/no Campo, e com base nele, também era, é e será sempre imprescindível, pois sem conhecimento crítico e criativo não acontece emancipação. O MST e a CPT buscam na sua atuação prática e coletiva a conjugação de forças que sejam de fato uma ecologia de saberes, baseada no reconhecimento da pluralidade de conhecimentos heterogêneos, sendo a ciência moderna apenas um deles, em interações sustentáveis e dinâmicas. “A Ecologia de Saberes baseia-se na ideia de que o conhecimento é interconhecimento”, diz Boaventura de Souza Santos (SANTOS, 2010, p. 53). Assim, o conhecimento científico, que Boaventura Souza chama de Pensamento Abissal, é apenas uma das formas de conhecimento e, pior, atrelado aos poderes econômicos e políticos, desqualifica outros conhecimentos conquistados graças à interação construída na luta coletiva pela conquista da terra.

 Gradativamente, a atuação da CPT e do MST passou a priorizar a educação popular, segundo a pedagogia libertadora de Paulo Freire, como ferramenta que faz avançar a luta por emancipação humana. Importante recordar que a educação popular e a pedagogia de Paulo Freire - de todas as freirianas e todos os freirianos - nasceram e se desenvolveram nas entranhas da luta pela terra em relação estreita com as camponesas e os camponeses exploradas/os e expropriados/as pelo latifúndio e pelo capitalismo. Na organização interna e nas lutas concretas pela terra, luta por território, pelas relações de protagonismo que se estabelecem, um significativo processo pedagógico passa a ser tecido. Processo que busca romper as cercas do latifúndio, da ignorância e da privatização do conhecimento e, por outro lado, democratizar a terra e o conhecimento, afirmando assim a centralidade da luta pela terra e do trabalho coletivo nas lutas da CPT e do MST. No livro Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire se refere constantemente à terra como matriz pedagógica que tem um grande potencial emancipatório.

 A concepção que fez nascer a CPT afirma que a terra é dom (dávida) de Deus, pertence a Deus. Esta noção vem da Bíblia e está ali presente em diversas passagens. A Campanha da Fraternidade de 1986, com o tema “Fraternidade e terra” e o lema “Terra de Deus, terra de irmãos,” contribuiu para legitimar a atuação da CPT, do MST recém-criado, para fomentar o nascimento de centenas de movimentos populares camponeses e fortaleceu a mobilização popular para inscrever na Constituição de 1988 a prescrição de desapropriação de latifúndios que não cumprem a função social para fins de reforma agrária.

Mesmo pertencendo a Deus, a terra, expropriada do campesinato nas sociedades capitalistas, só se torna dos camponeses e das camponesas - sem dinheiro para comprá-la -, se for conquistada na luta coletiva. Assim se deu com os povos da Bíblia, em todos os povos do mundo e acontece atualmente no Brasil na luta dos Movimentos Populares do campo. Para resgatar seus territórios invadidos por ‘brancos’ capitalistas, os indígenas lutam desde antes de Sepé Tiaruju até hoje; os negros lutam pela terra desde antes de Zumbi dos Palmares e Dandara, por meio dos quilombos, até aos quilombolas de hoje; os camponeses expulsos da terra lutam pelo resgate de suas terras desde antes de Antônio Conselheiro e Canudos, passando pelo Contestado, Ligas Camponesas, até hoje com o MST e tantos outros movimentos camponeses.

A terra é de quem nela trabalha”, eis uma concepção defendida pela CPT desde sua origem há 48 anos. Na diversidade de visões sobre a terra podemos encontrar coincidências: com uma ou outra visão, mas as identidades serão diferentes. A terra é espaço disputado e é lócus sobre o qual se afirmam ou se destroem identidades.

Estima-se que cerca de sete milhões de pessoas negras foram arrancadas da África – pátria de origem, terra de liberdade -, e em navios negreiros trazidos à força para nosso país. Vendidos como mercadoria, ‘peça por peça’, foram usados e abusados como força de trabalho nos engenhos de açúcar, sobrevivendo nas senzalas, depois na mineração e ainda hoje perduram milhares de trabalhadores submetidos a situações análogas à escravidão. No final do ano de 2014 o Brasil tinha 155,3 mil pessoas em situação análoga à escravidão, segundo o relatório Índice de Escravidão Global 2014, da Fundação Walk Free, divulgado dia 17/11/2014. De acordo com a organização, 0,078% dos brasileiros estão nesta condição. Pela primeira vez, segundo o levantamento, o número de pessoas resgatadas em situação de trabalho forçado no setor da construção civil (38% dos casos) foi maior que no setor rural do país. De acordo com a Fundação Walk Free, o Brasil atraiu bilhões de dólares em investimentos para a execução da Copa do Mundo de 2014, o que propiciou o aumento do número de casos em áreas urbanas. O relatório também destaca que a exploração sexual concentrou um grande número de pessoas em situação de trabalho forçado por causa do grande fluxo de turismo nas doze cidades-sede da Copa do Mundo. O relatório da Fundação Walk Free ressaltou que a cidade de Fortaleza concentrou boa parte dos casos de abuso sexual de crianças por turistas. O documento ressalta que ainda há muitas crianças trabalhando como empregadas domésticas. Em 2013, segundo a organização, 258 mil pessoas entre 10 e 17 anos estavam trabalhando como trabalhadoras domésticas no Brasil. Segundo um dos autores do relatório Kevin Bales, também há preocupação com a participação de crianças no tráfico de drogas. De acordo com a Fundação Walk Free, outro dado relevante no país é o fato de muitos bolivianos e peruanos serem explorados na indústria têxtil. Mais da metade dos 100 mil imigrantes bolivianos que entraram no Brasil de forma irregular e são facilmente manipulados por meio da violência, das ameaças de deportação e da servidão por dívida, segundo a pesquisa.[2] Lamentavelmente, a chaga do trabalho escravo contemporâneo continua aberta, conforme atesta a Campanha Permanente pela erradicação do trabalho escravo. E o estado de Minas Gerais está sendo nos últimos anos o estado campeão em trabalho escravo, o que é uma vergonha brutal para o povo mineiro.

Referências

SANTOS, Boaventura de Souza. Para além do Pensamento Abissal: Das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. Cortez Editora, 2010.

16/03/2023

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - “Firmes e fortes na luta. Não arredamos o pé do nosso território” (Xukuru-Kariri, em Brumadinho/MG)

2 - “Indígenas sem território sofrem muito. Na luta, esperança p humanidade” (Xukuru-Kariri, Brumadinho)

3 - Pedro, Alenice e Dep. Bella Gonçalves: Ministro Sílvio Almeida, Rodoanel e anulação da Resolução, JÁ

4 - Ministro do Lula, Sílvio Almeida, de DH em reunião com Mov. de luta contra Rodoanel e Resolução Zema

5 - Ministro do Lula, Sílvio Almeida, dos Direitos Humanos, ouve os clamores contra o Rodoanel na RMBH

6 - Lula e Ministros, o Rodoanel na RMBH será Rodominério, sem Consulta Prévia e sem licenciamento. V.2

7 - No colo do Lula lutas contra o Rodoanel e pela Anulação da Resolução do Zema, q viola Convenção 169

8 - "1º livro que li foi meu avô. Luta pelo Território é luta pela vida de todes” (Dep. Célia Xakriabá)

9 - Dep. Célia Xakriabá (PSOL/MG) na UFMG: “Indigenizar a cidade e a Política. Aquilombar, sim! Mística!



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

terça-feira, 7 de março de 2023

RODOANEL (RODOMINÉRIO) NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE, MG: crime maior que o da Vale em Brumadinho? Por frei Gilvander

RODOANEL (RODOMINÉRIO) NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE, MGcrime maior que o da Vale em Brumadinho? Por frei Gilvander Moreira1

Ato Público e Abraço ao Cemitério dos Negros escravizados em Santa Luzia, MG: luta contra o Rodoanel/Rodominério na RMBH. Foto: Alenice Baeta

Juntamente com a articulação de Movimentos Sociais, técnicos, especialistas e organizações da sociedade civil intitulada “MOVIMENTO TODOS EM LUTA CONTRA O RODOANEL” na Região Metropolitana de Belo Horizonte, MG, seguimos na luta pela anulação do leilão ilegal, injusto e brutal do Rodoanel na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), em Minas Gerais, que, se for construído, será um Rodominério, estrada “privada” do grande capital e da morte.

Como é de conhecimento público, se encontram em andamento as ações para a construção de um Rodoanel na RMBH, com mais de 100 km de extensão por até 500 metros de largura de faixa desapropriada. Os projetos até então apresentados são objetos de profundas críticas em razão de seus severos impactos socioambientais e descumprimento dos ritos mínimos, relativos ao processo de Licenciamento Ambiental, normas e acordos internacionais vigentes, como a Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa-fé estabelecida pela Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) da ONU (Organização das Nações Unidas).

Diversos questionamentos têm sido levantados pelos Movimentos Sociais em relação à real necessidade de realização da megaobra do Rodoanel/Rodominério em razão dos brutais impactos socioambientais em 13 municípios da RMBH. Trata-se de uma obra faraônica e autoritária que, mais uma vez, repete o erro histórico de priorização do modelo rodoviarista e automobilístico, privatista, em detrimento de formas alternativas de transporte coletivo público de passageiros e de carga. Trata-se, possivelmente, de ampliar, de forma brutal, para toda a Região Metropolitana de BH, os problemas já existentes no Anel Rodoviário de Belo Horizonte. O Rodoanel desafogaria apenas cerca de 12% do trânsito do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, que seguiria intocado, com os problemas que apresenta diariamente: engarrafamentos, acidentes e mortes. Além disso, este terceiro “Rodoanel” de Belo Horizonte[1] provocará impactos ambientais sobre áreas de preservação, ampliação dos espaços para especulação imobiliária e desapropriações que expulsarão milhares de famílias. Adicionalmente, esta grande rodovia facilitaria o trânsito de mercadorias de interesse de mineradoras, principalmente da mineradora Vale S/A, fato este que – junto ao de que os mais de três bilhões de reais que o governador Zema, do Estado de Minas Gerais, aplicará na construção são provenientes da tragédia-crime da Vale S/A em Brumadinho – tem levado à denominação de Rodominério as obras que beneficiarão esta empresa e demais mineradoras e devastarão sob muitos aspectos a RMBH.

Este famigerado Rodoanel/Rodominério ameaça o patrimônio ambiental, histórico, arqueológico e cultural de interesse metropolitano e nacional. A Alça Oeste do Rodoanel afetará em Contagem e Betim a Região de Várzea das Flores, importante espaço de proteção ambiental que garante o abastecimento hídrico de Belo Horizonte e Região Metropolitana. No município de Contagem, aproximadamente cerca de 70 Povos e Comunidades Tradicionais serão impactadas pelo empreendimento. Entre estas, a histórica Comunidade Quilombola dos Arturos. A Alça Sudoeste do Rodoanel/Rodominério afetará de forma absurda a base e a área de entorno do Parque Estadual da Serra do Rola Moça e seus mananciais que garantem o abastecimento hídrico de Ibirité, parte de BH e RMBH, além do importante cinturão verde de agricultura familiar da RMBH. A Alça Norte do Rodoanel violentará também importante região de recarga hídrica do vale do Rio das Velhas e territórios tradicionalmente ocupados pelas Comunidades Quilombolas e Sítios Históricos, tais como um cemitério de pessoas negras escravizadas do século XIX, tombado pelo município de Santa Luzia/MG, bem como o Terreiro do Manzo Ngunzo Kaiango, bem imaterial reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial, desde outubro de 2018, pelo IEPHA. Milhares de famílias da agricultura familiar da RMBH serão brutalmente violentadas com o Rodoanel.    

A despeito do amplo questionamento por parte de movimentos socioambientais, Povos e Comunidades Tradicionais e organizações da sociedade civil, o Governo do Estado de Minas Gerais (Romeu Zema) realizou de forma autoritária, na Bolsa de Valores de São Paulo, no dia 12 de agosto de 2022, o leilão para concessão do projeto e obras do Rodoanel. A transnacional italiana INC S.P.A, única empresa que concorreu ao leilão, ganhou o leilão ilegal com o valor de contraprestação apresentado de R$ 91,4 milhões pelo prazo de 30 anos, devendo investir ainda o valor de 2 bilhões conforme informações da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte: “O projeto do Rodoanel Metropolitano, que contará com o aporte de R$ 3,07 bilhões pelo Estado para a sua implementação, será a maior PPP (Parceria Público-Privada) da história de Minas Gerais. [...] O aporte do Estado é proveniente do Acordo Judicial assinado com a Vale S/A para a reparação de danos causados pelo rompimento da barragem em Brumadinho.” Liga da políticos da extrema direita na Itália, a transnacional INC S.P.A está sendo processada na Itália e na Argentina por crimes em execução de obras.[2]

A Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais - N' GOLO - entrou previamente com Ação Civil Pública[3] contra a realização do Leilão do Rodoanel sem Licenciamento Ambiental e sem Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa-fé às Comunidades Quilombolas e demais Povos e Comunidades Tradicionais afetadas por esta rodovia da morte, entre os quais estão: as Comunidades Quilombolas de Pinhões em Santa Luzia, Manzo Ngunzo Kaiango; Comunidade Quilombola Nossa Senhora do Rosário, de Justinópolis, em Ribeirão das Neves; Comunidade Quilombola Arturos, em Contagem; Comunidade Quilombola Mangueira, em Belo Horizonte; e Comunidade Quilombola Pimentel, em Pedro Leopoldo; contrariando frontalmente os termos da Convenção nº 169 da OIT. A Ação Civil Pública se encontra em agravo na segunda instância da Justiça Federal. Um desembargador da Justiça Federal decidirá sobre o Agravo em breve. O INCRA e a Fundação Palmares estão no polo passivo da Ação Civil Pública. Precisamos com urgência do compromisso do presidente Lula e seu Ministério na defesa dos Povos e de toda a biodiversidade da RMBH diante do Rodominério, obra eleitoreira, autoritária, ecocida, hidrocida e brutalmente devastadora sob todos os aspectos.

Há ainda muitas outras Comunidades Tradicionais que podem ser afetadas, tais como, agricultores familiares, povos de terreiros, povo cigano, povo do Reinado/Congado, entre outras unidades territoriais tradicionais por serem inventariadas e mapeadas na RMBH. A Comissão dos Povos e Comunidades Tradicionais atingidas pelo o Rodoanel, em carta publicada de 03 de agosto de 2022[4], fez a denúncia e repudiou as ações do governo estadual de MG: “O Rodoanel impactará de forma profunda e radical os nossos territórios sagrados, ecológicos e ancestrais. Consultar as Comunidades Tradicionais após o leilão do Rodoanel constitui uma grave violação de direitos por não ter sido realizada a Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa-fé; É dever do Estado consultar os Povos e Comunidades Tradicionais antes de qualquer autorização, atividade administrativa ou legislativa que nos atinjam, de forma direta ou indireta.

Pelo edital de licitação o Estado de Minas Gerais se compromete a repassar para a megaempresa internacional que vencer o leilão cinco bilhões de reais, caso o Governo de MG resolva cancelar o projeto. Esta cláusula, segundo juristas, configura crime de improbidade administrativa do Governador Romeu Zema, pois viola flagrantemente a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Precisamos COM URGÊNCIA da Justiça Federal e de compromisso do Governo Federal para salvarmos a RMBH do megacrime que será o Rodoanel/RODOMINÉRIO, com medidas cabíveis para garantir o direito à Consulta Livre, Prévia, Informada e de Boa-fé às dezenas de Comunidades Tradicionais que serão impactadas e para a anulação do leilão, em face do potencial risco à integridade dessas comunidades tradicionais, de sítios arqueológicos, mananciais, áreas verdes, moradores, escolas, UPAs, igrejas e demais milhares de benfeitorias que serão brutalmente afetados, e em face de todas as injustiças socioambientais decorrentes deste megaempreendimento na RMBH.

Como propostas alternativas à construção do Rodoanel defendemos: 1) Ampliação do Metrô de Belo Horizonte para as várias cidades da RMBH; 2) Resgate do transporte de passageiros/as através de trens entre as 34 cidades da RMBH e Belo Horizonte. Existem estudos avançados inclusive no âmbito da própria Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (SEINFRA) do Governo de MG e na Comissão de Ferrovias da Assembleia Legislativa de Minas Gerais; 3) Melhoria do transporte público de ônibus em Belo Horizonte e RMBH; 4) Revitalização e ampliação do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, o que é viável tecnicamente e será muito menos oneroso e não trará as brutais violações aos direitos socioambientais, históricos e arqueológicos de Belo Horizonte e mais 13 municípios da RMBH. Sobre este ponto, deve-se observar que o anteprojeto detalhado de reforma do Anel Rodoviário[5] foi realizado pelo Governo de MG e está pronto desde 2016, tendo sido realizado pela empresa Tectran, do grupo Systra. Esse anteprojeto foi total e injustificadamente desconsiderado pelo governador Zema, que optou pelo nocivo projeto do Rodoanel. Em síntese, o rodoanel/Rodominério, se for construído, será um crime maior que o da Vale S/A em Brumadinho.

07/03/2023  

  

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima. 

 1 - Frei Gilvander: Por que leilão do Rodoanel/RODOMINÉRIO deve ser anulado? Obra maldita e eleitoreira

2 - RODOANEL (Rodominério) causará devastação de 4 Mananciais de Ibirité, MG, e RMBH. Denúncia. Vídeo 1

3 - Sob risco 4 Mananciais de Ibirité/MG e RMBH, cavernas e biodiversidade. Fora, Rodoanel RMBH! Vídeo 2

4 - Respeitem os Direitos da Natureza no lado Oeste da Serra do Rola Moça, Ibirité, MG e RMBH. Vídeo 3

5 - Manancial Bálsamo tb. ameaçado pelo Rodoanel, em Ibirité/MG. FORA, Rodoanel da RMBH/Denúncia/Vídeo 4

6 - Manancial do Barreirinho, em Ibirité/MG (Cachoeira de Pitangueiras) sob risco do Rodoanel. Vídeo 5

7 - Frei Gilvander na ALMG: "Qualquer Alternativa de Rodoanel na RMBH será brutalmente devastadora."

8 - “Fora, Rodoanel da RMBH!” Na TVC/BH no Palavra Ética. Fora, Rodominério ecocida e hidrocida –18/8/21

9 - Luta contra o Rodoanel na RMBH no Palavra Ética da TVC/BH: Rodoanel não vai resolver ... – 28/08/21

10 - ALÇA NORTE do Rodoanel/RODOMINÉRIO de BH e RMBH: Lugares, Pessoas, Bens Naturais/Culturais Ameaçados

11 - ALÇAS SUDOESTE E OESTE do Rodoanel de BH e RMBH: Lugares, Pessoas, Bens Naturais/Culturais Ameaçados

12 - Alça Sul do Rodoanel/RODOMINÉRIO de BH e RMBH: Lugares, Pessoas, Bens Naturais e Culturais Ameaçados

13 - POVO sobre Rodoanel/RODOMINÉRIO na RMBH: "obra maldita, autoritária, eleitoreira, ecocida/hidrocida"

[5] Ver: https://www.transparencia.mg.gov.br/component/transparenciamg/convenios-entrada-orgaos/2015/01-01-2015/31-12-2015/23/3999_2015/20150729